Conforme já foi abordado previamente, a epigenética consiste
no estudo das alterações reversíveis e herdáveis no genoma fun-
cional que não alteram a seqüência primária do ácido desoxirri-
bonucleico (DNA).
Estudos epigenéticos permitem compreender
como os padrões de expressão são transmitidos aos descendentes,
de que forma ocorrem as modificações gênicas durante a dife-
renciação de um tipo de célula e, especialmente, como os fatores
ambientais repercutem na expressão de genes específicos.
O papel da epigenética no desenvolvimento da esquizofrenia
vem sendo elucidado nas últimas décadas. De certo modo, as pesqui-
sas epigenéticas nesse campo foram favorecidas pela constatação de
que os fatores genéticos e ambientas, isoladamente, não dão conta de
explicar totalmente o risco para o desenvolvimento dessa doença 5 .
Os estudos com gêmeos monozigóticos separados ao nasci-
mento foram reveladores neste sentido. Ora, se tais indivíduos
possuem a mesma composição gênica, as diferenças de ocorrência
do transtorno só poderiam ser atribuídas à exposição a fatores
ambientais não partilhados pelos irmãos. Na esquizofrenia, esses
estudos apontam para uma concordância ao redor de 50%. Tais
achados suscitam questionamentos tanto sobre a “força” do me-
canismo genético quanto dos elementos “protetores” ou “bloque-
adores” do desenvolvimento da doença advindos do ambiente 4 .
Poderíamos supor, por exemplo, que os 50% que não manifesta-
ram a doença foram favorecidos pela supressão de algum gene.
Mas também poderíamos refletir que aqueles que desenvolveram
a doença sofreram alguma influência no sentido de favorecimento
em direção à sua manifestação, ou mais precisamente, na direção
da expressão do gene ou dos genes a ela relacionados. Vários
questionamentos subsequentes dão conta de pensar sobre o que
teria suprimido ou favorecido a expressão do gene. Certamente,
a já mencionada interação de fatores genéticos com o estresse (ou
não) ambiental está envolvida na organização destes desfechos 4 .
Franzek e Beckmann (1998), ao usarem diferentes sistemas
diagnósticos para examinar a concordância entre gêmeos mono-
zigóticos e dizigóticos, sugeriram que o espectro das síndromes
esquizofrênicas pode consistir em subgrupos clinicamente e
etiologicamente heterogêneos, com diferentes origens genéticas
e ambientais 4 .
A pesquisa com animais de
laboratório, em que se reproduzem as condições neurobiológicas
presentes na esquizofrenia, também vem auxiliando enormemente
93a compreensão do papel dos fatores genéticos, ambientais e epi-
genéticos na gênese da esquizofrenia. Por exemplo, alguns desses
estudos têm revelado que a qualidade da interação mãe-filhote
tem papel predominante tanto na origem quanto no prognóstico
das psicoses 8,9,10,11 .
[Comentário: A biologia fortalecendo uma hipótese que foi fortemente combatida por psiquiatras biológicos: os pais ou o ambiente familiar tem impacto no diagnóstico de esquizofrenia.]
Modificações epigenéticas parecem ser importantes fatores
reguladores do funcionamento neural, estando envolvidas na
plasticidade sináptica, no comportamento, no aprendizado e
na memória durante os estágios críticos do desenvolvimento
humano 10 . Essas modificações epigenéticas não ocorrem ao aca-
so, encontrando seu substrato causal nos fatores ambientais que
circundam o sujeito. Traumas físicos e psíquicos, exposição a
substâncias tóxicas e inclusive elementos nutricionais podem as-
sociar-se à modificação na expressão gênica de modo a atuar como
fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais
como a esquizofrenia. Por outro lado, o ambiente também pode
ser protetor e reverter alterações gênicas, contribuindo na melhora
do prognóstico desta e de outras doenças 12 .
[Comentário: cuidar da saúde geral previne e recupera]
Estudos clínicos conduzidos com indivíduos portadores de
esquizofrenia têm demostrado a presença de metilação global de
DNA tanto em tecidos post-mortem como em sangue periférico.
Dentre os genes metilados, os mais citados são o fator neuro-
trófico derivado do encéfalo (BDNF), o codificador da proteína
relina (RELN) e o Catechol-O-metiltransferase (COMT) 10,13,14 .
Sabe-se que o BDNF é uma proteína endógena responsável por
regular a sobrevivência neuronal e a plasticidade sináptica do
sistema nervoso periférico e central. O COMT está envolvido no
metabolismo da dopamina, sendo que a deficiência desse gene
gera uma interrupção na capacidade do cérebro para controlar
a atividade do referido neurotransmissor. Já o gene RELN é
responsável por uma glicoproteína envolvida na plasticidade
sináptica, na extensão de dendritos e na liberação de neuro-
transmissores 11 .
[Comentário: 1) A psiquiatra crítica Joanna Moncrieff critica a crença de que os neurolépticos melhoram o fator neurotrófico BDNF pois esse fator está presente em pacientes com Alzheimer também. 2) A alteração epigenética na regulação da dopamina está presente em paciente ingênuos (nunca tratados com neurolépticos)? ]
Assim, os genes que se encontram
hipermetilados em esquizofrênicos são também hipermetilados em
resposta ao estresse pré-natal.
Esses dados sugerem que o estresse pré-natal modula parâmetros
epigenéticos e isso pode estar relacionado com a fisiopatologia
da esquizofrenia.
Considerações finais
Os estudos epigenéticos sugerem que o contexto ambien-
tal, como cuidado materno, estresse e uso de fármacos exercem
influência na modulação gênica e epigenética em modelos expe-
rimentais e em indivíduos com esquizofrenia. Essa influência,
naturalmente, pode ser negativa ou positiva, influenciando no
prognóstico da doença.
EPIGENÉTICA APLICADA À SAÚDE E À DOENÇA: PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS BASEADOS EM EVIDÊNCIAS ATUAIS
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Crítica a hipótese de neuroproteção dos neurolépticos
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Questionando a hipótese "neuroprotetora": o tratamento medicamentoso evita danos cerebrais em psicose precoce ou esquizofrenia?
Joanna Moncrieff (a1) DOI: https://doi.org/10.1192/bjp.bp.110.085795
Publicado online por Cambridge University Press: 02 de janeiro de 2018