Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/
Mostrando postagens com marcador desmame. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador desmame. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 30 de junho de 2025

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Modelo clínico de Kraeplin: reinterpretação comportamental

O modelo clínico de Kraeplin, criador das bases da psiquiatria moderna e biológica contemporânea, tem uma base factual em circunstâncias: fazer alterações difíceis (Definição de difícil: insuficiência de aprendizagem operante) em contingências de reforçamento ocasiona problemas e tem baixa viabilidade. Por isso, contingências de reforçamento estabelecidas pelas pessoas com poder devem ser respeitadas, legitimadas e apoiadas. A pessoa que não satisfaz as contingências de reforçamento estabelecidas pelas pessoas com poder está clinicamente doente por alteração orgânica. Inversamente, a saúde mental é o valor reforçador do repertório de comportamentos para as contingências de reforçamento vigentes, as quais devem ser respeitadas ou alteradas sem problemas significativos.

domingo, 19 de janeiro de 2025

Implicações do Modelo biomédico e Análise do Comportamento

O modelo médico e a análise experimental do comportamento tem dois resultados finais diferentes em termos de explicação da estabilidade em saúde mental. Ambos os modelos tem implicações diferentes sobre possibilidades e impossibilidades de tratamento terapêutico em saúde mental.

24. A medicação contínua é o que está mantendo a estabilidade. MED (PREM)

25. A aprendizagem operante é o que está mantendo a "estabilidade" de comportamento esperado. AEC (PREM)

Como são utilizados na prática e em toda sua extensão como casos limite, cada modelo tem implicações diferentes sobre a dispensabilidade de intervenções a partir do modelo científico oposto.

Dispensabilidade mútua:

24 supõe que há um vazio de planejamento operante em termos de manutenção de contingências de reforçamento e de comportamento esperado (dispensabilidade do comportamento operante)

25 supõe que a medicação é dispensável em condições de bom controle de contingências de reforçamento (dispensabilidade de droga psiquiátrica)

Avaliação de inconsistências das proposições de dispensabilidade mútua

A afirmação costumeira de compatibilidade teórica entre terapia comportamental e tratamento contínuo com medicação psiquiátrica não testa os modelos em seus limites e extensão completa. A compatibilidade entre as duas práticas assimila a terapia comportamental dentro do modelo biomédico enquanto que a proposta de assimilação inversa do uso de drogas psiquiátricas pelo modelo científico da análise experimental do comportamento seria uma inversão de hierarquia teórica baseada no absurdo da dispensabilidade do comportamento operante e a explicação das alterações farmacológicas dentro do comportamento operante (farmacologia comportamental e biocomportamental).

Preferência epistêmica: dispensabilidade do comportamento operante é mais improvável que dispensabilidade de droga psiquiátrica pois a última é mais assimilável pela primeira sem implicação de negação da extensão de fatos científicos.

Logo, a afirmação 25 é mais retratável. A inconsistência entre as afirmações de dispensabilidade é resolvida. Infelizmente, o que aumenta as probabilidades de insucesso terapêutico em larga escala, as pessoas que acreditam nas explicações cerebrais como fundamentais e centrais, adotam na prática a dispensabilidade das considerações sobre planejamento e manutenção de contingências de reforçamento e comportamentos operantes ou a subutilização da extensão da aplicabilidade do modelo científico análise experimental do comportamento. No entanto, a questão dos tratamentos a serem utilizados é mais política, social e econômica do que científica.

Referências

Atocha Aliseda, Laura Leonides, Hypotheses testing in adaptive logics: an application to medical diagnosis, Logic Journal of the IGPL, Volume 21, Issue 6, December 2013, Pages 915–930, https://doi.org/10.1093/jigpal/jzt005

sábado, 11 de janeiro de 2025

Medicalização, neurociência e valores sociais

Muitos acontecimentos e comportamentos que não ocorrem dentro de certos padrões e expectativas geram um sentimento de requisição de explicação.  A requisição de explicação necessita de um modelo explicativo. Os principais modelos explicativos que retiram a perplexidade sobre o comportamento são as neurociências e a psiquiatria. Esses modelos suprem uma expectativa de vincular um modelo conceitual a ações práticas simples e acessíveis que se propõem e se vendem como soluções possíveis embora imperfeitas. Essa vinculação com a prática é um fator motivador importante para sua popularidade e relevância social e econômica. O controle do comportamento e da fisiologia do comportamento através de linguagem pragmática e física, e de intervenções biológicas, promete impacto na resolução de problemas, realização de sonhos e desejos. No entanto, o apelo da ciência que se vende como canônica tem suas características de limitações institucionais e econômicas para produção de ciência e de mercados. Essas áreas tem aspectos sociais, culturais e político-ideológicos que são tomados como realidades dadas e necessárias oriundas da biologia. A análise da constituição da ciência por diversos valores sociais, políticos, cognitivos e econômicos que contribuem para uma rede de compromissos aumenta a clareza sobre possibilidades sociais e de produção científica diferentes.

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Fundamentos técnicos e função do conhecimento

A abertura ou fechamento para utilização de tipos de conhecimento sobre saúde mental de pessoas relacionadas com um caso de tratamento estão relacionados com a função que o conhecimento e as intervenções adquirem nas circunstâncias. No entanto, as alegações e discussões geralmente são sobre os fundamentos técnicos dos conhecimentos e intervenções. Para observar a função do conhecimento é útil observar como se constroem vidas a partir de determinado tipo de conhecimento. A função que o conhecimento e as intervenções adquirem é relevante até o ponto de que a discussão sobre fundamentos técnicos se torna secundária nas discussões sobre tratamentos de casos de saúde mental pelas pessoas relacionadas, inclusive profissionais.

sábado, 13 de abril de 2024

O desmame de neurolépticos e processos comportamentais

A partir de uma noção de processos comportamentais operantes em associação com processos fisiológicos do desmame de neurolépticos, é questionável se simplesmente amenizar o processo compensatório com uma retirada lenta e gradual de forma hiperbólica é suficiente para aumentar a recuperação funcional.

Os neurolépticos atuam estabelecendo extinção geral de comportamentos operantes através da interferência no processo fisiológico do reforço. Por isso, é razoável pensar que os comportamentos avaliados pelo meio como inapropriados precisem passar por um processo de extinção gradual que é o processo inicial de adaptação com a introdução e manutenção da droga.

