Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/
Mostrando postagens com marcador Modelo Psicossocial. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Modelo Psicossocial. Mostrar todas as postagens

domingo, 31 de agosto de 2025

Definição de capacitismo

"O que é capacitismo?

Capacitismo é um conjunto de crenças, processos e práticas que produzem — com base nas habilidades que alguém apresenta ou valoriza — um entendimento específico de si mesmo, do próprio corpo e da relação com outros seres humanos, outras espécies e o meio ambiente, incluindo também como a pessoa é julgada pelos outros (Wolbring, 2006a, 2007a, b, c, d). O capacitismo reflete o sentimento de certos grupos sociais e estruturas sociais que valorizam e promovem determinadas habilidades — por exemplo, produtividade e competitividade — em detrimento de outras, como empatia, compaixão e bondade. Essa preferência por certas habilidades em vez de outras leva à rotulação de desvios reais ou percebidos, ou da falta de habilidades consideradas “essenciais”, como um estado diminuído de existência, contribuindo para justificar diversos outros “ismos” (Wolbring, 2006a, 2007a, b, c, d).

O capacitismo é um “ismo” guarda-chuva para outros “ismos”, como racismo, sexismo, castismo, etarismo, especismo, antiambientalismo, produtivismo (baseado no PIB) e consumismo. É possível identificar muitas formas diferentes de capacitismo, como o capacitismo baseado na estrutura biológica (B), o baseado na cognição (C), o baseado na estrutura social (S) e o capacitismo inerente a um determinado sistema econômico (E).

O capacitismo e a preferência por determinadas habilidades têm sido predominantes ao longo da história. Ele moldou — e continua moldando — áreas como segurança humana (Wolbring, 2006c), coesão social (Wolbring, 2007f), políticas sociais, relações entre grupos sociais, indivíduos e países, relações entre humanos e não humanos, e entre humanos e o meio ambiente (Wolbring, 2007a, b, c). O capacitismo é um dos “ismos” mais profundamente enraizados e aceitos socialmente.

Historicamente, o capacitismo tem sido usado por diversos grupos sociais para justificar seu nível elevado de direitos e status em relação a outros grupos. Por exemplo, as mulheres eram vistas como biologicamente frágeis e emocionais e, portanto, incapazes de assumir responsabilidades como votar, possuir propriedades ou manter a guarda dos próprios filhos (capacitismo levando ao sexismo; Silvers et al., 1998; Wolbring, 2003).

Além do racismo e do especismo, a valorização de certas habilidades cognitivas também se manifesta nos estágios de desenvolvimento humano. Fetos e crianças pequenas são frequentemente vistos como não detentores de direitos humanos plenos devido à falta de determinadas habilidades. Da mesma forma, a ausência de certas habilidades cognitivas é usada como argumento para negar certos direitos a “humanos com deficiência cognitiva”.

O capacitismo é um dos “ismos” mais socialmente enraizados e aceitos, e um dos maiores facilitadores de outros preconceitos (por exemplo, o nacionalismo se expressa por meio dos esportes, especismo, sexismo, racismo, antiambientalismo etc.). O capacitismo relacionado à produtividade e à competitividade econômica é a base de muitas sociedades e de suas relações com outras sociedades, sendo frequentemente visto como um pré-requisito para o progresso.

O julgamento baseado em habilidades está tão enraizado na sociedade que seu uso para fins de exclusão dificilmente é questionado ou mesmo percebido. Pelo contrário, grupos marginalizados por alguma forma de capacitismo ou “disableismo” frequentemente utilizam esse mesmo sentimento para reivindicar mudanças de status (“nós somos tão capazes quanto vocês”; “podemos ser tão capazes quanto vocês com as devidas adaptações”).

Precisamos reconhecer que a aceitação e o apoio à “diversidade de habilidades” é tão importante quanto outras formas de diversidade, e que o capacitismo é tão limitador quanto — e muitas vezes a base de — outros preconceitos."

Referência
WOLBRING, Gregor. The politics of ableism. Development, [S. l.], v. 51, n. 2, p. 252-258, jun. 2008.

“Consideramos também que as capacidades normativas que sustentam o capacitismo são produzidas com base nos discursos biomédicos que, sustentados pelo binarismo norma/desvio, têm levado à busca de que todos os corpos reproduzam a capacidade de se afastar do que é considerado abjeção (corpos abjetos são aqueles que, por divergirem do que é considerado típico da espécie, busca-se distanciar a todo custo).”

Fonte: Como construir uma escola que acolha a todas as pessoas?LAPEE/UFSC.

