SM – O conflito de interesses na relação
instituições/pesquisadores/indústria pode ser superado? De que forma? Os
médicos têm força suficiente para não sucumbir ao assédio dos
laboratórios? Um dos argumentos usados para justificar eventual
dependência é que “as companhias propiciam educação médica continuada”.
Angell – Laboratórios
farmacêuticos não deveriam participar da “educação” de médicos, pois
não se espera que forneçam informações objetivas a respeito de produtos
comercializados por eles próprios. Ou seja, cabe à profissão médica a
responsabilidade pela sua própria educação. Para que as coisas
caminhassem de maneira imparcial, penso que o patrocinador das pesquisas
em universidades deveria ficar absolutamente fora dos estudos, o que
significa não opinar nos desenhos, não tomar parte na análise dos dados
ou na elaboração de artigos. Além disso, pesquisadores não poderiam ter
outros vínculos financeiros, como aquele que os obriga a prestar
consultorias patrocinadas pelos laboratórios financiadores de remédios.
Finalmente, em suas práticas, os médicos não deveriam aceitar brindes da
indústria farmacêutica. Nem mesmo os considerados insignificantes, pois
a literatura mostra que, mesmo pequenos presentes, especialmente
aqueles dados aos médicos em formação, criam o desejo de retribuir de
alguma forma. Reconheço que essas sugestões parecem radicais hoje,
porque médicos envolvidos nos âmbitos práticos e acadêmicos estão bem
acostumados a receber grandes somas de dinheiro, jantares e presentes da
indústria. Incidentalmente, isso provém do orçamento de marketing das
companhias, pois não há verbas para “educação”.
SM – Atualmente, suas críticas em artigos e entrevistas
direcionam-se aos tratamentos alternativos e ao uso de drogas
psiquiátricas em crianças. Medicina alternativa é ruim? Há abusos na
prescrição de antipsicóticos a crianças?
Angell – Discordo
de toda a prática de medicina que não se baseie em boa pesquisa ou,
pelo menos, em forte plausibilidade biológica. Por isso, tenho postura
crítica em relação à medicina alternativa. Se tais práticas fossem
testadas cientificamente, não seriam chamadas de alternativas. Quanto à
segunda questão, drogas psiquiátricas certamente estão sendo prescritas
de forma abusiva a crianças. Digo isso baseada em pronunciamentos de
especialistas que, muitas vezes, contam com vínculos financeiros com
laboratórios farmacêuticos, em vez de comprometimento com estudos
científicos. Nos EUA, por exemplo, observa-se que problemas de
comportamento motivados por fatores sociais, econômicos e familiares
passaram a ser enquadrados na categoria “distúrbios psiquiátricos”
porque os psiquiatras que definem essas doenças têm conflitos
financeiros de interesse.
http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/marcia-angell-a-coragem-na-luta-contra-acao-de-laboratorios
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