Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/
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sexta-feira, 3 de maio de 2024

Psiquiatria como área pró-social

Um dos motivos pelo qual a psiquiatria é comumente vista como área pró-social é pela equiparação com a medicina física e a percepção social de heroísmo angelical a respeito dos médicos em geral. O contraste de identidades sociais entre psiquiatras, pessoas bem ajustadas e pessoas estigmatizadas e marginalizadas é um fator talvez mais profundo. O prestígio pela sua relação com o externo e o outro (ver Em defesa da Sociedade de Foucault) é mantido pelo desconhecimento das práticas internas da psiquiatria que não são facilmente analisáveis. Mesmo que sejam analisadas as práticas, as emoções frente ao contraste identitário mencionado acima não favorece o reconhecimento de limitações das práticas. Por isso, uma área que se propõe a ser realmente pró-social mantendo o distanciamento crítico em relação à sociedade (reforma psiquiátrica antimanicomial e perspectiva crítica) é mal-vista como área pró louco e contra a sociedade.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Estabilidade como negação da vida

Por vezes, a imposição da estabilidade retira o resto de vida que o paciente psiquiátrico tinha e isso é potencialmente fatal. A noção de estabilidade implica em negação da vida, isto é, ter um vida com acontecimentos e emoções.

Um dos fundamentos desse termo é a equiparação do estado orgânico "disfuncional" com um estado semelhante ao "estado orgânico normal" na medicina física. A analogia da medicina mental com a medicina física implica em certas distorções.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Estabilidade como sucesso terapêutico

Definir sucesso terapêutico como estabilidade tem boas chances de ter origem na psicofarmacologia já que é o mesmo que afirmar que é preciso manter estados orgânicos constantes ou doses constantes de drogas psiquiátricas. Em linguagem experimental isso se chama condição controle e significa manter um valor de variável igual ou constante e que você está suprimindo estados de transição e permitindo observar fatores adicionais introduzidos ou retirados. Dessa forma, a necessidade do tratamento psiquiátrico para a maioria dos casos é justificada pois a preocupação com o orgânico estará nessa perspectiva resolvida.  Ao definir sucesso terapêutico como estabilidade, a implicação é que é preciso manter a droga psiquiátrica por toda a vida e que o término do tratamento é indesejável ou impossível.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

O cultural e o natural

Os fatos do fenômeno comportamental biológico de aprendizagem ou suas condições determinantes de comportamentos pode ser transformado em interpretações holísticas sobre a cultura ou sobre o discurso se o ponto de partida for a perspectiva de ciências humanas ou sociais. As duas perspectivas de conhecimento podem ser semelhantes em suas descrições e é bom que seja assim. Por outro lado, se a perspectiva for de ciências humanas e sociais as intervenções provavelmente serão linguísticas ou argumentações. Já a perspectiva do fenômeno biológico da aprendizagem permite descrever e manejar acontecimentos com precisão, alterando individualmente algo que seria visto como compartilhado culturalmente. Uma interpretação holística pode ser o resultado de muitas variáveis inclusive de natureza diferentes. Interpretações holísticas também podem ser traduzidas para acontecimentos materiais, aumentando as chances de ser possível manejar os acontecimentos determinantes. É preciso tomar cuidado no entanto com o método de conhecimento que usa de procedimentos de inferências abstratas relacionadas e coerentes. A ênfase desse método de conhecimento é mais na coerência a partir de alguns pontos fundamentais e menos na verificação empírica. Um ponto de partida epistemológico sempre é necessário e pontos de partidas equivocados também acontecem em ciências duras consideradas apenas empíricas. Nas ciências naturais (biológicas) também acontece de um fenômeno de outra natureza (social ou cultural) ser interpretado a partir da perspectiva biológica, isto é, erro semelhante à interpretação holística de fenômenos nas ciências humanas ou sociais. É importante que psiquiatras estudem epistemologia pois se estiverem totalmente convertidos somente às ciências naturais e com posicionamento realista a respeito do conhecimento da própria área (esquecendo-se do processo de produção de conhecimento como uma construção) podem cometer muitos erros de interpretação com prejuízos sociais como consequência. A discussão de ontologia e epistemologia precisaria pelo menos ser levantada. Mas a própria caracterização da natureza de um fenômeno também depende de perspectivas sobre as suas propriedades e a epistemológica de perspectivas sobre como conhecer. A relação entre teoria e fatos (nexo lógico) vai ser formulada apenas a partir de uma perspectiva epistemológica e ontológica. Uma conversão teórica pouco pluralista não permitiria considerar ou observar acontecendo outros níveis da "realidade", que muitas vezes também é resultado de conhecimento.

sábado, 9 de julho de 2022

Perdas funcionais e tratamento psiquiátrico (reformulado 2)

Perdas funcionais e tratamento psiquiátrico (reformulado)

A linguagem psiquiátrica se refere à "perdas funcionais" quando os usuários param suas drogas psiquiátricas ou se envolvem em situações nomeadas como crise. 
 
A noção de "perdas funcionais" supõe uma etiologia conhecida (origem) e uma inferência a partir dessa etiologia. Se as evidências dessa etiologia tiverem baixa evidência, as inferências sobre "perdas funcionais" progressivas devido à duração do tempo sem tratamento psiquiátrico devem ser revistas.

Uma etiologia conhecida também é suposta para se propor uma definição operacional das perdas funcionais de um transtorno mental específico. A definição operacional de perdas funcionais envolveria a definição de um instrumento de observação e uma escala de mensuração para os componentes do conceito: estruturas cerebrais que são inferidas ou "observadas" (nem sempre de forma rigorosa ou correta) e que afetariam as realizações sociais (produto das estruturas). As realizações sociais seriam o componente de consequência desses comportamentos. Uma forma de evidência de produto. O componente de repertório comportamental aprendido, implícito em realizações sociais, seria um aspecto chave para reverter o que a psiquiatria chama de "perdas funcionais" decorrentes de alterações orgânicas, isto é, modificando comportamentos para obter consequências socialmente valorizadas. No momento de escrever a primeira versão do texto optei por não falar em estruturas pois isso é mentalismo orgânico (fazer inferências não observadas de estruturas orgânicas como uma explicação a partir dos comportamentos) e também porque duvido da etiologia suposta. A definição de "perdas funcionais" na área de psiquiatria envolveria apenas o impacto de estruturas orgânicas na qualidade do repertório comportamental, avaliado com estatísticas. Mas a aprendizagem de repertório comportamental e sua qualidade envolve muito mais variáveis, com destaque para variáveis ambientais. Além disso, o objetivo não era a coerência com o pensamento teórico sistemático da psiquiatria.

