INTRODUÇÃO.
Devido à evolução da medicina e à desmitificação da ideia de o médico ter o conhecimento absoluto de como proceder para obter a cura, ele foi obrigado a respeitar mais as decisões dos pacientes.
Os deveres do médico constam no Código de Ética Médica e também em legislação comum, como o Código de Defesa do Consumidor, especialmente quanto a transmitir as informações pertinentes ao caso ao paciente.
O médico é responsável pelos danos causados aos pacientes em decorrência de negligência, imperícia ou imprudência. No entanto, estas não são as únicas causas de responsabilidade civil do médico, uma vez que a omissão de informações decisivas para o paciente também lhe é causa.
Destarte, visando prevenir a responsabilidade civil, os médicos utilizam o termo de consentimento informado, que possibilita ao paciente auxiliar nas decisões do seu tratamento após receber as informações pertinentes, quando o procedimento não for urgente.
No entanto, o termo de consentimento informado, da forma como está sendo aplicado, torna-se um instrumento que busca isentar o médico de responsabilidades advindas de erro médico, e não um documento que almeja informar o paciente dos possíveis riscos iatrogênicos[1], previstos na literatura médica, possibilitando a sua autodeterminação.
Portanto, de um lado, há a necessidade de o médico transmitir as informações ao paciente, mas, de outro, o instrumento dessas informações – o termo de consentimento informado – pode ser transformado em meio de defesa que, em verdade, procura isentar o médico de toda responsabilidade.
1. HISTÓRIA E CONCEITO DO TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO.
1.1 O TERMO DE CONSENTIMENTO NO MUNDO.
Nos primórdios da relação médico/paciente, havia um caráter sobrenatural, que tornava o médico um semideus, e suas condutas, indiscutíveis. Ou seja, a exaltação da pessoa do médico decorria da fragilidade do paciente, que era um objeto do exercício da medicina. Naquela época, acreditava-se que as doenças eram uma forma de intervenção divina, representando um caráter punitivo aos indivíduos. Por consequência, a cura não era questionada, muito menos os direitos dos pacientes, os quais foram surgindo no transcorrer do tempo[2].
Entretanto, com o surgimento da ideia de que o ser humano é o fim, e não o meio, nos processos de desenvolvimento científico, o termo de consentimento informado começa a ser visto em algumas sentenças e documentos ao redor do mundo.
Na Inglaterra, em 1767, verificou-se a primeira questão envolvendo a necessidade do termo de consentimento informado no mundo jurídico. Nessa decisão, um juiz inglês condenou dois médicos por condutas impróprias, pois estes, ao retirar a bandagem do paciente, desuniram o calo ósseo propositadamente, com o objetivo de utilizar um aparelho, de uso não convencional, para provocar tração durante o processo de consolidação.
Resta claro que a preocupação do juiz na sentença[3] foi a falta tanto do consentimento do paciente para o procedimento como a de informação. Destaca-se que, naquela época, era prática dos cirurgiões informar o paciente sobre o procedimento que seria adotado, tendo em vista a necessidade de sua colaboração durante as cirurgias, pois naquele tempo ainda não existia anestesia[4].
Após esse marco no ordenamento jurídico, o termo de consentimento informado foi estudado em 1830, pelo advogado inglês John William Willcock, que, em Londres, publicou um livro sobre a legislação e o exercício profissional da Medicina[5]. A obra abordava a necessidade do consentimento do paciente, depois de ter recebido todas as informações a respeito do tratamento, da forma mais esclarecida possível, para, assim, o médico não responder pelos danos. No entanto, se o tratamento fosse realizado sem o consentimento do submetido, o médico deveria compensar qualquer lesão decorrente do procedimento.
O estudo do termo de consentimento informado teve maior abrangência no ramo da pesquisa com seres humanos. Para essa forma de consentimento, que contém as mesmas diretrizes da assistência médica, aconteceu uma evolução mais considerável, uma vez que para alcançar novas formas de tratamentos, faz-se necessária a realização de experiências com seres humanos. Sendo assim, o médico-pesquisador William Beaumont, no dia 19 de outubro de 1833, elaborou o primeiro registro de um documento estabelecendo uma relação entre pesquisador e indivíduo da pesquisa. William Beaumont tornou-se pioneiro no uso do termo de consentimento informado em pesquisas.
