Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/
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segunda-feira, 24 de junho de 2024

Coleta de dados individualizante e medicalização

A coleta de dados de depoimentos a partir de perspectiva individualizante (pessoa separada do seu meio) é um dos raciocínios da medicalização e patologização. O ponto de partida são os sinais de estranhamento que são interpretados a partir de um modelo organicista. Um coleta de dados não individualizante com foco no ambiente distribuído da pessoa é desafiadora de ser realizada através de conversa com uma pessoa dentro de um consultório.

Obs: Esse texto foi censurado pelo facebook.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Psiquiatria como área pró-social

Um dos motivos pelo qual a psiquiatria é comumente vista como área pró-social é pela equiparação com a medicina física e a percepção social de heroísmo angelical a respeito dos médicos em geral. O contraste de identidades sociais entre psiquiatras, pessoas bem ajustadas e pessoas estigmatizadas e marginalizadas é um fator talvez mais profundo. O prestígio pela sua relação com o externo e o outro (ver Em defesa da Sociedade de Foucault) é mantido pelo desconhecimento das práticas internas da psiquiatria que não são facilmente analisáveis. Mesmo que sejam analisadas as práticas, as emoções frente ao contraste identitário mencionado acima não favorece o reconhecimento de limitações das práticas. Por isso, uma área que se propõe a ser realmente pró-social mantendo o distanciamento crítico em relação à sociedade (reforma psiquiátrica antimanicomial e perspectiva crítica) é mal-vista como área pró louco e contra a sociedade.

terça-feira, 5 de abril de 2022

Transtorno de Personalidade de Psiquiatra

via Twitter Antipsychiatry

Sintomas de Transtorno de Personalidade de Psiquiatra

Forçar paciente a tomar doses não aprovadas e polifarmácia excessiva. (Comportamentos de risco, má decisões)

Afirmar que apenas psiquiatras são capazes de entender estudos, livros e fontes acadêmicas. (Delírio de grandiosidade, auto-estima inflada)

Não importa o quão trágicos os resultados que eles testemunham, ainda defendem sua prescrição. (Obsessão, psicose)

Suspeitar de pacientes que não estão satisfeitos com seu tratamento e atribuir efeitos colaterais a sua condição inicial. (Paranóia, desconfiança irracional)

Levar pacientes a erro sobre fatos científicos e enganá-los com mitos como a teoria de desequilíbrio químico. (Mitomania, mentira patológica)



segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Psiquiatria como conhecimento limitado

Se entendermos conhecimento de boa qualidade a capacidade de manipulação bem sucedida então podemos considerar a psiquiatria biológica um conhecimento da má qualidade pois essa área enfatiza as limitações ou o quanto os problemas de saúde mental são incapacitantes. Por outro lado, oferece o incentivo à aposentadoria para compensar isso ou para não consistir em uma área que enfatiza apenas o negativo. A psiquiatria sempre tem uma desculpa discursiva para si mesma que é a "gravidade da doença mental".


quarta-feira, 23 de junho de 2021

Ideologia e ciência psiquiátrica

Mesmo quando antigamente tinha pouco a oferecer cientificamente a psiquiatria tinha poder por cumprir a função ideológica de defesa da norma social (eficiência e produtividade? / pessoas com poder social?).

A psiquiatria continua fraca em termos científicos mas hoje em dia ela tem um verniz de cientificidade maior. Com esse verniz de cientificidade, a mistificação técnica atual também cumpre uma função ideológica de defesa da norma social. Mesmo com ciência melhor a psiquiatria crítica não tem tanto poder social acredito que por não ter o mesmo apelo ideológico. Parece que desmistificar a psiquiatria como ideológica seria colocar a norma social em escrutínio e defender ao invés disso os anormais. O que parece absurdo para muita gente.

(Uma tentativa de reescrever e se apropriar de algumas ideias de Basaglia.)

terça-feira, 22 de junho de 2021

Ideologia psiquiátrica, bode expiatório e psicoterapia

Basaglia defendia que a psiquiatria e suas categorias positivistas são ideologias (falsa consciência) e uma das finalidades dessa ideologia é exorcizar as contradições sociais e limitações da sociedade. Com isso, a pessoa diagnosticada se torna um bode expiatório da sociedade.

As teorias psicológicas evadem os problemas sociais reais e individualizam os problemas. Muitos clientes poderiam testemunhar sobre o vazio que pode ser uma psicoterapia, principalmente no caso da baixa produtividade das terapias em grupo.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Sou totalmente contra a psiquiatria?

Não posso ser totalmente contra os tratamentos psiquiátricos por causa dos casos difíceis. Mas a psiquiatria crítica também não é. É apenas mais sóbria. Só agora juntei informações o suficiente para elaborar bem isso.

Minhas razões:

- Quando uma pessoa com sintomas psicóticos graves está muito alienada os antipsicóticos podem retirá-la desse estado.

- Há casos tão graves de transtorno obssessivo-compulsivo que a terapia comportamental não dá conta e que pode ser necessário a psicocirurgia.

- Pessoas com sintomas bipolares podem praticar atos muito irresponsáveis e ter impulso de se suicidar.

- Pessoas com depressão grave precisam de algum tratamento a curto prazo para não se suicidarem. A cetamina e a psilocibina podem ajudar nesses casos. Além de outros tratamentos biológicos e psiquiátricos.

- A ansiedade pode se tornar tão insuportável que a pessoa faz qualquer coisa para reduzi-la.


Por outro lado:

- As drogas psiquiátricas e tratamentos biológicos são usados devido à falta de acesso a tratamentos eficazes. As pessoas com sintomas geralmente estão dispostas a fazer qualquer coisa.