Na redução ou retirada dos neurolépticos ocorre um processo fisiológico de compensação relacionado com o aumento da dopamina num cérebro adaptado para o uso da droga com o aumento de receptores de dopamina. Como a psiquiatria crítica não tem proximidade com a área de comportamento operante não percebe que a partir desse processo fisiológico há uma retomada de repertório comportamental previamente sob esquema de extinção (enfraquecimento e eliminação de comportamentos operantes) que se reflete em um aumento de atividade operante. Acontece que simplesmente reduzir a dose ou fazer desmame por mais que se desenvolva um processo de amenização da adaptação fisiológica não é necessariamente um fator protetor por si só mesmo que os efeitos prejudiciais que preocupam os profissionais e pacientes diminuam. Esse processo é antes um desafio maior de estabelecer repertório comportamental operante solidamente estabelecido em negociação com os desafios do meio e novidades do processo de transição fisiológica, comportamental e social. Por isso, ao invés de retirar a droga de pessoa com prognóstico menos favorável como está sendo pesquisado, o ponto de partida deveria ser estabelecer repertório adaptativo sólido antes, adicionalmente durante o processo de redução e retirada da droga e depois ainda acrescentar um processo de manutenção e consolidação de repertório comportamental operante.

quarta-feira, 6 de março de 2024

Replicação dias 21 a 30 - Invega Sustenna e VFC

Instabilidade autonômica?

No primeiro estudo de mensuração da média da variabilidade da frequência cardíaca sob efeito de Invega Sustenna com duração de 30 dias os últimas dias indicaram instabilidade do sistema nervoso autônomo nos últimos 30 dias do mês. Fatores de confusão foram um evento altamente estressor ao longo do mês e a dúvida sobre a fidedignidade da medidas incompletas (consistência entre medidas).

Esse resultado de instabilidade autonômica não foi replicado. O resultado foi de redução gradual do efeito (média de 3 a 6 mensurações por dia). Esse resultado de um padrão consistente ao longo dos dias indica fidedignidade das medidas ao longo dos dias. A inferência teórica sobre a insuficiência de dose e predição de aparecimento de sintomas durante o período final de metabolização do neuroléptico Socian se mantém para Invega Sustenna. A amplitude de variação das médias diárias foi de 2 a 3 vezes entre sessões e a variação de RMSSD dentro das sessões foi alta, levando à suspeita de liberação irregular de doses em momentos micro e padrões de medidas não encobertas por médias e estatísticas, dado que o resto das variáveis independentes estavam relativamente constantes em repouso e com uma rotina de controle variáveis semelhante à descrita no primeiro estudo (variável controlada). O resultado de RMSSD reduzido (18) antes da aplicação da injeção pode indicar um efeito emocional condicionado antecipado.

Resultados

Replicação Variabilidade da frequência cardíaca e Invega Sustenna no fim do mês (21 a 30): instabilidade autonômica?

Conclusão: hipótese não replicada

Fevereiro de 2024

Sem parênteses = 5 ou 6 medições no dia

Dia      RMSSD

dia 21: 20,16

dia 22: 19,8

dia 23: 26,25

dia 24: 32,2

dia 25: 33,8

dia 26: 27,8

dia 27: 34,25 (4)

dia 28: 42,66 (3)

dia 29: 38 (3)

dia 30: 34.8

dia 31: Antes de aplicação: 18

Quem quiser receber uma anotação com descrição dos efeitos observados sobre o corpo no início e final do mês para fins de discriminação de efeitos e comparação me envie um e-mail para crisedapsiquiatria.qma56@simplelogin.com

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Aprendizagem estado-dependente (fisiologia)

Aprendizagem estado-dependente: aprendizagem que tem maior probabilidade de ser demonstrada quando o aprendiz está no mesmo contexto em que ocorreu a aprendizagem original. O termo geralmente é reservado para a aprendizagem sob condições fisiológicas especí­ficas, tais como os estados induzidos por drogas (p. ex., o aprendiz que aprendeu um item, enquanto embriaga­do, terá maior probabilidade de se lembrar dele quando estiver novamente embriagado, do que quando sóbrio).

Aprendizagem - Catania [Glossário]

sábado, 26 de agosto de 2023

Conclusão fundamental: tudo é remédio

Tales de Mileto foi o primeiro filósofo da Grécia (da história). Ao afirmar que tudo é água, deu a primeira explicação do mundo de cunho não mítico. No caso dos discursos sobre a saúde uma analogia pode ser feita. As pessoas crescem tomando remédios para seus problemas de saúde e então chegam a uma conclusão fundamental: em matéria de saúde, tudo é remédio. Isto é, qualquer benefício à saúde é explicado por remédios, os quais são as únicas estratégias factíveis e sempre necessários. Qualquer malefícios à saúde são explicados pela falta de remédio. Uma pessoa com formação em saúde sabe como isso é ingênuo, estrutural e planejado por forças econômicas. Esse tema se chama representação simbólica do medicamento na cultura. É tema difícil de intervir. Descrições desse tema em termos de espaço e tempo e pragmatismo seriam úteis [contingências de reforçamento / análise do comportamento].

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Modelo de crença excessiva nos tratamentos psiquiátricos

A crença dos familiares nos tratamento psiquiátricos se estabelecem a partir de correlações parciais que ocorrem em alguns momentos entre comportamentos esperados (obtenção de reforçadores positivos e minimização de estímulos aversivos) e a diferenciação saliente de condições ambientais (circunstanciais) de alguns momentos em que o paciente/usuário estava com a substância administrada (luz na caixa experimental sinalizando reforço positivo: Sd) e se comportava como esperado e alguns momentos nos quais o paciente/usuário não se comportava como esperado (A luz apagada na caixa experimental que sinaliza o não reforço ou extinção: Sdelta) durante a não administração da substância de acordo com desejo do usuário/paciente. As classes de comportamentos com características de não fazer o esperado incluem tanto os comportamentos de não ingerir a substância quanto o resto das classes de comportamentos com características de função comum. Momentos em que a administração da substância não sinalizava comportamentos esperados e que a não administração da substância não sinalizava comportamentos indesejados são desconsiderados. Uma vez estabelecida as correlações entre obtenção do desejado pelos familiares e sociedade, emoções fortes e motivações se estabelecem que levam à insistência na eficácia dos tratamentos psiquiátricos ou forte resistência contra conhecimentos que indiquem o oposto, já que levariam à perda do desejado ou a obtenção do indesejado. Substituições do desejado obtido por meio de tratamentos psiquiátricos seriam possíveis e necessárias, em grau superior, caso se queira estabelecer crenças em tratamentos não psiquiátricos.