As principais diretrizes, introduzidas após os estudos de William Beumont, são utilizadas até os dias de hoje em ambos os ramos da medicina, pesquisa com indivíduos e tratamento: o consentimento voluntário dos indivíduos participantes, a adequação da metodologia do projeto (quando se recebem todas as informações sobre os possíveis riscos do procedimento, explicados de forma clara e compreensível) e a liberdade que o participante tem para abandonar o projeto quando desejar.
Observando a necessidade de documentos mais específicos, a Prússia aprovou, em 1901, o primeiro documento legal que obrigaria os pesquisadores e os médicos à utilização do consentimento informado em face dos procedimentos na área da medicina.
Faz-se claro que a evolução do termo de consentimento informado ocorria de país para país, de maneira interna. Todavia, a publicação, em 1947, do Código de Nuremberg, modificou todo o panorama internacional ao instituir, pela primeira vez, um documento com repercussão mundial que estabeleceu padrões éticos para a realização de pesquisa e tratamento com seres humanos. Ademais, o Código de Nuremberg estabeleceu a responsabilidade do médico de obter o documento comprobatório do consentimento dos sujeitos que se submeteriam ao tratamento. Não há menção, no Código, de que o consentimento fosse por escrito, mas é indubitável que esta consiste na melhor forma probatória[6].
O termo de consentimento informado nos Estados Unidos da América é originado basicamente da jurisprudência, tendo sua construção iniciada a partir do famoso caso Schloendorff v. Society of New York Hospital[7], julgado nos Estados Unidos em 1914, pelo relator Benjamin Cardozo. Delineou-se, pela primeira vez, o conceito de autonomia de vontade do paciente[8]. No caso em tela, o termo de consentimento foi defeituoso, visto que houve o descumprimento do dever de transmitir as informações sobre a extensão da cirurgia realizada e seus efeitos posteriores.
Após a pioneira decisão supracitada, nos Estados Unidos da América, no caso Salgo v. Leland Stanford Jr., University Board of Trustess[9], em 1957, na Califórnia/EEUU[10], o julgado também menciona expressamente a necessidade do termo de consentimento informado. Nesse caso, o paciente se submeteu a um procedimento cirúrgico, de cujos possíveis riscos não fora informado, perdendo a possibilidade de consentir ou não por meio do recebimento do maior número de informações referentes aos atos médicos. A decisão menciona que o médico é responsável pela plena revelação dos fatos necessários para o consentimento informado[11].
Em 1995, surge, na Itália, o Código de Deontologia, que introduziu as regras sobre consentimento informado na jurisprudência italiana afirmando que o paciente tem o direito à informação para poder autodeterminar-se. Ressalta-se, ainda, que as informações devem ser compreendidas, devendo o médico explicá-las de maneira que possibilite a compreensão de todos os indivíduos, independente de seu nível instrucional, social ou cultural.
Na Espanha, o consentimento informado decorre da consagração constitucional do dever de respeito pela dignidade da pessoa e do direito à integridade física[12].
Percebe-se, portanto, que o termo de consentimento informado, nos países estrangeiros, está bem mais avançado, talvez devido aos graves acontecimentos de violação dos direitos de personalidades que ocorreram durante as guerras que afligiram tais países[13].
Além disso, os estudos para o desenvolvimento do termo de consentimento informado estão em continuidade até os dias de hoje[14], pois, para que os tratamentos médicos progridam, faz-se necessária a evolução do termo. Dessa forma, aqueles submetidos a tratamentos ou pesquisas receberão melhores e mais qualificadas informações, podendo, assim, auxiliar e escolher o tratamento a que pretendem se submeter.
1.2 O TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO NO BRASIL.
No Brasil, primeiramente, havia o dogma de que o paciente não poderia participar da decisão do médico. Existia o entendimento de que, devido ao conhecimento do expert, não havia meios de o paciente intervir no procedimento a que se submeteria. Contudo, com o transcorrer do tempo, ocorreram mudanças árduas na relação médico/paciente.
Em conjunto às mudanças na relação médico/paciente, o Ministério da Saúde e o Conselho de Medicina, na década de 80, constituíram documentos que estabeleceram as bases para o uso do termo de consentimento informado na assistência médica e na pesquisa. Tais documentos foram aprofundados paulatinamente, alterando a posição cética dos experts, que não transmitiam as informações do procedimento aos pacientes[15].