- Os tratamentos psiquiátricos não deveriam durar a vida toda.

- Todo tratamento psiquiátrico produz dano e é desejável usá-los o mínimo possível e não banalizar o uso como os entusiastas fazem. Mas a medicina recorre a tratamentos drásticos que geram bastante dano mas são úteis para um objetivo importante.

- Será que os psiquiatras tradicionais tem consciência de toda a sacanagem que existe por trás das pesquisas psiquiátricas? Eles nem acompanham o melhor das pesquisas. Muito menos conseguem ter senso crítico de toda uma indústria.

- Usar drogas psiquiátricas e tratamentos biológicos é menos desafiador para o senso comum de caráter reducionista biológico.

sexta-feira, 26 de março de 2021

Causas da "esquizofrenia" (psiquiatra Breggin)

 Causas da "esquizofrenia" para o psiquiatra Breggin (um dos poucos psiquiatras no mundo contra intervenções cerebrais)

  • Condições sociais adversas
  • Ser criativo numa família de pessoas comuns/fechadas

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Comportamento politicamente indesejável

O conceito da análise comportamental do direito de que o comportamento indesejável é decidido politicamente me parece ser a base de toda a problemática da loucura. Um indivíduo é considerado louco para ser fragilizado politicamente, não poder mais defender os próprios interesses ou perspectivas de forma legitimada. A partir disso, se entende como e porque se usa a loucura como argumento: favorecer a perspectiva ou interesse particular e situacional de uma pessoa em detrimento da perspectiva ou interesse da outra pessoa fragilizada. É possível concluir que a reforma psiquiátrica é a problematização dessa política de fragilização de pessoas. Também torna possível entender porque a família, os psiquiatras e sociedade tende a não jogar contra a própria perspectiva para defender direitos, perspectivas e interesses dos chamados "loucos". Inclusive permite perceber como a palavra loucura e os rótulos de diagnósticos psiquiátricos são um instrumento social de fragilização que deveria ser evitado porque deixa de problematizar de forma legítima os embates sociais e os fecha/finaliza em uma relação de poder assimétrica. Também permite entender as razões políticas do sucesso dos "normais" ou a alta preferência por imitar os comuns e majoritários. Ou o fracasso social dos chamados "loucos", inclusive por meio de sabotagem e competição com os "normais". Quando alguém é diagnosticado ou chamado de louco isso é uma tentativa de ganhar ou finalizar um embate social e ensurdecer-se contra os argumentos do outro lado. A autocrítica que falta aos "normais" e psiquiatras/profissionais psi se origina da defesa das próprias perspectivas e interesses. A sociedade majoritária se une com as profissões psi para fragilizar aquilo que considera indesejável e isso é decidido politicamente. Se é decidido politicamente há um embate aberto e legítimo a ser feito.

domingo, 26 de janeiro de 2020

Radicalismo ou resultados empíricos?

É comum o discurso de que não acreditar que os diagnósticos psiquiátricos são uma entidade biológica deficiente é radicalismo. Isso porque a maioria defende esse tipo de posição. Mas não é questão de encontrar um meio-termo filosófico entre defesa do modelo excessiva e crítica excessiva nem de encontrar compatibilidade ou acordo entre diferentes áreas. É uma questão de resultados empíricos ou científicos negativos (empiria).

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A psiquiatria reflete a mentalidade social

A psiquiatria tem sido o modo como a sociedade moderna interpreta e se relaciona com o sofrimento mental. Destes sofrimentos, a loucura é o mais chamativo. A psiquiatria é, principalmente, um instrumento da sociedade para lidar com a loucura. Logo, ela reflete a mentalidade desta sociedade. A psiquiatria não é uma ciência pura nem neutra: é governada pela visão de mundo, mentalidade e ideologia da sociedade que a pratica e patrocina.

O que é psiquiatria alternativa - Alan Serrano

[Comentário: Por isso, para combater a medicalização é preciso fazer a sociedade se implicar com o sofrimento mental]

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A palavra surtar

A palavra surtar é uma classificação de reações diferentes em termos de saúde/doença. Não é a única perspectiva possível nem a melhor.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Contraexemplo do modelo médico em saúde mental

Daniel Dorman, autor de 'Dante's Cure' [A Cura de Dante], já foi citado como tendo dito: "Se apenas uma maçã caísse para cima, não precisaríamos pelo menos começar a questionar as leis da física?"

https://www.westernmassrlc.org/rlc-film-productions/200-beyond-the-medical-model

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Credibilidade popular do psiquiatra medíocre

Qualquer psiquiatra medíocre tem muita credibilidade por explorar crenças populares. Quem quer realmente fazer um trabalho que vai contra o senso comum tem muita dificuldade.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Capacidade de exploração econômica

Vender drogas psicoativas é muito mais explorável economicamente do que psiquiatria crítica. É muito mais difícil ganhar dinheiro com psiquiatria crítica. Tudo o que se pode vender nesse caso seria informação e conhecimento. E isso é transmissível gratuitamente também.

As drogas psicoativas e tratamentos biológicos em psiquiatria são populares também porque as alternativas substitutivas não são suficientemente difundidas e eficazes.

domingo, 30 de dezembro de 2018

Charles Bukowski Psiquiatria

Sobre PSIQUIATRIA:

    "O que os pacientes psiquiátricos recebem? Eles recebem uma conta.

