Limitações da psiquiatria biomédica Controvérsia entre psiquiatras farmacológicos e reforma psiquiátrica Psiquiatria não comercial e íntegra Suporte para desmame de drogas psiquiátricas Concepções psicossociais Gerenciamento de benefícios/riscos dos psicoativos Acessibilidade para Deficiência psicossocial Psiquiatria com senso crítico Temas em Saúde Mental Prevenção quaternária Consumo informado Decisão compartilhada Autonomia "Movimento" de ex-usuários Alta psiquiátrica Justiça epistêmica
Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)
Aviso!
terça-feira, 21 de dezembro de 2021
O híbrido marido-filho
sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
terça-feira, 14 de dezembro de 2021
Psiquiatria preventiva e resistência à desprescrição
terça-feira, 7 de dezembro de 2021
Factualidade e realidade é interna à teoria
Nossa teoria científica geral exige do mundo apenas que seja estruturado de forma a assegurar as sequências de estimulação que nossa teoria nos dá esperar.
A factualidade, como a gravitação e a carga elétrica, é interna à nossa teoria da natureza.
Quine - Things and their places in theories.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2021
Teoria e dados
Eu sugiro que ao invés de pensar que nós podemos olhar através de uma teoria e ver o mundo independentemente da mente, nossos encontros com as coisas são sempre mediados e modulados por compromissos cognitivos. O resultado é um entendimento do mundo como modulado por uma teoria particular, (Elgin, 2019, p. 522)
Fonte: ...
sexta-feira, 3 de dezembro de 2021
Poder simbólico
Capítulo 1 do livro o poder simbólico do sociólogo Bordieu. As frases longas são horríveis. Mas relendo e indo atrás dos conceitos na internet dá para entender.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2021
Cérebro e ambiente
R. Quando uma criança é privada da alteridade, seus dois lobos pré-frontais atrofiam, o circuito límbico desaparece e as tonsilas rinoencefálicas ficam hipertrofiadas. O cérebro se torna disfuncional porque não há ambiente, não há alteridade. Isso se fotografa, é muito fácil ver. Mas quando se reorganiza o ambiente, e desde que não tenhamos deixado a criança sozinha por muito tempo, vemos que os lobos pré-frontais e o circuito da memória se desenvolvem novamente e as duas tonsilas desligam. Ou seja, quando agimos sobre o ambiente, modificamos a escultura cerebral.
R. Existem três ambientes. O primeiro é o ambiente imediato do bebê: o líquido amniótico, a química. O segundo é o afetivo: a mãe, o pai, a família, a vizinhança, a escola. E o terceiro é o ambiente verbal: os relatos, os mitos. E esse ambiente também participa da escultura do cérebro.
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-10-31/boris-cyrulnik-os-adolescentes-mais-afetados-pela-pandemia-terao-depressao-cronica-quando-adultos.html?rel=mas
sexta-feira, 26 de novembro de 2021
Conhecimento médico e conhecimento do usuário
quinta-feira, 18 de novembro de 2021
Transtornos não tratados com psicofármacos e crimes (atualizado)
quarta-feira, 17 de novembro de 2021
Um gene para tudo
"Se você quiser entender por que a humanidade trava guerras, há um gene para isso. Quer entender por que homens estupram mulheres? Há um gene para isso. Quer entender por que o ‘caráter nacional’ do Leste Asiático, do Ocidente e da África são diferentes? Também já encontramos genes para isso. De fato, se acreditarmos na mídia, há um gene para praticamente toda desigualdade e toda injustiça na sociedade moderna.
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
Anormalidade psicológica, cultura e modelo médico
Outro aspecto destacado nessa fase da obra de Mead é a definição de “normalidade psicológica” como comportamentos compatíveis com as exigências ou normas sociais. Mead apresenta importante contribuição ao afirmar que anormalidade psicológica não é um problema específico do indivíduo, mas sim do fato desse apresentar comportamentos desviantes dos padrões estabelecidos como apropriados no grupo. Essa concepção tem implicações diretas sobre o entendimento das psicopatologias e da forma de lidar com elas. O que deve ser o objeto de intervenção nas psicopatologias se o problema está na interação entre o comportamento dos indivíduos e as normas sociais? O deslocamento da patologia do indivíduo para a interação desse com seu meio implica em reexaminar o modelo médico de saúde mental. A busca por causas fundamentais ou internas das psicopatologias, nesse sentido, são substituídas pelo exame dos processos de interação dos indivíduos com o meio em que vivem (Ullmann & Krasner, 1965), aspecto esse enfatizado nas descrições e proposições de Mead sobre cultura e comportamento.
Hélder Gusso, Dissertação UFSC
Pedir Invega Sustenna na Justiça
O Sistema Único de Saúde não aprovou a injeção Invega Sustenna para a tabela de medicamentos porque concluiu que não há custo-benefício suficiente. Isto é, os comprimidos simples ou outras injeções de depósito têm eficácia semelhante.
Mesmo assim médicos tentam convencer pacientes de que eles podem pedir na justiça que o SUS pague pela injeção. A judicialização da saúde é uma das estratégias de mercado dos laboratórios.
Ler mais:
Invega Sustenna não tem eficácia superior
https://crisedapsiquiatria.blogspot.com/2021/05/invega-sustenna-nao-tem-eficacia.html
Judicialização da saúde, mercado e associações de pacientes
https://crisedapsiquiatria.blogspot.com/2020/01/judicializacao-industria-farmaceutica.html
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
Blindagem contra críticas
Twitter:
quinta-feira, 11 de novembro de 2021
Tratamento de males menores e primatologia
[A busca por tratamento médico racional ou uso racional de medicamentos precisa levar em consideração a função comportamental do adoecimento. Também pode ter relação com a grande dificuldade de evitar a medicalização e de sugerir desprescrição.]
"Os cuidados da pele originaram outro tipo de atividade que assumiu grande importância: a assistência médica. As restantes espécies não progrediram muito nesse caso, mas o macaco pelado desenvolveu a assistência médica a partir do comportamento da catação social, e os progressos adquiridos têm tido uma importância extraordinária para o desenvolvimento da espécie, principalmente nos últimos tempos. Nos nossos parentes mais próximos, os chimpanzés, podemos já descortinar indícios dessa evolução. Na verdade, já se têm visto chimpanzés tratarem-se uns aos outros, cuidando de pequenos ferimentos, além dos cuidados gerais da pele prestados através da catação mútua. Os chimpanzés costumam examinar e lamber cuidadosamente as feridas pequenas. Também são capazes de extrair com o maior cuidado pequenos espinhos que se enterrem na pele; neste caso, utilizam os dedos para espremer a pele e retirar o espinho. Chegou-se mesmo a descrever o caso de um chimpanzé fêmea que tinha um corpo estranho no olho esquerdo e que se aproximou de um macho, gemendo muito e em grande sofrimento. O macho sentou-se, examinou-a atentamente e extraiu depois o corpo estranho com muito cuidado e precisão, usando as pontas de um dedo de cada mão com a maior das delicadezas. Isso já é mais do que simples catação. É o primeiro indício de verdadeira assistência médica cooperativa.
Mas, no caso dos chimpanzés, trata-se do máximo que podem atingir. Na nossa própria espécie, cuja inteligência e cooperação são muito mais desenvolvidas, esse gênero de catação especializada foi o ponto de partida para uma imensa tecnologia de assistência física recíproca. O mundo médico atual atingiu tal complexidade, que se tornou, em termos sociais, a maior expressão do nosso comportamento relativo ao conforto animal. Começou a visar aos males mais insignificantes, até se estender às principais doenças e grandes lesões corporais. Embora o fenômeno biológico tenha atingido um nível excepcional e se tenha tornado racional, têm-se desdenhado os seus elementos irracionais. Para compreender isso é indispensável distinguir entre os casos de “indisposição” grave e banal. Como acontece em todas as outras espécies, um macaco pelado pode quebrar uma perna ou ser infectado por um parasita nocivo, apenas por uma questão acidental ou de azar. Mas as coisas não são só o que parecem, sobretudo em relação às doenças mais banais. As infecções e doenças pouco importantes são em regra tratadas racionalmente como se fossem versões atenuadas de doenças graves, mas há muitas razões para pensar que esses casos são, na verdade, muito relacionados com “exigências catadoras” primitivas. Os sintomas médicos são o reflexo de um problema comportamental que assumiu uma expressão física, em vez de se tratar de verdadeiros problemas físicos.