O primeiro momento do termo de consentimento informado foi pós-informativo, ou seja, implantado de forma totalmente equivocada, se comparado com a evolução do pensamento mundial, descaracterizando a ideia do termo de consentimento informado. Todavia, o Conselho de Medicina e o Ministério da Saúde aderiram às regras dos comitês internacionais da saúde e às principais diretrizes do termo de consentimento informado, regras utilizadas nesse documento até hoje[16].
A ideia de respeito ao paciente, construída pelos países estrangeiros, começa a ser identificada no Código de Ética Médica brasileiro, como claramente visto em seus artigos 46, 48, 56 e 59[17]. Nesse Código, está expresso que o médico conhece a necessidade de obtenção do termo de consentimento informado, como também é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, ilustrando a necessidade do consentimento.
Nos dias de hoje, não há dúvidas quanto à necessidade da obtenção do termo de consentimento informado, salvo em casos de urgência. O médico deverá elucidar para o paciente sobre os efeitos e as consequências da terapêutica adotada, obtendo seu consentimento, sobretudo quando o tratamento comportar em risco sério. Igualmente, o médico não poderá sobrepor a sua concepção de qualidade de vida àquela que o próprio paciente tiver[18]. Portanto, o médico deve respeitar o paciente, desdobrando as informações pertinentes ao procedimento e, após, confirmar o esclarecimento, para assim obter o consentimento.
A jurisprudência brasileira percebe a necessidade do termo de consentimento informado no mundo jurídico, o que já ocorria nos países mais desenvolvidos, como mencionado anteriormente. Portanto, se o Brasil acompanhar as tendências mundiais, possibilitando uma maior autonomia ao paciente/consumidor e estabelecendo que, mesmo não ocorrendo erro médico, a simples falta do termo de consentimento, por si só, gera possibilidade de dano a ser reparado pelo prestador de serviço, estaremos seguindo as mesmas diretrizes jurídicas dos países pioneiros nesse tema.
1.3 O QUE É O TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO.
O termo de consentimento informado é mais que uma simples faculdade do paciente de recusar ou não o médico ou um tratamento. É um processo de diálogo, de recíprocas trocas informações entre médico e paciente para, assim, iniciar o tratamento[19].
No diálogo médico/paciente, o médico elucidará todas as informações sobre o tratamento a que o paciente será submetido, informando todos os riscos, os efeitos colaterais e as consequências do tratamento. Além disso, é necessário que o médico não informe apenas um tratamento, mas que forneça informações sobre outros procedimentos possíveis, ou que o paciente receba até mesmo uma segunda opinião.
Para que o termo de consentimento informado seja completo, faz-se necessário que o paciente obtenha o direito de escolher a forma de intervenção com base nas informações recebidas no decorrer do diálogo.
A sentença do Tribunal de Nuremberg do ano de 1947 resume especificamente o que vem a ser o termo de consentimento informado e voluntário, demonstrando que este é essencial, uma vez que é o meio pelo qual o paciente exerce o seu direito de escolha após receber todas as informações do procedimento a que se submeterá[20].
Logo, o termo de consentimento informado constitui o direito do paciente de participar das decisões pertinentes ao seu tratamento, devendo o médico alertá-lo sobre os benefícios e riscos do procedimento.
2.DO CONSENTIMENTO INFORMADO.
2.1. O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA E DA BENEFICÊNCIA NO TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO.
O termo de consentimento informado tem como objetivo proteger a dignidade da pessoa humana, a autonomia privada e a beneficência; esses princípios devem ser utilizados como moldes na atuação do médico.
O princípio da autonomia é a essência do termo de consentimento informado, uma vez que prescreve o respeito pela legítima autonomia das pessoas, pelas suas escolhas e decisões; estas devem ser verdadeiramente autônomas ou livres[21]. Sendo assim, para que haja a autonomia, é necessária a vontade livre da pessoa, sem defeitos ou vícios que possam macular o seu querer.
Diferentemente, o princípio da beneficência ou paternalismo, que se encontra estampado no juramento de Hipócrates[22], descreve que o médico deve buscar o melhor tratamento sem considerar as manifestações pessoais dos pacientes[23].
O termo de consentimento informado, na ótica dos princípios da autonomia e da beneficência, tem como finalidade o exercício do direito fundamental à integridade física e moral da pessoa/paciente[24].
