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O caso de Lucia Joyce (Filha de James Joyce)
E com surpresa e mesmo um certo espanto que os meios literarios acolhem
a associacao entre Joyce e loucura.
Sabe-se, sem duvida, da marca - tambem ressaltada e comentada por Lacan
no Seminario 23 - que o desencadeamento da psicose de Lucia, filha de
Joyce, deixou tanto em sua vida quanto em sua obra. Joyce chegou
inclusive a se desdobrar para cuidar, ele mesmo, de sua filha e, entre
as varias e perturbadoras dificuldades que atravessaram sua vida, a
psicose dela foi a unica que o impediu por algum tempo de dar
continuidade ao trabalho que ele estava entao realizando ("Finnegans
Wake"). Por outro lado, esse ultimo livro de Joyce incorpora - mas
sempre transformando - uma serie de marcas relativas as situacoes
vividas durante as primeiras crises de Lucia.
Muitas vezes contra a vontade dele proprio, Joyce levou a filha a varios
medicos e relutava em concordar com os diagnosticos e mesmo com os
tratamentos que propunham para ela. Quando o agravamento progressivo e
intenso de Lucia o obrigou a acatar de vez sua internacao em clinicas
psiquiatricas, me parece que Joyce cedeu para proteger Lucia dela mesma
e nao porque concordasse integralmente com esse encaminhamento (5). Em
algumas ocasioes, Joyce chegou a acreditar e defender que Lucia tinha
poder de clarividencia que ele, inclusive, reconhecia tambem em si
proprio (6). Numa outra situacao, quando o tratamento de Lucia estava
sob a cargo de Jung, este tentou argumentar que havia "elementos
esquizoides" nos poemas que ela escrevia. Joyce, no entanto, via uma
proximidade entre os escritos da filha e o que ele fazia - tratava-se da
antecipacao de uma "nova literatura... nao compreendida, ainda (7)".
Por sua vez, Jung defendia que, embora fossem notaveis alguns dos
neologismos e aglutinacoes de palavras criados por Lucia, ela -
diferente do que acontecia com Joyce - o fazia aleatoriamente, sem
qualquer controle (8). Mais tarde, Jung explica a relutancia de Joyce em
aceitar a esquizofrenia da filha como uma dificuldade de ele se
confrontar com sua propria "psicose latente" - "seu estilo 'psicologico'
e sem duvida esquizofrenico", mas com "a diferenca de que o paciente
comum nao pode se abster de falar e de pensar desse modo enquanto Joyce
queria isso e, alem do mais, desenvolveu isso com todas as sua forcas
criativas, o que incidentalmente explica por que ele proprio nao foi
alem da borda (9)".
Algumas breves indicacoes que encontramos na exaustiva biografia que
Ellmann consagrou a Joyce poderiam referendar o diagnostico junguiano de
uma "psicose latente": faz-se uma rapida alusao a algumas alucinacoes
auditivas que teriam perturbado Joyce quando o estado de Lucia se
agravou, mas tambem somos informados de que ele havia ficado seis ou
sete noites sem conseguir dormir - um medico atestou seu estado como
nervosismo e o orientou a voltar a se dedicar a seu livro (10). Outras
referencias - bem mais discutiveis - seriam o que o proprio Ellmann
chama de "tendencia para o litigio" (que poderia evocar a querulancia
presente em alguns delirios de perseguicao (11)) e os curtos episodios
depressivos, vividos por Joyce sobretudo por ocasiao da ameacas de
censura e de nao publicacao da sua obra ou mesmo devido a ma acolhida
que "Working in progress" e, depois, o proprio "Finnegans Wake"
receberam da parte de amigos que antes exaltavam as mudanças e rupturas
que sua escritura imprimia na literatura.
No entanto, quando Lacan nos autoriza a pensar que
a loucura inspira a obra joyceana, isso nao que dizer necessariamente
que Joyce tenha, como avaliou Jung, uma "psicose latente" que não se
manifesta gracas a sua obra e a seu genio.
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