Como exemplos banais de “males que convidam à catação” (como lhes podemos chamar) citemos a tosse, os resfriados, a gripe, as dores nas costas, as dores de cabeça, as indisposições de estômago, as erupções cutâneas, as dores de garganta, as crises de fígado, as amidalites e as laringites. O estado do paciente não é grave, mas é suficientemente anormal para justificar que os companheiros sociais lhe concedam mais atenção. Os sintomas agem da mesma maneira que os sinais de convite à catação, estimulando um comportamento reconfortante da parte dos médicos, das enfermeiras, dos farmacêuticos, dos conhecidos e dos amigos. O catado desperta uma simpatia amigável e um aumento de cuidados que em regra bastam para curar o mal.
A administração de comprimidos e remédios substitui os antigos gestos catadores e proporciona todo um rito ocupacional que reforça as relações entre catado e catador durante essa fase especial de interação social. Quase não tem importância a verdadeira natureza das drogas receitadas e, nesse nível de gravidade, há pouca diferença entre a prática médica moderna e a dos antigos curandeiros.
Pode-se objetar a esta interpretação das doenças pouco graves que é hoje possível indicar os vírus ou as bactérias que as provocam. Mas, se esses micróbios são a causa médica do resfriado ou da dor de estômago, por que haveríamos de procurar uma explicação comportamental?
A resposta é que, por exemplo, nas grandes cidades, todos nós nos expomos constantemente a esses vírus e bactérias mais comuns, mas só ocasionalmente adoecemos. É certo que alguns indivíduos são muito mais suscetíveis do que outros. Os membros mais bem sucedidos e socialmente ajustados da comunidade sofrem raramente desses “males que convidam à catação”. As pessoas que têm problemas sociais temporários ou permanentes são, pelo contrário, muito sensíveis. O aspecto mais intrigante desses males é que eles parecem ser feitos sob medida de forma a satisfazer as exigências especiais de cada indivíduo. Suponhamos uma atriz, por exemplo, que sofra de tensão social. Que sucede nesse caso? Ela perde a voz, tem uma laringite, de forma a ter de interromper o trabalho e repousar uns tempos. Equilibra-se a tensão (pelo menos momentaneamente). Se, em vez disso, ela sofresse uma erupção cutânea, poderia cobrir o corpo com os vestidos e continuar a trabalhar. A tensão teria continuado. Compare-se essa situação com a de um lutador de luta livre. Nesse caso, de nada valeria perder a voz, como forma de “mal que convide a uma catação”, mas uma erupção cutânea seria ideal e, de fato, é esse o tipo de “doença” que os médicos encontram mais freqüentemente entre os lutadores. A propósito, certas atrizes famosas cuja reputação depende da nudez que exibem no cinema costumam reagir contra a tensão com erupções da pele e não com laringite. É evidente que, tal como sucede com os lutadores, a exposição da pele é para elas fundamental, motivo por que o tipo de “doença” corresponde ao do lutador e não ao da atriz citada anteriormente.
Se há uma grande necessidade de conforto, a “doença” torna-se mais intensa. A ocasião da vida em que recebemos mais cuidados e proteção é quando somos bebês de berço. Assim, qualquer “doença” suficientemente grave para nos fazer ficar na cama tem a grande vantagem de nos fazer recuar a essa fase tão segura da infância, em que recebemos todas as atenções. Podemos convencer-nos mesmo de que estamos tomando uma grande quantidade de medicamentos, mas na verdade precisamos, sobretudo de uma grande dose de segurança, e é ela que nos cura. (Isso não quer dizer que se trate de simulação. Não é preciso simular. Os sintomas são suficientemente reais. A causa é que é comportamental e não os efeitos.)
Todos nós somos mais ou menos catadores e catados frustrados, e a satisfação obtida quando tratamos doentes é tão importante e básica como a própria causa da doença. Alguns indivíduos têm tal necessidade de tratar dos outros, que chegam a promover e prolongar deliberadamente a doença de um companheiro, para dar mais livre curso aos seus instintos catadores. Pode mesmo chegar a se estabelecer um círculo vicioso em que a situação entre catador e catado atinge um exagero extremo, a ponto de se criar a exigência (e a prestação) de assistência a um inválido crônico. Se se apontasse a um “par de catadores recíprocos” desse tipo, a realidade comportamental da respectiva conduta, ambos a negariam firmemente. No entanto, é absolutamente surpreendente verificar certas curas milagrosas que se operam às vezes, quando o ambiente criado entre catador e catado (enfermeiro — doente) é bruscamente abalado por um importante acontecimento social. Os curandeiros exploram de vez em quando essa situação, com os mais surpreendentes resultados, mas infelizmente para eles, muitos desses casos não têm só efeitos físicos, mas igualmente causas físicas. Outro fator que contraria os curandeiros é que os efeitos físicos dos “males que convidam à catação” podem ocasionar deformações irreversíveis do corpo, quando são suficientemente prolongados ou intensos. Quando isso sucede, impõe-se tratamento médico sério e racional."
Do livro O macaco nu
quarta-feira, 10 de novembro de 2021
Antropologia da ciência e psiquiatria
domingo, 7 de novembro de 2021
Auschwitz, evento fundador do pensamento na Europa
Auschwitz, evento fundador do pensamento na Europa
(A Europa pode pensar por trás de Auschwitz?) *
[muselman significa o judeu]
Reyes Mate
Isso se vê com muito mais clareza nas teorias do progresso, tão centradas na promessa de felicidade para as gerações futuras ou para uma boa parte da humanidade hoje, que não pode ver os cadáveres e escombros que cimentam a marcha triunfal da história. As filosofias da história (sejam seus autores Condorcet, Hegel ou Marx) pressupõem que o progresso tem um custo humano e uma deterioração da natureza, cadáveres e escombros, como diz Benjamin em sua nona tese. O problema é ver como esse custo é avaliado. Hegel respondeu graficamente quando escreve que são "umas florzinhas pisoteadas à beira da estrada", ou seja, é algo inevitável, um mal menor, algo em todo o caso provisório ou excepcional porque o próprio progresso acabará por reciclar o dano causado. Benjamin não passa por cima porque adverte que “para os oprimidos a excepcionalidade é a regra” (oitava tese). A prova de que essa excepcionalidade é a regra é que “não há documento de cultura que não seja também documento de barbárie” (sétima tese).
O que Benjamin propõe é interromper essa lógica letal, "passar o pincel contra a corrente" (tese sete), ou seja, julgar as conquistas relativas do progresso a partir do destino dos sistematicamente oprimidos. A estratégia de Benjamin tem uma dimensão moral e política, mas também epistemológica.
Submeter-se à lógica do progresso, ele passa a dizer, significa aceitar o triunfo definitivo do fascismo. O fascismo é mais do que o fenômeno histórico que chamamos de hitlerismo: é uma batalha hermenêutica em torno do custo da história. Se tomarmos como certo que o custo humano e material do progresso é insignificante porque o importante é uma questão da ideia ou do sucesso geral da operação, nada impede que o crime se repita, se perpetue e alcance proporções cada vez maiores. O poder do fascismo não consiste tanto em seu domínio político planetário quanto na internalização de sua lógica, ou seja, no consenso alcançado em nossa cultura de que o custo é inevitável. Não há melhor prova de que o inimigo de ontem continua agindo do que viver como se estivéssemos seguros, entendendo que o dano causado foi amortizado com os ganhos do progresso. Enquanto acreditamos nisso, não saberemos o essencial: que “o inimigo não para de somar vitórias” (sexta tese). Por isso, sentencia Benjamin, nada favoreceu tanto o fascismo quanto a falsa crença de que ele é a negação do progresso. Enquanto sua relação não for vista, a aposta geral em favor do progresso aumenta o terreno fértil da barbárie (oitava tese).