O capacitismo é “Uma rede de crenças, processos e práticas que produzum determinado tipo de corpo (o padrão corporal) que é projetado como perfeito, típico da espécie e, portanto, essencial e totalmente humano. A deficiência é então moldada como um estado diminuído de ser humano” (Campbell, 2001, p.44).

Mesa: Acessibilidade e Barreiras Atitudinais para a Inclusão da Pessoa com Deficiência Fala: O capacitismo e a produção de barreiras na universidade. IX Semana de Saúde Mental e Inclusão Social. Núcleo de Estudos sobre Deficiência. UFMG

sábado, 1 de fevereiro de 2025

SM no Hospital Geral: percepção de risco

Giandinoto, J. A., Stephenson, J., & Edward, K. l. (2018). General hospital health professionals’ attitudes and perceived dangerousness towards patients with comorbid mental and physical health conditions: Systematic review and meta‐analysis. International Journal of Mental Health Nursing, 27(3), 942-955. https://doi.org/10.1111/inm.12433

"A maioria dos profissionais de saúde percebeu os pacientes com transtorno de uso de substâncias como perigosos 0,60 (IC 95%: 0,32–0,88) quando comparados com pacientes que tinham transtorno relacionado ao álcool, esquizofrenia e depressão. Os resultados também indicaram que uma grande proporção da equipe percebeu os pacientes com diagnóstico de esquizofrenia como perigosos 0,42 (IC 95%: 0,33–0,52). Atitudes negativas em relação a pessoas com doenças mentais em ambientes hospitalares gerais podem ser atribuídas à baixa alfabetização em saúde mental, habilidades e exposição limitada, e crenças sociais e culturais sobre doenças mentais. O desenvolvimento profissional contínuo visando o conhecimento em saúde mental é recomendado para profissionais de saúde que trabalham em ambientes hospitalares gerais."

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Biologia, sociedade e ideologia

Imagine duas sociedades em que uma privilegia o certinho ou fechado com o sucesso e outra que privilegia o malandro e o aberto com o sucesso. Essas características seriam semelhantes a nichos sociais de obtenção de recursos. Os valores sociais sobre o que é produtivo nessas sociedades ou nichos são opostos. Numa sociedade um tipo faz sucesso e o outro tipo fracassa, inclusive econômicamente. Qual dos dois tipos tem características biológicas superiores? Isso seria relativo ao sucesso ou fracasso em cada tipo de sociedade com seus valores sociais. A partir disso, talvez fique mais claro o entendimento de que áreas biológicas sobre saúde mental pelo menos não são separáveis de fatores sociais como se fossem biologia pura. Fica mais claro também que aspectos biológicos e sociais tem interrelação mútua em suas consequências. Por isso, uma área de conhecimento que se diz pura está sendo ideológica de forma não transparente e sub-reptícia.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Tradição, conformidade, neutralidade e estabilidade

Tradição e conformidade são formas de aparentar neutralidade. Humor, comportamento, identidade e pensamento neutro são formas de aparentar naturalidade em relação ao modo como as coisas são. Logo, a estabilidade como critério de saúde mental implica em "não posicionamento", não intensidade, ou na verdade formas de adequar-se aparentando naturalidade.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Concepções de desenvolvimento

https://pedagogiaaopedaletra.com/a-abordagem-inatista-maturacionista/ 
A Abordagem Inatista Maturacionista 

A abordagem inatista-maturacionista parte do princípio de que fatores hereditários ou de maturação são mais importantes para o desenvolvimento da criança. Hereditariedade refere-se à herança genética que a criança recebe de seus pais. Maturação refere-se a um padrão de mudanças comum a todos os membros de determinada espécie. Apesar das diferenças, Binet e Gesell estabeleceram padrões de comportamento para avaliar a inteligência ou o desenvolvimento da criança. Os fatores biológicos são os mais decisivos na determinação da inteligência e desenvolvimento; tais padrões comportamentais são independentes de fatores externos ou do contexto social em que a criança vive. Não importa o lugar e a época em que a criança viva. Se o ritmo e o desenvolvimento são biologicamente determinados, espera-se que certos comportamentos apareçam na mesma idade. De acordo com a perspectiva inatista-maturacionista, a aprendizagem depende do desenvolvimento. Ou seja, o que a criança é capaz ou não de aprender é determinado pelo seu nível de inteligência. Para mais informações sobre como a psicologia pode ajudar no aprendizado, veja a psicologia escolar. 

https://www.willassuncao.com.br/2022/02/inatismo-ambientalismo-e-interacionismo.html 

INATISMO

A abordagem Inatista traz a concepção de que a prática pedagógica não advém de circunstâncias contextualizadas, ela baseia-­se nas capacidades básicas do ser humano. Ou seja, a personalidade, a forma de pensar, seus hábitos, seus valores, as reações emocionais e o comportamento são inatos, isto é, nascem com o indivíduo e seu destino já vem pré­-determinado. Os eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais ou importantes para o desenvolvimento. Destaca-se como teórico, Arnold Gessel. 