Uma alteração cerebral ou biológica alteraria o padrão dos parâmetros da aprendizagem de comportamentos. Um princípio pouco aceito da análise do comportamento é tomar como funcional todos os comportamentos (análise funcional sistemática). É possível que haja um ambiente hostil. Além disso, parece inverossímil tomar como funcional descrições de pessoas que estão longe das expectativas sociais ou dos gabaritos sociais e não atribuir disfuncionalidade orgânica (modelo sócio-científico com metodologia estatística). É possível que os padrões dos parâmetros de aprendizagem de comportamento estejam alterados. A análise funcional na biologia (função do comportamento) não permite afirmar algo sobre a estruturas biológicas, apesar de ser possível aumentar o peso do fator ambiental. É possível que seja necessário uma complementação com uma análise etiológica. Mas tomar os comportamentos como funcionais (modelo naturalista com metodologia que toma o indivíduo como própria referência) é assumir a responsabilidade em compreender comportamentos e promover a aprendizagem.
 
A descrição da realidade concreta dos usuários a partir de observação e relatos sem recorrer à expressão "perdas funcionais"  leva à delimitação de que são circunstâncias de perdas de realizações sociais nas áreas educacional, afetiva, profissional e social, isto é, perder emprego, interromper cursos e perder matrícula, terminar relacionamentos afetivos e a qualidade das interações sociais. Essa é a base de fatos da alegação de que a doença progride a cada crise e a aplicação de um cálculo aritmético a priori (não empírico) de progressão de doença. A consequência do modelo de "perdas funcionais" é uma dedução teórica e contrafactual de afirmar que o paciente poderia ter sido mais saudável e tido a vida melhor e mais bem sucedida.

Estudos demonstraram que drogas psiquiátricas são danosas para a saúde física, cerebral e comportamental e para a funcionalidade global. Também demonstraram que a melhora da funcionalidade global sem as drogas psiquiátricas é possível e que os transtornos mentais não são tóxicos para o cérebro. Mas sem entrar nessas pesquisas, fazendo uma leitura do componente social, pode-se descrever essas "perdas funcionais" ou perdas de realizações sociais como a quebra de expectativas sociais ou de contratualidade social que podem não ser reversíveis.

Uma leitura social das perdas funcionais a descreve como desacreditação social que acontece após um diagnóstico que usa linguagem psiquiátrica (estigma), as instituições sociais que produzem falta de acesso a direitos sociais e civis e produção de vida para a circunstância de histórico de usuária da psiquiatria mas não somente (o que é institucionalização) e a perda de funcionalidade global resultante dos efeitos das drogas psiquiátricas ou outros tratamentos psiquiátricos. A palavra saúde pode sugerir outro significado, o de saúde biológica, e não ficarem claro os aspectos circunstanciais ou sociais.

Os comportamentos e situações conflituosas ou não esperadas não são necessariamente degenerativas no sentido médico (etiológico), embora a aprendizagem de comportamentos altere o cérebro no sentido positivo e negativo.

domingo, 2 de janeiro de 2022

Psiquiatria preventiva e periculosidade (Análise do discurso)


Notícias de jornal apresentam notícias sobre crimes praticados por pacientes psiquiátricos estruturados como fatos indiscutíveis e ateóricos sobre as características manicomiais dos pacientes psiquiátricos e a psiquiatria preventiva de Caplan. Fatos estruturados como se não houvesse discursos, conceitos ou teorias determinando essa estruturação de apresentação dos fatos.

A partir de conceitos manicomiais que na verdade são teorias antigas que se tornaram senso comum ou conceitos da psiquiatria atual conclui-se que a psiquiatria preventiva de Caplan é uma explicação necessária. Esse discurso é ingênuo pois uma explicação não deve ser necessária mas deve ser correta e eficaz. Dizer que essa explicação é necessária é presumir sem discussão que ela é correta anteriormente. Uma explicação boa é capaz de manipular com sucesso as variáveis. Esse discurso sobre a necessidade da psiquiatria preventiva de Caplan supõe com possível má-fé que se não houvesse nenhum crítico dessa perspectiva e nem da psiquiatria biológica/farmacológica tudo correria bem. O que é uma forma de aniquilação simbólica ou hipótese ad hoc, isto é, um bode expiatório para as limitações dessa perspectiva.

A psiquiatria preventiva de Caplan afirma que o que nomeia como doença mental é um fenômeno puramente interno ao organismo que ocorre independentemente de espaço e tempo (não situado no mundo) e que evolui linearmente e progressivamente a cada situação que chama de crise. Nessa perspectiva o paciente psiquiátrico é um suspeito de potencialmente causar mal social e portanto as mínimas manifestações do que chama de desvio social devem ser tratadas farmacologicamente à força ou involuntariamente por toda a vida.

A partir dessa descrição da psiquiatria preventiva de Caplan é fácil perceber sua base manicomial. O paciente psiquiátrico possui dentro dele a característica da periculosidade. E o que acontece situado no mundo que depende de tempo espaço é desconsiderado como irrelevante para a evolução de comportamentos que nomeia como doença mental.

Pressuposições implícitas na psiquiatria preventiva de Caplan só podem ser desconstruídas com pesquisas articuladas entre si e não serão escopo dessa análise do discurso.

O objetivo desse texto portanto é realizar uma análise do discurso com escopo de dados de notícias de jornais sobre crimes de pacientes psiquiátricos e sua relação com a psiquiatria preventiva de Caplan, isto é, discursos ocultos estruturados e apresentados como fatos neutros.

O segundo objetivo é ser um estudo exploratório sobre os discursos sociais da periculosidade da doença mental.

Resultados esperados: 

- Indicar a relevância do espaço e tempo (história ambiental ou ambiente atual) numa explicação bem sucedida. 

- Sugestão do paciente psiquiátrico como puro mal ou mal do mundo. 

- Sugestão de que o crime surgiu do nada.

- Sugestão de que o tratamento psiquiátrico não foi realizado e que por isso a doença mental progrediu linearmente.

- Sugestão de que o que nomeiam como doença mental é condição necessária e suficiente para a prática de crimes graves.