    Eu acho que o problema entre o psiquiatra e o paciente é que o psiquiatra passa pelo livro, enquanto o paciente chega por causa do que a vida fez a ele ou ela. E, embora o livro possa ter algumas ideias, as páginas são sempre as mesmas no livro e cada paciente é um pouco diferente. Existem muito mais problemas individuais do que páginas. Pegue? Há muitas pessoas loucas para fazer isso, dizendo: "dólares por hora, quando este sinal toca, você está acabado." Isso sozinho levará qualquer pessoa quase louca à loucura. Eles apenas começaram a se abrir e se sentir bem, quando o psiquiatra diz: "Enfermeira, faça o próximo compromisso", e eles perderam o controle do preço, que também é anormal. É tudo muito fedorento mundano. O cara está fora para levar sua bunda. Ele não está disposto a curar você. Ele quer o dinheiro dele. Quando a campainha toca, traga a próxima "porca". Agora a sensível "porca" vai perceber quando o sino toca, ele está sendo fodido. Não há limite de tempo para curar a loucura, e não há contas para isso também. A maioria dos psiquiatras que eu vi parece um pouco perto da borda. Mas eles são muito confortáveis ​​... Eu acho que eles são muito confortáveis. Eu acho que um paciente quer ver um pouco de loucura, não muito. Ahhhh! (entediados) OS PSIQUIATROS SÃO TOTALMENTE INÚTIL! Próxima questão? "

http://desdeelmanicomio.blogspot.com/2010/10/on-psychiatry-charles-bukowski.html

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

relação médico-paciente

O psiquiatra que não direciona toda a conversa com o paciente no sentido de enquadrar tudo em sintomas pode descobrir um mundo de experiência que inclusive pode questionar a validade dos diagnósticos. Uma maneira de fazer isso é adotar a redução fenomenológica, isto é, descrever o que acontece sem ideias preconcebidas.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

CRUELDADE SIMBÓLICA DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO


CRUELDADE SIMBÓLICA DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO (E SIMILARES).