AMBIENTALISMO 

 A abordagem ambientalista, também chamada de behaviorista ou comportamentalista, privilegia a experiência como fonte do conhecimento e formação de hábitos, atribuindo um grande poder ao ambiente no desenvolvimento e na constituição das características humanas. 

O ambiente para B.F. Skinner é muito mais importante do que a maturação biológica. São os estímulos presentes numa dada situação que levam ao aparecimento de um determinado comportamento. 

INTERACIONISTA 

Segundo os interacionistas, o organismo e o meio exercem ações recíprocas, ou seja, um influencia o outro acarretando mudanças sobre o indivíduo. Eles discordam das teorias inatistas por desprezarem o papel do ambiente e das concepções ambientalistas por ignorarem fatores maturacionais. 

É na interação da criança com o mundo físico e social que características deste mundo vão sendo conhecidas e assim ela poderá, através de sua ação sobre ele, ir construindo seus conhecimentos. 

Portanto, a concepção interacionista de desenvolvimento acredita na ideia de interação entre o organismo e o meio, na qual resulta a aquisição de conhecimentos, como um processo construído pelo indivíduo que dura a vida toda. 

O bebê constrói suas características, ou seja, seu modo de agir, pensar, sentir e sua visão de mundo, através da interação com outras pessoas, adultos e crianças. Podemos destacar duas correntes teóricas que defendem a visão interacionista de desenvolvimento: a elaborada por Piaget e seus seguidores e a defendida por teóricos soviéticos, em especial por Vygotsky. Destaca-se como teórico também Wallon.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Estigma e capacidade social de solução técnica

É possível afirmar a relação quantitativa de que quanto menos uma sociedade é capaz de uma solução técnica efetiva de uma condição de saúde maior é o estigma alimentado e quanto mais uma sociedade é capaz de uma solução técnica efetiva para uma condição de saúde menor é o estigma. Historicamente, a contracultura valorizou a loucura por aperfeiçoar maneiras de lidar com a divergência. Em termos de uma linguagem comportamental, a experiência social ampla da capacidade social ou da incapacidade de oferecer uma solução técnica efetiva estabelece fatos para que se construam equivalências simbólicas (de estímulos) positivas ou negativas sobre uma condição de saúde tomada como uma classe de comportamento verbal. 

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Reforma psiquiátrica: comunidades multiculturais versus incorporação

A reforma psiquiátrica e luta antimanicomial analisada do ponto de vista sociopolítico é a busca da criação de uma comunidade multicultural da loucura com subsídios públicos, um padrão de esquerda.

A crítica que se faz à adaptação é a rejeição da incorporação à sociedade majoritária por ser vista como opressora e excludente para pessoas diferentes (fobia ao diferente).

A concepção de direita da loucura é que deve ser corrigida para possibilitar incorporação na sociedade majoritária. Por isso a ênfase nos tratamentos biológicos. Uma vez que possa haver dificuldade de incorporação recorre a formas de lidar com a exclusão.

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Definição geral de procedimentos de observação

"Para esclarecer esta questão, o termo "procedimento de observação", tal como o utilizaremos aqui, deve primeiro ser definido com mais pormenor. Partimos do princípio de que, num processo de observação, se podem distinguir pelo menos quatro componentes:
a) Conjunto de símbolos: dígitos ou números nos procedimentos de avaliação, caracteres nos sistemas de caracteres, nomes de categorias nos sistemas de categorias;
b) Conjunto de regras: Acordos sobre a utilização de símbolos, regras de utilização;
c) Conjunto de instruções: instruções para aprender as regras e o manuseamento dos símbolos de acordo com as condições de utilização; programa de formação;
d) Quantidade de condições: condições de aplicação do processo, informações sobre o domínio de aplicação.