O aspecto neurobiológico é considerado suficiente para explicar porque algumas pessoas agem conforme esperado (acertam o controle de estímulos para emitir comportamentos reforçadores positivos ou amenos/poucos aversivos) e porque outras pessoas não agem conforme esperado (erro no controle de estímulos que tem a consequência de não reforçamento e aversividade). Essa crença é excessiva dado que a área de conhecimento de neurociência e comportamento sustenta que a neurobiologia é insuficiente como explicação e os processos comportamentais, os quais são desconhecidos do público, são elementos necessários nas explicações.

A correlação parcial entre momentos de acertos de controle de estímulos e momentos de erro de controle de estímulos associadas às condições fisiológicas do cérebro portanto atribui excessivamente disfunções biológicas como explicação para os erros e poderes ou propriedades (características) excessivos os quais as substâncias psicoativas ou os tratamentos cerebrais não possuem. Momentos salientes de erros associados a condições fisiológicas específicas e momentos salientes de acertos associados a condições fisiológicas habituais estabelece a diferenciação.

Uma vez que o discurso psiquiátrico implica na irrelevância das condições do espaço e tempo (circunstâncias concretas), a neurobiologia é considerada explicação suficiente que torna as pessoas (repertórios) quem elas são e os processos comportamentais de aprendizagem, que são elementos necessários desconsiderados nas explicações, são desconhecidos e difíceis de aprender, a força excessiva da crença nos tratamentos psiquiátricos se estabelece. Crenças fortes as quais se estabelecem a partir de curva de aprendizagem muito pequena (poucas e simples aprendizagens).

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Alta médica a pedido e pensamento manicomial

https://www.youtube.com/watch?v=RwESV7RxCrs

O código de ética médica diz que alta a pedido é anti-ético em certas condições e que para pacientes mentais é abuso de direito. O pensamento manicomial se conjuga com o código de ética médico. O médico pode ser responsabilizado for desfechos ruins.

Por isso é tão difícil a alta psiquiátrica. 

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Sugestões no discurso científico [do especialista]

Sugestões no discurso científico

Christoph Kraiker

I

Neste ensaio, gostaria de apresentar as seguintes teses:

1. A chamada ciência moderna estabeleceu-se com a pretensão de retirar a influência das sugestões no direcionamento do comportamento individual e político, submetendo-o à justificação por meio de uma técnica objetiva de prova científica.

2. No momento de sua origem (por volta de 1550-1650, representado por nomes como Galileu, Francis Bacon, Descartes), a superação das reivindicações de domínio clerical e aristocrático significava a possibilidade de um governo pelas próprias pessoas. Assim, a ciência moderna se tornou uma condição prévia para o surgimento de governos democráticos.

3. Esse programa falhou. Na atualidade, a ciência também exerce seu próprio poder de forma sugestiva, não podendo agir de outra maneira, tornando-se, assim, uma ameaça potencialmente maior do que o sistema de controle que deveria substituir.

4. A razão individual não pode se defender desse poder de forma argumentativa. Se não quiser capitular diante dele, deve impedir sua influência por meio de ações políticas.

II

Primeiramente, gostaria de apresentar algumas condições para o sucesso das sugestões. Essa lista foi elaborada a partir da tentativa de analisar minhas próprias experiências como vítima de sugestões. Um incidente que ocorreu há alguns anos me motivou a isso:

Durante um fim de semana, desenvolvi um sintoma que, embora já tivesse aparecido ocasionalmente antes, dessa vez estava realmente doloroso. Por precaução, marquei uma consulta com um médico na segunda-feira de manhã. Ele agendou um horário com um especialista para as 16h. Às 18h, eu estava na clínica e às 19h fui operado. Na manhã seguinte, o cirurgião examinou seu trabalho e me disse: "Bem, parece bom. Espero não ter que operá-lo mais meia dúzia de vezes como outro paciente que também teve esse problema".

Como resultado desse comentário, acabei vivendo praticamente dois anos em uma hipocondria hipopânica, constantemente com medo de que os sintomas voltassem e eu tivesse que passar por outra cirurgia. Eventualmente, procurei outro especialista para uma nova avaliação, e esse médico disse que estava tudo completamente bem e que nunca houve perigo de recorrência.

Então, perguntei a mim mesmo como era possível que uma única frase de apenas dez segundos pudesse ter efeitos psicológicos tão significativos, especialmente considerando que não era uma sugestão intencional. Ao longo dos anos, também no contexto do meu trabalho em terapia cognitivo-comportamental, cheguei a uma lista dos elementos para o sucesso da sugestão, que gostaria de apresentar a você agora:

Quando distinguimos o emissor, o conteúdo e o receptor da sugestão, os seguintes pontos são válidos:

1. O conteúdo da sugestão deve chamar a atenção do receptor. No meu caso, isso ocorreu porque tinha grande importância para mim. Quando se trata de vida e morte, do destino da Terra e do universo, a maioria das pessoas presta atenção. Outros meios de chamar a atenção do receptor incluem repetições constantes, como na publicidade televisiva, ou a indução de transe hipnótico.

2. O emissor da sugestão é considerado competente em relação ao conteúdo da sugestão. Essa competência pode ser oficialmente confirmada e demonstrada, por exemplo, por meio da concessão de diplomas, certificados e títulos. Além disso, a palavra impressa tem mais peso do que a falada, e a dentista tem mais competência para avaliar escovas de dentes do que o encanador.

3. O receptor da sugestão possui pouco ou nenhum conhecimento competente em relação ao conteúdo da sugestão.

4. O emissor da sugestão parece confiável, não no sentido de competência técnica (isso já foi mencionado), mas no sentido de que ele mesmo parece acreditar no que está dizendo. Uma condição para isso é evitar dar a impressão de que está manipulando o receptor da sugestão em seu próprio interesse. Caso essa impressão seja criada, também surgirá a reatividade. Nesse aspecto, a dentista enfrenta certas dificuldades (sem mencionar a marca Dr. Best), assim como o cirurgião que recomenda uma operação cara ou o terapeuta que recomenda uma terapia frequente e prolongada. Mas alguém que espera não precisar passar por mais operações (voltando ao meu caso) está isento de suspeitas nesse aspecto.

