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quinta-feira, 15 de junho de 2023

Depressão: Fatores de risco e proteção

Fatores de risco e proteção para sintomatologia depressiva e comportamento suicida em população geral

[Epidemiologia]

Giovanna Vallim Jorgetto

João Fernando Marcolan

Jorgetto GV, Marcolan, JF. Risk and protective factors for depressive symptoms and suicidal behavior in the general population. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 3):e20201269. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1269

No que tange aos fatores de risco para a sintomatologia depressiva, emergiram, nos discursos, problemas em sua maior parte relacionados à dificuldade quanto aos vínculos e relacionamentos na família, agravados pelo uso de álcool e outras drogas e desemprego; tristeza e solidão relativas a questões sobre a ausência física de pessoas significativas e decepção concernente à relação afetiva; perdas reais e antecipatórias, sendo verbalizadas morte de pessoas significativas; retroalimentação dos sintomas depressivos; inabilidade para vivenciar frustrações ao longo da vida; e problemas com a espiritualidade.

No que se refere à solidão, constata-se que os discursos estiveram relacionados à incapacidade de viver só, atrelada a sentimento de culpa, prejuízo na interação social, ter família e não ter contato próximo com familiares, acentuado pela depressão instalada. 

Emergiram dos discursos problemas nas relações familiares quanto ao uso de drogas por familiares próximos, separação e  frustração de expectativas nos relacionamentos afetivos, problemas dos filhos e de relacionamentos com eles e problemas de saúde dos familiares.

No conteúdo das falas abaixo, se destacam as perdas reais e antecipatórias ocasionadas pela morte (morte do filho, morte do marido por câncer, suicídio do pai, morte violenta do irmão, assassinato do ex-marido, medo de perder um ente querido). 

Questões relacionadas ao desemprego ou a dificuldades financeiras ou a ambos emergiram relacionados ao sofrimento psíquico, evidenciando-se preocupação com o sustento da família, contas atrasadas e privação de contato com filhos devido a dificuldades financeiras.

Houve também discursos que revelaram a falta de habilidade para vivenciar frustrações ao longo da vida.

Se as coisas não saem como eu quero, fico muito mal. Aí me deprimo. (E44)

Quando quero as coisas e não consigo. Quando quero ter alguma e também não consigo, me sinto mal. (E49)

O que me deixa depressiva é quando não consigo ter as coisasque quero e resolver meus problemas. (E70)

Quanto à percepção dos participantes sobre os fatores de proteção para a sintomatologia depressiva, emergiram relatos referentes sobretudo à importância dos vínculos e relacionamentos familiares e afetivos saudáveis, contato social e exercício da fé. As falas relacionadas à família e relacionamentos afetivos como fatores de proteção expuseram a necessidade de convívio harmonioso entre os membros da família, filhos presentes no convívio diário, relacionamento prazeroso com o parceiro, estabilidade familiar e conseguir prover sustento da família.

A necessidade de estabelecer contato com outras pessoas é um dos mais fortes e constantes impulsos humanos, atrelados a sentimentos de inclusão, controle e afeição. Essa interação social com outros seres humanos é de extrema importância para a pessoa se desenvolver e sobreviver de forma psiquicamente saudável, uma vez que gera nela o sentimento de pertencimento(1,3). 

No que tange à relação entre a rejeição e depressão, o sentimento de  rejeição ou o medo de ser rejeitado é uma das experiências mais fortes  e dolorosas que as pessoas enfrentam durante sua vida e tem o poder de comprometer a qualidade de vida(1,9).

Ressaltamos também que, pelas escalas, tivemos um terço dos participantes acima de 61 anos com sintomas depressivos, e mais da metade deles referiu doenças pré-existentes, tais como diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e cardiopatia, experiências traumáticas repetitivas, estados de estresse crônicos (emocionais ou físicos ou ambos), perdas emocionais, perdas materiais, rejeição emocional, relacionamentos entre pais e filhos ou entre cônjuges com dinâmica disruptiva, desemprego, isolamento social, entre outros. Tudo isso é compatível com a literatura sobre a relação entre envelhecimento e rejeição, visto que, na atualidade, o envelhecimento associa-se a doenças e perdas, relacionando-se à deterioração do corpo, ao declínio e à incapacidade, o que gera a base da rejeição ou da exaltação acrítica da velhice, pela representação da morte, doença, afastamento e dependência(1-2,10). 

Sobre a questão da percepção de sintomas depressivos atrelada a problemas nos relacionamentos familiares, o convívio do participante com familiares usuários de álcool e drogas é desgastante, servindo de gatilho para quadros depressivos(13).

