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quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Alto risco para psicose / Prevenção

 Adolescente com alto risco para psicose (“Ultra High Risk”): uma revisão integrativa [2021]

Karina Mayumi Kawakami 1 , Sônia Maria Motta Palma 2* , Rayssa Nailla Santos Duarte 3 , Heloisa Rocha Falcão 3 , Bárbara Modesto 4 .

A medicação antipsicótica mostrou eficácia, mas são necessários mais ensaios. Afinal, os dados sobre medicação antipsicótica são baseados em pequenos ensaios e mais evidências são necessárias para demonstrar eficácia e segurança [o artigo é de 2021]. Ômega-3 foi promissor na prevenção de um primeiro episódio de psicose, mas essa impressão é baseada em um pequeno estudo e requer replicação. Os achados referentes à Terapia Cognitiva e Comportamental (TCC) parecem robustos, mas o intervalo de confiança de 95% ainda é largo 12 .

Para ser considerado UHR, os indivíduos que procuram serviço médico devem estar na faixa etária de maior risco para psicose que seria o final da adolescência e início da vida adulta, além

de atender a um ou mais dos seguintes 3 critérios: Sintomas psicóticos atenuados: sintomas psicóticos positivos sub-limiar durante os últimos 12 meses; Sintomas Psicóticos Breves e Limitados Intermitentes: sintomas psicóticos francos por menos de uma semana que se resolvem espontaneamente; Vulnerabilidade genética quando preenche os critérios para o Transtorno da Personalidade Esquizotípica ou tem um parente de primeiro grau com um transtorno psicótico. Esses critérios de risco também devem estar associados à deterioração do funcionamento social ou ao mau funcionamento social cronicamente 1-4 .

A maioria dos indivíduos que se encontram nos critérios UHR não vão desenvolver um transtorno psicótico, mas podem ter sintomas psicóticos atenuados persistentes com prejuízo de qualidade de vida.

Um dos principais desafios na prevenção da transição para esquizofrenia é identificar sinais e sintomas específicos e sensíveis que podem prever uma psicose futura. O pródromo é um fenômeno clínico identificado retrospectivamente após o surto psicótico.

Segundo Tsuang et al (2013), é relatado a importância da identificação da doença o mais breve possível e que o diagnóstico tardio, está relacionado a um prognóstico ruim devido ao declínio sócio-ocupacional e isso é de difícil reversão. Portanto, a forma de avaliação foi alterada para a definição de

síndromes de risco de psicose e desta forma, observando, os tratamentos que podem impedir a transição para psicose nesses grupos de risco ultra alto. Nota-se que os indivíduos com sintomas psicóticos atenuados, tinham uma ou mais comorbidades psiquiátricas. No DSM-V, temos a inclusão da síndrome

dos sintomas atenuados que são sintomas negativos (exemplo: expressão emocional diminuída ou avolia) expressados de forma atenuada, como por exemplo, às crenças esquisitas e experiências perceptivas incomuns. Foi incluído no DSM-V, como uma condição de um estudo mais aprofundado 9 .

Um estudo realizado em Child and Adolescent Psychiatry Department of the University Medical Center Utrecht recrutou setenta e dois adolescentes entre 12 e 18 anos que cumpriam critérios UHR ou sintomas básicos de distúrbios cognitivos (COGDIS). Desses 57 pacientes completaram acompanhamento de dois anos. No final do período de acompanhamento 15,6% dos adolescentes em UHR tinham experimentado transição psicótica; 35,3% ainda preenchiam os critérios de UHR e 49,1% dos indivíduos em UHR tinham remetido do quadro 6 .