Ramos
Natal, Rio Grande do Norte
dom, 08/06/2014 - 06:34











Tags: a tragicomédia da medicalização, diagnóstico psiquiátrico




Tentarei fazer algumas considerações a respeito das implicações da formulação de diagnósticos em psiquiatria e demais disciplinas que seguem o mesmo protocolo. Estas reflexões certamente parecerão extremamente polêmicas ou mesmo absurdas àquelas mentes formatadas por um discurso cientificista e desumanizado. Mas as ciências da saúde estão sofrendo de um déficit crônico de sutileza – e esta carência está tendo conseqüências catastróficas para a vida e o futuro das pessoas.
Antes de tudo, é preciso fazer alguns esclarecimentos. Os sintomas médicos exigem e demandam um diagnóstico. Quanto antes ocorrer a prescrição do correto diagnóstico, tanto melhor para a eficácia do tratamento. Já os transtornos mentais, não. E aqui é preciso fazer uma diferenciação entre as doenças do cérebro – as quais podem ser tratadas com medicamentos ou cirurgia – e as “doenças” ou transtornos mentais, que demandam um protocolo diferenciado e um tratamento específico. Todo o esforço da psiquiatria e de boa parte dos neurocientistas é tentar demonstrar que os transtornos mentais são doenças ou desequilíbrios do cérebro. Conversa pra boi dormir.
Por que afirmo que o diagnóstico, no caso dos transtornos mentais, exigem um tratamento diferenciado?
É que, em psiquiatria, o diagnostico vem sempre acompanhado de uma trilogia maligna: (a) descontextualização, (b) naturalização e (c) perenização do sofrimento psíquico.
A fim de ilustrar e embasar a argumentação, vou citar dois casos clínicos – o de Roberta (fictício) e o de Márcia (real).
ROBERTA: Trata-se de uma adolescente que apresenta acessos freqüentes de fúria incontrolável. Seu comportamento tanto na escola quando em casa é caracterizado por atitudes ríspidas quando não extremamente agressivas. Além de não respeitar os pais e questionar-lhes a autoridade, por vezes quebra objetos e agride fisicamente a mãe. Ameaça fugir de casa ou se matar. Preocupada, a família a leva ao psiquiatra. Na consulta, após analisar os seus sintomas, ela é diagnosticada como portadora do Transtorno Explosivo Intermitente (TEI). São-lhe prescritos ansiolíticos e calmantes.
MÁRCIA: Sempre fora muito apegada à família. Com a morte do pai, fica profundamente triste e desconsolada. Levam-na a um psiquiatra. Ela é diagnosticada como sofrendo de Depressão, e prescrevem-lhe três medicamentos. Ela começa a tomá-lo e sua vida piora a cada dia. Sua relação como marido, que não ia bem, se deteriora. Eles se separam. Surgem os sintomas de pânico. Não consegue mais trabalhar. Vive durante dez anos afastada de suas atividades profissionais em função do pânico e da depressão. Freqüentemente padece de fome em casa por não conseguir atravessar a rua para comprar alimentos na venda da esquina. Chega ao consultório andando com dificuldade, amparada e auxiliada por dois familiares. Seus movimentos são lentos, sua voz carregada.
A) Descontextualização.
Ocorre quando se supõe que os transtornos mentais são decorrentes de alterações químicas no cérebro. Não há dúvida de que todo pensamento e todo sentimento vem acompanhado de uma alteração química no cérebro. Mas a alteração química explica o surgimento do pensamento, do sentimento e do transtorno? Não. E por que não? A razão é que o surgimento de um hormônio ou substância no cérebro se dá por alguma razão. E a razão é de ordem psíquica.
Voltemos aos nossos exemplos. Roberta vivia com o padrasto e a mãe. O padrasto estava abusando sexualmente de sua enteada há meses. A mãe parecia não se dar conta do que se passava dentro de casa. Não havia intimidade entre a mãe e o padrasto. A mãe sofrera no passado de violência sexual, o que a fazia ter pavor de sexo. Desta forma, consciente ou inconscientemente, deixar de ser solicitada pelo padrasto foi para ela um alívio. A filha ensaiou denunciar os abusos que sofria à mãe, mas esta os desconsiderou. Foi aí que os acessos de raiva começaram.
Já o calvário de Márcia teve início quando ela foi diagnosticada como deprimida, após a morte do pai. Sempre fora uma jovem dinâmica, independente e trabalhadora. Era para ela se sentir feliz com a morte da pessoa que mais amava? A sua tristeza foi patologizada.
Tanto num caso como no outro, o diagnóstico psiquiátrico operou um psicocídio: ao ser formulado, colocou “entre parênteses” todo o contexto que levou ao surgimento dos sintomas e transformou os seus portadores em coisas, em animais sem vida própria, sem história, sem fala e dignidade. O diagnóstico matou a subjetividade, restando apenas um corpo com uma patologia.
B) Naturalização.
O ser humano é um animal cultural. Quando se supõe que um transtorno psíquico decorre de um desequilíbrio químico no cérebro, reduz-se o homem a um código de barras, a uma simples mercadoria, a uma coisa. Toda doença e principalmente todo transtorno decorre da confluência de múltiplos fatores. Quando a psiquiatria envereda por esse caminho reducionista sem escutar o sujeito e sem levar em conta o histórico de sofrimentos que se ocultam por trás do sintoma, morre enquanto tal. Converte-se em encefalatria.
C) Perenização.
“Quando o psiquiatra enquadra, classifica e diagnostica, distancia-se inevitavelmente de uma postura terapêutica aberta, prospectiva e amorosa. Seu olhar é retrógrado e petrificador - petrifica o paciente num estigma, e congela o próprio olhar do psiquiatra no diagnóstico realizado num determinado momento, dificultando-lhe a percepção da evolução ou variação da sintomatologia do mesmo paciente ao longo do tempo, centrando-se no que já está posto, ou seja, atua no sentido de capturar o paciente numa classificação nosológica”. (A Tragicomédia da Medicalização: a Psiquiatria e a Morte do Sujeito, Natal (RN), Sapiens: 2012. Segundo Ato, Das Classificações).
Voltemos ao caso de Márcia, afastada do trabalho por uma Junta Médica há uma década. Quando, na segunda sessão, o terapeuta, através de um trabalho vivencial e reflexivo acerca do papel que ela estava representando na sua própria vida, a faz ver que ela estava assumindo um papel de vítima, de doente, acobertado e justificado pela psiquiatria, ela se DESCOLA do rótulo. Toma consciência que o rótulo a escava colocando numa jaula simbólica ad infinitum. Na terceira sessão, ela afirma: “Vou voltar a estudar! Vou pegar carona com a minha sobrinha, que passou no vestibular. Não vou perder essa oportunidade!”
Nesta conformidade, ela se sentia “doente” simplesmente porque se colocava e aceitava o papel de doente. No momento que percebe que ela mesma alimentava aquele papel que a fazia vegetar, decide mudar. E volta a viver.
Se o transtorno psíquico é causado por um desequilíbrio químico do cérebro, quando o tratamento vai acabar? Nunca se sabe. Supondo-se que a atividade cerebral seja regulada pela genética, a resposta é: nunca. O paciente precisa ser medicado para todo o sempre. E, mesmo que os sintomas estejam ausentes, pode ser prudente medicar-se “de forma preventiva” para evitar uma recidiva.
Essa trilogia maligna é uma expressão inequívoca do processo de medicalização da vida. O Transtorno de Explosividade Intermitente poderia ser considerado uma piada, se não fosse uma tragédia.
E aí, para finalizar, temos algumas possibilidades.
Primeira: Diagnóstico + medicação (sem tratamento).
Esse procedimento é o mais usual, especialmente na rede pública. O sujeito vai ao psiquiatra e sai com um remédio na mão. Esse holocausto da subjetividade é perpetrado diariamente nos postos de saúde e rede pública.
Segunda: Diagnóstico + medicação + tratamento.
Pode-se fazer uso do diagnóstico, ou seja, de um procedimento simbolicamente cruel, para a obtenção de dois direitos – o remédio e o tratamento psicológico. Isso funciona?
Cito outro trecho (é longo, mas é importante):
"(...) Ao medicar um paciente sob a alegação de ajudá-lo em seu tratamento, os psiquiatras não estão se colocando do lado daquele que sofre, mas sim a favor do pharmacolonialismo, que se move predominantemente na lógica do capital. Isto porque a medicalização suprime a ética do cuidado de si, a estética e a motivação que poderia levar à cura, sendo, portanto, inimiga da subjetivação.
Com efeito, os medicamentos não funcionam da mesma maneira para todos. Os indivíduos são diferentes e reagem de forma desigual aos estímulos. Da mesma forma do que ocorre em relação à nutrição, onde um alimento saudável pode ser danoso para alguém que possua alguma rejeição aos ingredientes dele, os indivíduos apresentam reações diversas em relação a uma mesma droga. Uma substância administrada para amenizar a depressão pode, por exemplo, induzir ao suicídio a determinadas pessoas. Assim, o princípio ativo pode provocar reações inversas às pretendidas. Confiar num medicamento é sempre uma aposta perigosa e imprevisível.
O CORO: “O que é válido para alguns, pode não ser válido para todos.”
Contudo, o discurso biomédico sustenta, e com razão, que o uso dos medicamentos, apesar dessas “anomalias”, dessas variações individuais indesejáveis, efetivamente funciona para um bom número de pessoas. Entretanto, como a medicação está dissociada de uma dietética existencial, ou seja, de um estilo de vida, quando o indivíduo é medicado (ou se automedica) e constata um efeito positivo no melhoramento dos seus sintomas, sente-se imediatamente autorizado a desequilibrar-se ainda mais, já que tem à mão um recurso que pode contornar e aliviar os excessos cometidos.O remédio converte-se na senha para empreender toda a sorte de desatinos(1).
Assim, por exemplo, um portador de diabetes, ao tomar um remédio que diminui as taxas de glicose no sangue, sente-se livre para abusar dos docinhos. Um viciado em bebidas alcoólicas, ao perceber que suas dores abdominais diminuem com um remédio para o fígado, permite-se abusar mais ainda do álcool. Ao receber um transplante de coração, um pedreiro, ao sair da sala de cirurgia, falou para um repórter: “Estou me sentindo tão bem que vou comemorar comendo um churrasco!”
O mesmo vale para os psicofármacos: aquele que se sente ansioso, ao ver a sua ansiedade ser suavizada por um ansiolítico, permite-se adotar um estilo de vida mais agitado e frenético do que antes, graças às conquistas da farmacologia. Alguém que esteja triste pela perda de um ente querido, ao tomar um antidepressivo pode indefinidamente sentir-se propenso a apegar-se à lembrança do morto, cuja perda acha inaceitável e intolerável, impedindo-lhe a elaboração do luto. Ou seja, mesmo que funcione, o remédio ainda assim é danoso para um grande número de pessoas, já que o tratamento é focado nos sintomas e não em cima de suas causas que continuam ativas e atuantes, embora ocultas.
O CORO: “Quanto melhor o remédio, tanto pior será!”
Porém, há ainda, por último, o restrito grupo daqueles que tomam um psicoativo e ele efetivamente funciona, os quais não se autorizam a praticar nenhum tipo de excessos, seguindo fielmente o protocolo médico prescrito. Benditos, esses bons pacientes! O sonho de todos os psiquiatras! Para esses, o medicamento, quando ingerido, age como uma máscara trágica a se interpor entre o sujeito e os seus sentimentos e emoções. A máscara dá a ele uma aparência de universal normalidade, e a sua individualidade é eclipsada por trás dela. E mais: ele não mais consegue sentir-se e perceber-se como outrora: o medicamento altera o seu humor, tornando-o “adequado” ou “saudável” dentro de normalizações socialmente determinadas.
A consequência desta acomodação clínica do sintoma é evitar que o indivíduo entre em contato com as verdadeiras causas de seu malestar. Ora, ora! Nenhum psiquiatra bem intencionado e esclarecido sustentaria que o remédio por si só possa resolver todos os males! O ideal é que ele venha acompanhado de uma psicoterapia a fim de reforçar e retroalimentar os efeitos positivos da medicação. Terapia e remédio, remédio e terapia: remédio para o corpo, terapia para a alma! No entanto, ao contrário de todos aqueles que pregam que a medicação e a terapia caminham muito bem juntas, na verdade a medicação é o maior empecilho para um efetivo avanço terapêutico. E o motivo é óbvio e irrefutável: nós nunca desejamos tanto estar saudáveis como ao nos sentirmos doentes; nós nunca desejamos tanto comer um alimento como quando sentimos nas vísceras a fome nos corroer por dentro; nós nunca ansiamos tanto por carinho como nos momentos em que nos sentimos sós e desamparados. Ora, se o medicamento diminui ou cessa o mal-estar, elimina também aquilo que poderia ser a motivação para a busca do bem-estar(2). Se o medicamento minimiza o sofrimento, diminui também a capacidade de sentir prazer. Isto porque há uma harmonia entre os opostos em todas as coisas, e um oposto remete para o seu pólo oposto e complementar."


