Menu

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Lucia Joyce


http://noticiasdehontem.net/materias/anoIV/XXIV/lucia_joyce.html

Lucia Joyce

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, Escritor, Presidente da Fundação Amigos da Ribeira
elisio@mercomix.com.br



Em 1933, quando a obra Ulisses do escritor James Joyce foi absolvida das acusações de obscenidade nos Estados Unidos, o telefone da casa do escritor não parava de tocar, com as ligações de congratulações. A sua filha, Lucia Joyce, berrava histérica ao telefone: “C’est moi qui est l’artiste!” (Eu sou o artista!), até o momento em que perdeu a cabeça e cortou o fio do aparelho. Depois, quando a linha foi restabelecida novamente, as chamadas constantes a enfureceram e, então, mais uma vez, o fio foi cortado por ela.
Mesmo vivendo à sombra do seu pai, Lucia sentia uma necessidade de ser enxergada como artista. Ela foi uma aluna de dança habilidosa, até sua instabilidade mental a fazer abandonar o balé.
Joyce estimulou a filha a criar um conjunto de lettrines, desenhos de letras adornadas, que seriam usados como ilustrações, pois seria uma forma de terapia para as fobias de Lucia.
Para muitas pessoas, Lucia Joyce parecia frequentemente estar alheia a tudo, e uma médica após vê-la em certa ocasião comentou: “Se eu fosse a mãe da filha de James Joyce e a visse olhando fixo dessa maneira para o ar, ficaria muito preocupada”.
Contudo, sua mãe Nora Barnacle, no início, estava mais interessada em achar um rapaz adequado para a filha. Porém, com o passar do tempo e evolução da doença, começou a temer o pior.
Lucia era bem bonita, mas não se achava atraente e constrangia-se com uma pequena cicatriz no queixo; além do estrabismo em um dos olhos, que o mantinha ligeiramente mais fechado.
Certa ocasião, quando comemoravam o aniversário de Joyce, Lucia ficou descontrolada e jogou uma cadeira na mãe, que, por pouco, não foi atingida gravemente.
Ela tinha convicção de que sua mãe era a responsável pelo término de seu namoro com Samuel Beckett, quando, na verdade, o namoro nunca acontecera e o interesse havia sido apenas por parte de Lucia, fruto da sua imaginação.
O comportamento desequilibrado e a persistente melancolia de Lucia eram tão evidentes que interná-la parecia ser a única solução possível, o que Joyce não aceitava de jeito nenhum. Ele acataria qualquer sugestão que lhe fosse dada – inclusive, ingestão de água do mar – tudo, menos a internação da filha. Eles eram profundamente ligados.
Quando Lucia completou 25 anos de idade recebeu uma série de injeções destinadas a curar sua apatia. Em 1935, seu pai a enviou a Londres para um tratamento glandular com soro bovino – mas, sem efeito.
Os indícios da doença mental de Lucia tornaram-se claros para todo mundo, exceto para Joyce, que admitia sua filha estar deprimida e sujeita a esporádicos ataques de histeria, mas, insana, nunca!
O escritor Thomas Wolfe em uma viagem de ônibus para a Bélgica observou a família Joyce e teceu o seguinte comentário sobre Lucia: “A menina era bem bonita. Achei, de início, que era uma garota americana afetada”.
No período da adolescência, os seus acessos poderiam, assim Joyce considerava, ser ataques de fúria adolescente, provocados pelo despertar da consciência sexual. Mas, e depois da faixa dos vinte anos, quando os ataques aumentaram? Joyce justificava o padrão inquieto como comportamento da natureza feminina.
Certa vez, Joyce comentou com amigos que acreditava que a conduta estranha da filha poderia ser decorrente de uma infecção dentária. Para ele, qualquer desculpa servia!
Fora os médicos suíços que trataram e realizaram cirurgias em seus olhos, Joyce desconfiava da profissão médica e desdenhava particularmente da psicanálise.
Em julho de 1933, o professor Hans Maier diagnosticou Lucia Joyce como esquizofrênica (psicose hebefrênica com um prognóstico grave) e aconselhou à família que ela fosse entregue aos cuidados do Dr. Oscar Forel, na clínica Les Rives de Prangins em Nyon, na Suíça, local onde três anos antes havia sido internada Zelda Fitzgerald, praticamente com o mesmo diagnóstico.
Porém, Joyce preferiu tratar Lucia em casa e, em certa ocasião, deu-lhe quatro mil francos para comprar um casaco de peles. “Acho que isso fará mais bem ao seu complexo de inferioridade do que a ida a um psicanalista”, ele confidenciou à esposa.
O tradutor de Ulisses para o italiano, Nino Frank, escreveu: “Certa manhã, por volta de 1933, no Champs-Elysées, esbarrei com Lucia. Nunca a tinha visto tão bonita, tão alegre, tão estranhamente tranquila, e observei-a afastar-se com passos ágeis, incrivelmente leves”.
Porém, logo depois, Frank ficou sabendo pelo próprio Joyce que Lucia estava no sanatório – no dia em que a avistara tão bem, deveria estar no limiar da loucura.
Apesar dos inúmeros esforços e tentativas contrárias do seu pai, Lucia Joyce terminou os seus dias internada em uma casa de doentes mentais, onde recebeu a visita dele várias vezes. No entanto, Nora nunca mais a veria!
Lucia faleceu em 12 de dezembro de 1982, aos 75 anos de idade.



Nenhum comentário:

Postar um comentário