Corpo de dados:

[Os trechos não serão apresentados com análise em conjunto pois são repetitivos e apenas esboçam uma estratégia discursiva em comum descrita na conclusão geral]

Conclusão geral:

Os textos cometem erro elementar de lógica ao usar ilustrações (exemplos) como se fossem argumentos. Os efeitos discursivos dessa estratégia são provavelmente confirmar um modelo científico naturalizado no senso comum que não precisa nem ser enunciado. O discurso implícito é presumido e apresentando como fatos estruturados. A psiquiatria preventiva de Caplan é bastante presente nos textos mas de forma implícita. Poucos textos descrevem as situações dos crimes e muitos enfatizam que a crise é sinônimo de periculosidade e que esquizofrenia é condição necessária e suficiente para a periculosidade. Enquanto alguns textos enfatizam a interrupção do tratamento outros não mencionam isso e apenas mencionam o histórico psiquiátrico. Essa ausência provavelmente é sinal de que o tratamento estava em dia pois caso contrário isso seria mencionado e que o histórico psiquiátrico seria considerado condição suficiente para a periculosidade. Um dos textos tem discurso de um psiquiatra como especialista que é apenas uma versão mais elaborada do discurso do resto dos textos. Alguns dos perfis retratados tem características redentoras como ter tido família própria e filhos (divórcio), estar seguindo o tratamento, não estar em crise há muito tempo, ser considerado normal em outros contextos, ser considerado uma pessoal afável, ser estudante de medicina / estudante universitário e estar em tratamento com médicos qualificados. O que de certa forma são contraexemplos que não se alinham com a estratégia discursiva de caracterizar um desviante. Uma implicação desse modelo científico é que as injeções de longa duração solucionariam o problema da interrupção de tratamento e portanto da progressão linear da doença mental e da periculosidade. Estamos esperando para ver isso acontecer. Houve sugestão de que os atos aconteceram do nada. A ênfase em contextos inteligíveis foi fraca ou pouco frequente nos textos (relevância do espaço e tempo ou das contingências de reforço). Quando os fatos não estão claros se sentem seguros em inferir um possível surto.

O discurso médico é presumido como única verdade impositiva e infalível. Seria possível com um senso comum mais favorável fazer a mesma coisa com as contingências de reforçamento, isto é, se as pessoas soubessem o que é isso esses problemas não ocorreriam. Significando isso que contextos aversivos e coercitivos ou outras formas de contingências de reforçamento como reforço livre ou estilos parentais pouco favoráveis a comportamentos desejáveis podem gerar comportamentos criminosos.  Senso comum naturalizado permite adotar discursos prepotentes de infalibilidade do modelo psiquiátrico já que esse não poderia ser colocado em cheque. Usar ilustrações ou exemplos como casos paradigmáticos é pular a discussão científica anterior e partir direto para implicações que só podem ser previstas a partir de hipóteses solidamente comprovadas.

domingo, 26 de setembro de 2021

Violação de expectativas culturais e saúde

 É importante fazer engenharia reversa do que se tornou "sintomas psiquiátricos" explicitando quais expectativas culturais foram violadas quando se atribui um diagnóstico psiquiátrico a alguém. Exemplos de expectativas culturais podem ser obediência aos superiores ou aos pais, respeito ao senso comum, compostura, comedimento, etc. A real origem do diagnóstico psiquiátrico é a violação dessas expectativas culturais e se comportar de forma a respeitar essas expectativas deveria ser considerado uma reversão do problema sem precisar de inventar uma estrutura dentro do organismo que possibilita isso (mentalismo orgânico).

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Discurso hippie em termos analítico-comportamentais

Uma tradução do discurso hippie em termos analítico-comportamentais


Working Class Hero - John Lennon

Herói da classe trabalhadora - John Lennon


As soon as you're born, they make you feel small

Tão cedo quanto você nasceu, eles fazem você se sentir pequeno

By giving you no time instead of it all

Ao te dar pouco tempo, ao invés disso tudo

[A sociedade educa membros novos através de ameaças com a finalidade de fazer se comportar como o sistema espera, o que toma todo o tempo, ao invés de fornecer repertório de empoderamento]

Till the pain is so big you feel nothing at all

Até a dor ficar tão grande que você não sente nada

[Até você sentir os efeitos colaterais das contingências aversivas]

A working class hero is something to be

Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

[É esperado que você seja um herói da classe trabalhadora]

A working class hero is something to be

Um herói da classe trabalhadora é algo para ser


They hurt you at home and they hit you at school

Eles te machucaram em casa e eles te bateram na escola

[Eles usam contingências aversivas em casa e na escola]

They hate you if you're clever and they despise a fool

Eles te odeiam se você é esperto e eles desprezam um tolo

[Eles te punem se você é mais ou menos esperto que a média]

Till you're so fucking crazy you can't follow their rules

Até você ficar tão maluco que você não pode seguir as regras deles

[Até começar a reagir às contingências aversivas]

A working class hero is something to be

Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

[É esperado que você seja um herói da classe trabalhadora]

A working class hero is something to be

Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

[É esperado que você seja um herói da classe trabalhadora]


When they've tortured and scared you for twenty odd years

Quando eles te torturam e te amedrontaram por 20 anos estranhos

[Eles usaram contingências aversivas por toda a sua vida até agora]

Then they expect you to pick a career

Então eles esperam que você escolha uma carreira

When you can't really function, you're so full of fear

Quando você não está realmente funcional, você está cheio de medo

[Você escolhe uma carreira sob contingências aversivas, sofrendo os efeitos colaterais emocionais e déficit de repertório]

A working class hero is something to be

Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

[É esperado que você seja um herói da classe trabalhadora]

A working class hero is something to be

Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

[É esperado que você seja um herói da classe trabalhadora]


Keep you doped with religion and sex and TV

Mantendo você dopado com religião, sexo e televisão

[O aspecto agradável do reforço pode te alienar]

And you think you're so clever and classless and free

E você pensa que é tão esperto, sem classe e livre

[Você se sente livre pelo reforço positivo mas está seguindo estratégias de controle do sistema social e sente que isso é um comportamento inteligente]

[Numa sociedade sem classe a motivação para se destacar sendo mais produtivo economicamente não era considerada uma virtude.]

