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sábado, 16 de maio de 2020

Trechos Entrevista Saúde mental Paulo Amarante

http://www6.ensp.fiocruz.br/visa/?q=node/13

Paulo Amarante - O tratamento convencional ainda se baseia no conceito de alienação, criado por Philippe Pinel, o pioneiro da psiquiatria, o que significa estar fora de si, incapaz de perceber a realidade. No período do revolucionário francês Pinel essa condição era muito importante. Era a época do Iluminismo. Esse conceito foi criado para proteger, mas, na prática, ele discriminava porque dizia: “esse sujeito não é um sujeito da razão”, já que distúrbio na razão o impedia de ser cidadão. E essa idéia ainda é a base da psiquiatria. Depois, veio o conceito de doença mental, que significa desordem de algum órgão, mas qual é esse órgão? “Doença mental” é o oposto de Saúde Mental? É complicado. Há 20 anos esse conceito também foi abandonado porque ele faz referência a uma idéia de doença que se compara à medicina física e não tem similar, embora a psiquiatria ainda busque um distúrbio no nível neurotransmissores, mas não encontra. E às vezes, encontra esse mesmo distúrbio em pessoas ditas normais, o que complica mais ainda. Agora o termo oficialmente adotado é transtorno mental.
Mas o que é transtorno? É estar fora de si. Voltamos ao termo que lembra a exclusão. Para tratá-lo, é necessário usar um modelo correcional com tratamentos punitivos, coercitivos, próprios das instituições carcerárias. Os hospitais psiquiátricos e as instituições carcerárias são praticamente iguais. Uma visa à restauração moral, a penitência. São reformas de comportamentos, de penitência, restauração moral. Dessa forma, discurso se baseia na segregação do indivíduo, cuja recuperação estaria numa instituição que por si só é terapêutica. Então, o argumento é que a ordem moral, a penitência, a disciplina, o respeito à hierarquia, todo esse ritual de submissão (você sabe com quem está falando?) ajuda o indivíduo.
Paulo Amarante - Hoje ainda permanecem o eletrochoque, a intervenção medicamentosa, etc. A resisência à mudança desse comportamento é a resistência conservadora. É a que defende a segregação, a discriminação do outro pela cor, pela sexualidade, pela religião. E o ideal psicológico, social, biológico de divisão da sociedade. Eu aproximaria essa visão da eugenia, das visões racista e fascista onde você tem um mundo em que o diferente ou algo que ameace uma certa norma social é segregado. E há os interesses que se organizaram em torno desse mercado: é a indústria da loucura, como chamava o Carlos Gentile de Mello, num país que teve a medicina privatizada depois do golpe militar de 1964. A questão da indústria farmacêutica é muito complexa. Por um lado, interessa esse novo modelo. Por quê? Existem os medicamentos que nós chamamos de DEPOT que evitam a internação. Existem também os que eles chamam na propaganda de medicamentos de ressocializantes, que incentivam a automedicação (estresse, transtorno de pânico, etc). Por outro lado, eles precisam da categoria médica, seus prescritores. As alianças que em boa parte estão vinculadas aos centros acadêmicos conservadores ligados à linha tradicional e que fazem seus congressos, seus livros e até suas pesquisas acadêmicas financiados pela indústria farmacêutica. E a aliança cria essa contradição.

Paulo Amarante - Há também algumas universidades que apresentam uma visão conservadora. Não é a maioria, porque estamos conseguindo entrar nesses espaços. Existe um saber dentro desses espaços que está por trás do pensamento conservador. Diz que o transtorno mental é, em última instância, um transtorno orgânico - discussão presente no embate ideológico entre a luta antimanicomial e a psiquiatria organicista.).


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