O grande paradoxo de Auschwitz é que, por um lado, exige a lembrança, suscita o dever de lembrar, enquanto, por outro, não ajuda nessa tarefa. Com efeito, o historiador Vidal Naquet afirma que o que caracteriza Auschwitz, além de seu caráter inédito de barbárie, é “a négation du crime à l’intérieur du crime lui même” (é a negação do crime ao interior do crime ele mesmo) 12. Auschwitz não se refere apenas à liquidação física de seis milhões de judeus, mas também indica um projeto para silenciar e destruir todos os vestígios de crime. Foi o maior desafio para a memória.
Que o ausente faça parte do presente, e não como um convidado de pedra, mas como uma perspectiva do todo, é um grande desafio. A ajuda de Benjamin neste ponto é inestimável. Para ele, a memória ou visão do derrotado é o único olhar capaz de descobrir por trás do surgimento da natureza, a história real e, portanto, a responsabilidade histórica.
Levinas, E. (1997) "Quelques réflexions sur la philosophie du hitlerisme"
"What is the field?", In Agamben Medios sin fin, 37-43
Se essas ruínas não são, afinal, a natureza, mas a história viva, o que a atualização da esperança frustrada está suscitando é um desejo de redenção 16. Para chegar a essa afirmação extrema, é preciso sacudir o encanto mítico que hipnotizou o homem moderno e que é tão bem expresso por Antígona quando diz que "os inocentes nunca sofreram". Se o sofredor não for inocente, todo sofrimento é culpado.
O campo, diz Agamben 20, é o espaço que se abre quando o estado de exceção passa a ser a regra. Himmler criou Dachau (campo de concentração) para os presos políticos e, para fazer o que quisesse com eles, teve que colocá-los fora das regras do direito penal e prisional, ou seja, declará-los em estado de emergência. Então tudo é possível, por isso a característica do totalitarismo é o campo. O que, em suma, caracteriza o campo é, por um lado, o estado de exceção, ou seja, a suspensão de todas as normas, a transformação da decisão do governante, e, por outro, a perda, por parte de o homem, de sua subjetividade (deixa de ser sujeito de direitos) e, conseqüentemente, de redução à vida nua (vida matável).
Em terceiro lugar, que o rompimento com a ideia ocidental de homem só seria possível se a situação a que o homem está amarrado fosse erigida sobre o fundamento do ser do homem, ou seja, se a barbárie a ser domada fosse considerada um princípio espiritual do homem. E isso é o que aconteceu quando o corpo - que é algo ao qual o homem está ligado - se tornou a base do homem. O corpo não é apenas um acidente infeliz ou feliz que nos coloca em contato com o implacável mundo da matéria. Em vez disso, é uma adesão da qual não se pode escapar.
A filosofia moderna descobriu o corpo e se reconciliou com ele. A essência do homem não está em um eu desprovido de matéria, mas na relação com o corpo. Pois bem, o hitlerismo colocou a sensação do corpo na base da sua concepção de homem, levando-a ao extremo, isto é, ao centro da vida espiritual: “o biológico com tudo o que acarreta de fatalidade torna-se mais do que um objeto da vida espiritual, seu coração se torna”.
No que se refere ao poder, Schmitt também dá o tom ao definir o soberano como “quem declara o estado de exceção”, ou seja, suspende a lei. Para Carl Scmitt, o ato político por excelência - o gesto do soberano - é um ato de decisão 25. E em nenhum lugar este gesto é mais bem expresso do que no momento de decidir o estado de exceção, uma vez que nesse ato o direito é suprimido, de modo que tudo fica ao critério do soberano. Toda política nasce e se legitima na decisão do soberano. E isso é verdade tanto para a criação da lei quanto para sua supressão. O que ocorre é que onde melhor se visualiza o decisionismo da política é justamente no ato de suspender o direito, pois uma vez fora do jogo as regras do jogo legalmente estabelecidas, o que rege é a decisão 26. E é o que acontece no campo: que o outro se reduza a sangue e terra inimiga e que o soberano tem o poder dessa redução.
c) Em qualquer caso, uma interpretação rigorosa de "tudo é campo" ou do campo como símbolo da política deve passar por uma precisão capital de Benjamin. Em sua oitava tese, ele afirma que “a tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é a regra” 27.
E então ele aponta: “temos que chegar a um conceito de história de acordo com esse estado de exceção”. O que isso nos diz é que existem duas leituras da mesma história. Por um lado, existem aquelas filosofias da história chamadas progressistas porque colocam o progresso como o objetivo da humanidade; o que os caracteriza é um otimismo militante carregado pela convicção de que vamos melhorar, embora às vezes se pague um preço indesejado, um preço, claro, provisório e lucrativo, pois resultará em melhorias tanto para o futuro quanto para o o resto da comunidade. É a história dos vencedores salpicada de figuras heróicas e geniais, pais da pátria. Por outro lado, está a história dos oprimidos.
Isso significa que se “tudo é campo” não é igual para todos: uns estão dentro e outros fazem com que estejam dentro. É por isso que há duas leituras da mesma realidade: para alguns o estado de exceção é a regra, enquanto para outros o excepcional é provisório e contingente. Benjamin está pensando na teoria do progresso (tese nove): o que alguns chamam de progresso é, para o anjo, um monte de entulho e cadáveres.
[Tradução revisada até aqui]
O que Walter Benjamin exige, uma vez estabelecida a tese de que para os oprimidos o estado de exceção não é a exceção, mas a regra, é que se construa uma interpretação da história que corresponda a essa realidade. Não propõe o direito dos oprimidos de terem seu próprio discurso, mas algo muito mais exigente: uma visão da história, com validade universal, dos oprimidos.
Se nos perguntarmos em que consiste essa autoridade ou superioridade epistêmica (para o conhecimento) dos oprimidos, isso deve ser dito em sua consciência do perigo. Os oprimidos, com efeito, tiveram duas experiências: a da injustiça física e a do esquecimento subsequente. Ele sabe que esse esquecimento não é uma coincidência, mas o resultado de uma estratégia hermenêutica dirigida pelo mesmo agressor. A existência do esquecimento é a prova da atividade do inimigo, por isso o esquecimento é sinônimo de ameaça. Os oprimidos sabem disso, por isso sabem mais: sua superioridade epistêmica tem uma consequência final, não desprezível: nenhum espectador neutro (a começar pela ciência) tem acesso direto a essa consciência do perigo. Eles precisam da mediação da consciência dos oprimidos. Assim, Benjamin apresenta a memória não como uma atividade voluntarista do sujeito que recorda, mas como um assalto, como um relâmpago que nos ilumina de surpresa, ou seja, como uma sabedoria proporcionada pelos oprimidos ameaçados.
Notemos que a existência da vítima é desumana e a do carrasco também. O bom alemão que voltou para casa de seu trabalho no campo para atuar como um bom pai de família e devoto burguês dominical não poderia ser humano se tivesse a tarefa de desumanizar a vítima. Desumanidade, portanto, da vítima e do carrasco, mas com uma diferença notável. Assim como a vítima não hesita em reconhecer a desumanidade em que viveu durante sua prisão, o carrasco nunca. Sentem-se dignos, inocentes, pela obediência e, portanto, merecedores do respeito, que dão a si próprios e ao que esperam dos outros. Os que mandam, menos ainda. Eles entendem que o exercício do poder do homem é sempre, como uma ativação de poder, algo humano; que esse poder pode ter efeitos destrutivos é secundário. Diante do poder destrutivo, enfatizam o poder, o exercício do poder, que é algo profundamente humano. A destrutividade do poder é um mero adjetivo que pode ser conveniente ou mesmo perverso, mas que não começa com a natureza humana do poder: o poder é humano, mesmo que seja imoral.