5. Opcional, mas quando presente, muitas vezes extremamente eficaz: a sugestão exerce pressão moral, no sentido de que questionar a sugestão implica ser claramente desonesto. O representante que consegue descrever vividamente o sofrimento que uma família enfrentará após a morte do provedor tem mais facilidade para vender seguros. Essa estratégia é encontrada em todos os lugares, no mundo dos negócios, na política, na ciência, até mesmo na pré-escola. A situação se complica em problemas de natureza ambígua. Nesses casos, você será sempre desonesto, não importa o que faça, aos olhos de um grupo ou de outro. Muitas vezes, é possível identificar de que lado alguém está pela terminologia usada, por exemplo:

Intervenção armada vs. medidas de construção da paz

Aborto vs. Interrupção da gravidez

Geneticamente manipulado vs. Geneticamente modificado

Aumento de impostos vs. Sobretaxa solidária

6. Por fim, uma definição precisa: deve-se falar em sugestão apenas quando não houver prova. Se for possível provar que algo precisa ser feito ou que algo é como se afirma, então não é uma sugestão. Justamente por esse motivo, a apresentação de uma prova (que na realidade não existe ou não é válida) é um elemento importante da influência sugestiva.

Vamos resumir esses elementos novamente em uma lista:

1. A sugestão chama a atenção do receptor.
2. O emissor da sugestão é considerado competente.
3. O receptor da sugestão não possui conhecimento adequado em relação ao conteúdo da sugestão.
4. O emissor da sugestão parece confiável.
5. A sugestão exerce pressão moral.
6. Ausência de prova em relação ao conteúdo da sugestão.

Os primeiros quatro elementos se complementam de forma multiplicativa, em vez de aditiva; se um deles se aproxima de zero, toda a sugestão corre o risco de falhar. O quinto elemento atua como um reforço, enquanto o sexto delimita a sugestão da argumentação racional.

III

A argumentação racional era o objetivo da ciência moderna (pós-medieval). Ela tentava desenvolver um método geral para a produção de provas válidas, para que as crenças e ações das pessoas pudessem realmente se basear nessas provas. Era importante que esse método fosse compreensível por todas as pessoas (pelo menos de inteligência média). Variantes desse programa podem ser encontradas nos escritos dos pioneiros da modernidade, como Francis Bacon, Galileu Galilei ou René Descartes. Descartes, por exemplo, escreve:

"Aquelas longas cadeias de razões muito simples e fáceis que os geômetras costumam usar para realizar suas provas mais difíceis despertaram em mim a ideia de que todas as coisas acessíveis ao conhecimento humano seguem umas às outras da mesma maneira, e que, desde que se abstenha de considerar como verdadeiro qualquer coisa que não o seja, e sempre se observe a ordem necessária para derivar uma coisa da outra, nada está tão distante que não possa ser alcançado, e nada pode estar tão oculto que não possa ser descoberto".1

A ideia subjacente pode ser chamada de princípio exotérico. É a exigência de um caminho (método) de busca da verdade que atenda às seguintes demandas:2

1. Deve ser baseado em uma base de conhecimento geralmente aceitável, pois é evidente e verificável para todos.

2. Deve empregar um método que possa resolver todos os problemas solucionáveis, cujos princípios sejam compreensíveis por todos, que possa ser aplicado por qualquer pessoa e cujo funcionamento possa ser compreendido e, portanto, verificado por todos.

3. Deve usar uma linguagem que permita expressar todas as coisas de maneira completa, clara e inequívoca, e que seja compreendida por todos de maneira unívoca.

Esse caminho não apenas leva ao sucesso, à verdade, mas também o faz de maneira democrática: qualquer um pode percorrê-lo, qualquer um pode verificar se os outros o percorreram corretamente.

IV

No entanto, o princípio exotérico falhou. A ciência é efetiva (de certa forma, mais do que nunca), mas seu caráter democrático desapareceu. Isso se deve principalmente a três razões:

Questões essenciais estão relacionadas a sistemas altamente complexos e, portanto, caóticos, que só podem ser investigados por meio de modelos extremamente simplificados e mesmo assim requerem dias, semanas ou até meses de tempo de computação de supercomputadores. A adequação do programa utilizado e a adequação dos dados de entrada podem ser avaliadas apenas por um número muito pequeno de pessoas - se é que alguém pode fazê-lo. Todos os problemas relacionados aos efeitos de variáveis em interação complexa se enquadram nessa categoria, sejam eles os efeitos de intervenções de longo prazo na saúde das pessoas, o desenvolvimento do clima em função de fatores industriais ou as consequências de uma união monetária europeia. E mesmo que um dos resultados contraditórios das investigações seja correto, dificilmente alguém poderia reconhecê-lo - possivelmente ninguém pode reconhecê-lo.

Além disso, não apenas o método das ciências fundamentais é inacessível para a maioria das pessoas, mas também o conteúdo de suas declarações. O entendimento dessas declarações requer não apenas habilidades especiais, mas também anos e décadas de estudo aprofundado da matéria. Os processos de controle genético, a cromodinâmica quântica, a teoria relativística da gravidade, o significado do Paradoxo Einstein-Podolsky-Rosen (1935) ou a compreensão correta das equações de Schrödinger serão livros selados para a grande maioria das pessoas, de forma intransponível.

Além disso, quase todos os problemas significativos envolvem diferentes áreas de conhecimento simultaneamente, para as quais não existem mais especialistas como um conjunto. Responder à pergunta sobre o sentido da energia nuclear requer, pelo menos, especialização em física, engenharia, geologia, meteorologia, biologia, medicina, economia, política e psicologia, que ninguém possui ao mesmo tempo, de modo que não pode haver expertise sobre essa questão.3

V

O empreendimento científico moderno se tornou tão esotérico quanto uma sociedade secreta mística, o ideal exotérico afundou, mas não a reivindicação de liderar a humanidade. Sua eficiência, afinal, ninguém pode negar - os aviões voam, os carros andam, a televisão funciona, sem mencionar a internet. No entanto, uma vez que em áreas essenciais as evidências científicas são inexistentes ou intransmissíveis, é necessário recorrer a meios não científicos de influência, incluindo sugestões (outro meio é a coerção política por meio do poder econômico e/ou dominação do aparato legislativo, mas não vou entrar nesse assunto agora).