Sobre TCC, há vários trabalhos que falam sobre esse assunto. Morrison et al. relataram que esta reduz significativamente a probabilidade de transição para psicose. Van der Gaag e colegas constataram também que TCC reduziram a transição para a psicose ao final de 18 meses de acompanhamento. Outro estudo recente de Bechdolf e colegas descreveram que esta intervenção para pacientes em “estado prodrômico inicial” reduziram a transição para psicose. Apenas 3,2% participantes que receberam TCC transitaram para primeiro episódio de psicose, comparado com 16,9% que não receberam 13 .

Os indivíduos (UHR) que se converterão à psicose continuam sendo um problema não resolvido [em 2021]. Ainda precisa ser totalmente entendido se o risco de transição para a psicose é incrementado pela presença de sintomas não psicóticos, como transtornos de humor. Há necessidade de mais estudos sobre esse assunto. Sintomas não-psicóticos são uma preocupação prevalente em indivíduos em UHR e são a principal causa de procura por ajuda, portanto seria interessante tratar os sintomas não-psicóticos para alívio do sofrimento dos pacientes UHR.

No geral, os estudos encontrados indicam que a TCC parece reduzir a sintomatologia psicótica impedindo ou retardando a transição para a psicose, além de melhorar o funcionamento social nos pacientes UHR 11,12 . Com relação ao tratamento medicamentoso, os antipsicóticos parecem ser eficazes na diminuição dos sintomas UHR. Há certa preocupação no uso dos antipsicóticos nesses pacientes; estes incluem os efeitos colaterais que podem ser particularmente angustiantes para os jovens (por exemplo, ganho de peso, disfunção sexual, efeitos colaterais extrapiramidais; auto-estigmatização. Há a necessidade de mais estudos sobre o uso de antipsicóticos nesses pacientes ao longo prazo 11 .

Nos ensaios clínicos realizados, tanto a duração como os períodos da intervenção nos pacientes UHR têm sido relativamente curtos. Assim, persiste a dúvida sobre a extensão de tratamento que deve ser ministrada e se ao longo do tempo, a intervenção é eficaz, pois antipsicóticos possuem muitos efeitos colaterais. Deve-se ter mais discussão sobre custo-benefício nos tratamentos nos pacientes UHR.

O monitoramento clínico desses pacientes UHR com relação a sinais precoces de psicose é bastante eficaz em reduzir a duração da psicose não tratada e parece diminuir a gravidade do primeiro episódio. Ainda são necessários mais estudos de acompanhamento desses pacientes UHR.

CONCLUSÃO

Os critérios de UHR foram introduzidos para identificar pessoas jovens com um alto risco para transtornos psicóticos, ou seja, nas fases prodrômicas da doença. Retardando o primeiro episódio psicótico, há diminuição do prejuízo da qualidade de vida do paciente, além de diminuir os custos com saúde. Há a necessidade também de tratar dos sintomas não psicóticos como depressão e ansiedade que podem estar associados a esses pacientes. Os ensaios clínicos com pacientes UHR são por períodos curtos de acompanhamento, há a necessidade de mais estudos [em 2021] sobre se as intervenções são eficazes ao longo do tempo.


Jovens em ultra alto risco de psicose: pesquisa na clínica PACE

Young people at ultra high risk for psychosis: research from the PACE clinic [2011]

Artigo da Austrália com verba da Janssen. A Austrália é o líder mundial em prevenção de psicose no primeiro episódio.

Alison R. Yung, Barnaby Nelson

Orygen Youth Health Research Centre, Centre for Youth Mental Health, University of Melbourne

Dadas as evidências de que muitas terapias benignas como TCC, óleo de peixe e até terapia de apoio são tão eficazes quanto os antipsicóticos para reduzirem o risco de transição para transtorno psicótico, os antipsicóticos não são recomendados para essa população 94,95 . Uma controvérsia atual nesse campo refere-se à inclusão de uma adaptação dos critérios de UAR no DSM-V, sob a forma de um diagnóstico de síndrome de psicose atenuada.