Estamos assumindo ao longo deste discurso que o ponto de partida é a desumanidade do muselman (judeu), que é ele, portanto, quem nos pergunta e se pergunta "se este é um homem". Mas aqui nos deparamos com um sério obstáculo, porque acontece que o muselman, por definição, não fala, não pergunta. A testemunha integral do fogo é consumida em cinzas; quem desceu ao inferno do sofrimento, não volta.Como interpretar o seu silêncio? Para compreender o silêncio, ou seja, a questão do muselman e não nos perdermos em investigações que seriam apenas projeções de nossos próprios fantasmas, devemos levar em conta a relação entre a testemunha e o muselman. O muselman é a testemunha integral; o sobrevivente não esvaziou o cálice da experiência da vítima, mas ele sabe disso. O que o sobrevivente nos conta, as perguntas que ele nos faz, constituem o ponto de partida de um processo que não termina com o depoimento do sobrevivente, mas remete ao silêncio do muselman. Mas esse silêncio só aparece em toda a sua profundidade quando ouvimos a palavra do sobrevivente;
Agamben fala de um "resto" ou mais significativo nas figuras da testemunha e do muçulmano, um "resto" que surge precisamente quando essas duas figuras se relacionam, referindo-se uma à outra. O próprio da testemunha é o seu testemunho, isto é, uma palavra autorizada que nos revela um continente de horror que questiona radicalmente as categorias estabelecidas em nosso mundo cultural; Pois bem, o “resto” da testemunha é a remissão daquelas palavras ao silêncio do muselman, como se tudo dito não fosse nada. Mas, para compreender a densidade do silêncio, você precisa ter passado pelas perguntas da testemunha.
Sem as palavras da testemunha, então, o silêncio do muselman seria um excesso inconcebível para qualquer um de nós. O "resto" do muselman é a autoridade que seu silêncio confere à palavra da testemunha; se a palavra da testemunha é algo mais que a análise do filósofo ou a informação do historiador, é por causa do apoio do muselman.
O “resto” da testemunha é o silêncio do muselman, e o “resto, a autoridade conferida pela palavra da testemunha. Se transferirmos isso para o fundamento da ética, teremos que a mudança de "ser bom" para "ser homem" é inesgotável e inatingível. A questão que nos é dirigida a partir das múltiplas experiências de desumanidade 31 - "se este é um homem" - acarreta uma tarefa infinita, não só porque o mal moral é incessante, mas porque é inesgotável, está além da palavra humana, como o silêncio do muçulmano. Não há resposta para a pergunta e isso significa, subjetivamente, que ninguém está protegido da desumanidade, e que ninguém, objetivamente, tem a palavra final. Não há lugar fora da questão da desumanidade em que a humanitas (O antigo termo latino humanitas geralmente se refere à humanidade, bem como às normas e comportamentos que tornam o homem primeiro. Muitas vezes, ele estava em estreita relação com a paideia. Para Marcus Tullius Cicero, humanitas descreve, entre outras coisas, as possibilidades e as limitações dos humanos, que também os distinguem do animal. O conceito de valor foi freqüentemente usado por autores romanos como sinônimo de educação moral e intelectual, e foi revivido no humanismo do Renascimento.) possa ocorrer, mesmo que seja sempre de forma inicial, por isso ser homem é uma experiência de injustiça. E qualquer pretensão de acabar com o mal moral por meio do caminho expedito da genética, ou seja, qualquer pretensão de ter uma resposta definitiva para o que quer que seja para o homem, é uma monstruosidade, uma vez que a humanitas não postula um ponto final, mas uma atenção infinita às experiências de desumanidade.
“O Ocidente não aceita o sofrimento como inerente (fazendo parte) a esta vida, por isso não consegue extrair as forças positivas que batem no sofrimento”, Hillesum (1985), 178-9. Hillesum não só relaciona a vida com o sofrimento, mas o sofrimento com a razão, por isso se apresentou como "o coração pensante do quartel", ibid., 202
“Para dotar o coletivo de traços humanos, o indivíduo tem que suportar o desumano. A humanidade deve ser desprezada na ordem individual para que apareça no plano do ser coletivo ”, W. Benjamin GS II, 3, 1102)
[Original]
Auschwitz, acontecimiento fundante del pensar en Europa
(o ¿puede Europa pensar de espaldas a Auschwitz?)*
Reyes Mate
Esto se ve mucho más claramente en las teorías del progreso, tan volcadas hacia la promesa de felicidad de futuras generaciones o de una buena parte de la humanidad presente, que no puede ver los cadáveres y escombros que cimientan la marcha triunfal de la historia. Las filosofías de la historia (sean sus autores Condorcet, Hegel o Marx) dan por supuesto que el progreso tiene un costo humano y un deterioro de la naturaleza, cadáveres y escombros, como dice Benjamin en su tesis novena. El problema es ver cómo se valora ese costo. Hegel responde gráficamente cuando escribe que son “una florecillas pisoteadas al borde del camino”, es decir, es algo inevitable, un mal menor, algo en cualquier caso provisional o excepcional pues el propio progreso acabará reciclando el daño causado. Por ahí no pasa Benjamin pues advierte que “para los oprimidos la excepcionalidad es la regla” (tesis octava). La prueba de que esa excepcionalidad es la regla es que “ no hay documento de cultura que no lo sea también de barbarie” (tesis séptima).
Lo que Benjamin propone es interrumpir esa lógica letal, “pasar a la historia el cepillo a contrapelo” (tesis séptima), es decir, juzgar los logros relativos del progreso a partir del destino de los sistemáticamente oprimidos. La estrategia de Benjamin tiene una dimensión moral y política, pero también epistemológica.
Someterse a la lógica del progreso, viene a decir, significa aceptar el triunfo definitivo del fascismo. El fascismo es algo más que el fenómeno histórico que llamamos hitlerismo: es una batalla hermenéutica en torno al costo de la historia. Si damos por hecho que el costo humano y material del progreso es in-significante porque la significación es cosa de la idea o del éxito global de la operación, nada impide que el crimen se repita, se perpetúe y alcance cada vez mayores proporciones. El poder del fascismo no consiste tanto en su dominio político planetario cuanto en la interiorización de su lógica, es decir, en el consenso alcanzado en nuestra cultura de que el costo es inevitable. No hay mejor prueba de que el enemigo de ayer sigue actuando que el vivir como si estuviéramos a salvo, entendiendo que el daño causado ha quedado amortizado con las ganancias delprogreso. Mientras nos creamos eso desconoceremos lo esencial: que “el enemigo no cesa de sumar victorias” (tesis sexta). Por eso, sentencia Benjamin, nada ha favorecido tanto al fascismo como la falsa creencia de que es la negación del progreso. Mientras no se vea su relación, la apuesta general a favor del progreso acrecienta el caldo de cultivo de la barbarie (tesis octava).
La gran paradoja de Auschwitz es que, por un lado, exige el recuerdo, plantea el deber de recordar, mientras que, por otro, ella misma no ayuda en esa tarea. Dice, en efecto, el historiador Vidal Naquet que lo que caracteriza a Auschwitz, más allá de su carácter inédito de barbarie, es “la négation du crime à l’intérieur du crime lui même” 12 . Auschwitz no remite sólo a la liquidación física de seis millones de judíos, sino que también señala un proyecto de silenciamiento y destrucción de todo rastro del crimen. Era el mayor desafío a la memoria.
Que lo ausente forma parte del presente, y no como invitado de piedra, sino como perspectiva del todo, supone un gran reto. Para este punto la ayuda de Benjamin es inestimable. Para él la memoria o visión de los vencidos es la única mirada capaz de descubrir tras la apariencia de naturaleza, la historia real y, por tanto, la responsabilidad histórica.
Levinas, E. (1997) “Quelques réflexions sur la philosophie du hitlerisme”
“¿Qué es el campo?”, en Agamben Medios sin fin, 37-43
Si esas ruinas no son, a fin de cuentas, naturaleza, sino historia viviente, lo que está planteando la actualización de la esperenza frustrada es un deseo de redención 16 . Para llegar a esta extrema afirmación hay que sacudirse el hechizo mítico que tiene hipnotizado al hombre moderno y que está tan bien expresado por Antígona cuando dice que “nunca sufrió el inocente”. Si el que sufre no es inocente, todo sufrimiento es culpable.