Terceira possibilidade: Diagnóstico + tratamento (sem medicação)
É, na maioria dos casos, preferível a todas as outras. Evita os efeitos colaterais da medicação e não atrapalha no tratamento. Só em casos especiais não seria recomendável.
Por fim, a guisa de conclusão, cito um trecho do livro “A Tragicomédia da Medicalização”, onde a violência simbólica do diagnóstico é resumida:
“Eis – antecipando o que diremos ao longo deste opúsculo - as etapas da violência simbólica à qual o paciente é submetido: primeiro, ele é nomeado pelo diagnóstico como portador de algum distúrbio ou perturbação; segundo, pelo diagnóstico o rótulo adere ao paciente como um estigma, tal como as marcas de identificação apostas aos animais quando são ferrados; terceiro, ele é rebanhizado, ou seja, as referências se deslocam de sua personalidade individual e única para o rebanho anônimo e indistinto da categoria nosológica em que é agrupado. As consequências desta rebanhização são, de um lado, a despersonalização e perda de referenciais internos; e, de outro, a terapêutica medicamentosa indicada será aquela aplicável não ao indivíduo na sua singularidade, mas sim ao rebanho no qual ele foi inserido, ou seja, aplicar-se-á um remédio inespecífico para um indivíduo genérico que não existe enquanto tal”.
Em suma, para não cansar demais os leitores: a formulação precipitada de um diagnóstico para um transtorno psíquico é um desserviço àqueles que buscam o autoconhecimento e a autotransformação, tendo apenas uma função de viabilizar um controle biopolítico sobre os corpos e as mentes dos pacientes.
Saudações,
José Ramos Coelho
(1)“(...) a educação age sobre o nível de vida em uma proporção duas vezes e meia mais importante do que o consumo médico” – afirma Michel FOUCAULT, retomando a tese de Ivan Illich. – “Conclui-se que, para viver mais tempo, um bom nível de educação é preferível ao consumo médico” (2011, p.390)
(2) Com profunda sabedoria, pontifica o Dr. Edward BACH: “... a doença, posto que pareça tão cruel, é benéfica e existe para nosso próprio bem; se interpretada de maneira correta, guiar-nos-á em direção aos nossos defeitos principais. Se tratada com propriedade, será a causa da supressão desses defeitos e fará de nós pessoas melhores e mais evoluídas do que éramos antes. O sofrimento é um corretivo para se salientar uma lição que de outro modo não haveríamos de aprender, e ele jamais poderá ser dispensado até que a lição seja totalmente assimilada”. (2010, p.18). O combate precipitado aos sintomas está a serviço da manutenção da ignorância e da cegueira. - See more at: http://www.redehumanizasus.net/84706-a-crueldade-simbolica-do-diagnostico-psiquiatrico-e-similares#sthash.PXGMTufA.dpuf