Ainda que existam evidências razoáveis sobre a eficácia de estratégias de intervenção específicas nessa população, o tipo mais efetivo e sua duração ainda têm que ser determinadosc [em 2011]

No entanto, um grande desafio tem sido o de identificarprospectivamente o pródromo, especialmente dada a natureza não específica dos sintomas prodrômicos 7,8 . Sintomas prodrômicos típicos, tais como transtornos do sono, humor deprimido e ansiedade 9,10 , podem ser o resultado de várias condições, tais como depressão maior, transtornos de ansiedade e até doença física, e não necessariamente indicam um pródromo de psicose. Mesmo sintomas psicóticos positivos atenuados ou isolados podem não necessariamente progredir para um transtorno psicótico franco, já que esses são conhecidos por ocorrerem antes do início de transtornos não-psicóticos 11-13 e serem razoavelmente comuns na população geral 14-17 .

Assim, ainda que alguns pródromos de fato evoluam para o desenvolvimento de um transtorno psicótico (os verdadeiros positivos), muitos não evoluem. “Falsos positivos” são aqueles que não desenvolveram e não desenvolverão jamais um transtorno psicótico. Esses falsos positivos precisam ser distinguidos daqueles que desenvolveriam um transtorno psicótico se não fosse por fatores que alteraram a trajetória da doença, tais como intervenção, redução do estresse ou o abandono do uso de drogas ilícitas. Denominamos esse último grupo, “falsos falsos positivos” 18,19.  Teoricamente, os falsos falsos positivos compartilhariam com os verdadeiros positivos genótipos e marcadores endofenotípicos, ao passo que se assemelham fenotipicamente aos falsos positivos.

Uma implicação dessas questões conceituais e terminológicas é que o pródromo é necessariamente um conceito retrospectivo. Um indivíduo que apresenta sintomas prodrômicos de transtornos do sono, humor deprimido e inclusive sintomas psicóticos atenuados pode ser um caso de verdadeiro positivo, falso positivo ou falso falso positivo quando acompanhado no tempo. O perigo de se utilizar sintomas não específicos para identificar o pródromo é que muitos serão falsos positivos. O desafio tem sido, portanto, o de desenvolver critérios que sejam capazes de detectar pessoas com alta probabilidade de desenvolver psicose, ou seja, maximizar os verdadeiros positivos e minimizar os falsos positivos. Uma estratégia para alcançar esse objetivo foi o desenvolvimento de critérios de ultra alto risco (UAR; sendo o termo “ultra” utilizado para distinguir estes critérios da abordagem de “alto risco” genético). Esses critérios usam uma abordagem de avaliação sequencial ou estratégia de close in 20 , que requer a combinação de múltiplos fatores de risco com o efeito de concentrar o grau de risco no grupo selecionado. A estratégia prioriza a especificidade sobre a sensibilidade, com a possibilidade de que pessoas genuinamente em risco possam não ser identificadas. Os critérios de UAR utilizam o fator de risco de idade (adolescência e início da vida adulta), dado que esta é a faixa etária com a maior incidência de transtornos psicóticos 21 . A idade é combinada com fatores de risco clínicos, tais como declínio funcional e sintomas prodrômicos, particularmente aqueles que ocorrem próximos ao início da psicose clínica, tais como sintomas psicóticos atenuados e isolados. Além disso, o risco genético presumido, combinado com a deterioração funcional ou funcionamento pobre crônico, é um critério.

Os critérios originais de UAR requeriam que uma pessoa jovem com entre 14 e 30 anos encaminhada por problemas de saúde mental preenchesse os critérios para um ou mais dos seguintes grupos: (1) Grupo com Sintomas Psicóticos Atenuados (SPA): aqueles que vivenciaram sintomas psicóticos positivos subclínicos, atenuados, no último ano; (2) Grupo com Sintomas Psicóticos Breves e Limitados Intermitentes (SPBLI): aqueles que vivenciaram episódios de sintomas psicóticos clínicos que não duraram mais do que uma semana e que foram espontaneamente mitigados (i.e., sem tratamento); e (3) Grupo com Fator de Risco de Traço e Estado: aqueles com um parente de primeiro grau com um transtorno psicótico ou em que o paciente identificado possui um transtorno de personalidade esquizotípica, além de um decréscimo significativo no funcionamento ou um funcionamento pobre crônico no ano anterior. Descrições detalhadas dos critérios de UAR operacionalizados podem ser encontradas alhures 19,22,23. 