El campo, dice Agamben 20 , es el espacio que se abre cuando el estado de excepción se convierte en regla. Himmler creó Dachau para prisioneros políticos y, para poder hacer con ellos lo que quisiera, tuvo que colocarles al margen de las reglas del derecho penal y del derecho penitenciario, es decir, declararles el estado de excepción. Entonces todo es posible, por eso lo propio del totalitarismo es el campo. Lo que, en resumidas cuentas, caracteriza al campo es, por un lado, el estado de excepción, es decir, la suspensión de toda norma, la transformación de la decisión del que manda en regla, y, por otro, la pérdida, por parte del hombre, de su subjetividad (deja de ser sujeto de derechos) y, consecuentemente, reducción a nuda vida.
En tercer lugar, que la ruptura con la idea occidental del hombre sólo sería posible si la situación a la que el hombre está atado fuera erigida en el fundamento del ser del hombre, es decir, si la barbarie que se quiere domeñar fuera considerada principio espiritual del hombre. Y esto es lo que ha ocurrido cuando se ha convertido al cuerpo -que es algo a lo que el hombre está atado- en la base del hombre. El cuerpo no es sólo un desgraciado o afortunado accidente que nos pone en contacto con el implacable mundo de la materia. Es, más bien, una adherencia de la que uno no escapa. La filosofía moderna ha descubierto el cuerpo y se ha reconciliado con él. La esencia del hombre no está en un yo desprovisto de materia sino en la relación al cuerpo. Pues bien el hitlerismo ha colocado a la base de su concepción del hombre el sentimiento del cuerpo, llevándolo al extremo, es decir, al centro de la vida espiritual: “lo biológico con todo lo que conlleva de fatalidad se convierte en más que un objeto de la vida espiritual, se torna su corazón”.
Por lo que respecta al poder, también Schmitt da la pauta cuando define al soberano como “quien declara el estado de excepción”, esto es, suspende el derecho. Para Carl Scmitt el acto político por excelencia -el gesto del soberano- es un acto de decisión 25 . Y en ningún lugar se expresa mejor ese gesto que en el momento de decidir el estado de excepción pues en ese acto se suprime el derecho, de suerte que todo queda a merced de la decisión del soberano. Toda la política nace y se legitima en la decisión del soberano. Y eso vale para la creación del derecho como para su supresión. Lo que pasa es que donde mejor se visualiza el decisionismo de la política es precisamente en el acto de suspender el derecho pues una vez que han quedado fuera de juego las reglas de juego, legalmente establecidas, lo que manda es la decisión 26 . Y eso es lo que ocurre en el campo: que el otro es reducido a una sangre y tierra enemiga y que el soberano tiene el poder de esa reducción.
c) De todas formas, una interpretaión rigurosa del “todo es campo” o del campo como símbolo de la política debe pasar por una precisión capital de Benjamin. En su tesis octava dice que “la tradición de los oprimidos nos enseña que el estado de excepción en el que vivimos es la regla” 27 . Y, a continuación señala: “tenemos que llegar a un concepto de historia acorde con ese estado de excepción”. Lo que ahí nos dice es que de la misma historia hay dos lecturas. Por un lado están esas filosofías de la historia llamadas progresistas porque ponen al progreso como objetivo de la humanidad; lo que les caracteriza es un optimismo militante portado por el convencimiento de que vamos a mejor, aunque haya que pagar a veces un precio no deseado, precio, por supuesto, provisional y rentable pues redundará en mejoras sea del futuro sea del resto de la comunidad. Es la historia de los vencedores sembrada de figuras heroicas y geniales, padres de la patria. Por otro, está la historia de los oprimidos.
Esto quiere decir que si “todo es campo” no lo es de la misma manera para todos: unos están dentro y otros les hacen estar dentro. Por eso hay dos lecturas de la misma realidad: para unos el estado de excepción es la regla, mientras que para otros la excepcional es provisional y contignente. Benjamin está pensando en la teoría del progreso (tesis novena): lo que unos llaman progreso es, para el ángel, un cúmulo de escombros y cadáveres.
Lo que Walter Benjamin exige, una vez establecida la tesis de que para los oprimidos el estado de excepción no es ninguna excepcionalidad sino la regla, es que hay que construir una interpretación de la historia que se corresponda con esa realidad. No plantea el derecho de los oprimidos a tener su propio dicurso, sino algo mucho más exigente: una visión de la historia, con validez universal, desde los oprimidos.
Si nos preguntamos en qué consiste esa autoridad o superioridad epistémica del oprimido hay que decir en su conciencia de peligro. El oprimido, en efecto, ha hecho dos experiencias: la de la injusticia física y la del olvido posterior. El sabe que ese olvido no es una casualidad sino el resultado de una estrategia hermenéutica dirigida por el mismo agresor. La existencia del olvido es la prueba de la actividad del enemigo, por eso el olvido es sinónimo de amenaza. El oprimido lo sabe, por eso sabe más.Su superioridad epistémica tiene una última consecuencia, nada desdeñable: ningún espectador neutral (empezando por la ciencia) tienen acceso directo a esa conciencia de peligro. Necesitan la mediación de la conciencai del oprimido. De ahí que benjamin presente la memoria no como una actividad voluntarista del sujeto que recuerdo sino como un asalto, como un relámpago que nos ilumina por sorpresa, es decir, como una sabiduría que proporcionan los oprimidos amenazados.
Notemos que inhumana es la existencia de la víctima e inhumana la del verdugo. El buen alemán que volvía a casa de su empleo en el campo para ejercer de buen padre de familia y devoto burgués dominical no podía ser humano si tenía tra de sí la tarea de deshumanizar a la víctima. Inhumanidad pues de la víctima y del verdugo, pero con una diferencia notable. Así como la víctima no duda en reconocer la inhumanidad en la que vive durante su encarcelamiento, el verdugo, jamás. Se sienten dignos, no-culpables, debidos a la obediencia y, por tanto, merecedores del respeto, del que se dan a si mismos y del que esperan de los demás. Los que imparten órdenes , todavía menos. Entienden que el ejercicio del poder del hombre es siempre, en cuanto activación del poder, algo humano; que ese poder pueda tener efectos destructores es algo secundario. Ante el poder destructivo ponen el acento en el poder, en el ejercicio del poder, que es algo profundamente humano. Lo destructivo del poder es un mero adjetivo que puede ser conveniente o incluso una perversión, pero que en nada empece la naturaleza humana del poder: El poder es humano, aunque sea inmoral.
Estamos suponiendo en todo este discurso que el punto de partida es la inhumanidad del muselman, que es él, por tanto, quien nos pregunta y se pregunta “si ésto es un hombre”. Pero aquí nos topamos con un grave escollo porque resulta que el muselmán, por definición, no habla, no pregunta. El testigo integral del fuego queda consumido en cenizas; quien ha descendido al infierno del sufrimiento, no vuelve.¿Cómo interpretar su silencio?. Para entender el silencio, es decir, la pregunta del muselman y no perdernos en disquisiciones que sólo serían proyecciones de nuestros propios fantasmas, hay que tener muy en cuenta la relación entre el testigo y el muselmán. El muselman es el testigo integral; el superviviente no ha apurado el caliz de la experiencia victimal, pero la conoce. Lo que el superviviente nos cuenta, las preguntas que nos plantea, constituyen el punto de partida de un proceso que no se agota en el testimonio del superviviente, sino que remite al silencio del muselmán. Pero ese silencio sólo aparece en toda su profunidad cuando hemos escuchado la palabra del superviviente.;
Agamben habla de un “resto” o plus significativo en las figuras del testigo y del musulmán, “resto” que emerge precisamente cuando esas dos figuras entran en relación, remitiéndose una a otra. Lo propio del testigo es su testimonio, es decir, una palabra autorizada que nos desvela un continente de horror que cuestiona radicalmente las categorías establecidas de nuestro mundo cutural; pues bien, el “resto” del testigo es la remisión de esas palabras al silencio del muselmán, como si todo lo dicho no fuera nada. Pero para captar la densidad del silencio hay que haber pasado por las preguntas del testigo.