Permita-me mencionar alguns exemplos de diferentes impactos e comecemos pelos truques menores. Todos vocês estão familiarizados com o termo "resultado significativo" ou "resultado altamente significativo" da estatística inferencial. Aqui, você está sendo enganado terminologicamente e, na verdade, duplamente: não há estatística inferencial que diga algo sobre a probabilidade das hipóteses investigadas com base em amostras. "H0 é rejeitada no nível de 1%" não significa que H0 esteja correta com p=0,99. Parâmetros populacionais (pelo menos nos modelos praticamente sempre utilizados de R.A. Fisher ou Neyman e Pearson) não podem ser atribuídos a probabilidades: eles são o que são, têm um valor definitivo. A desinformação é especialmente flagrante quando se trata de declarações sobre os resultados de estimativas de intervalo. "A média está entre x e y com uma probabilidade de 95%" é absurdo, pois a média tem um valor fixo e ou está entre x e y ou não está. (A declaração correta seria: quando aplico este procedimento de estimativa, estou correto em 95% dos casos e errado em 5%). A direção desse engano terminológico é o segundo fator, o reforço da competência percebida do emissor de uma sugestão.

Os termos "significante" ou "altamente significante" também são enganosos. Em seu sentido literal, eles significam "estabelecendo um sinal" no sentido de importante ou relevante, mas, como sabemos, embora nós saibamos, mas não os jornalistas científicos, um resultado estatisticamente altamente significante pode ser praticamente irrelevante. Em tais contextos, também seria necessário informar sobre a magnitude do efeito, mas até mesmo essa expressão sugere algo, ou seja, que um efeito está presente, quando na verdade se trata apenas de uma medida padronizada de diferença, que não indica se essa diferença realmente representa um efeito de algo. O discurso sobre a significância ilude a relevância (primeiro fator), e o termo "magnitude do efeito" sugere a existência de uma prova, que não é fornecida apenas por isso (sexto fator).

É bastante divertido o uso da palavra "compliance". A promoção da compliance é uma área importante de pesquisa sobre comportamento de risco. Compliance significa, em português, "obediência incondicional e acrítica às instruções médicas", mas é claro que não podemos chamá-la assim. Ao usar o termo "compliance", primeiro se mostra competência (porque se sabe inglês - segundo fator) e, segundo, evita-se a reatividade (quarto fator), pois isso obscurece as verdadeiras intenções. Os acessos de raiva do lobby médico quando o livro "Bittere Pillen" foi lançado não são surpreendentes, o paciente deveria apenas ler jornal, mas lá ele infelizmente lê que em uma clínica renomada foi amputada a perna errada de um paciente. So it goes (eu também sei inglês).

Agora, em um nível mais avançado, um exemplo de tática de obscuridade mais sutil e perigosa. Aqui, trata-se do uso moderno do termo "informação" como um termo técnico científico (ainda há o significado cotidiano e o significado na filosofia medieval). O que estão tentando nos fazer acreditar é o seguinte: o cérebro é um mecanismo de processamento de informações, o computador é um mecanismo de processamento de informações, então o cérebro é um computador (claro, não um velho computador sequencial, mas uma máquina conneccionista moderna), o que terá e já tem, em parte, a consequência de que cérebros desnecessários podem ser usados como estoque de peças de reposição para cérebros de alto desempenho.

O truque do ilusionista consiste em identificar o conceito teórico da informação - como usado na computação - com o conceito cotidiano da informação. Este último significa que uma pessoa comunica algo a outra, ou seja, que uma determinada situação existe. É possível executar o truque da seguinte maneira: transferir boas reproduções de duas imagens escaneando-as em um arquivo binário. Vamos supor, por exemplo, "Quadrado branco em campo branco" de Malevich e "O Juízo Final" de Michelangelo. Diz-se que a primeira imagem contém menos informação do que a segunda. Isso pode ser demonstrado: se aplicarmos um algoritmo de compressão a ambos os arquivos, percebe-se que o primeiro se torna muito menor do que o segundo. Digamos, medido em unidades de quantidade de informação, que a pintura de Michelangelo contém dez vezes mais bits do que a de Malevich. Até aí tudo bem. No entanto, isso não se deve ao fato de Michelangelo contar uma história grandiosa e Malevich dizer pouco. Na teoria da informação, a maior quantidade de informação seria encontrada em uma imagem composta apenas por pontos aleatórios, como um tubo de televisão piscando após o término do programa, mas, em termos de comunicação, ela teria a menor quantidade, ou seja, nenhuma. "Processamento de informação" soa como "processamento de madeira", mas enquanto a madeira é uma substância natural, a informação é um conceito convencional, parte de uma regra de jogo arbitrariamente estabelecida, e onde essas regras de jogo como produto mental não existem, não há informação, apenas física e química, assim como no resto do mundo. O computador não processa informação, é o ser humano que o faz, ocasionalmente com a ajuda de um computador. Isso não é a mesma coisa, mas para justificar o acesso ao cérebro humano, dirão (e já dizem) que não há diferença fundamental nisso.

Esse tipo de estratégia sugestiva tem duas direções: em primeiro lugar, reforça a impressão de competência própria, ao fazer declarações "científicas" e apresentar "provas"; em segundo lugar, mantém o receptor em estado de ignorância, pois as afirmações são enganosas e não são apoiadas pelas provas apresentadas.

A maior força sugestiva vem dos termos ciência e científico em si, comparáveis apenas ao já passado "vontade de Deus". Estamos testemunhando um processo fascinante de desrealização da realidade. Veja como funciona: existem fatos científicos. O que não é um fato científico é anti-científico, portanto não é um fato, portanto não existe. Os fatos científicos são descobertos por meio da pesquisa. O que pode ser visto, ouvido, cheirado, saboreado e sentido diretamente não é descoberto por meio da pesquisa, portanto não é um fato científico, portanto não é real. A dor (que é percebida) é na verdade um estado cerebral (que não é percebido), um quarteto de cordas é um padrão de excitação neural, um sorriso não é importante (a menos que faça parte de uma população estatisticamente mensurável de sorrisos), o salto quântico é mensurável cientificamente, a observação do mesmo não é. Em geral, os (invisíveis) partículas elementares e as (invisíveis) leis que as governam são reais, mas o pudim na geladeira e a dor de dente não são reais. E para Sigmund Freud, o inconsciente era a realidade, a consciência e seu conteúdo eram insignificantes - a fenomenologia não tem mais chance.

Além da denunciação ontológica do que é de interesse imediato para os seres humanos, a ideologia científica também fornece as bases para a pretensão de dominação expertocrática, ou seja, a justificação do que se faz e exige dos outros através do que é cientificamente comprovado. Apenas os especialistas podem avaliar o que foi cientificamente comprovado. O princípio expertocrático substitui o exotérico, pois a trajetória e a validade da prova científica não são mais compreensíveis pela razão privada (Rehfus) ou pelo senso comum (Bahrdt).