CRUELDADE SIMBÓLICA DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO (E SIMILARES).


Ramos
Natal, Rio Grande do Norte
dom, 08/06/2014 - 06:34











Tags: a tragicomédia da medicalização, diagnóstico psiquiátrico




Tentarei fazer algumas considerações a respeito das implicações da formulação de diagnósticos em psiquiatria e demais disciplinas que seguem o mesmo protocolo. Estas reflexões certamente parecerão extremamente polêmicas ou mesmo absurdas àquelas mentes formatadas por um discurso cientificista e desumanizado. Mas as ciências da saúde estão sofrendo de um déficit crônico de sutileza – e esta carência está tendo conseqüências catastróficas para a vida e o futuro das pessoas.
Antes de tudo, é preciso fazer alguns esclarecimentos. Os sintomas médicos exigem e demandam um diagnóstico. Quanto antes ocorrer a prescrição do correto diagnóstico, tanto melhor para a eficácia do tratamento. Já os transtornos mentais, não. E aqui é preciso fazer uma diferenciação entre as doenças do cérebro – as quais podem ser tratadas com medicamentos ou cirurgia – e as “doenças” ou transtornos mentais, que demandam um protocolo diferenciado e um tratamento específico. Todo o esforço da psiquiatria e de boa parte dos neurocientistas é tentar demonstrar que os transtornos mentais são doenças ou desequilíbrios do cérebro. Conversa pra boi dormir.
Por que afirmo que o diagnóstico, no caso dos transtornos mentais, exigem um tratamento diferenciado?
É que, em psiquiatria, o diagnostico vem sempre acompanhado de uma trilogia maligna: (a) descontextualização, (b) naturalização e (c) perenização do sofrimento psíquico.
A fim de ilustrar e embasar a argumentação, vou citar dois casos clínicos – o de Roberta (fictício) e o de Márcia (real).
ROBERTA: Trata-se de uma adolescente que apresenta acessos freqüentes de fúria incontrolável. Seu comportamento tanto na escola quando em casa é caracterizado por atitudes ríspidas quando não extremamente agressivas. Além de não respeitar os pais e questionar-lhes a autoridade, por vezes quebra objetos e agride fisicamente a mãe. Ameaça fugir de casa ou se matar. Preocupada, a família a leva ao psiquiatra. Na consulta, após analisar os seus sintomas, ela é diagnosticada como portadora do Transtorno Explosivo Intermitente (TEI). São-lhe prescritos ansiolíticos e calmantes.
MÁRCIA: Sempre fora muito apegada à família. Com a morte do pai, fica profundamente triste e desconsolada. Levam-na a um psiquiatra. Ela é diagnosticada como sofrendo de Depressão, e prescrevem-lhe três medicamentos. Ela começa a tomá-lo e sua vida piora a cada dia. Sua relação como marido, que não ia bem, se deteriora. Eles se separam. Surgem os sintomas de pânico. Não consegue mais trabalhar. Vive durante dez anos afastada de suas atividades profissionais em função do pânico e da depressão. Freqüentemente padece de fome em casa por não conseguir atravessar a rua para comprar alimentos na venda da esquina. Chega ao consultório andando com dificuldade, amparada e auxiliada por dois familiares. Seus movimentos são lentos, sua voz carregada.
A) Descontextualização.
Ocorre quando se supõe que os transtornos mentais são decorrentes de alterações químicas no cérebro. Não há dúvida de que todo pensamento e todo sentimento vem acompanhado de uma alteração química no cérebro. Mas a alteração química explica o surgimento do pensamento, do sentimento e do transtorno? Não. E por que não? A razão é que o surgimento de um hormônio ou substância no cérebro se dá por alguma razão. E a razão é de ordem psíquica.
Voltemos aos nossos exemplos. Roberta vivia com o padrasto e a mãe. O padrasto estava abusando sexualmente de sua enteada há meses. A mãe parecia não se dar conta do que se passava dentro de casa. Não havia intimidade entre a mãe e o padrasto. A mãe sofrera no passado de violência sexual, o que a fazia ter pavor de sexo. Desta forma, consciente ou inconscientemente, deixar de ser solicitada pelo padrasto foi para ela um alívio. A filha ensaiou denunciar os abusos que sofria à mãe, mas esta os desconsiderou. Foi aí que os acessos de raiva começaram.
Já o calvário de Márcia teve início quando ela foi diagnosticada como deprimida, após a morte do pai. Sempre fora uma jovem dinâmica, independente e trabalhadora. Era para ela se sentir feliz com a morte da pessoa que mais amava? A sua tristeza foi patologizada.
Tanto num caso como no outro, o diagnóstico psiquiátrico operou um psicocídio: ao ser formulado, colocou “entre parênteses” todo o contexto que levou ao surgimento dos sintomas e transformou os seus portadores em coisas, em animais sem vida própria, sem história, sem fala e dignidade. O diagnóstico matou a subjetividade, restando apenas um corpo com uma patologia.
B) Naturalização.
O ser humano é um animal cultural. Quando se supõe que um transtorno psíquico decorre de um desequilíbrio químico no cérebro, reduz-se o homem a um código de barras, a uma simples mercadoria, a uma coisa. Toda doença e principalmente todo transtorno decorre da confluência de múltiplos fatores. Quando a psiquiatria envereda por esse caminho reducionista sem escutar o sujeito e sem levar em conta o histórico de sofrimentos que se ocultam por trás do sintoma, morre enquanto tal. Converte-se em encefalatria.
C) Perenização.
“Quando o psiquiatra enquadra, classifica e diagnostica, distancia-se inevitavelmente de uma postura terapêutica aberta, prospectiva e amorosa. Seu olhar é retrógrado e petrificador - petrifica o paciente num estigma, e congela o próprio olhar do psiquiatra no diagnóstico realizado num determinado momento, dificultando-lhe a percepção da evolução ou variação da sintomatologia do mesmo paciente ao longo do tempo, centrando-se no que já está posto, ou seja, atua no sentido de capturar o paciente numa classificação nosológica”. (A Tragicomédia da Medicalização: a Psiquiatria e a Morte do Sujeito, Natal (RN), Sapiens: 2012. Segundo Ato, Das Classificações).
Voltemos ao caso de Márcia, afastada do trabalho por uma Junta Médica há uma década. Quando, na segunda sessão, o terapeuta, através de um trabalho vivencial e reflexivo acerca do papel que ela estava representando na sua própria vida, a faz ver que ela estava assumindo um papel de vítima, de doente, acobertado e justificado pela psiquiatria, ela se DESCOLA do rótulo. Toma consciência que o rótulo a escava colocando numa jaula simbólica ad infinitum. Na terceira sessão, ela afirma: “Vou voltar a estudar! Vou pegar carona com a minha sobrinha, que passou no vestibular. Não vou perder essa oportunidade!”
