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quarta-feira, 4 de março de 2020

Neurocientista Sidarta Ribeiro sobre a Psiquiatria

Como você vê a discussão sobre desmedicalização e em
que medida as pesquisas sobre psicodélicos podem ajudar
com alternativas ao sofrimento psíquico?

Essa é uma boa questão. Os medicamentos não estão
sendo eficazes. Mesmo com o uso indiscriminado de me-
dicação, o sofrimento psíquico não diminuiu. Ao contrário,
aumentou. Houve uma simplificação grosseira da psiquiatria.
Antidepressivo é receitado por qualquer médico, não só por
algumas especialidades, sem nenhuma base científica. As
pessoas embarcaram na medicalização achando que esta-
vam comprando um passaporte para a felicidade. Como já
apontam estudos mais recentes, os efeitos colaterais do uso
de antidepressivos são muito grandes quando comparados
com os benefícios, que são muito pequenos.

Alguns autores chegam a dizer que comportamentos “dis-
cordantes” são enquadrados como transtornos mentais.
Como é possível romper com esse modelo biomédico?

O que hoje é considerado louco foi, no passado, alguém capaz
de “ouvir as vozes” dos deuses. A figura do faraó, no Egito,
estava muito associada à loucura. Os líderes da Antiguidade
manifestavam experiências de psicose e usavam essa carac-
terística para conduzir os povos. A própria psiquiatria já tem
demonstrado que o uso indiscriminado de medicamentos
antipsicóticos não tem trazido resultado. As substâncias que
têm efeitos psicoativos só podem ser compreendidas na in-
teração de três elementos: a droga, o corpo que recebe essa
droga e o contexto social. Mas tudo isso é desconsiderado.
Elas são vendidas como se só houvesse um elemento, a
própria substância, sem considerar o corpo e menos ainda o
contexto. Precisamos reconhecer e valorizar as experiências
que levam em conta os contextos de vida de cada paciente,
como é o caso dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). O
Brasil possui uma referência nesse sentido, que pode ajudar a
romper com uma visão retrógrada de psiquiatria.

Revista Radis 209 (Fiocruz)

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