Vejamos o conhecido livro de Klaus Grawe e suas colaboradoras, onde se constata, por meio de meta-análises, quais formas de terapia são eficazes e quais não são. Já no título encontramos uma energia sugestiva concentrada: "Psicoterapia em Transformação" significa: este é um trabalho revolucionário, uma nova era está surgindo e nós somos seus profetas. O subtítulo "Da confissão à profissão" também não é ruim. A confissão é registrada no imposto de renda e também significa confissão, portanto tem algo a ver com religião, ou seja, com superstição. Profissão está relacionado a professor, o ápice provisório da evolução, e com profissional, ou seja, rápido, habilidoso e pelo dinheiro (não precisa ser pago antecipadamente em todos os lugares). Bem, praticamente todas as formas de terapia discutidas ali têm décadas de existência, e confissão e profissão significam exatamente a mesma coisa em latim (ou seja, confissão). E assim segue.

Um livro que envolveu cerca de uma dúzia de pessoas trabalhando por cerca de uma dúzia de anos, com um orçamento de alguns milhões, apoiado em centenas de outros relatórios de pesquisa de centenas de outras pessoas, com orçamentos ainda maiores. Para criticar isso cientificamente, a psicoterapeuta em prática privada teria que repetir todo o processo. No entanto, por várias razões, ela não pode fazer isso.

Então, o que fazer se alguém quiser continuar praticando, digamos, a logoterapia, uma forma de terapia à qual Grawe et al. negam até mesmo os critérios mínimos de cientificidade? Ou, de forma mais geral, o que pode ser feito se alguém não quiser se curvar a um argumento expertocrático? Uma abordagem óbvia seria produzir uma contraprova. No entanto, isso é possível apenas para um pequeno círculo de pessoas e resultaria apenas em uma contraprova em relação a uma prova já existente (veja a discussão sobre os efeitos da moeda única europeia ou a liberação dos horários de funcionamento das lojas). No entanto, a razão privada não pode lidar adequadamente com nenhum dos lados. Outra opção é fortalecer o impacto moral da própria posição, ou seja, argumentar moralmente contra os especialistas, e não cientificamente. As campanhas contra usinas nucleares, o afundamento de plataformas de petróleo, o posicionamento de mísseis de médio alcance, contra a decisão da corte constitucional sobre crucifixos, etc., são campanhas morais. Isso pode ser eficaz, como já vimos, mas por si só não é suficiente. Do ponto de vista científico, continua sendo questionável, e até mesmo o especialista pode argumentar moralmente: as usinas nucleares reduzem o teor de CO2 na atmosfera, a produção de carros garante a prosperidade e a mobilidade, o transplante de tecido cerebral fetal ajuda pacientes com Parkinson, a decisão sobre crucifixos significa proteção das minorias em uma sociedade pluralista (afinal, não estamos mais na Idade Média) e alimentos geneticamente modificados aliviam a fome no terceiro mundo.

Receio que a razão privada não consiga resistir à expertocracia a longo prazo, e que seja necessária uma estratégia completamente diferente. Devemos nos perguntar por que a razão privada deveria resistir à expertocracia. A resposta é a seguinte: um sistema expertocrático, assim como qualquer sistema de poder, é inevitavelmente corrupto. Apesar da integridade moral de muitos especialistas, o sistema em si não tem os interesses dos outros em mente, mas principalmente os próprios (por isso os próprios advogados e contadores são tão perigosos). Se confiarmos apenas na razão privada, muitas vezes acabaremos nos dando mal, mas se nos entregarmos totalmente aos especialistas, não teremos a menor chance. Devemos utilizar os especialistas, mas não devemos nos deixar dominar por eles. Portanto, se alguém disser: "Faça isso e aquilo, porque sou o especialista e entendo do assunto", e se você tiver bons motivos para não fazer isso e aquilo, a melhor resposta seria: "Certamente, você é o especialista, e é exatamente por isso que não confio plenamente em você".


Notas de rodapé:

1. Do método correto de uso da razão e da pesquisa científica (1637). Citado por R. Descartes, Escritos Filosóficos, Hamburgo: Felix Meiner, 1996, p. 33.

2. Ver Wulff D. Rehfus (1990) A razão devora seus próprios filhos. Hamburgo: Hoffman und Campe.

3. Ver Hans Paul Bahrdt (1988). O cidadão e seus especialistas. In: O Aqueduto. Munique: C.H. Beck, pp. 555-565.

4. Ver Theodore Roszak (1994). The cult of information (2ª ed.), Berkeley: University of California Press.

5. 1918, Nova York, Museu de Arte Moderna.

6. O "deus lo volt" ("Deus o quer") do século XI é equivalente ao "está cientificamente comprovado" do século XX. Ambos são simplesmente irresistíveis.

7. Para compreender isso, veja, por exemplo, Pfarr, J. (1980). Para a interpretação científica da "Interpretação de Muitos Mundos" da teoria quântica. In: Mittelstaedt, P. & Pfarr, J. Fundamentos da teoria quântica. Mannheim: Bibliogr.Inst., pp. 111-126.

8. Grawe, K., Donati, R., Bernauer, F. (1994). Psicoterapia em Transformação - Da Confissão à Profissão. Göttingen: Hogrefe.

9. Grawe et al. ibid., p. 735. A lista negra inclui cerca de trinta outras formas de terapia. No entanto, as autoras cometeram um pequeno equívoco lógico: a falta de prova de eficácia não é uma prova de falta de eficácia. Toda terapia começou como não comprovada em algum momento.

10. Ver Rehfus, W.D., ibid., pp. 96-97.

11. Ver Bahrdt, P. ibid., pp. 559-560.


Apresentação realizada no 2º Congresso Europeu de Hipnose e Psicoterapia de acordo com Milton H. Erickson em Munique (outubro de 1995).


quinta-feira, 15 de junho de 2023

Depressão: Fatores de risco e proteção

Fatores de risco e proteção para sintomatologia depressiva e comportamento suicida em população geral

[Epidemiologia]

Giovanna Vallim Jorgetto

João Fernando Marcolan

Jorgetto GV, Marcolan, JF. Risk and protective factors for depressive symptoms and suicidal behavior in the general population. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 3):e20201269. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1269

No que tange aos fatores de risco para a sintomatologia depressiva, emergiram, nos discursos, problemas em sua maior parte relacionados à dificuldade quanto aos vínculos e relacionamentos na família, agravados pelo uso de álcool e outras drogas e desemprego; tristeza e solidão relativas a questões sobre a ausência física de pessoas significativas e decepção concernente à relação afetiva; perdas reais e antecipatórias, sendo verbalizadas morte de pessoas significativas; retroalimentação dos sintomas depressivos; inabilidade para vivenciar frustrações ao longo da vida; e problemas com a espiritualidade.