But you're still fucking peasants, as far as I can see

Mas você continua sendo um merda de um camponês, até onde consigo ver

[Mas você é só uma peça no sistema que está recebendo pouco]

A working class hero is something to be

[É esperado que você seja um herói da classe trabalhadora]


A working class hero is something to be

[É esperado que você seja um herói da classe trabalhadora]

There's room at the top, they are telling you still

Há espaço no topo, ele estão te dizendo ainda

[Os reforçadores são alcançáveis]

But first you must learn how to smile as you kill

Mas primeiro você deve aprender a sorrir enquanto mata

[Mas você deve obedecer sem pensar nas consequências sociais dos seus atos]

If you want to be like the folks on the hill

Se você quiser ser como o pessoal da colina

[Se você quiser ser uma pessoal com distinção]

A working class hero is something to be

Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

[É esperado que você seja um herói da classe trabalhadora]

A working class hero is something to be

Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

[É esperado que você seja um herói da classe trabalhadora]

If you want to be a hero, well just follow me

Se quiser ser um herói, bem apenas me siga

[Você está recebendo incentivos do sistema social para cumprir interesses escusos]

If you want to be a hero, well just follow me

Se quiser ser um herói, bem apenas me siga

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Loucos desaparecidos - Análise do discurso

Rapper de São José, Leonardo Irian é encontrado após cinco dias desaparecido

Trechos:

Sofre de esquizofrenia

(linguagem passiva)

está bem de saúde, em casa e medicado

(É preciso medicar para evitar a progressão da doença. Deve estar com a família sem autonomia. Só pode estar bem seguindo o tratamento psiquiátrico.)

Ele teria se perdido na volta.

(Ele se perdeu por estar desorientado)

Análise: A linguagem da matéria toda é na linguagem passiva, com o paciente psiquiátrico sofrendo de algo passivamente, sem capacidade de decisão e sem agência. Outras pessoas fazem algo ativamente mas  o paciente não. Ele precisa que algo seja feito a ele. Ele é basicamente um objeto em deterioração e desorientado.


Paciente com esquizofrenia desaparece após fugir de hospital na Serra

Trechos:

Fugiu e desapareceu. 

já que, em função do transtorno psiquiátrico, caracterizado principalmente por alucinações visuais e auditivas, Marcos tornou-se muito agressivo. Por isso, ele pode representar um risco não só para si próprio como também para outras pessoas. 

Ela mostrou que ele era incapaz. Ou seja, todos ali corriam perigo. Eu falei pra médica que eles foram irresponsáveis porque todos estavam correndo perigo, porque ele é capaz de matar. Isso é um perigo para a população

Eu tenho medo de ficar com ele. Ele vive em uma casa gradeada e, quando ele está bem, com a medicação, a gente solta ele, então ele circula pelo quintal, dentro da casa dele, faz o que ele quer

Análise: família com linguagem completamente manicomial (“incapaz e perigoso”) e a família é tão manicomial que até faz cárcere privado. A única razão para agressividade é a entidade patológica e a  única razão para ele ficar bem e ter um pouco de liberdade é a medicação. Quem não segue tratamento é um grande risco para si e para os outros. 

Linguagem na voz ativa mas agressivo. Não tem condições de ser autônomo por ser incapaz e perigoso (linguagem manicomial). Afirmar a própria autonomia é uma afronta agressiva. É possuído passivamente por uma entidade patológica que desorienta. A família lida com a entidade patológica e não com a pessoa por inteiro enquanto humana (desumanização). Com essa linguagem a família parece estar invalidando as necessidades do paciente enquanto ser humano pois não respeita os direitos humanos do paciente como mostra a linguagem manicomial e o cárcere privado.


Mulher está desaparecida em Marcelino Ramos

Trechos:

Senhora com esquizofrenia (A senhora tem uma entidade patológica externa a ela que a possui).

já saiu outras vezes, devido sua doenças (A moradora de residência terapêutica só usufrui da própria autonomia sem avisar outras pessoas por conta de uma entidade patológica).

Fugiu (Então devia estar muito bom na residência terapêutica mas como ela tem uma entidade patológica externa a ela não conseguiu perceber isso. A linguagem desresponsabiliza os responsáveis pela qualidade de vida na residência terapêutica.)


Marcos Alexandre Cruz, de 38 anos, saiu de casa no sábado (9) e não voltou mais; segundo a família, homem tem esquizofrenia

Trechos:

Ainda segundo Leila, essa não é a primeira vez que Marcos sai de casa. Em outros episódios ele chegou a ir para as cidades de Valinhos e Porto Feliz. No entanto, diferente desta vez, Marcos sempre retornava para a casa no mesmo dia. 

Ainda de acordo com ela, os desaparecimentos acontecem em virtude da esquizofrenia. "Ele tem que tomar remédio, mas nega o tratamento. Foi diagnosticado ainda na adolescência. Ele está há 4 meses sem tomar a injeção", disse. 

Análise: Sem seguir o tratamento psiquiátrico não é seguro sair de casa e ter autonomia.

Jovem com esquizofrenia que estava desaparecido é encontrado em Alumínio

Trechos:

"Ele estava muito confuso e só soube responder falando da clínica aonde ele estava em tratamento. Foi o que morador fez, pesquisou nas redes sociais e encontrou o telefone da clínica, eles já estavam ciente do desaparecimento dele", explicou. 

O rapaz foi resgatado pelos funcionários da clínica e, segundo a irmã, vai retomar o tratamento. 

Análise: A única razão pela qual ele fugiu da clinica (a palavra fugiu nem é usada) é porque ele estava confuso. A qualidade da clínica não tem relação nenhuma com os pacientes fugirem. A internação também foi apenas devido a confusão e a família não tem relação nenhuma com isso.

Os heróis da clínica resgataram o rapaz e ele voltou a fazer tratamento involuntário/forçado. O que é irregular segundo a Convenção da ONU de pessoas com deficiência.


Jovem com esquizofrenia é encontrada após desaparecer por oito dias

Trechos:

Ela teria fugido de casa após sofrer um surto.

Em casa, Érica deixou uma carta para a família, dizendo que estava indo para o interior, à procura de emprego, e que voltaria quando estivesse estabilizada.

Análise: A única razão pela qual ela fugiu de casa foi a entidade patológica. A entidade patológica mesmo que seja duvidosa na pesquisa psiquiátrica possui realidade social. Aparentemente tentar ser independente é sinal de surto psicótico para a família (paciente psiquiátrica desacreditada socialmente).


Família procura por mulher com esquizofrenia que desapareceu em Belo Horizonte

Trechos:

Estudante, Mariana é portadora de esquizofrenia e recebe tratamento psiquiátrico no Hospital Espírita André Luiz na região Oeste de Belo Horizonte, como conta a tia dela, Vânia de Freitas Drumond. “Ela ficou internada por dois meses no André Luiz e recebeu alta uma semana antes de desaparecer, no dia 17. No dia em que ela desapareceu, ela estava falando coisas desconexas com o pai e com a mãe. Saiu e não voltou mais, era o dia do atendimento com o psiquiatra”. À data em que desapareceu, Mariana chegou a dizer à família que iria até a polícia e saiu sem levar quaisquer documentos e até mesmo o celular.