Os critérios de UAR foram adaptados e adotados mundialmente e foram variavelmente denominados como critérios de ultra alto risco (UAR) 22 , de alto risco clínico (ARC) 24 , estado mental de risco (EMR) 25,26 ou critérios prodrômicos 27,28 . Eles foram testados nos últimos 15 anos e considerados como preditores do início do primeiro episódio de psicose em índices várias centenas de vezes acima dos da população geral 22,23,27 . O período mais alto de risco é o primeiro ano após a identificação, mas os dados indicam que o risco se estende além desse ponto 27,29,30 .

Outra abordagem para a superação da natureza não específica dos sintomas prodrômicos tem sido a utilização dos sintomas básicos, descritos na psiquiatria alemã 31,32 . Em resumo, esses sintomas referem-se às anomalias subjetivamente sentidas da experiência nos domínios cognitivo, afetivo e físico, as quais se acredita que reflitam o transtorno subjacente (i.e., básico) na esquizofrenia. Descobriu-se que certos sintomas básicos são preditores de esquizofrenia em uma amostra clínica 33 e conduziram ao desenvolvimento de uma checklist de nove sintomas sugestivos de um pródromo de esquizofrenia: incapacidade de dividir a atenção, interferência no pensamento, pressão do pensamento, bloqueios do pensamento, distúrbios na fala receptiva e expressiva, distúrbio no pensamento abstrato, idéias de referência instáveis e captura da atenção por detalhes do campo visual 32 . Os critérios de alto risco requerem a presença de pelo menos dois desses sintomas. Em estudos recentes, observou-se que esses critérios se combinaram com os critérios de UAR 34 , uma abordagem considerada útil para a definição de um grupo de alto risco mais restrito e homogêneo 35 .

Pesquisa preditiva

A introdução dos critérios de UAR ofereceu a oportunidade de se estudarem de forma prospectiva as variáveis clínicas e outrasJovens em risco de psicose na clínica PACE que predizem o início da psicose, fornecendo um paradigma de pesquisa para o estudo de fatores de risco para transtornos psicóticos. No North American Prodromal Longitudinal Study (NAPLS) 27,37 , as variáveis iniciais que contribuíram de forma única para a previsão de psicose em um período de acompanhamento de dois anos e meio incluíram o risco genético para esquizofrenia com deterioração recente no funcionamento, níveis mais altos de conteúdo incomum do pensamento, níveis mais altos de desconfiança/paranóia, maior prejuízo social e histórico de abuso de substâncias. Os algoritmos de previsão que combinaram duas ou três dessas variáveis resultaram em aumentos significativos no poder preditivo positivo em comparação com os critérios de UAR sozinhos. Esses preditores foram replicados em uma amostra independente da clínica PACE 38 .

Outros preditores de curto prazo do início de psicose em amostras de UAR foram a duração dos sintomas antes do tratamento 22 ; fenômenos psicóticos positivos, tais como idéias instáveis de referência e alucinações visuais e auditivas 39 ; conteúdo bizarro do pensamento, desconfiança e desorganização conceitual 2,40 ; sintomas negativos, incluindo concentração e atenção prejudicadas, experiências emocionais anormais do ponto de vista subjetivo, pouca energia e baixa tolerância ao estresse 41 ; prejuízo marcado no exercício de papéis sociais, anedonia e associalidade 39 ; afeto embotado 39,41 e retração social 40,42 ; características esquizotípicas 39 ; sintomas básicos, particularmente prejuízos cognitivos, de linguagem, perceptivos e motores 32,33 ; depressão 22,42 ; funcionamento pobre 22,39,43 ; e abuso de substâncias 40 . Um estudo recente da clínica PACE com uma grande amostra de 817 indivíduos revelou que o grupo SPBLI foi o grupo de UAR com o maior risco de transição 44 .