No que se refere à solidão, constata-se que os discursos estiveram relacionados à incapacidade de viver só, atrelada a sentimento de culpa, prejuízo na interação social, ter família e não ter contato próximo com familiares, acentuado pela depressão instalada. 

Emergiram dos discursos problemas nas relações familiares quanto ao uso de drogas por familiares próximos, separação e  frustração de expectativas nos relacionamentos afetivos, problemas dos filhos e de relacionamentos com eles e problemas de saúde dos familiares.

No conteúdo das falas abaixo, se destacam as perdas reais e antecipatórias ocasionadas pela morte (morte do filho, morte do marido por câncer, suicídio do pai, morte violenta do irmão, assassinato do ex-marido, medo de perder um ente querido). 

Questões relacionadas ao desemprego ou a dificuldades financeiras ou a ambos emergiram relacionados ao sofrimento psíquico, evidenciando-se preocupação com o sustento da família, contas atrasadas e privação de contato com filhos devido a dificuldades financeiras.

Houve também discursos que revelaram a falta de habilidade para vivenciar frustrações ao longo da vida.

Se as coisas não saem como eu quero, fico muito mal. Aí me deprimo. (E44)

Quando quero as coisas e não consigo. Quando quero ter alguma e também não consigo, me sinto mal. (E49)

O que me deixa depressiva é quando não consigo ter as coisasque quero e resolver meus problemas. (E70)

Quanto à percepção dos participantes sobre os fatores de proteção para a sintomatologia depressiva, emergiram relatos referentes sobretudo à importância dos vínculos e relacionamentos familiares e afetivos saudáveis, contato social e exercício da fé. As falas relacionadas à família e relacionamentos afetivos como fatores de proteção expuseram a necessidade de convívio harmonioso entre os membros da família, filhos presentes no convívio diário, relacionamento prazeroso com o parceiro, estabilidade familiar e conseguir prover sustento da família.

A necessidade de estabelecer contato com outras pessoas é um dos mais fortes e constantes impulsos humanos, atrelados a sentimentos de inclusão, controle e afeição. Essa interação social com outros seres humanos é de extrema importância para a pessoa se desenvolver e sobreviver de forma psiquicamente saudável, uma vez que gera nela o sentimento de pertencimento(1,3). 

No que tange à relação entre a rejeição e depressão, o sentimento de  rejeição ou o medo de ser rejeitado é uma das experiências mais fortes  e dolorosas que as pessoas enfrentam durante sua vida e tem o poder de comprometer a qualidade de vida(1,9).

Ressaltamos também que, pelas escalas, tivemos um terço dos participantes acima de 61 anos com sintomas depressivos, e mais da metade deles referiu doenças pré-existentes, tais como diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e cardiopatia, experiências traumáticas repetitivas, estados de estresse crônicos (emocionais ou físicos ou ambos), perdas emocionais, perdas materiais, rejeição emocional, relacionamentos entre pais e filhos ou entre cônjuges com dinâmica disruptiva, desemprego, isolamento social, entre outros. Tudo isso é compatível com a literatura sobre a relação entre envelhecimento e rejeição, visto que, na atualidade, o envelhecimento associa-se a doenças e perdas, relacionando-se à deterioração do corpo, ao declínio e à incapacidade, o que gera a base da rejeição ou da exaltação acrítica da velhice, pela representação da morte, doença, afastamento e dependência(1-2,10). 

Sobre a questão da percepção de sintomas depressivos atrelada a problemas nos relacionamentos familiares, o convívio do participante com familiares usuários de álcool e drogas é desgastante, servindo de gatilho para quadros depressivos(13).

Conflitos conjugais, relações conflituosas, falta de apoio do companheiro e insatisfação conjugal apresentam também relação importante com altos índices de depressão e, por consequência, comportamento suicida(14).

Quanto às perdas afetivas, estas são eventos traumáticos vivenciados pelos participantes ao longo da vida e que necessitam de tempo para serem elaborados, porém existem situações em que elas se tornam mais traumáticas a quem as vivencia, a exemplo de morte de familiares por suicídio e assassinatos, que acabam por acentuar a intensidade do trauma e do sofrimento psíquico(14-15). As perdas afetivas relacionadas à morte de familiares por suicídio desencadeiam no ente enlutado sentimento de culpa e questionamentos internos, sem respostas lógicas, e o forte estigma social com muita frequência domina o imaginário de pessoas próximas ao suicida, levando a intenso sofrimento psíquico(15). 

No tocante à percepção de que o desemprego desencadeia depressão, essa relação é bem estabelecida na literatura, em que se constata relação de forma causal do desemprego prolongado,  perda de status econômico e social, extrema pobreza e insegurança alimentar com estados depressivos crônicos bem como crises de depressão grave e comportamento suicida(13). Em nosso estudo, vimos nos participantes, de modo significativo, o desemprego associado a baixa renda familiar (entre dois e cinco salários mínimos). Estudo realizado evidenciou que pessoas com renda inferior a três salários mínimos mensais ou desempregadas  apresentaram cerca de 70% maior ocorrência de depressão comparativamente àqueles de maior renda(16). Ressaltamos que a maioria dos participantes com sintomatologia depressiva detectada pelas escalas psicométricas referiu estar sem renda ou com esta de até dois salários mínimos. 

Relativamente à percepção dos participantes acerca dos fatores de proteção para sintomatologia depressiva e comportamento suicida, a família surgiu como matriz da experiência social e escola de formação de vínculos afetivos que ocupa na psique dos participantes deste bloco o cerne do qual o significado existencial emana e o bem-estar emocional depende(18). Estudos apontam que indivíduos com melhor suporte social ou familiar estariam menos predispostos a apresentar sofrimento ou transtornos mentais quando submetidos a eventos estressantes(3,18-19); autores afirmam que famílias nas quais há estímulo para conversas sobre os problemas de seus membros e mais abertas a mudanças de opinião apresentam aspectos mais protetivos em relação à ocorrência de depressão e, por sua vez, do suicídio(18). Isso, porque tais famílias atendem aos pré-requisitos de possuir alguém confiável para conversar sobre as dificuldades diárias e seus sentimentos, permitindo a eles acolhimento e crescimento pessoal(19). 