Análise: Por ter falado que ia na polícia e ter sido internada provavelmente estava ruim a situação com a família. Mencionar coisas desconexas é relativo à interpretação da família. Alguém que sabe escutar consegue encontrar algum significado contextual. Provavelmente estava insatisfeita com o tratamento psiquiátrico involuntário – o que é irregular segundo a Convenção da ONU sobre pessoas com deficiência.


Família procura por idosa desaparecida há 12 dias em Sorocaba

Trecho:

Sem os remédios, se comporta de forma agressiva.

Análise: A única razão possível para ela ficar agressiva é a falta de remédios, isto é, o desequilíbrio químico. Desequilíbrio químico é uma hipótese que nunca foi provada.


Conclusão geral

Poucas reportagens se referem à perspectiva do paciente e todas enfatizam o discurso médico e da família. Portanto, isso indica o silenciamento da perspectiva do paciente psiquiátrico. Conclui-se que seria necessário fazer reportagens com foco em discurso psicossocial e que o discurso psiquiátrico empregado torna uma questão sensível e potencialmente constrangedora num assunto aparentemente impessoal: a condição médica da pessoa. É tanto possível ter um repertório inapropriado generalizado quanto melhorar de saúde mental em um contexto menos complicado. Mas as reportagens assumem que os comportamentos inapropriados nomeados como a entidade esquizofrenia tem origem dentro da pessoa (internalismo). Isso é modelo médico em saúde mental. Jornalistas comprometidos com a reforma psiquiátrica enfatizariam o lado humano e contextual/cultural.


terça-feira, 14 de julho de 2020

Normalidade como discurso ideológico

O discurso da normalidade é um discurso ideológico no sentido de favorecer interesses de grupos dominantes ou que querem tirar alguma vantagem. Se ajustar à ideologia traz muitas vantagens, não é algo de consequências ruins. Mas é preciso levar em consideração que o discurso da normalidade não necessariamente serve à própria pessoa à quem se exige que adote posturas adequadas (às exigências de um grupo de pessoas).

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Série de análise conceitual de manual de psiquiatria e neurociências

A psiquiatria não sabe as causas do transtornos

Na medicina, o entendimento de uma doença e, portanto, de seu diagnóstico baseiam-se fundamentalmente na identificação de (1) fatores etiológicos, como microorganismos, toxinas ou riscos genéticos, e (2) patogênese, ou seja, os mecanismos pelos quais os agentes etiológicos produzem a doença. Infelizmente, a etiologia e patogênese de muitos transtornos mentais não foram determinadas. Por isso, os diagnóstico psiquiátricos ainda têm como base a descrição dos sintomas do paciente, as observações do examinador, uma história natural detalhada (o curso da doença no decorrer do tempo) e a resposta ao tratamento.

É claro, a apresentação de único sinal ou sintoma não é em si evidência de doença, podendo ocorrer em pessoas saudáveis.

Livro: Princípios de neurociência (Manual de psiquiatria e neurociência)
Autor: 1) Kandel

Comentário: 

1) A psiquiatria organicista ainda não sabe as causas dos transtornos mentais. Mas quase todas as pessoas acreditam que sim. 

2) O diagnóstico é feito com base em comportamentos e por isso não necessariamente indica uma causa orgânica subjacente mas uma correlação. A não ser que haja o desejo e interesse nesse raciocínio. 

3) "O diagnóstico se baseia em observações do examinador". Portanto, o diagnóstico se baseia em interpretação subjetiva do examinador. Pelo menos a filosofia da ciência acredita ser ingênuo defender que observações são feitas sem modelo conceitual prévio. Apenas pela naturalização cultural de um construto baseado no modelo médico como socialmente evidente em si mesmo é que se pode falar em observação de fatos sem modelo conceitual prévio.

4) O diagnóstico se baseia na resposta ao tratamento. No final do capítulo os autores admitem que a resposta ao tratamento ainda deixa bastante a desejar.

"Encontradas alterações cerebrais" (não sistemáticas)

Nos manuais de psiquiatria e neurociências se afirma ao mesmo tempo que não se sabe os determinantes fisiopatológicos e etiológicos e também que não há um exame objetivo, e nem que a lista de sintomas permita definições de estados de doença que permitam uma verificação científica.

Mas ao mesmo tempo apresenta "alterações cerebrais encontradas" dentro de uma classificação diagnóstica sem mencionar que estas não podem ser consideradas sistemáticas e universais dentro de uma classe diagnóstica pois não foram encontradas em todos os casos e nem apenas dentro de uma classe específica.

Livro: Princípios de neurociência (Manual de psiquiatria e neurociências)
Autor: 1) Kandel

Promessa eterna (e frustrada) da psiquiatria


Livro: Princípios de neurociência
Autor: Kandel 

Outras formas de excitação fisiológica na psicose (crítica)


Comentário: 

1) Parece que há margem dizer que eles chamam a excitação psicofisiológica excessiva de psicose.
2) Não há necessariamente uma relação direta com a dopamina pois o efeito da redução ou aumento de outros neurotransmissores também pode excitar excessivamente a psicofisiologia.
3) O tratamento psiquiátrico poderia ser feito com outras formas de redução da excitação da psicofisiologia e não necessariamente usando a a alegada redução da dopamina como um antídoto à psicose. Inclusive maneiras não farmacológicas como alterar o ambiente e o comportamento, ou o biofeedback.

Livro: Princípios de neurociência (Manual de neurociência e psiquiatira)
Autor: 1) Kandel

Neurolépticos ainda deixam seriamente sintomáticos [Fracasso]

"Apesar desse progresso, os fármacos existentes para tratar a esquizofrenia, tão úteis quanto possam ser, ainda deixam os pacientes seriamente sintomáticos aguardando novas descobertas da neurociência."

[Comentário: Admitindo o fracasso do tratamento psiquiátrico e esperando por um futuro que nunca chega mas fomenta pesquisas infinitas]

Livro: Princípios de neurociências (Manual de psiquiatria e neurociências)
Autores: 1) Kandel

Reações de parkinson ao iniciar neurolépticos

No início do "tratamento" com neurolépticos se produz sintomas de parkinson (deficiência de dopamina). Não dá nem para imaginar porque... talvez seja porque se está produzindo uma deficiência real e artificial de dopamina e não uma regulação do desequilíbrio químico para um nível "ótimo".