Conflitos conjugais, relações conflituosas, falta de apoio do companheiro e insatisfação conjugal apresentam também relação importante com altos índices de depressão e, por consequência, comportamento suicida(14).

Quanto às perdas afetivas, estas são eventos traumáticos vivenciados pelos participantes ao longo da vida e que necessitam de tempo para serem elaborados, porém existem situações em que elas se tornam mais traumáticas a quem as vivencia, a exemplo de morte de familiares por suicídio e assassinatos, que acabam por acentuar a intensidade do trauma e do sofrimento psíquico(14-15). As perdas afetivas relacionadas à morte de familiares por suicídio desencadeiam no ente enlutado sentimento de culpa e questionamentos internos, sem respostas lógicas, e o forte estigma social com muita frequência domina o imaginário de pessoas próximas ao suicida, levando a intenso sofrimento psíquico(15). 

No tocante à percepção de que o desemprego desencadeia depressão, essa relação é bem estabelecida na literatura, em que se constata relação de forma causal do desemprego prolongado,  perda de status econômico e social, extrema pobreza e insegurança alimentar com estados depressivos crônicos bem como crises de depressão grave e comportamento suicida(13). Em nosso estudo, vimos nos participantes, de modo significativo, o desemprego associado a baixa renda familiar (entre dois e cinco salários mínimos). Estudo realizado evidenciou que pessoas com renda inferior a três salários mínimos mensais ou desempregadas  apresentaram cerca de 70% maior ocorrência de depressão comparativamente àqueles de maior renda(16). Ressaltamos que a maioria dos participantes com sintomatologia depressiva detectada pelas escalas psicométricas referiu estar sem renda ou com esta de até dois salários mínimos. 

Relativamente à percepção dos participantes acerca dos fatores de proteção para sintomatologia depressiva e comportamento suicida, a família surgiu como matriz da experiência social e escola de formação de vínculos afetivos que ocupa na psique dos participantes deste bloco o cerne do qual o significado existencial emana e o bem-estar emocional depende(18). Estudos apontam que indivíduos com melhor suporte social ou familiar estariam menos predispostos a apresentar sofrimento ou transtornos mentais quando submetidos a eventos estressantes(3,18-19); autores afirmam que famílias nas quais há estímulo para conversas sobre os problemas de seus membros e mais abertas a mudanças de opinião apresentam aspectos mais protetivos em relação à ocorrência de depressão e, por sua vez, do suicídio(18). Isso, porque tais famílias atendem aos pré-requisitos de possuir alguém confiável para conversar sobre as dificuldades diárias e seus sentimentos, permitindo a eles acolhimento e crescimento pessoal(19). 

Houve relatos consensuais dos participantes acerca da relação entre sintomatologia depressiva e comportamento suicida.

Estudos evidenciam que a dificuldade de percepção adequada diante das causas da depressão e a falta de recursos internos emocionais para lidar com situações estressantes e difíceis são características de indivíduos depressivos e pioram conforme a intensidade do quadro, a gerar alteração da autocrítica e piora da sensação de sofrimento psíquico(1-2,6). Como esses indivíduos retardam a busca por atendimento, então apresentam piora do quadro, com aumento considerável das chances de surgimento do comportamento suicida(6). 

Com relação à morte ser verbalizada como solução ante o intenso sofrimento psíquico desencadeado pelos sintomas vivenciados, deve-se destacar que tal perspectiva de morte surge nos quadros moderados e graves da depressão(3). Entre os sentimentos característicos da depressão grave, temos o sentimento de impotência perante a vida e de que não há saída para a agonia psíquica sofrida, e isso é um gatilho para o  comportamento suicida(1-3).

Quanto à relação entre desesperança e comportamento suicida, esta é compreendida como um importante fator de risco(1), pois configura-se por pensamentos autoderrotistas e uma visão pessimista e negativa diante do futuro, estando interligada à depressão(18). 

O que observamos nos participantes de nosso estudo é o intenso efeito que a ausência de significado ou propósito de vida causa, com seu impacto corrosivo sobre o estado emocional, cognitivo e comportamental, a corroborar um estudo(20). Por outro lado, é bem conhecida a associação entre transtornos de ansiedade e depressão(1-3): pesquisas têm apontado que, em média, 70% dos indivíduos com depressão sofrem concomitantemente de ansiedade e cerca de 80% dos que têm ansiedade apresentam quadro associado à depressão(16,20), uma vez que formam um circuito de retroalimentação entre ansiedade e depressão, servindo de gatilho à desesperança e desejo de morrer. 

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