Houve relatos consensuais dos participantes acerca da relação entre sintomatologia depressiva e comportamento suicida.

Estudos evidenciam que a dificuldade de percepção adequada diante das causas da depressão e a falta de recursos internos emocionais para lidar com situações estressantes e difíceis são características de indivíduos depressivos e pioram conforme a intensidade do quadro, a gerar alteração da autocrítica e piora da sensação de sofrimento psíquico(1-2,6). Como esses indivíduos retardam a busca por atendimento, então apresentam piora do quadro, com aumento considerável das chances de surgimento do comportamento suicida(6). 

Com relação à morte ser verbalizada como solução ante o intenso sofrimento psíquico desencadeado pelos sintomas vivenciados, deve-se destacar que tal perspectiva de morte surge nos quadros moderados e graves da depressão(3). Entre os sentimentos característicos da depressão grave, temos o sentimento de impotência perante a vida e de que não há saída para a agonia psíquica sofrida, e isso é um gatilho para o  comportamento suicida(1-3).

Quanto à relação entre desesperança e comportamento suicida, esta é compreendida como um importante fator de risco(1), pois configura-se por pensamentos autoderrotistas e uma visão pessimista e negativa diante do futuro, estando interligada à depressão(18). 

O que observamos nos participantes de nosso estudo é o intenso efeito que a ausência de significado ou propósito de vida causa, com seu impacto corrosivo sobre o estado emocional, cognitivo e comportamental, a corroborar um estudo(20). Por outro lado, é bem conhecida a associação entre transtornos de ansiedade e depressão(1-3): pesquisas têm apontado que, em média, 70% dos indivíduos com depressão sofrem concomitantemente de ansiedade e cerca de 80% dos que têm ansiedade apresentam quadro associado à depressão(16,20), uma vez que formam um circuito de retroalimentação entre ansiedade e depressão, servindo de gatilho à desesperança e desejo de morrer. 

sábado, 22 de abril de 2023

Desequilíbrio químico e substâncias essenciais

A expressão "correção de desequilíbrio químico" sugere implicitamente que o tratamento psicofarmacológico fornece substâncias essenciais ao corpo (quase como nutrientes). Esse discurso leva a parar de pensar criticamente sobre o tratamento farmacológico. Uma substância essencial precisa ser ingerida para toda a vida e não se pode viver sem. Outra implicação implícita é que corrigir um desequilíbrio químico apenas restabelece o estado natural ou normal da pessoa (o jeito ou essência dela).


segunda-feira, 17 de abril de 2023

Desprescrição aumenta expectativa de vida

A expectativa de vida está caindo.

40% acima de 45 anos toma 3 ou mais drogas
40% acima de 65 anos toma 5 ou mais drogas.

A desprescrição reduz a hospitalização & aumenta a expectativa de vida.


sábado, 15 de abril de 2023

Atitudes sociais a fatores biológicos

Atitudes sociais com relação a fatores biológicos dos indivíduos.

Finalmente, queremos chamar a atenção para as diferenças de atitude entre as várias culturas ou grupos sociais, com relação a condições biologicamente deficientes. Estas atitudes determinam, parcialmente, a importância de um defeito biológico específico na habilidade da pessoa para funcionar, efetivamente, em uma dada estrutura social. Assim, uma definição, psicologicamente orientada, da adequação biológica de um organismo, deve levar em conta o meio social. Considerem-se, por exemplo, as conseqüências sociais diferenciais para uma pessoa, que pode ter sido vítima de apoplexia ou ter sofrido resíduos moderados de poliomielite na infância. Em uma cultura nômade primitiva, mesmo uma paralisia menor de um membro pode ter conseqüências desastrosas. Nos Estados Unidos, este tipo de incapacidade física pode alterar, muito pouco, o padrão vocacional de comportamento de um funcionário de escritório, mas alteraria completamente a vida de um madeireiro ou atleta, e pode dificultar os comportamentos sexuais e sociais de um funcionário de escritório devido às reações dos outros e de suas próprias reações à deformação física. Variações em visão ou audição são agora compensadas por aparelhos protéticos até o ponto de poderem ser corrigidas mesmo deficiências graves. Geralmente, culturas tecnologicamente avançadas tendem a atribuir menos importância instrumental a diferenças individuais biológicas do que culturas menos avançadas. Nos Estados Unidos a importância de tais variáveis biológicas, entretanto, varia de uma subcultura a outra, e mesmo quando se negligenciam efeitos instrumentais, as conseqüências sócio-interpessoais podem ser grandes. A influência de conseqüências e de auto-reações sociais, mesmo sobre manifestações diretas de um defeito biológico, é ilustrada por um grande aumento de tremor em pessoas com doença de Parkinson (causada por uma lesão cerebral) quando sabem que estão sendo observadas ou quando prestam atenção em seu tremor. Quando absorvidas em uma tarefa e não atendendo à resposta sintomática, pacientes parkinsonianos podem mostrar, relativamente, pouco tremor.

Os princípios da aprendizagem na terapia comportamental. Volume 1. Kanfer e Philips.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Dificuldade exacerbada de alteração: doença

Uma das propriedades definidoras do uso da palavra doença para se referir a manifestações comportamentais é a experiência de difícil e percepção de impossibilidade de alteração de comportamentos valorados negativamente. Essa experiência levou a psiquiatria no início de sua história das intervenções morais para o organicismo.


Observar efeito leva à crença na medicalização

A fonte da fé nas intervenções cerebrais provavelmente surge da observação de um efeito (uma experiência de controle do comportamento ou fisiologia). Mesmo que o efeito não seja inteiramente satisfatório ainda assim é inegável que produz um efeito. Esse efeito de alguma forma é prova de realidade do fenômeno, sendo que há poucas barreiras de entendimento ou muitas vezes poucas resistência à adotar inicialmente esse tipo de intervenção. Disputar explicações abstratas pode ser menos convincente do que a produção de um efeito. A produção de efeito sobre a saúde mental por meio de aprendizagem é mais trabalhosa, demorada, complexa e incerta.

quarta-feira, 1 de março de 2023

A "alta" psiquiátrica permitida

A alta psiquiátrica permitida é uma brecha no pensamento de Kraeplin. Ele é contra outros esquemas explicativos, mas se a pessoa se cura ele admite esses outros esquemas explicativos. Antes defende ser enganoso e depois admite. Isso é o que acontece habitualmente. É a "alta" permitida. Ainda está dentro da dominação técnica psiquiátrica. Só é uma admissão de erro diagnóstico.