Variáveis neurocognitivas e neurobiológicas também foram investigadas. Observou-se que os déficits neurocognitivos globais, em particular no domínio verbal, prediziam a transição para psicose 45-49 . Outros preditores neurocognitivos de transição são aprendizado e memória verbais reduzidos 45,46,50-52 e fluência verbal 46,51,53 , em particular semântica 53 . Velocidade de processamento diminuída em tarefas visuais foi demonstrada 46,47,54 e dois grupos relataram que o desempenho da memória visual foi associado com transição para psicose 50,51 .

Vários estudos de intervenção nessa população foram publicados até hoje. O primeiro deles foi dirigido na clínica PACE e comparou terapia cognitivo-comportamental (TCC) e dose baixa de medicação antipsicótica (risperidona) combinadas com o manejo usual de caso. O índice de transição para psicose no grupo de tratamento foi significativamente menor do que no grupo controle após seis meses. No entanto, em acompanhamento de 12 meses, não houve diferenças nos índices de transição, a menos que os pacientes tivessem seguido rigorosamente a prescrição da medicação antipsicótica 62 . O acompanhamento de médio prazo (média de três anos e meio) não apresentou diferenças significativas entre os grupos de tratamento em termos do índice de transição, nível de sintomatologia ou funcionamento 30. Esse estudo foi seguido por um estudo de New Haven, EUA, comparando 12 meses de medicação antipsicótica (olanzapina) com placebo 63 . Houve uma tendência para que o grupo de tratamento apresentasse redução no índice de transição, ainda que não tivesse atingido significância estatística. Isso pode ter se devido ao poder reduzido do estudo.

Finalmente, um relatório provisório sobre outro ensaio clínico de intervenção realizado pela clínica PACE foi recentemente publicado. Esse estudo comparou TCC com risperidona, TCC com placebo, e terapia de apoio com placebo 67 . Houve uma fase de 12 meses de tratamento e uma fase de 12 meses de acompanhamento. O artigo provisório relata dados de seis meses de acompanhamento. Não houve diferenças estatísticas significativas entre os índices de transição nesse momento do acompanhamento. Isso pode ter se devido ao fato de que o índice de transição no grupo controle (terapia de apoio mais placebo) foi muito menor do que o esperado - aos seis meses de acompanhamento, somente 7,1% do grupo controle (2 de 28) tinham desenvolvido psicose.

Alternativamente, os achados podem indicar que esses três tratamentos são igualmente eficazes para atrasar a transição para psicose na população de UAR, especialmente quando os pacientes são identificados precocemente no curso dos sintomas (ver abaixo)

Recentemente, houve interesse na possibilidade de se utilizarem antidepressivos para reduzir o risco de psicose em amostras de alto risco 70,71 . Cornblatt et al. 71 relataram um estudo naturalístico com pessoas jovens com sintomas prodrômicos tratados tanto com antidepressivos como com antipsicóticos. Doze (43%) dos 28 pacientes que tinham recebido prescrição de antipsicóticos evoluíram para psicose nos dois anos seguintes, ao passo que nenhum dos 20 pacientes tratados com antidepressivos desenvolveu psicose subsequentemente. Resultados similares foram relatados por Fusar-Poli et al. 70 com base em uma auditoria de prontuários. Esses resultados precisam ser interpretados com cautela, devido à natureza não controlada dos estudos: pode haver diferenças nos sintomas, funcionamento ou outras variáveis da linha de base entre os grupos de tratamento, e a não adesão ao tratamento foi bem mais proeminente entre os pacientes que receberam a prescrição de antipsicóticos do que os que tiveram prescrição de antidepressivos.