Nesta conformidade, ela se sentia “doente” simplesmente porque se colocava e aceitava o papel de doente. No momento que percebe que ela mesma alimentava aquele papel que a fazia vegetar, decide mudar. E volta a viver.
Se o transtorno psíquico é causado por um desequilíbrio químico do cérebro, quando o tratamento vai acabar? Nunca se sabe. Supondo-se que a atividade cerebral seja regulada pela genética, a resposta é: nunca. O paciente precisa ser medicado para todo o sempre. E, mesmo que os sintomas estejam ausentes, pode ser prudente medicar-se “de forma preventiva” para evitar uma recidiva.
Essa trilogia maligna é uma expressão inequívoca do processo de medicalização da vida. O Transtorno de Explosividade Intermitente poderia ser considerado uma piada, se não fosse uma tragédia.
E aí, para finalizar, temos algumas possibilidades.
Primeira: Diagnóstico + medicação (sem tratamento).
Esse procedimento é o mais usual, especialmente na rede pública. O sujeito vai ao psiquiatra e sai com um remédio na mão. Esse holocausto da subjetividade é perpetrado diariamente nos postos de saúde e rede pública.
Segunda: Diagnóstico + medicação + tratamento.
Pode-se fazer uso do diagnóstico, ou seja, de um procedimento simbolicamente cruel, para a obtenção de dois direitos – o remédio e o tratamento psicológico. Isso funciona?
Cito outro trecho (é longo, mas é importante):
"(...) Ao medicar um paciente sob a alegação de ajudá-lo em seu tratamento, os psiquiatras não estão se colocando do lado daquele que sofre, mas sim a favor do pharmacolonialismo, que se move predominantemente na lógica do capital. Isto porque a medicalização suprime a ética do cuidado de si, a estética e a motivação que poderia levar à cura, sendo, portanto, inimiga da subjetivação.
Com efeito, os medicamentos não funcionam da mesma maneira para todos. Os indivíduos são diferentes e reagem de forma desigual aos estímulos. Da mesma forma do que ocorre em relação à nutrição, onde um alimento saudável pode ser danoso para alguém que possua alguma rejeição aos ingredientes dele, os indivíduos apresentam reações diversas em relação a uma mesma droga. Uma substância administrada para amenizar a depressão pode, por exemplo, induzir ao suicídio a determinadas pessoas. Assim, o princípio ativo pode provocar reações inversas às pretendidas. Confiar num medicamento é sempre uma aposta perigosa e imprevisível.
O CORO: “O que é válido para alguns, pode não ser válido para todos.”
Contudo, o discurso biomédico sustenta, e com razão, que o uso dos medicamentos, apesar dessas “anomalias”, dessas variações individuais indesejáveis, efetivamente funciona para um bom número de pessoas. Entretanto, como a medicação está dissociada de uma dietética existencial, ou seja, de um estilo de vida, quando o indivíduo é medicado (ou se automedica) e constata um efeito positivo no melhoramento dos seus sintomas, sente-se imediatamente autorizado a desequilibrar-se ainda mais, já que tem à mão um recurso que pode contornar e aliviar os excessos cometidos.O remédio converte-se na senha para empreender toda a sorte de desatinos(1).
Assim, por exemplo, um portador de diabetes, ao tomar um remédio que diminui as taxas de glicose no sangue, sente-se livre para abusar dos docinhos. Um viciado em bebidas alcoólicas, ao perceber que suas dores abdominais diminuem com um remédio para o fígado, permite-se abusar mais ainda do álcool. Ao receber um transplante de coração, um pedreiro, ao sair da sala de cirurgia, falou para um repórter: “Estou me sentindo tão bem que vou comemorar comendo um churrasco!”
O mesmo vale para os psicofármacos: aquele que se sente ansioso, ao ver a sua ansiedade ser suavizada por um ansiolítico, permite-se adotar um estilo de vida mais agitado e frenético do que antes, graças às conquistas da farmacologia. Alguém que esteja triste pela perda de um ente querido, ao tomar um antidepressivo pode indefinidamente sentir-se propenso a apegar-se à lembrança do morto, cuja perda acha inaceitável e intolerável, impedindo-lhe a elaboração do luto. Ou seja, mesmo que funcione, o remédio ainda assim é danoso para um grande número de pessoas, já que o tratamento é focado nos sintomas e não em cima de suas causas que continuam ativas e atuantes, embora ocultas.
O CORO: “Quanto melhor o remédio, tanto pior será!”
Porém, há ainda, por último, o restrito grupo daqueles que tomam um psicoativo e ele efetivamente funciona, os quais não se autorizam a praticar nenhum tipo de excessos, seguindo fielmente o protocolo médico prescrito. Benditos, esses bons pacientes! O sonho de todos os psiquiatras! Para esses, o medicamento, quando ingerido, age como uma máscara trágica a se interpor entre o sujeito e os seus sentimentos e emoções. A máscara dá a ele uma aparência de universal normalidade, e a sua individualidade é eclipsada por trás dela. E mais: ele não mais consegue sentir-se e perceber-se como outrora: o medicamento altera o seu humor, tornando-o “adequado” ou “saudável” dentro de normalizações socialmente determinadas.
A consequência desta acomodação clínica do sintoma é evitar que o indivíduo entre em contato com as verdadeiras causas de seu malestar. Ora, ora! Nenhum psiquiatra bem intencionado e esclarecido sustentaria que o remédio por si só possa resolver todos os males! O ideal é que ele venha acompanhado de uma psicoterapia a fim de reforçar e retroalimentar os efeitos positivos da medicação. Terapia e remédio, remédio e terapia: remédio para o corpo, terapia para a alma! No entanto, ao contrário de todos aqueles que pregam que a medicação e a terapia caminham muito bem juntas, na verdade a medicação é o maior empecilho para um efetivo avanço terapêutico. E o motivo é óbvio e irrefutável: nós nunca desejamos tanto estar saudáveis como ao nos sentirmos doentes; nós nunca desejamos tanto comer um alimento como quando sentimos nas vísceras a fome nos corroer por dentro; nós nunca ansiamos tanto por carinho como nos momentos em que nos sentimos sós e desamparados. Ora, se o medicamento diminui ou cessa o mal-estar, elimina também aquilo que poderia ser a motivação para a busca do bem-estar(2). Se o medicamento minimiza o sofrimento, diminui também a capacidade de sentir prazer. Isto porque há uma harmonia entre os opostos em todas as coisas, e um oposto remete para o seu pólo oposto e complementar."