2.2.RELAÇÃO MÉDICO/PACIENTE À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Muito já se discutiu sobre a responsabilidade médica; se é contratual ou extracontratual. No entanto, após a vigência do Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil, a responsabilidade civil do médico começa a ser analisada sob dois enfoques. Em primeiro lugar, há a prestação de serviço do médico de forma empresarial, cujo regime de responsabilidade é objetivo, quer com base no artigo 14, caput[25], do Código de Defesa do Consumidor ou no artigo 927, parágrafo único[26], do Código Civil. Segundo, a responsabilidade civil prestada de forma direta pelo profissional da medicina, contratual ou não, responsabilidade que sempre subjetiva, como previsto no artigo 951[27] do Código Civil[28].
A partir do Código de Defesa do Consumidor não há mais dúvida, para o ordenamento jurídico brasileiro, de que as normas do Código devem ser aplicadas aos serviços prestados por médicos, hospitais e clínicas, tanto na medicina individual como em grupo, tendo como base o § 2º do artigo 3º [29].
Desse modo, a relação médico/paciente deve respeitar os princípios e artigos previstos no Código de Defesa do Consumidor, e, em caso de defeito no serviço ou acidente de consumo, que venha a causar dano à saúde da pessoa/paciente, as regras incidentes serão as relativas ao fato do serviço[30], tanto nos serviços prestados pelos médicos como pelos hospitais, individual ou coletivamente.
2.3.CAPACIDADE PARA FIRMAR O TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO.
Componente essencial para firmar o termo de consentimento informado é a capacidade civil da pessoa, que permite consentir ou não – capacidade de tomar decisões livres e voluntárias, ou seja, a capacidade de autodeterminação. Contudo, para que o termo de consentimento possa ser validado e legal, é indispensável a plena capacidade do paciente para o ato[31].
Cada país tem suas próprias regras cíveis, portanto, devem-se analisar as leis para se obter as informações acerca da capacidade para firmar o presente termo discutido. Nesse sentido, no caso do Brasil, as pessoas se tornam capazes quando completam 18 anos de idade, conforme previsto no artigo 5º[32] do Código Civil brasileiro.
Portanto, para que o termo de consentimento informado seja considerado válido, torna-se necessária a plena capacidade civil do paciente, ou, nos casos em que o paciente é incapaz ou relativamente incapaz, é indispensável a presença do representante legal.
2.4. FORMA, CONTEÚDO E MOMENTO APROPRIADO.
2.4.1 FORMA.
Não há uma forma correta para a elaboração do termo de consentimento informado. Este pode ser realizado tanto pela forma oral como pela escrita. Há preferência de que o termo de consentimento informado seja escrito, porque dessa maneira haverá um registro, facilitando e possibilitando provar que o médico obteve o consentimento, de forma simplificada.
Nos casos realizados na forma oral, será necessária a presença de uma testemunha, para confirmar que o ato foi devidamente satisfatório. A doutrina aconselha que, nos casos em que há grandes margens para danos corporais, não seja adotada a utilização do termo de consentimento informado oral[33].
Para os analfabetos e juridicamente incapazes, também há uma restrição quanto à forma. Nesses casos, é necessário que haja uma avaliação de compreensão, além da concordância do representante legal no termo escrito.
2.4.2MOMENTO ADEQUADO PARA REQUERER A ASSINATURA NO TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO.
Para ter sua função totalmente atingida e, portanto, ser caracterizado como livre de qualquer coação, o termo de consentimento informado deve ser realizado antes do procedimento operatório. Torna-se necessário que o expert informe ao paciente, de forma minuciosa, todas as informações pertinentes ao procedimento cirúrgico com a maior antecedência possível, ensejando, assim, que ele possa refletir e pensar se realmente deseja submeter-se às possíveis consequências explicadas no termo de consentimento informado.
Há vedação para que o médico requeira a assinatura do termo de consentimento informado momentos antes do procedimento. Isso caracterizaria uma coação, anulando o termo de consentimento informado, tendo como consequência a sua inexistência.
Sendo assim, faz-se necessário que o termo de consentimento informado seja obtido antes da adoção de qualquer prática médica relevante, pois constitui dever ético do médico obter o consentimento do submetido antes do procedimento, uma vez que, se obtido no momento do procedimento operatório, será caracterizado como ato abusivo, além de desrespeitar o princípio da boa-fé[34].
O termo de consentimento informado pode ser presumido. No entanto, essa forma de consentimento só será aceita em benefício do próprio paciente e tomada de acordo com históricos de concordância para idênticas situações.