Sin las palabras del testigo, pues, el silencio del muselmán sería una desmesura inconcebible para cualquiera de nosotros. El “resto” del muselmán es la autoridad que su silencio confiere a la palabra del testigo; si la palabra del testigo es algo más que el análisis del filósofo o que la información del historiador, es por el respaldo del muselmán.
El “resto” del testigo es el silencio del muselman, y el “resto de éste, la autoridad conferida a la palabra del testigo. Si esto lo trasladamos a la fundamentación de la ética, tendremos que el desplazamiento del “ser bueno” al “ser hombre” es inagotable e inalcanzable. La pregunta que se nos dirige desde las múltiples experiencia de inhumanidad 31 -“si esto es un hombre”- conlleva una tarea infinita, no sólo porque el mal moral es incesante sino porque es inagotable, esscapa a la palabra humana, como el silencio del musulmán. No hay una respuesta a la pregunta y éso significa, subjetivamente, que nadie está al abrigo de la inhumanidad, y que nadie, objetivamente, tiene la palabra definitiva. No hay ningún lugar exterior a la pregunta de la inhumanidad en el que pueda darse la humanitas, aunque sea siempre incoactivamente, por eso ser hombre es experiencia de injusticia. Y toda pretensión de acabar con el mal moral por la via expedita de la genética, es decir, toda pretensión de tener una respuesta definitiva a lo que sea al hombre, es una monstruosidad ,pues la humanitas no postula un punto final, sino una atención infinita a las experiencias de inhumanidad.
“Occidente no acepta el sufrimiento como inherente a esta vida, de ahí que sea incapaz de extraer las fuerzas positivas que laten en el sufrimiento”, Hillesum ( 1985), 178-9. Hillesum no sólo vincula vida con sufrimiento, sino que sufrimiento con razón, por eso se presentaba a sí misma como “el corazón pensante de los barracones”, ib, 202
“Para dotar al colectivo de rasgos humanos, el individuo tiene que cargar con lo inhumano. Hay que despreciar la humanidad en el orden individual para que ésta aparezca en el plano del ser colectivo”, W. Benjamin GS II, 3 ,1102)
terça-feira, 2 de novembro de 2021
Cirurgia de estimulação profunda para depressão
domingo, 31 de outubro de 2021
Sintomas leves de parkinson e "antipsicóticos"
Qualquer semelhança entre os efeitos dos "antipsicóticos" com sintomas leves de parkinson não é coincidência.
"A ausência de dopamina causa movimentos involuntários de braços, pernas e cabeça, os chamados tremores, que nem sempre são o primeiro sintoma de Parkinson. Na maioria das vezes, antes desses tremores, a pessoa desenvolve bradicinesia. "É a lentificação dos movimentos, quase sempre de um lado só do corpo, geralmente nas extremidades, como mãos e pés. Já é um sinal motor", explica Hélio Osmo, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica"."
"Como o diagnóstico é essencialmente clínico, feito após o descarte de outras patologias, o conselho é procurar o neurologista sempre que surgirem tremores involuntários (mesmo em repouso), rigidez muscular, andar mais lento e arrastado, perda de expressão facial, depressão, ansiedade, dores musculares e constipação."
quinta-feira, 28 de outubro de 2021
Contenção, tratamento involuntário e concepções sociais
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
Psiquiatria e conflito (Szasz)
Psiquiatria: conflito sem adversários reconhecidos.
Filhos e sentido na vida (Szasz)
Crianças não pedem para nascer. Os pais criam filhos para dar sentido às suas vidas, não vidas aos filhos.
Drogas ilícitas, lícitas: euforia e disforia (Szasz)
Infelicidade, psiquiatria e psicanálise (Szasz)
Freud disse que a psicanálise ajuda o paciente a trocar a miséria neurótica pela infelicidade comum. Mutatis mutandis, os tratamentos somáticos ajudam o paciente a trocar a infelicidade comum pelas misérias das curas psiquiátricas.
Nosologia psiquiátrica (Szasz)
Nosologia psiquiátrica: um dicionário de difamações disfarçado de diagnósticos.
segunda-feira, 25 de outubro de 2021
Louco para Artaud
Antonin Artaud
domingo, 24 de outubro de 2021
terapeutismo (Szasz)
O capitalismo gera a produção de bens e serviços; terapeutismo, produção de doenças e tratamentos.
Tratar, Tratamento (Szasz)
sábado, 16 de outubro de 2021
Medicalização e controle do ambiente
"O tratamento medicalizador atua na periferia dos problemas. Seria necessário atuar nas relações econômicas, sociais e culturais mas como o médico não tem controle sobre o ambiente receita medicamentos."
domingo, 10 de outubro de 2021
quinta-feira, 7 de outubro de 2021
TDAH vídeo
https://www.youtube.com/watch?v=167se17RNHw
Uso de funções executivas versus tarefa divertida. Vídeo comparativo.
terça-feira, 28 de setembro de 2021
domingo, 26 de setembro de 2021
Coeficiente de parentesco e suposições genéticas
https://pt.wikipedia.org/wiki/Coeficiente_de_parentesco
Suposições sobre genética de parentes nos transtornos mentais são feitas sem levar em conta a proporção de genes compartilhados. É bom dar uma olhada nessa tabela.
O papel da psiquiatria no holocausto alemão
Resumo do artigo de Breggin.
Link do artigo original:
http://breggin.com/wp-content/uploads/2008/01/psychiatrysrole.pbreggin.1993.pdf
A psiquiatria moderna teve o papel de antecipar o assassinato em massa na Alemanha. Em 1920 um psiquiatra alemão famoso defendeu a esterilização, castração e eutanásia para as pessoas consideradas crônicas e inaptas para o trabalho. Hitler leu esse livro na prisão e usou esse autor no livro dele. Hitler não foi um maluco em sua época. Ele e esse tipo de prática eram respeitados pela comunidade médica alemã, americana e a comunidade internacional de médicos. A associação americana de psiquiatria e a revista científica de psiquiatria americana apoiaram esse programa. Os Estados Unidos inspiraram os alemães.
As pessoas selecionadas pelos médicos para serem esterilizadas, castradas ou sofrerem eutanásia incluíam todas as pessoas internadas em hospitais psiquiátricos e alguns autores defendiam que isso não era suficiente e que era necessário eliminar os irmãos e a família inteira devido aos genes recessivos.
Os psiquiatras alemães começaram antes da 2a. guerra por conta própria o extermínio de pacientes mentais. Depois Hitler oficializou e quando houveram reclamações e Hitler retirou o status oficial do programa eugenista os psiquiatras alemães continuaram por conta própria. Os métodos criados pelos psiquiatras alemães foram transpostos pelos próprios como consultores para os campos de extermínio. A prática de extermínio dos psiquiatras alemães foi como um projeto piloto que testou a aceitação popular dos alemães para o extermínio de pessoas do próprio país.
Os psiquiatras Kraeplin (fundador da psiquiatria moderna) e Breuler (criador do termo esquizofrenia) eram eugenistas. Breuler chegou a elogiar o programa de Hitler na propaganda de um livro. O modo de pensar da psiquiatria moderna atual tem todos os pontos da psiquiatria alemã da época menos a eutanásia.
Na época ninguém levantou dúvidas sobre a ciência psiquiátrica, a antropologia e a ciência comportamental (psicológica). Isso foi considerado de maneira defensiva como as ações e pensamentos de alguns poucos indivíduos mas era amplamente aceito e discutido pelos médicos e cientistas sociais e outras áreas. A psiquiatria moderna enxerga o indivíduo como objeto, ou uma aberração bioquímica ou genética ou uma doença, fazendo com que este seja visto como sub-humano. Essa é a fonte do defeito moral da psiquiatria moderna segundo Breggin.
Por respeito à psiquiatria moderna historiadores não costumam comentar sobre a psiquiatria e seu papel no holocausto alemão. Os psiquiatras alemães não foram condenados no tribunal de Nuremberg porque o responsável era um psiquiatra eugenista americano.