"b) Reações parkinsonóides
Após a primeira semana de uso de antipsicótico. Há um tremor de extremidades,
discreta hipertonia com rigidez muscular, hipercinesia e facies inexpressiva. Pode
haver desaparecimento dos sintomas após 3 meses de utilização do neuroléptico,
como por tolerância ao uso."

Síndromes tóxicas por neurolépticos

Outras formas de excitação fisiológica na psicose (crítica)



Comentário: 

1) Parece que há margem dizer que eles chamam a excitação psicofisiológica excessiva de psicose.
2) Não há necessariamente uma relação direta com a dopamina pois o efeito da redução ou aumento de outros neurotransmissores também pode excitar excessivamente a psicofisiologia.
3) O tratamento psiquiátrico poderia ser feito com outras formas de redução da excitação da psicofisiologia e não necessariamente usando a a alegada redução da dopamina como um antídoto à psicose. Inclusive maneiras não farmacológicas como alterar o ambiente e o comportamento, ou o biofeedback.

Livro: Princípios de neurociência (Manual de neurociência e psiquiatira)
Autor: 1) Kandel

sábado, 25 de abril de 2020

Ideologia, análise do discurso e reforma psiquiátrica

Segundo a análise do discurso e a sociologia do conhecimento todo grupo é ideológico, isto é, adota discursos que defendem interesses de grupo. A diferença é se essa defesa do interesse de grupo também beneficia a sociedade de verdade ou se usa de estratégias discursivas de defesa do próprio interesse como se fosse a defesa do interesse da sociedade.

A partir disso é possível refletir se os interesses financeiros ligado à Associação Brasileira de Psiquiatria (indústria farmacêutica, hospitais, serviços médicos e equipamentos) também se reflete em benefícios sociais ou se a defesa da reforma psiquiátrica como política pública beneficia só os funcionários públicos da saúde e os políticos de esquerda ou se defende também o interesse público.

sábado, 14 de dezembro de 2019

Regras de transformação e generalizações exageradas nos diagnósticos

As regras de transformação para classificação diagnóstica levam a generalizações exageradas nas implicações de certos comportamentos apresentados pela pessoa diagnosticada.

O que começa como uns poucos comportamentos num contexto específico se transformam na essência biológica da pessoa. Com mais uma regra de transformação a pessoa é levada a sofrer com os efeitos negativos das drogas psiquiátricas. Com mais outra regra de transformação a pessoa passa a ser uma incapacitada e a ser tratada diferente pela família, sociedade e mercado de trabalho.

Sem aplicar essas regras de transformação da psiquiatria biológica e descrevendo apenas o que acontece em contextos específicos é possível encontrar o escopo real ou domínio de fatos reais do diagnóstico. É muito mais demilitado descrever cada comportamento sem aplicar regras de transformação de comportamentos em sintomas de um diagnóstico.

O diagnóstico não existe por si só (é uma inferência), os comportamentos sim (são fatos descritos).

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Discurso dos anúncios farmacêuticos

Engraçado o discurso dos anúncios farmacêuticos: sabemos que você acha inconveniente cuidar da saúde, portanto cuide através de drogas farmacêuticas.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Racionalidade técnica e dominação

“O terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação” (ADORNO & HORKHEIMER, 1986, p. 144)

A glamourização de transtornos psicológicos na mídia 

1Ana Claudia Monteiro DUTRA 

2Maria Carolina Maia MONTEIRO 

3Universidade Católica de Pernambuco, Recife, PE



sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

uso da palavra loucura

A palavra "louco(a)" é usada de maneira parecida com a palavra coisa. É usada para vários significados específicos ou descrições específicas. Os significados reais se silenciam e se deixa de lidar com o fato real para lidar com um julgamento de valor. Dessa maneira, a defesa da posição correta em relação a uma equivocada deixa de ser necessária.

