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terça-feira, 23 de outubro de 2018

Estudos biomédicos e outros fatores: disputas e implicações

[Comentário: O ponto de partida é o uso social e pragmático dos modelos biomédico e psicossocial, suas disputas e implicações levadas ao máximo. Não é intenção do texto demonstrar a conciliação possível dos modelos. Caso houvesse coerência com o caráter probabilístico do modelo médico os prognósticos da psiquiatria tradicional não seriam categóricos sobre impossibilidades e predição de ruína, pois as probabilidades de baixo valor ainda seriam possibilidades.]

Introdução

Em saúde mental e reforma psiquiátrica há uma disputa entre os fatores determinantes dos transtornos mentais: modelos biológicos e modelos psicossociais. Os primeiros afirmam que a fisiologia é o mais relevante que precisa ser explicado e o segundo afirma que é preciso conhecimento interdisciplinar em ciências humanas e sociais. O que fiz foi tentar esclarecer essa disputa pelas implicações de cada modelo. Os "estudos biomédicos" se baseiam na negação de outros fatores explicativos, os quais poderiam invalidar diagnósticos fisiológicos. A área psicossocial afirma que os problemas sociais são medicalizados e por isso o tratamento da fisiologia não é imprescindível em muitos casos.

Estudos biomédicos, outros fatores: disputas e implicações

Na área de reforma psiquiátrica antimanicomial ou saúde mental seria impossível que:

Somente com tratamento biomédico e mantendo-se as condições psicossociais produtoras de sofrimento rotulado como "doença mental" a pessoa recupere a saúde. Estudos da psiquiatria biomédica recorrem a probabilidades. Mas se os estudos mostrarem dados em direções contrárias o significado disso pode ser que outros fatores mais relevantes estão sendo deixados de fora e que não é possível demonstrar uma relação necessária entre diagnóstico, tratamento biomédico e recuperação ou incapacidade. O modelo médico em psiquiatria tenta demonstrar relações necessárias entre o diagnóstico, o tratamento biomédico e o prognóstico. Se as relações necessárias no modelo biomédico em psiquiatria não podem ser demonstradas numa parcela dos estudos isso já é suficiente para desmontar ou desconstruir o modelo biomédico em psiquiatria.

A partir do modelo médico tradicional da psiquiatria seria impossível:

Não adotar o tratamento biomédico e se recuperar funcionalmente ou não piorar progressivamente (e outros indicadores de saúde)

Não ser diagnosticado por um psiquiatra biológico e não piorar progressivamente por falta de tratamento biomédico.

Ou inversamente seria impossível:

Adotar o tratamento biomédico e se tornar incapaz e aposentado.

Ser diagnosticado, adotar o tratamento biomédico e piorar bastante.

Adotar o tratamento biomédico e não melhorar por longos períodos de tempo.

Como disse o filósofo da ciência Karl Popper em sua autobiografia: Defender uma proposição científica implica logicamente em afirmar que algo é impossível. Se essa implicação for possível então há uma refutação da afirmação científica.

Karl Popper em lógica da pesquisa científica:1) "Assim, as leis naturais estabelecem certos limites para o que é possível. Eu acho que tudo isso é intuitivamente aceitável; na verdade, quando eu disse, em vários lugares em meu livro, que as leis naturais proíbem certos eventos de acontecer, ou que eles têm o caráter de proibições, eu dei expressão para a mesma ideia intuitiva."2) "É bastante claro que esta "falsificação prática" pode ser obtida apenas por meio de uma decisão metodológica de considerar eventos altamente improváveis como excluídos - como proibidos."

Discussão

Há menos resistência em incorporar o tratamento psicossocial no tratamento biomédico e mais resistência em incorporar a desmedicalização e despatologização. A psiquiatria biomédica consegue aproveitar o progresso no tratamento psicossocial enquanto que a reforma psiquiátrica precisa desconstruir o tratamento biomédico além de construir tratamentos psicossociais eficazes.

A avaliação das impossibilidades empíricas é uma tarefa para a reforma psiquiátrica mas já conhecida pelos profissionais. Somente o tratamento biomédico não consegue recuperar completamente enquanto que o tratamento psicossocial precisa ser feito de maneira consistente e eficaz para que se possa descartar a preponderância do tratamento biomédico em saúde mental. Há uma diversidade de tratamentos psicossociais e a possível falta de consistência no uso desses tratamentos pode ser usado contra a reforma psiquiátrica antimanicomial.

Refutar as impossibilidades implicadas no modelo médico em saúde mental já foi realizado mas precisa ser feito de forma ampla. Enquanto que as impossibilidades implicadas no modelo da reforma psiquiátrica antimanicomial são confirmadas em toda a rede de saúde mental por todas as pessoas que acreditam apenas em tratamento biomédico.

O tratamento biomédico leva o crédito pelos méritos da parcela de tratamentos psicossociais bem-sucedidos.

Complemento:

Há sobreposição entre diagnóstico, aspectos biomédicos e fatores psicossociais que psiquiatras biomédicos costumam desprezar. A questão é quais variáveis seriam necessárias ou suficientes serem manipuladas. Se é possível se recuperar dos impactos sociais do diagnóstico e dos efeitos do tratamento biomédico prescindindo desse tratamento esse trata-se de uma condição não necessária nem suficiente. Por outro lado, os outros fatores que permitem prescindir do tratamento biomédico seriam condições necessárias ou suficientes

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