INTRODUÇÃO
Pretendemos neste texto introduzir uma discussão teórica sobre o conceito
de saúde mental. Trata-se de uma questão de inegável oportunidade e
relevância porque, em contraste com o muito que se tem investido no desenvol-
vimento de modelos teóricos da doença mental, pouco se tem avançado no
sentido de construir conceitualmente o objeto “saúde mental”. Este viés ou
lacuna teórica representa talvez uma ironia, considerando as importantes con-
tribuições da filosofia, da psicanálise e das ciências sociais, em que a assumida
centralidade da questão da saúde contrasta com o fato de que, nesses discursos,
privilegia-se a doença em detrimento do trabalho teórico sobre a saúde. Não
obstante, o processo de construção de teorias estritamente psicopatológicas ou
de concepções individuais da saúde sem dúvida poderá ser útil como ponto de
partida para este esforço, dado o caráter dialético e multidimensional da díade
saúde-doença.
Na primeira parte do texto, focalizaremos algumas abordagens
socioculturais da saúde mental, articuladoras de uma escola autodenominada
de “nova psiquiatria transcultural”. Em segundo lugar, apresentaremos a teoria
dos “sistemas de signos, significados e práticas de saúde mental”, abordagem
sintética original formulada por Bibeau e Corin. Em terceiro lugar, discutire-
mos sucintamente alguns aspectos filosóficos que se referem explicitamente ao
tema, buscando justificar a saúde enquanto objeto científico do campo da saúde
mental. Finalmente, traremos à discussão uma tentativa de sistematização do
conceito polissêmico de saúde, objeto-modelo multifacetado, reflexivo,
transdisciplinar, com vistas à sua aplicação no campo da saúde mental
http://www.usp.br/revistausp/43/10-naomar.pdf