terça-feira, 31 de março de 2015

Assimetria de poder na relação médico-paciente

Assimetria de poder na relação médico-paciente
“Talvez, se o objetivo da medicina for a diagnose e o tratamento da doença, a qualidade da comunicação entre o médico e o paciente faz pouca diferença, conquanto se obtenha um histórico médico adequado e a necessária cooperação do paciente, para fazer ou deixar de fazer certas coisas. Mas se o objetivo da medicina for interpretado mais amplamente, se a preocupação for com a pessoa que está doente, e o objetivo for aliviar, reassegurar e restaurar o paciente – como parece que deve ser o caso – então a qualidade da comunicação assume uma importância instrumental e tudo o que interferir com ela precisa ser observado, e se possível, removido.” Samora (1961)
Em um nível microssociolinguístico, a assimetria no discurso médico-paciente, por exemplo, resulta de diferenças de status socioeconômico, papéis, objetivos e expectativas, bem como de seus valores e atitudes. O discurso reflete, cria, dissemina e perpetua esta assimetria no discurso e através da fala dos participantes. No discurso institucionalizado, a assimetria pode ser mensurada por parâmetros interacionais, discursivos e lingüísticos.
- No nível interacional, por exemplo, há o controle da organização tática da interação. No caso da comunicação médico-paciente, o médico controla o turno da ala e as estruturas de participação dos outros participantes. Desta forma, é o médico quem decide não somente quem fala, mas também quando e como se fala.
- No nível discursivo, não somente o que se fala, i.e. o conteúdo, mas também em que ordem se fala, i.e., a seqüência tópica e a organização do discurso são decididas pelo médico que tem o poder hegemônico de conduzir a interação.
- No nível lingüístico, a especialização técnica do médico e o jargão técnico do seu vocabulário podem constituir uma causa adicional de discrepância e divergência na comunicação, tanto no nível conceitual quanto no nível lexical.
No discurso assimétrico, os participantes não compartilham do mesmo conhecimento, interesses, objetivos e estratégias conversacionais. Porque os médicos e os pacientes geralmente não compartilham das mesmas bases sócio-culturais para conhecer, dizer e entender, eles têm acesso diferenciado ao conhecimento.
No entanto, porque a comunicação face a face é reflexiva, i.e., mutuamente constitutiva, os participantes são conjuntamente responsáveis pelo fluxo de atividades.
No caso da comunicação médico – paciente, assim também como nas interações em sala de aula, os médicos operam como diretores do discurso, mantendo o controle durante a consulta, e conduzindo a interação, sinalizando o começo, o meio e o fim dos diferentes estágios ou atividades bem como o começo e o fim das falas. É dentro deste contexto interacional que o médico e o paciente tem que negociar o significado, i.e., fazer sentido um para o outro, por que a fala é ambígua e vaga e deve ser interpretada. Além do mais, a interpretação compartilhada depende do contexto compartilhado, mutuamente constituído pelos e para os participantes, e realizado interacionalmente.
Desta forma sua atenção aos aspectos orgânicos das queixas do paciente, sua paráfrase técnica da narrativa do paciente, seu uso recorrente de perguntas para solicitar informação específica são estratégias pelas quais a consulta é objetificada e enquadrada no modelo biomédico da doença.
Esta abordagem clínica ou orgânica distante, objetiva, “cautelosa”, do médico, é resultado do treinamento profissional. No seu treinamento pré – serviço é-lhes ensinado que o envolvimento com o paciente deve não ser só evitado mas é quase proibido e anti-ético. Porque eles vão ter que enfrentar a dor, o sofrimento e a morte dos seus pacientes, é-lhes ensinado que trabalhando neste esquema institucional eles vão ficar protegidos dos perigos do envolvimento e da compaixão e desta forma permanecer mais livres para agir e tomar decisões que às vezes podem ir contra seus sentimentos e emoções.
O seguinte trecho tirado do filme Golpe do Destino é ilustrativo:
Dr Mackee – Há perigo em se envolver com os seus pacientes. É muito perigoso. Cirurgia exige julgamento. E um juiz deve ser distante.
Aluno – Não é antinatural não se envolver com os pacientes?
Esta abordagem impessoal é também conseqüência da visão profissional da prestação do serviço médico como uma atividade burocrática de rotina, em que o paciente é apenas mais um em uma fileira de pacientes, mais uma doença em uma fileira de doenças.
Em resumo, durante a consulta médica, o médico que está no controle interacional, busca e
requer informação do paciente. Ele aborda a consulta dentro de um esquema clínico de referência enquanto o paciente a encara como uma oportunidade personalizada e experiencial para falar sobre suas mazelas. Este desencontro de estilos e estratégias conversacionais pode causar ansiedade, frustração e conflito; ele pode impedir os participantes de atingir um consenso sobre o significado da interação e/ou atingir os objetivos pretendidos. Em última instância, isto pode levar a mal entendidos e insatisfação interacional.
O fato de o paciente falar mais poderia nos induzir a concluir que o paciente domina a interação. Todavia a tabela 2, que indica quem introduziu os tópicos na conversação, deixa claro que é o médico que domina a conversação.
Em resumo, embora o médico fale menos, interacionalmente ele tem mais influência no desenho da estrutura do discurso. É ele quem abre e fecha a conversa (cf.Tabela 1:00 e 22); quem termina a discussão sobre um tópico, muda para um novo tópico conforme sua vontade; ou ignora as observações do paciente.
A fala do paciente é altamente avaliativa e envolvida, como se pode ver pelo número de intensificadores que abundam no texto, e.g. mal (09); sempre (20); pausas, hesitações, pedidos de confirmação e outros marcadores discursivo-conversacionais, e.g., cê vê(04);sabe? (08, 10,14); né (06). As queixas do paciente são vagas e difusas (e.g.13-16). O médico, então, tenta medicalizar estas queixas em sintomas, atendendo aos aspectos orgânicos ou clínicos da narrativa do paciente.
A reciclagem do tópico é uma estratégia que o paciente usa para enfrentar o controle da consulta pelo médico e para criar o máximo possível de oportunidades para falar sobre o tópico de seu interesse.
Neste trabalho, convergência e divergência referem-se respectivamente à unilateralidade ou bilateralidade na introdução de propostas, isto é, propostas que obtiveram consenso e propostas que foram do interesse de somente um dos participantes. Em outras palavras, convergência de interesse ou expectativas significa que os participantes estão sintonizados na mesma onda. Divergência, por outro lado, sinaliza que os participantes estão fora de sincronia um com o outro. Isto é, eles estão ou falando fora de turno ou fora do tópico.
No conjunto, os tópicos divergentes perfazem 38 por cento do total da fala da consulta. Estes tópicos foram trazidos principalmente pelo médico, através de perguntas que tencionavam coletar fatos para especificar a estória do paciente e informação biomédica que sugerisse sintomas que pudessem servir de base para o seu diagnóstico (=transformar em doença).
Este estudo demonstrou o modo como o significado é negociado entre o médico e o paciente na consulta médica. A análise quantitativa dos padrões de gestão de tópicos pelos participantes na consulta revelou que o médico detém o controle hegemônico da conversa. Embora ele fale menos em termos do tempo total da consulta, é o médico quem regula as estruturas de participação, o conteúdo e a organização seqüencial ou progressão temática dos tópicos na conversação. Embora o paciente fale mais que o médico em termos do tempo total da conversa, ele o faz somente em resposta às perguntas e tópicos impostos pelo médico, que estruturam não somente o que o paciente fala, mas também quando, como e em que ordem ele fala.
A análise qualitativa focalizou a evidência lingüística das estratégias conversacionais usadas pelos participantes na consulta. Porque o médico está interessado em obter informação biomédica relevante e suficiente para um diagnóstico preciso e tratamento adequado, a sua estratégia conversacional é atentar para os itens orgânicos ou biomédicos de informação e tratar os problemas de vida real do paciente como irrelevantes à consulta. Ele se apóia, principalmente em perguntas específicas na busca de sintomas para transformar em seu diagnóstico. O seu estilo de gestão de tópico pode ser caracterizado como o estilo falando sobre um determinado tópico, em vez de falando topicamente.
A estratégia do paciente, por outro lado, consiste em evitar falar sobre os tópicos que são introduzidos pelo médico. Para tanto, ele usa digressões, autodiagnose e associação de tópicos. Desta forma, ele evita não só falar sobre os tópicos escolhidos pelo médico, mas ele consegue reciclar e falar mais sobre os tópicos de seu interesse pessoal e assim comunicar o que ele acha relevante à consulta. Desta forma, embora semi-analfabeto, o paciente revela possuir as habilidades conversacionais necessárias para fazer uma exposição de sua doença. O seu estilo de gestão de tópico caracteriza-se por falar topicamente, isto é, falar centradamente sobre um tópico.
Como conseqüência desta divergência em estratégias conversacionais e estilo de gestão de tópicos, os tópicos introduzidos pelo médico são breves e permanecem sem avaliação, e são rapidamente descartados pelo paciente. Os tópicos bilaterais, ou convergentes, por outro lado, são amplamente desenvolvidos e avaliados, proporcionando assim, ao médico, uma oportunidade de coletar informação mais relevantes para a diagnose e o tratamento. Prestando atenção aos mecanismos lingüísticos de envolvimento e avaliação que o paciente usa, ele pode aprender não somente o que é de interesse para ele médico, mas o que preocupa o paciente.
Conclusão comum: a importância da qualidade da comunicação na relação que se estabelece entre o médico e o paciente na consulta e uma visão consoante com a qualidade em serviços de que a própria conversa já é parte do processo de cura, pois atender o cliente é, principalmente entender o seu pedido, o seu desejo e a sua necessidade. Quase sempre, ao fazer uma demanda, direta ou indireta, o cliente pede uma coisa, quer outra e precisa de uma outra. Desta forma, a melhor forma de garantir as condições para um bom atendimento é investir na qualidade da relação e dos vínculos com o cliente, pois a qualidade do atendimento é diretamente proporcional à qualidade do relacionamento que se estabelece.
Citamos aqui as palavras de um praticante da medicina da pessoa, em vez da medicina da doença: “As dificuldades na relação médico-paciente geralmente comprometem o êxito dos resultados das consultas e do tratamento, por duas razões. Primeiro, a inabilidade do médico de abordar o paciente e, segundo, a resistência do paciente em aceitar o que lhe é proposto.” Para resolver este problema, o autor sugere que “a consideração dada à receita é proporcional à preocupação do médico com as emoções do paciente”, observando ainda: “O bom médico deve se interessar pela estória do paciente, não somente de onde vem as suas dores, ou seja, o problema é descobrir o que é importante para a pessoa doente e não só para o médico.”
Sugere-se, então, que os profissionais médicos desenvolvam um conhecimento consciente das características e complexidades do discurso da cura. Isto demandaria que os médicos aprendessem mais a ouvir para aprender, do que ouvir para interrogar. Na verdade, sua habilidade de interrogar seria otimizada pela sua habilidade de ouvir e identificar pistas contextuais, tais como a avaliação e o envolvimento, que sinalizam os verdadeiros problemas de seus pacientes. Esta consciência os equiparia com ferramentas mais poderosas para apontar os problemas de seus pacientes mais facilmente. Todavia, como Shuy (1976) evidencia, as atitudes estão profundamente enraizadas na prática diária e não são muito fáceis de mudar. O autor do artigo para o jornal brasileiro mencionado acima afirma que a resistência dos médicos à mudança se deve principalmente a “... uma mistura de preconceito e falta de conhecimento sobre as mudanças”. De acordo com este mesmo autor, os médicos vão ter que enfrentar os seus próprios preconceitos e orgulho se eles quiserem melhorar a relação com os seus pacientes. O mero conhecimento do problema não garante a mudança.
Esta profunda mudança, porém, demandaria um projeto integrado de pesquisa em análise do discurso a longo prazo, envolvendo pesquisadores lingüistas e profissionais médicos na pesquisa colaborativa das suas culturas de trabalho e da natureza da interação médico- paciente. As descobertas de tais destas pesquisas serviriam de base para o treinamento de outros profissionais, tanto em programas de pré-serviço quanto em programas em-serviço.
Assim, sugere-se que, como pesquisadores da sua própria cultura de trabalho, os médicos comecem a estranhar o familiar e familiarizar o estranho em seu próprio contexto. Então, tendo chegado a esta atitude crítica através da visão perspectiva interna e externa da sua prática,eles poderão se tornar os principais agentes de transformação de sua própria prática social.