O primeiro princípio é o tratamento involuntário. O segundo princípio o hospital psiquiátrico estatal. O terceiro princípio é a aplicação de diagnósticos médicos a problemas psicológicos, espirituais, sociais e políticos. Separando as pessoas consideradas inferiores e as consideradas superiores. O quarto princípio é o modelo médico ou biológico para as diferenças humanas ou transtornos psicológicos. O quinto princípio é o assalto físico ao corpo e ao cérebro com intervenções prejudiciais e incapacitantes. O sexto princípio é a eugenia involuntária. O sétimo princípio é a eutanásia. O oitavo princípio é a seleção médica das pessoas.
Os responsáveis pelo tribunal de Nuremberg chegaram à conclusão que o holocausto poderia não ter ocorrido se não fossem o programa de extermínio dos psiquiatras e que Hitler ter aplicado isso na Alemanha foi um acidente.
Violação de expectativas culturais e saúde
É importante fazer engenharia reversa do que se tornou "sintomas psiquiátricos" explicitando quais expectativas culturais foram violadas quando se atribui um diagnóstico psiquiátrico a alguém. Exemplos de expectativas culturais podem ser obediência aos superiores ou aos pais, respeito ao senso comum, compostura, comedimento, etc. A real origem do diagnóstico psiquiátrico é a violação dessas expectativas culturais e se comportar de forma a respeitar essas expectativas deveria ser considerado uma reversão do problema sem precisar de inventar uma estrutura dentro do organismo que possibilita isso (mentalismo orgânico).
sábado, 25 de setembro de 2021
Cunha comportamental
Cunha comportamental, ou behavioral cusps, é um termo cunhado por Rosales-Ruiz e Baer (1997) e traduzido por De Rose e Gil (2003, p. 375) como “um tipo de classe comportamental que expõe o indivíduo a novas contingências, as quais, por sua vez, abrem oportunidades para a aquisição de comportamentos novos e significantes que têm efeitos em longo prazo sobre o desenvolvimento comportamental”.
https://comportese.com/2011/11/11/o-brincar-e-a-analise-do-comportamento
sexta-feira, 24 de setembro de 2021
Eugenia
Geneticistas bem formados diriam que prática da eugenia não daria certo. Eugenia significa a seleção de genes superiores/saudáveis e a eliminação de doenças. Há um fenômeno chamado pleiotropia que significa que um traço influenciado geneticamente também está ligado a outros traços. Portanto, a tentativa de exacerbar alguns traços pode levar à piora de outros traços.
Outro motivo é que os genes de inteligência estão bem distribuídos na população comum.
Eu colocaria outro motivo: os estudos de gêmeos sobre genética de transtornos mentais estão equivocados. Há um trecho de um artigo no blogue sobre isso mas sem a demonstração completa.
A psiquiatria ao usar um modelo estatístico para diferenciar os superiores dos inferiores (ou os saudáveis e os doentes) através da curva normal estatística está usando o raciocínio eugenista criado por Galton (primo de Darwin). A psiquiatria biomédica acaba justificando práticas sociais nocivas a pessoas com situações sociais desfavorecidas. A sociedade também raciocina do mesmo jeito eugenista ao acreditar no modo de raciocinar da psiquiatria e há indícios claros disso no modo como as pessoas diagnosticadas são tratadas pela sociedade.
A análise do comportamento tem uma forma de raciocínio anti-eugenista porque consegue fazer até as pessoas mais deficientes aprenderem ou mostrar que alguém considerado doente na verdade é desfavorecido pelo ambiente. É possível fazer muito pela aptidão através do manejo preciso do ambiente.
A psiquiatria biomédica usa medidas estatísticas relativas chamadas vaganóticas que variam segundo a as características da população e portanto podem ser consideradas construções sociais pelo menos parcialmente. A estratégia de medida idemnótica da análise do comportamento compara o indivíduo com ele próprio.
O apêndice abaixo argumenta que medidas vaganóticas de aptidão (ou de saúde) irão variar segundo ideologias da época e que os parâmetros demandados socialmente implícito nas medidas também variarão com as épocas e sociedades. Portanto, quando a psiquiatria biomédica usa essas medidas comparativas está fazendo isso segundo ideologias sociais e não somente como uma medida de caráter natural ou biológica. Na verdade a psiquiatria biomédica estaria fazendo engenharia social ao estigmatizar e prejudicar os que considera inferiores.
Apêndice:
Estratégias vaganóticas e idemnóticas de medida:
Relacionada à Teoria da Mensuração de Stanley Smith Stevens (1906-1973), a distinção que Johnston e Pennypacker (1993a) propõem entre unidades de medida que eles denominam vaganotics e idemnotics, ou vaganóticas e idemnóticas, aportuguesando estas palavras inglesas 18 , apresentam interesse para este desenvolvimento.
Uma unidade de medida idemnótica é aquela cuja definição está atrelada, ou deriva de uma constante absoluta do mundo físico, como por exemplo, o metro, a unidade padrão de comprimento, que é definido como sendo igual ao espaço atravessado pela luz no vácuo durante o intervalo de 1/299 792 458 de um segundo, ou o joule, a unidade padrão de trabalho ou energia, definido como a aplicação da força de um newton pela distância de um metro (Bureau International des Poid et Mesures, 2009). Desta forma, e em potência, qualquer medida executada com uma unidade de medida idemnótica produzirá sempre o mesmo resultado (idem=igual). Uma unidade de medida vaganótica é definida como o desenvolvimento de um sistema de mensuração que “implica o desenvolvimento de escalas e unidades de medida baseadas na variabilidade de um conjunto de observações entre indivíduos” (Mace & Kratochwill, 1986, p. 156). Vale dizer que uma medida vaganótica é pelo menos em parte uma construção social (White, 2001). Um exemplo clássico de uma medida vaganótica é o dos testes em psicologia, nos quais a unidade de medida deriva de uma amostra x tomada num tempo t. Todavia, as unidades e escalas obtidas nesta situação seriam diferentes caso fossem derivadas de outra amostra, digamos amostra y, ou da mesma amostra x se tomadas num tempo t +/- Δt. Em outras palavras, estas unidades de medida flutuariam (vagare) em função de variáveis estranhas ao fenômeno em si mesmo e medidas obtidas com elas não produziriam sempre, necessariamente, o mesmo resultado. Além disso, conforme observa White (2001), os parâmetros que delimitam os pontos extremos destes resultados (e que definem, por via de conseqüência, todas as demais medidas do intervalo assim estabelecido) “vagam” também em função da composição da amostra de padronização e de variáveis sociais. Por exemplo, um teste desenvolvido para classificar o nível de “aptidão” escolar de crianças em 1930 dificilmente seria apropriado para medir o mesmo construto atualmente, pois inúmeras mudanças ocorreram neste intervalo, incluindo dentre elas as diferentes demandas sociais dos parâmetros deste construto: diferentes épocas implicam diferentes habilidades julgadas necessárias para o melhor desempenho do futuro cidadão naquela sociedade, diferentes ideologias implicam igualmente diferentes conceitos de “aptidão”.
ROOSEVELT RISTON STARLING
Prática controlada: medidas continuadas e produção de evidências empíricas em terapias analítico-comportamentais
Adicionado em 29/08/2024:
Mensurações vaganóticas relativas em termos de saúde e doença populacional como representado pela porcentagem de prevalência epidemiológica de transtornos mentais tratados como primordialmente genéticos significa que a expansão da medicalização é apenas uma consequência natural dessa forma de pensar já que a saúde é relativa e isso é semelhante a práticas eugenistas.
domingo, 19 de setembro de 2021
Anatomia de uma indústria (Whitaker)
Variação nas culturas e alteração na dopamina
sábado, 18 de setembro de 2021
Demência, esquizofrenia, comorbidades e antipsicóticos
sexta-feira, 17 de setembro de 2021
The marketing of the new bipolar disorder
quarta-feira, 15 de setembro de 2021
Politica social de saúde (Dowbor)
Saúde, sem dúvida, custa. Mas é o produto que mais
desejamos. Ou seja, é um produto, e talvez o melhor de
todos. Não é uma atividade meio, é uma atividade fim.