Esses resultados indicam que a intervenção específica na população de UAR é eficaz em pelo menos retardar o início da psicose. No entanto, devido à heterogeneidade dos tratamentos testados até hoje, mais pesquisas são necessárias para determinar o tipo mais eficaz e a duração da intervenção para esse grupo.

O desenvolvimento posterior dessa base de dados seria uma contribuição útil para a elucidação de um modelo de estadiamento clínico operacional 73,74 . Os achados relativos à eficácia de tratamentos mais benignos, tais como terapia cognitiva e óleo de peixe, dão suporte ao modelo de estadiamento, que propõe que os estágios precoces da doença devem ser responsivos a tratamentos menos invasivos 75 .

Questões recentes 

Baixos índices de transição baixos têm sido observados na clínica PACE e em outras clínicas de UAR em anos mais recentes 76 .

Os índices de transição ao longo de um ano foram da ordem de 10-20%, em oposição aos índices de 30-40% observados em estudos mais antigos. Especulamos previamente sobre as possíveis razões para isso 77 . Parece que, à medida que o trabalho das clínicas “de risco” tornou-se bem conhecido, o uso formal e informal dos critérios de UAR aumentou e os pacientes estão sendo encaminhados mais precocemente 76 . Assim, experiências semelhantes à episódios psicóticos (psychotic-like) estão sendo detectadas mais precocemente e possivelmente quando antes não o teriam sido. Isso pode resultar em encaminhamentos mais precoces à PACE e no encaminhamento de indivíduos que não seriam encaminhados anteriormente. Para aqueles encaminhados mais precocemente, o início dos sintomas de psicose poderia ser retardado em 6 ou até 12 meses (i.e., um viés de “tempo decorrido” pode estar em operação). Alternativamente, pode ser que detecções bastante precoces possibilitem que a intervenção seja mais eficaz em retardar ou mesmo evitar o início da psicose. Isso é consistente com o modelo de estadiamento da psiquiatria, que propõe que quanto mais precocemente um transtorno é identificado, mais benigno será o tratamento e melhor o desfecho 78,79 . Para aqueles que previamente não teriam sido detectados e encaminhados, isso significa que mais falsos positivos podem ser incluídos em coortes Jovens em risco de psicose na clínica PACE de UAR. Sabe-se que experiências psychotic-like são comuns na comunidade e não estão geralmente associadas ao sofrimento ou à busca por auxílio 14-17,80,81 . É possível que, ao aumentar a consciência potencial dos encaminhadores e da comunidade sobre tais experiências e sua relação com transtornos psicóticos clínicos, o trabalho da clínica PACE possa ter inadvertidamente resultado em um maior encaminhamento de pessoas que nunca estiveram de fato em risco de desenvolver transtornos psicóticos para serviços clínicos. Não está ainda claro quando estas experiências em coortes da comunidade sinalizam maior risco para transtornos psicóticos ou não psicóticos ou quando elas são fenômenos benignos não associados a risco aumentado 17 . O menor índice de transição e a possível alteração nas práticas de encaminhamento ressaltam outra questão importante na pesquisa sobre UAR. A validade preditiva dos critérios de UAR depende da amostra em que eles são aplicados. Os critérios de UAR terão baixo poder preditivo em amostras com um baixo índice de transição para transtorno psicótico, tais como a população geral, e terão um poder preditivo maior em uma população clínica enriquecida 77 .