2.4.3 CONTEÚDO.
O componente principal do termo de consentimento informado é a informação. Desde as primeiras manifestações jurídicas acerca do tema, o dever do médico de passar as informações de forma esclarecida e compreensível aos pacientes tem sido exigência básica para a elaboração do termo de consentimento informado. Esse documento, entretanto, não pode ser o mesmo para todos os pacientes; é vedado ao médico redigir um documento e torná-lo padrão.
A informação deve estar relacionada com a complexidade da terapia e a cultura do paciente; deve proporcionar ao enfermo condições de discernir sobre os aspectos técnicos do tratamento proposto[35].
O termo de consentimento informado deve conter as possíveis consequências que o procedimento pode acarretar, seus efeitos colaterais, dores do pós-operatório, sequelas, medicamentos que o paciente deverá tomar. Essas informações devem ser expostas de forma clara e completa, possibilitando a compreensão do paciente.
Alguns doutrinadores admitem que os médicos não precisem elencar todas as possibilidades de risco iminentes do tratamento ou cirurgia no termo de consentimento informado, uma vez que os riscos gerais já seriam suficientes para o conhecimento do paciente, sob pena de a consulta tornar-se uma aula de medicina.
Não obstante, há outros doutrinadores que não apoiam essa posição. Foi relatado, por exemplo, o caso de uma jovem de 28 de anos idade que, após dar à luz pela quinta vez, solicitou uma cirurgia de laqueadura de trompas uterinas, pois era intolerante aos outros métodos anticoncepcionais. Entretanto, por não receber todas as informações necessárias, engravidou um mês depois. O médico foi processado por perdas e danos pelo fato de não ter informado que o método não era 100% eficaz[36]. Um caso semelhante é apresentado no acórdão:
CIVIL E PROCESSO CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CIRURGIA DE LAQUEADURA - GRAVIDEZ INDESEJADA - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MATERIAL E MORAL - QUANTUM INDENIZATÓRIO. [...]
2) Restando demonstrado, através do conjunto probatório, que a paciente não foi informada acerca dos riscos de nova gravidez, impõe-se a condenação por danos morais. [...] Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores MELLO CASTRO (Presidente), GILBERTO PINHEIRO (Relator), LUIZ CARLOS (Revisor) e CARMO ANTÔNIO (Vogal).
2.5 O DEVER DE INFORMAR
Não se pode ignorar que a relação médico/paciente apresenta disparidade, em função dos conhecimentos técnicos que detêm o médico e da hipossuficiência técnica do paciente, normalmente leigo na ciência da medicina, o que o coloca em uma posição de fragilidade. Dessa forma, o paciente adota uma postura de confiança e obediência, enquanto o médico deve reagir com dedicação, empenho e discriminação[37].
O dever de informar apresenta bases fundamentais constitucionais que se assentam no respeito à liberdade, posto que não se possa comprometer a autodeterminação da pessoa sem seu expresso consentimento. Destarte, analisa-se o contrato como um ato jurídico; deve ser observada a voluntariedade do ato, e, para que exista voluntariedade, deve haver discernimento, intenção e autonomia[38].
O médico deve dispensar respeito a seu paciente, e essa atitude pressupõe o dever de informar, que é baseado na transparência e boa-fé, princípios fundamentais na relação médico/paciente.
O médico deve informar o paciente ou familiar acerca do procedimento a ser realizado. Essa informação deve ser transmitida de forma clara e precisa ao paciente, possibilitando que este consiga avaliar os benefícios, riscos e chances do tratamento[39].
Ainda, o dever de informar tem base constitucional, assentando-se no respeito à liberdade, já que não se pode comprometer a autodeterminação da pessoa sem seu expresso consentimento[40].
Nesse sentido, assinala-se que o dever de dar informação contém disposição expressa na Constituição Federal, artigo 5º, Inciso XIV[41], constituindo-se em um dos direitos do consumidor, artigo 6º, Inciso III do Código de Defesa do Consumidor[42]. Além disso, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça do Ministro Antonio Herman Benjamin, é uma das formas de expressão concreta do Princípio da Transparência, sendo também corolário do Princípio da Boa-Fé Objetiva e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo Código de Defesa do Consumidor[43].