Terceira possibilidade: Diagnóstico + tratamento (sem medicação)
É, na maioria dos casos, preferível a todas as outras. Evita os efeitos colaterais da medicação e não atrapalha no tratamento. Só em casos especiais não seria recomendável.
Por fim, a guisa de conclusão, cito um trecho do livro “A Tragicomédia da Medicalização”, onde a violência simbólica do diagnóstico é resumida:
“Eis – antecipando o que diremos ao longo deste opúsculo - as etapas da violência simbólica à qual o paciente é submetido: primeiro, ele é nomeado pelo diagnóstico como portador de algum distúrbio ou perturbação; segundo, pelo diagnóstico o rótulo adere ao paciente como um estigma, tal como as marcas de identificação apostas aos animais quando são ferrados; terceiro, ele é rebanhizado, ou seja, as referências se deslocam de sua personalidade individual e única para o rebanho anônimo e indistinto da categoria nosológica em que é agrupado. As consequências desta rebanhização são, de um lado, a despersonalização e perda de referenciais internos; e, de outro, a terapêutica medicamentosa indicada será aquela aplicável não ao indivíduo na sua singularidade, mas sim ao rebanho no qual ele foi inserido, ou seja, aplicar-se-á um remédio inespecífico para um indivíduo genérico que não existe enquanto tal”.
Em suma, para não cansar demais os leitores: a formulação precipitada de um diagnóstico para um transtorno psíquico é um desserviço àqueles que buscam o autoconhecimento e a autotransformação, tendo apenas uma função de viabilizar um controle biopolítico sobre os corpos e as mentes dos pacientes.
Saudações,
José Ramos Coelho
(1)“(...) a educação age sobre o nível de vida em uma proporção duas vezes e meia mais importante do que o consumo médico” – afirma Michel FOUCAULT, retomando a tese de Ivan Illich. – “Conclui-se que, para viver mais tempo, um bom nível de educação é preferível ao consumo médico” (2011, p.390)
(2) Com profunda sabedoria, pontifica o Dr. Edward BACH: “... a doença, posto que pareça tão cruel, é benéfica e existe para nosso próprio bem; se interpretada de maneira correta, guiar-nos-á em direção aos nossos defeitos principais. Se tratada com propriedade, será a causa da supressão desses defeitos e fará de nós pessoas melhores e mais evoluídas do que éramos antes. O sofrimento é um corretivo para se salientar uma lição que de outro modo não haveríamos de aprender, e ele jamais poderá ser dispensado até que a lição seja totalmente assimilada”. (2010, p.18). O combate precipitado aos sintomas está a serviço da manutenção da ignorância e da cegueira. - See more at: http://www.redehumanizasus.net/84706-a-crueldade-simbolica-do-diagnostico-psiquiatrico-e-similares#sthash.PXGMTufA.dpuf