Uma controvérsia atual no campo de UAR é a de se uma adaptação dos critérios de UAR deve ser incluída como um diagnóstico na próxima versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - Quinta Edição (DSM-V). Diferentes termos têm sido sugeridos para esse novo diagnóstico, incluindo “síndrome de risco de psicose”, “síndrome de risco para primeira psicose” e, mais recentemente, “síndrome de psicose atenuada” 82,83 (ver Tabela 1). O diagnóstico seria um diagnóstico “transitório”, a

Uma controvérsia atual no campo de UAR é a de se uma adaptação dos critérios de UAR deve ser incluída como um diagnóstico na próxima versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - Quinta Edição (DSM-V). Diferentes termos têm sido sugeridos para esse novo diagnóstico, incluindo “síndrome de risco de psicose”, “síndrome de risco para primeira psicose” e, mais recentemente, “síndrome de psicose atenuada” 82,83 (ver Tabela 1). O diagnóstico seria um diagnóstico “transitório”, a ser utilizado por um período de tempo limitado, sendo suplantado por outros diagnósticos do DSM mais adiante ao preencher seus critérios. Nesse sentido, seria similar ao prejuízo cognitivo leve como uma síndrome prodrômica de risco para demência 84 .

Além disso, os portadores desta síndrome podem não se encaixar em um diagnóstico satisfatório no DSM-IV que resolva adequadamente as suas necessidades. Portanto, eles podem ter dificuldade para acessar e receber reembolso dentro dos esquemas de seguros médicos [motivador do diagnóstico é o seguro médico (plano de saúde) e o médico pode trocar o diagnóstico para poder receber o seguro médico)]. O DSM-IV não engloba tais pacientes, pois seus diagnósticos de personalidade baseados em traços, tais como o transtorno de personalidade esquizotípico, não se adaptam aos aspectos ligados ao estado e duração dos critérios de síndrome de psicose atenuada e os sintomas não são suficientemente graves para justificar um diagnóstico de transtorno psicótico clínico. Esse casos podem terminar por preencher os critérios para outros diagnósticos, como transtornos psicóticos ou de humor, ou podem simplesmente se recuperar e não receber um diagnóstico definitivo. Woods e colaboradores 86 apresentaram dados indicando que os clínicos podem selecionar diagnósticos do DSM-IV para pacientes com síndrome de psicose atenuada quando necessitarem fazê-lo para fins de reembolso, mas que isso não significa que os profissionais considerem que esses diagnósticos do DSM-IV capturem de forma adequada o quadro clínico dos pacientes. Dessa forma, esses autores alegam que há um hiato no DSM atual para a síndrome de psicose atenuada que não é atualmente coberto por outras categorias diagnósticas e que permite vários outros desfechos.

Vários pontos foram elencados contra a inclusão da síndrome de psicose atenuada no DSM-V. Primeiro, há a questão do número potencialmente alto de falsos positivos diagnosticados com a síndrome 85,87 . Esse alto número de falsos positivos pode se dever ao problema inerente dos falsos positivos nos pacientes identificados como de risco, somado ao problema de erros de diagnóstico em ambientes não especializados 85 . Ademais, o índice de base da psicose pode ser mais baixo em populações fora dos ambientes de pesquisa terciária, particularmente no atendimento primário e na população geral, aumentando, dessa forma, o índice de falsos positivos, como observado acima 12,87-89 . Essa preocupação levou à inclusão da ressalva de que os sintomas psicóticos atenuados devem estar associados a sofrimento, incapacitação e busca por auxílio. No entanto, essa inclusão também é problemática, pois a busca por auxílio depende de vários fatores não ligados à doença, incluindo a disponibilidade de serviços e atitudes culturais e sub-culturais [identificação com marginalizados].