DIREITO DO CONSUMIDOR. ADMINISTRATIVO. NORMAS DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL(..).PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. OBRIGAÇÃO DE SEGURANÇA(..)DIREITO À INFORMAÇÃO. DEVER POSITIVO DO FORNECEDOR DE INFORMAR, ADEQUADA E CLARAMENTE, SOBRE RISCOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS. DISTINÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO-CONTEÚDO E INFORMAÇÃO-ADVERTÊNCIA. ROTULAGEM. PROTEÇÃO DE CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS. CAMPO DE APLICAÇÃO DA LEI DO GLÚTEN (LEI 8.543/92 AB-ROGADA PELA LEI 10.674/2003) E EVENTUAL ANTINOMIA COM O ART. 31 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. JUSTO RECEIO DA IMPETRANTE DE OFENSA À SUA LIVRE INICIATIVA E À COMERCIALIZAÇÃO DE SEUS PRODUTOS. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS POR DEIXAR DE ADVERTIR SOBRE OS RISCOS DO GLÚTEN AOS DOENTES CELÍACOS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. (REsp 586.316/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJe 19/03/2009)
O tratamento médico é atingido pelos princípios do Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, o paciente é considerado consumidor – artigo 2º[44] da Lei nº 8.089/90. De outra parte, o médico ou pessoa jurídica que presta o serviço enquadra-se como fornecedor de serviços – artigo 3º[45] da mesma lei.
No mesmo contexto, o Código de Ética Médica dispõe, nos artigos 31 e 34[46], algumas vedações e limites quanto ao dever de informar o paciente ou os familiares sobre a conduta médica a que irá se submeter. Taisartigos vedam a omissão da informação do procedimento e seus efeitos, entendiemento que é previsto na jurisprudência.
APELAÇÃO.RESPONSABILIDADE.CIVIL. CONSENTIMENTO INFORMADO. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. HISTERECTOMIA. RETIRADA DE ÓRGÃOS NÃO AUTORIZADOS. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. A responsabilidade civil do médico é subjetiva, ou seja, depende da prova da culta (§ 4º do artigo 14 do CDC). O consentimento informado estabelece que o médico deve dar ao paciente informações suficientes sobre o tratamento proposto. O direito de informação contém disposição expressa na Constituição Federal (art. 5º, XIV), constituindo-se num dos direitos do consumidor (art. 6º, inc. III, do CDC). Dever de informação igualmente presente no Código de Ética Médica. [....] APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível nº 70042067538, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 25/05/2011.)
Portanto, o dever de informação ao paciente que cumpre ao médico, de explicar a natureza da moléstia e os riscos do tratamento ou terapia, devendo aclarar sobre as consequências normais de determinada conduta, é inquestionável, sendo certo que, uma vez não cumprida essa obrigação, estará o médico prestando um serviço defeituoso, ou seja, quebrando parte de sua obrigação contratual[47].
2.6 QUANDO NÃO HÁ NECESSIDADE DO TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO.
A doutrina prevê momentos em que não há a necessidade da elaboração do termo de consentimento informado. Esses casos ocorrem quando há iminente risco de morte, quando o procedimento é urgente e quando a necessidade de operação é demasiada para esperar e prestar os esclarecimentos necessários para o paciente ou responsável. Nesse momento, o termo de consentimento informado não é efetuado, pois a vida do paciente é mais importante que o dever de informar.
Além disso, há casos no sentido de reconhecer a preeminência do direito à vida, indisponível e inviolável em face da Constituição Federal, autorizando, assim, o médico a iniciar o procedimento sem o consentimento do paciente.
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSENTIMENTO INFORMADO REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. HISTERECTOMIA. RETIRADA DE ÓRGÃOS NÃO AUTORIZADOS. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. [...] Circunstância em que prova carreada é elucidativa no sentido de que a cirurgia, da forma como foi feita (histerectomia total com anexectomia bilateral), era extremamente necessária. Não caracterização de danos autônomos decorrentes da violação do dever de informar. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível nº 70042067538, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 25/05/2011, grifo nosso)
A doutrina também prevê que, nos casos em que o Conselho Regional de Medicina considera “atividade clínica consagrada”, não há a necessidade de assinar o termo de consentimento informado, tendo como exemplo o anestesista, médico que, muitas vezes, necessita utilizar medicamentos para manter a frequência cardíaca do paciente.
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/25435/do-termo-de-consentimento-informado-em-face-da-responsabilidade-civil-medica#ixzz3PLCvSewT
http://jus.com.br/artigos/3809/o-consentimento-informado-e-a-responsabilidade-civil-do-medico