Medicina e mídia

Medicina e mídia
Na perspectiva de RODRIGUES, entende -se por campo social:
“(...) uma instituição dotada de legitimidade indiscutível, publicamente reconhecida e respeitada pelo conjunto da sociedade para criar, impor, manter, sancionar e restabelecer uma hierarquia de valores, assim como um conjunto de regras adequadas ao respeito desses valores, num determinado domínio específico da experiência” (1999:23)
Em oposição a esta modalidade, destaca-se a dimensão exotérica, constituída de enunciados não reservados ao corpo institucional, mas a todos, indiscriminadamente. A conseqüência desta função mediadora é a constituição de um campo social autônomo, que desempenha papel estratégico ao garantir a visibilidade e reforçar a legitimidade dos demais campos.
Os sujeitos que detém legitimidade simbólica e pragmática constituem o corpo social de um determinado campo. Eles podem compreender os enunciados destinados aos próprios membros da instituição, práticas discursivas que, segundo Rodrigues, se referem às modalidades de discurso esotérico. A natureza exotérica é própria do discurso mediático.
A publicização dessas informações de interesse público reforça a legitimidade de cada campo envolvido nesse processo de mediação. Já vimos que é próprio do campo dos media recorrer a enunciações dos outros campos, se legitimando como espaço privilegiado de visibilidade das instâncias sociais".
Mas, ao apropriar-se da medicina, o discurso midiático tende a torná-la transparente e universalmente compreensível, em função da natureza exotérica de seu funcionamento” (Rodrigues, 1997:221). Isto requer a transformação da linguagem hermética, uma questão que perpassa a dimensão universalizante da prática discursiva do campo dos media.
“(...) o discurso médico tende a criar e impor não só um vocabulário e regras sintáticas próprias, mas também formas simbólicas esotéricas da sua expressão e da sua difusão. É por isso que o discurso médico é relativamente incompreensível e opaco para os que não são detentores da legitimidade de intervenção expressiva e pragmática no seu domínio específico de experiência, para aqueles que não fazem parte do seu corpo legítimo. (...)
A rearticulação das ordens de discursos (Foucault, 1996) do campo da medicina atende também ao objetivo de reforçar, no espaço especular dos media, sua legitimidade e competência no que concerne ao poder de dizer e de fazer sobre o corpo humano.
“(...) o discurso do médico é uma confluência de saberes científicos e de outros saberes provenientes da prática clínica e da doxa, saberes e práticas nem sempre convalidados pelo campo científico e acadêmico. Nem o discurso da televisão (do programa) é equivalente ao discurso do médico, nem este é equivalente ao da ciência. O discurso do médico, aqui, está mediado pelas regras do dizer televisivo, que operam no sentido de traduzir o aspecto especializado do saber médico-científico, naturalizar (e reforçar) sua dimensão pragmática (se aconselha e orienta), reforçar sua legitimidade e moderar sua conflitividade” (2005: 301)

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Anjo Médico

Nessa de anjo médico é que acontecem os erros técnicos, éticos, monetários, etc. E ainda ninguém desconfia dos "anjos salvadores".