Embora a identificação de falsos positivos não seja inerentemente problemática e possa ser aceitável em outras áreas da medicina (p. ex., doença cardíaca), os oponentes à inclusão da síndrome de psicose atenuada alegam que seu índice de custo-benefício não é favorável devido a várias consequências indesejáveis: o alto risco de estigma (no próprio paciente e nas outras pessoas) e discriminação, incluindo por parte de companhias de seguro de saúde 87,90 ; a possibilidade de exacerbar a tendência já evidente de tratamento com medicações antipsicóticas para pacientes com sintomas psicóticos atenuados na ausência de boas evidências para tal 85,87,91-93 ; e os baixos benefícios que resultam da identificação de casos, dada a falta de uma base clara de evidências para intervenções eficazes 85,88 . É também possível que a síndrome de psicose atenuada sofra do fenômeno da “deformidade diagnóstica”, ou seja, o limiar para um diagnóstico se modifica gradualmente como resposta à prática clínica, aos grupos de pressão política e a outras forças sociais 87 . Um exemplo disso seria o cenário de um clínico que fornece a um paciente um diagnóstico de síndrome de psicose atenuada para que ele acesse o tratamento e ganhe a cobertura do seguro, mesmo que o paciente tecnicamente esteja justamente abaixo do limiar da síndrome de psicose atenuada. A deformação poderia também ocorrer na direção contrária, ou seja, pacientes previamente diagnosticados com transtorno esquizofreniforme ou alucinatório podem receber, ao invés desses, um diagnóstico de síndrome de psicose atenuada. Esse problema, segundo Ross 92 , poderia ser particularmente importante devido à falta de uma definição operacional clara dos sintomas “atenuados” nos critérios propostos. Ele argumenta que o grau de “atenuação” que é tolerado antes que o indivíduo esteja abaixo do limiar para uma síndrome de psicose atenuada resultará em baixa confiabilidade no contexto clínico.


Artigo da Austrália com verba da Janssen. A Austrália é o líder mundial em prevenção de psicose no primeiro episódio.

Os alcances e limites da medicalização do risco para a psicose: a emergência de uma nova categoria?

Stephan Malta Oliveira

A partir das questões discutidas anteriormente, pode-se chegar a algumas implicações com relação aos limites da medicalização do risco para a psicose.

Com o “sobrediagnóstico” ou a “epidemia” dos diagnósticos psiquiátricos, um dos grandes problemas que surgem no reconhecimento da categoria PRS é o elevado número de “falsos positivos”, ou seja, de indivíduos que serão incluídos na categoria, mas que mais tarde não desenvolverão qualquer transtorno psicótico. Essa taxa na PRS pode chegar a 70-75%. Dessa maneira, os indivíduos categorizados serão, provavelmente, submetidos a todos os riscos inerentes a uma terapia medicamentosa, que se dá, preferencialmente, pelo uso de um neuroléptico atípico, submetendo de tal forma os indivíduos tratados a riscos como, por exemplo: ganho de peso, problemas cardiovasculares e, em última instância, até mesmo relativos à diminuição da própria expectativa de vida. Além disso, o indivíduo ainda pode ser estigmatizado de maneira desnecessária, e possíveis implicações com relação ao sentido de controle e de responsabilidade podem ocorrer (FRANCES, 2010).

Um estudo realizado por Linszen et al. (2001), por exemplo, mostra que tanto o reconhecimento quanto a intervenção precoce na psicose podem não ser tão importantes para o resultado quanto a continuidade da assistência, e que é questionável se programas de intervenção precoce (referindo-se a pacientes que apresentaram primeiro episódio psicótico) podem modificar o curso da esquizofrenia.

Outro importante aspecto a ser considerado relaciona-se à terapêutica de primeira escolha, no caso da PRS/APSS. Como a biomedicina constitui a racionalidade médica hegemônica no campo da psiquiatria na contemporaneidade, há uma tendência a que o tratamento de escolha seja a intervenção farmacológica, com todos os seus riscos mencionados anteriormente. Além disso, ainda que a farmacoterapia não seja explicitamente definida como a abordagem de primeira linha para o tratamento do risco para a psicose, a pressão da indústria farmacêutica e a própria formação profissional, pautada na racionalidade biomédica, fariam com que os neurolépticos fossem amplamente utilizados, aumentando consequentemente os lucros da referida indústria.

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