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terça-feira, 30 de junho de 2020

Positividade como ideologia (Marcuse)

Trechos:

A comunicação funcional é apenas a camada externa do universo unidimensional, no qual o homem é treinado para esquecer - para traduzir o negativo em positivo de modo a poder continuar funcionando, reduzido, mas adequado, e razoavelmente bem.

A Consciência Feliz - a crença em que o real seja racional e em que o sistema entrega as mercadorias - reflete o novo conformismo, que é uma faceta da racionalidade tecnológica traduzida em comportamento social. O conformismo é novo porque é racional em grau sem precedente. Sustenta uma sociedade que reduziu - e em seus setores mais avançados eliminou - a irracionalidade mais primitiva das fases precedentes, que prolonga e aprimora a vida mais regularmente do que nunca. 

O poder sobre o homem, adquirido por essa sociedade, é diariamente absolvido por sua eficácia e produtividade. Se ela assimila tudo o que toca, se absorve a oposição, se brinca com a contradição, demonstra sua superioridade cultural. E, do mesmo modo, a destruição de recursos e a proliferação do desperdício demonstram sua opulência e o "alto nível de bem-estar"; "a Comunidade vai demasiado bem para que nos preocupemos com ela!"

Tal relação dialética de opostos na proposição, e por ela, é possibilitada pelo reconhecimento do sujeito como agente histórico cuja identidade se constitui na prática histórica e contra esta, em sua realidade social e contra ela. A locução se desenvolve e enuncia o conflito entre a coisa e sua função, e esse conflito encontra expressão linguística em sentenças que unem predicados contraditórios numa unidade lógica - similar conceptual da realidade objetiva, Em contraste com toda a linguagem orwelliana, a contradição é demonstrada, explicitada, explicada e denunciada. 

A linguagem rito-autoritária se dissemina pelo mundo contemporâneo, pelos países democratas e não-democratas, capitalistas e não-capitalistas. 2: . Segundo Barthes, é a linguagem "propre a tous les regimes d'autorité (própria a todos os regimes de autoridade) , estará presente, hoje em dia, na órbita da civilização industrial avançada, uma sociedade que não está sob regime autoritário? Visto que a substância dos vários regimes não mais aparece em formas alternativas de vida, repousa em técnicas alternativas de manipulação e controle. A linguagem apenas reflete esses controles mas torna-se, ela própria, um instrumento de controle até mesmo onde não transmite ordens, mas informação; onde não exige obediência, mas escolha, onde não exige submissão, mas liberdade. Essa linguagem controla reduzindo as formas linguísticas e dos símbolos de reflexão, abstração, desenvolvimento, contradição; substituindo conceitos por imagens. Nega ou absorve o vocabulário transcendente; não investiga, estabelece e impõe a verdade e a falsidade. Mas esse tipo de locução não é terrorista. Parece arriscado supor que os receptores acreditam ou sejam levados a acreditar no que lhes é dito. O novo toque da linguagem mágico-ritual é, antes, o de as pessoas não acreditarem nela ou não se importarem com ela, mas, não obstante, agirem em concordância com ela. Não se "acredita" no enunciado de  um conceito operacional, mas este se justifica em ação - em realizar o trabalho, em vender ou comprar, na negativa de ouvir os outros etc. 

Livro: A IDEOLOGIA DA SOCIEDADE INDUSTRIAL 
Autor: HERBERT MARCUSE 

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