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segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Desistindo da sociedade

Desistindo da sociedade


Fugitivos de um outro tipo desistem 

completamente do fluxo principal da sociedade. Alguns apenas flu-

tuam nas águas estagnadas, alguns lutam em águas turbulentas,

alguns tentam mudar a direção da corrente e alguns tentam explodir

os diques e afundar todos nós. Eles vão das crianças "da paz e do

amor" dos anos 60 e seus sucessores guiados por gurus — autocen-

trados, mas pacíficos, perturbadores em sua disposição de ser explo-

rados — ao extremo oposto do continuam de desistentes, os terroris-

tas de hoje — autocentrados e violentos, amedrontadores por causa

de seu total desprezo pela vida humana e pelos seus produtos.

Também encontramos muitos em estágios intermediários. Alguns se

retiraram apenas dos aspectos abertamente competitivos da vida130

Murray Sidrnan

mas mantêm-se artística ou intelectualmente criativos. Outros devo-

tam suas energias não tanto para a produtividade, como para a

preservação. Ainda outros tentam mudar o sistema por meio de

mecanismos socialmente aceitos como legislação, campanhas publi-

citárias, apoio a candidatos políticos, filiação em partidos ou de-

monstrações não-violentas.

A sociedade, rotulando como caronas aqueles que adotam

estilos de vida não-produtivos, dirige abuso social e político a eles. A

comunidade vê desistentes que encontram segurança nos rituais e

despotismo benevolente de um auto-intitulado profeta como amea-

ças a modos estabelecidos de conduta. Ela interpreta sua fuga como

um tapa na cara dos pais e outros responsáveis por integrar os

jovens na comunidade. Freqüentemente, pessoas que são rejeitadas

pelos desistentes voltam-se contra eles, tentando tirar sua liberdade,

classificando-os como mentalmente doentes ou incompetentes. A so-

ciedade se opõe até mesmo àqueles que podem ser chamados de

desistentes construtivos — aqueles que usam recursos-padrão e mo-

ralidade convencional na tentativa de mudar a estrutura da socieda-

de — invocando os mesmos mecanismos e moralidade socialmente

aprovados para preservar o status quo. Dissidentes, tratados como

desistentes, descobrem-se alvos de abuso verbal, físico e econômico.

"Se as conseqüências de desistir são tão opressivas e mesmo

perigosas", pode-se perguntar, "por que tantos tomam este cami-

nho?" Quando indivíduos insistem em abrir mão dos reforçadores

positivos que uma sociedade torna disponíveis, até mesmo trazendo,

em vez disso, punição severa sobre si mesmos, uma análise compor-

tamental dos indivíduos e sua sociedade torna-se necessária. Histó-

rias individuais revelarão que muitos que são classificados como

desistentes jamais foram realmente admitidos nos grupos dos quais

eles supostamente se retiraram. Eles podem, na verdade, ser fugiti-

vos da coerção, mas podemos chamá-los de desistentes se a socieda-

de nunca os assumiu como membros, para começar? Eles não esco-

lheram uma vida de opressão; eles não tiveram alternativa. Embora

tratados como desistentes, eles realmente são banidos.

É provável que descubramos, então, que muitos que parecem

tér desistido jamais tiveram acesso a reforçadores positivos suposta-

mente disponíveis. Crianças de minorias sociais freqüentemente

crescem sem escolarização efetiva, especialmente se repressão so-

cial, política e econômica impediu sua comunidade de desenvolver

uma tradição de mobilidade social ascendente. Longe de desistir,

elas foram excluídas do grupo.Coerção e suas implicações

131

Em famílias economicamente bem-sucedidas, o único apoio

paterno que alguns adolescentes conhecem é o monetário e mesmo

esse apoio não é contingente a qualquer coisa que eles façam ou

deixem de fazer. Estes jovens emocionalmente privados, a quem

jamais se ensinou responsabilidade social ou financeira, jogarão fora

seus recursos facilmente obtidos em busca de quaisquer reforçado-

res positivos que passem ao seu alcance. E assim encontramos

muitas crianças privilegiadas, cortadas dos laços familiares normais,

movendo-se para fora de seu vazio social e emocional em direção à

cultura da droga.

Por outro lado, também encontramos muitos para quem pu-

nição e reforçamento negativo anularam quaisquer reforçadores po-

sitivos disponíveis. Eles vão dos que sofreram abusos físicos e se-

xuais a aqueles que simplesmente descobriram como repulsivas as

inconsistências e hipocrisias da civilização. Para eles, sair do fogo

para cair na frigideira pode ser um ato de desespero. Controle coer-

citivo que faz isso desperdiça vidas. O crescimento do indivíduo

cessa e a sociedade perde as contribuições potenciais de seu mem-

bro desistente.

Embora esses desistentes possam apenas trocar uma situa-

ção ruim por outra, eles ainda podem obter acesso a reforçadores

dos quais anteriormente estavam excluídos, ou podem encontrar

novos tipos de reforçadores para substituí-los; estes podem recom-

pensar as novas dificuldades. Ao tentar entender por que os desis-

tentes parecem tão desejosos de trazer para si a ira da sociedade,

temos que considerar todas as alternativas e opções que desistir

torna disponíveis. Amizade e afeição, abertamente dadas e recebi-

das, mesmo em um refúgio onde a fome e o desconforto físico preva-

lecem, podem facilmente contrabalançar um ambiente anterior que

provia todas as necessidades físicas, mas punia calor emocional.

Desistentes de setores privilegiados da sociedade, algumas vezes se

descobre, sacrificaram segurança econômica por segurança emocio-

nal.

<

Considera-se que certas drogas "aumentam a consciência",

embora na realidade reduzam a acuidade sensorial, distorçam a

percepção e prejudiquem o julgamento. Entretanto, junto com estas

desvantagens, as drogas também podem produzir esquecimento das

restrições, repressões e agressões da vida. Portanto, drogas podem

ajudar a mitigar ambos, os desconfortos de um estilo de vida alter-

nativo e o abuso adicional que um ambiente coercitivo aplica ao

tentar reclamar de volta seus desistentes.132


A longo prazo, sair da sociedade não funciona, seja generica-

mente ou para o indivíduo. A sociedade sobrevive a seus membros e

sua paciente coerção esmaga rebeliões não-construtivas. Embora

aqui e acolá indivíduos realmente encontrem um nicho não-tradicio-

nal para si mesmos, ocasionalmente até tendo sucesso na alteração

de práticas de comunidades, o destino usual de um desistente é a

inefetividade — verdadeiro esquecimento. O desperdício é enorme.


Murray Sidman - Coerção e suas implicações

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