No entanto, devemos distinguir o nível de saúde atingido
em termos de resultados e o processo que permite atingi-
-los. Como em qualquer processo produtivo, a setor deve
alcançar os melhores resultados com o mínimo de custos.
É o que se chama de produtividade da saúde. Nas últimas
décadas, o mundo ganhou uma sobrevida impressionante.
Antes, vivia-se tempo suficiente para criar os filhos. Hoje, as
pessoas vivem 80, 90 anos. O progresso é impressionante.
O Atlas Brasil 2013, na avaliação geral dos 5.565 muni-
cípios do país, mostra que, entre 1991 e 2010, o tempo
médio de expectativa de vida do brasileiro subiu nove anos,
passando de 65 para 74 anos. São resultados espetaculares. 13
As pessoas tendem a atribuir esses resultados aos pro-
dutos que vemos na publicidade, belos hospitais e novos
medicamentos. “Tomou Doril, a dor sumiu” e semelhantes.
Na realidade, o imenso avanço da humanidade em termos
de esperança de vida se deve essencialmente à vacina, ao sa-
bão, ao acesso à água tratada e ao saneamento básico. Mais
recentemente no Brasil, a redução da fome com os diversos
programas governamentais também operou milagres, o que
explica em grande parte os nove anos de vida que ganhamos.
Portanto, ainda que grande parte de mídia se preo-
cupe com o tratamento da doença, os grandes ganhos de
produtividade e de dias saudáveis se devem à saúde pre-
ventiva, ou seja, ao conjunto das medidas – muitas delas
fora do que consideramos normalmente setor de saúde –
que evitam que surjam as doenças. Prevenir é incompara-
velmente mais produtivo do que remediar.
A tensão gerada aqui, entre o conceito de serviços de
saúde e o conceito de indústria da doença, é evidente. O
sistema privado não tem interesse no sistema de prevenção
por duas razões: primeiro, porque são ações universalizadas
(como vacinas, água e saneamento etc.) que envolvem mui-
ta gente sem dinheiro para pagar e grandes esforços organi-
zacionais que resultam da capilaridade das ações universais.
A vacina tem de chegar a cada criança do país. Segundo,
porque, ao se reduzirem os problemas de saúde, reduz-se o
número de clientes. E o setor privado vive de clientes. Está
interessado em poucos que possam pagar bem. Necessida-
de e capacidade de pagamento são duas coisas diferentes.
A concentração dos recursos da saúde privada no sistema
curativo hospitalar e nas doenças degenerativas dos idosos é
um resultado direto dessa deformação.
No caso brasileiro, naturalmente, a característica bá-
sica é a desigualdade, o que faz com que se tenham gerado
dois universos de serviços de saúde: o público para a massa
de pobres e o privado para os ricos e a classe média. Na
medida em que o setor privado da saúde, com fins muito
lucrativos, tenta expandir o universo de cobertura paga, os
esforços de se generalizar o acesso a bons serviços públi-
cos e gratuitos de saúde passam a ser atacados. O fato de
a direita americana no congresso quase ter paralisado os
Estados Unidos na guerra contra a universalização desses
serviços dá uma ideia dos interesses envolvidos.
Na realidade, nos Estados Unidos a saúde representa
praticamente 20% do PIB, enquanto a indústria emprega
menos de 10% da mão de obra do país. O fato de esse se-
tor da saúde se agigantar, tornando-se o setor econômico
mais importante, ajuda a entender as articulações perver-
sas que são gerados. Os Estados Unidos gastam cerca de
US$ 7.500,00 por pessoa por ano em serviços de saúde,
e o Canadá quase exatamente a metade. No entanto, o
nível de saúde no Canadá, onde os serviços são públicos,
universais e gratuitos, é incomparavelmente superior. O
sistema americano, baseado no privado e no curativo, faz o
cidadão procurar os serviços quando o mal já aconteceu. E
os procura raramente, pois são caros. O resultado é muito
dinheiro e pouca saúde. Nas pesquisas de produtividade
dos gastos em saúde em países desenvolvidos, os Estados
Unidos aparecem em último lugar. 14
A base do raciocínio – usando de preferência o cérebro
e não o fígado, de onde os argumentos já vêm verdes e amar-
gos – é que saúde não é um produto como um chinelo, que
se produz em massa na China ou na Indonésia e se despacha
por contêiner. Uma sociedade saudável trabalha um con-
junto de frentes que incluem desde cuidados da primeira
infância até o ambiente escolar, as condições de habitação e
urbanismo, a qualidade de vida no trabalho, o controle de
agrotóxicos e semelhantes. A vida saudável resulta de um
conjunto complexo de fatores, todos densamente ligados
com a qualidade de vida em geral. Não é um produto pa-
dronizado que sai de uma máquina e resolve. Envolve, na
realidade, uma forma de organização social.
Quando pensamos em saúde, tendemos a pensar na
farmácia e no hospital, porque nos acostumamos a pensar
nela apenas quando a perdemos. E não há dúvida de que há
uma indústria da doença pronta para reforçar essa visão em
cada publicidade de um plano privado de saúde, de remé-
dios milagrosos e semelhantes. Mas, no básico, é importante
pensar que as políticas de saúde se agigantaram muito re-
centemente e constatar as diferentes formas de organização:
desde o out-of-pocket (saúde curativa paga no serviço pres-
tado) dos Estados Unidos até a medicina pública social e
universal da Inglaterra, do Canadá, dos países nórdicos e de
Cuba. No Brasil temos a convivência caótica do SUS com
os gigantes financeiros que controlam os seguros e planos de
saúde, passando por organizações sociais e sistemas coope-
rativos diversos.
É importante a visão de conjunto: temos um grande
acúmulo de experiência de gestão empresarial nos setores
produtivos tradicionais, como de automóveis, e também
na área de administração pública tradicional. Mas, no
desafio de assegurar um bom nível de saúde, que resulta
da convergência de numerosos atores, inclusive dos mo-
vimentos sociais, ainda estamos à procura de paradigmas
adequados de gestão. Os rumos mais significativos, o que
funciona efetivamente em diversos países que atingiram
excelência, apontam para sistemas dominantemente pre-
ventivos, com acesso universal e gratuito, baseados em
gestão pública mas fortemente descentralizados, com forte
capacidade de participação e controle por organizações da
sociedade civil.
Há uma dimensão ética aqui: a de que nenhum ser hu-
mano deve padecer e sofrer quando há formas simples de
resolver o problema. A indiferença é vergonhosa e injustifi-
cável. Em termos sociais e políticos, não há dúvida de que
uma das melhores formas de democratizar uma sociedade é
assegurar que todos tenham acesso à saúde, tanto preventi-
va como curativa, independentemente do nível de renda. É
uma forma essencial de redistribuição indireta de renda e de
se generalizar o bem-estar.
A falta de acesso a serviços básicos de qualidade, por
outro lado, gera um sistema quase de chantagem: as famílias
se sangram para pagar um plano privado de saúde, gastando
muito mais do que o custo dos serviços prestados, simples-
mente por insegurança, pela possível tragédia de um aciden-
te ou doença grave. Acabamos contratando um plano, e pa-
gando caro para ter um certo sentimento de tranquilidade, e
não pelos serviços de saúde efetivamente prestados. Quanto
mais inseguros, mais pagamos. A indústria da doença preci-
sa ser fortemente controlada, e um dos melhores caminhos
é a sistemática elevação da qualidade e acessibilidade dos
serviços públicos universais de saúde. 15
14. Avaliação de 2007 mostrou os Estados Unidos em último lugar entre países desenvolvidos
em eficiência de saúde: gastaram US$ 7.290,00 por pessoa. Em primeiro lugar ficou a Holanda,
apesar de gastar apenas US$ 3.837,00 (New Scientist, 26 jun.2010). Saúde privada, essencialmente
curativa e elitista, constitui um desperdício. O que não impede que os EUA sejam um destino
lógico para uma intervenção cirúrgica de ponta paga a preço de ouro.
Dowbor. O pão nosso de cada dia.