Esta definição já torna claro que um procedimento de observação constitui, de fato, algo como uma linguagem de observação parcial. O conjunto de símbolos contém os sinais básicos descritivos essenciais desta linguagem, o conjunto de regras exprime a forma como esta linguagem deve ser utilizada, o conjunto de instruções sobre a forma como pode ser aprendida ou ensinada, e o conjunto de condições, em que situações a utilização desta linguagem é apropriada. A nova língua é quase sempre ensinada com referência à linguagem coloquial existente. Neste sentido, o fato de nos procedimentos de observação, serem frequentemente utilizados símbolos que também têm um significado na linguagem quotidiana não deve, por exemplo, ser tido em conta nos sistemas de categorias. O fato de, nos procedimentos de observação, serem frequentemente utilizados símbolos que também têm um significado na linguagem corrente não deve obscurecer o fato de os sistemas de categorias, por exemplo, serem símbolos aos quais pode ser atribuído um significado muito específico que difere, em maior ou menor grau, da utilização habitual de símbolos no contexto de um procedimento de observação." (p. 254)

Beobachtungsverfahren in der Verhaltensdiagnostik [Capítulo 7 - Procedimentos de observação em diagnósticos comportamentais]
Hans Westmeyer e Marianne Manns

H. Westmeyer e N. Hoffmann
Livro: Verhaltenstherapie - Grundlegende Texte [Terapia comportamental – textos básicos]

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Capitalismo e loucura

Basaglia, autores da reforma psiquiátrica e da antipsiquiatria fizeram leituras sobre o papel do capitalismo na experiência social de loucura. Os psiquiatras tradicionais defendem que a habilidade para a produção e renda é sinal de aptidão ou saúde biológica. Livros de história da economia descrevem como as práticas do capitalismo tiveram que ser inculcadas no ambiente social e no repertório das pessoas e o custo social que foi retirar o apoio que os camponeses tinham durante o período feudal. Sociólogos descrevem como a cultura brasileira teve certa dificuldade de adotar as práticas de produção capitalista e como isso faz com que o desenvolvimento econômico seja reduzido. A industrialização e a urbanização aumentam as exigências sobre os comportamentos esperados e aumentam a necessidade de conquistar autonomia financeira (reduzem o apoio comunitário). Alguns modos de vida estão mais alinhados com as práticas de produção e consumo capitalistas enquanto outros modos de vida tangenciam a produção e consumo. Modos de vida que consistem em ambiente sociais, práticas e culturas. O preparo para os modos de vida mais compatíveis com a produção e consumo consiste numa aprendizagem progressiva de comportamentos os quais não são nada simples e quanto mais produtivo se deseja ser menos simples são essas aprendizagens. Por outro lado, observação social indica que existem atalhos para se inserir no modo de produção e consumo capitalista enquanto também existem modos mais difíceis de inserção nas práticas capitalistas. Um aspecto da avaliação psiquiátrica ou psicológica envolve o quanto a pessoa se comporta de acordo com certos padrões de adequação às práticas capitalistas os quais são entendidos como sinais de grau de aptidão/inaptidão e grau de saúde/doença. Além disso, o modo de pensar psiquiátrico presente em toda a sociedade sugere que automaticamente uma pessoa que recebe uma nomeação diagnóstica para seus comportamentos se torna incapaz. As condições sociais e institucionais que são construídas e mantidas em torno da noção de doença mental incapacitante também contribuem para o grau de dificuldade das pessoas nomeadas com um rótulo diagnóstico se inserirem na produção capitalista. O modo de pensar psiquiátrico assume que a incapacidade para o trabalho é uma característica intrínseca do organismo e que o espaço/tempo das circunstâncias sociais e suas consequências nas trajetórias de vida são irrelevantes. Essas problematizações anteriores indicam que a aptidão para o trabalho não deve ser reduzidas ao suposto aspecto orgânico (mesmo as caracterizações orgânicas específicas são discutíveis). Barreiras sociais atitudinais às pessoas diferentes do padrão normocêntrico indicam que a sociedade contribui na produção da experiência de deficiência (de dificuldade) e na privação de direitos sociais.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Englobamento: ciências biológicas e humanas/sociais

O fundador da psicologia Wundt pensou a relação entre o biológico e o social. Para Wundt, tanto a fisiologia e a pesquisa experimental como o social faziam parte da psicologia. Ele propôs uma atitude muito comum entre as ciências humanas e sociais que é o englobamento do biológico pelo social. Áreas biológicas como a psiquiatria propõem o englobamento do social pelo biológico que é considerado explicação mais fundamental e ontológica a partir de nível inferior (reducionismo ontológico). A disputa política entre ciências naturais e ciências humanas e sociais na área de saúde mental e saúde está relacionada à mesma problemática. Atualmente as duas perspectivas de ciências costumam desqualificar umas às outras, possivelmente pela formação tradicional envolver apenas uma área. A discussão tem mais nuances. As duas perspectivas de ciências são potencialmente ótimas se bem formuladas. A disputa em torno da medicalização e da reforma psiquiátrica reproduz a mesma problemática. Levantar essas questões fundamentais seria um caminho para redirecionar o debate. A sociedade quando é inculcada pelo discurso psiquiátrico e de neurociência aplica esse englobamento do social pelo biológico quase sem pensar. A medicina e as biológicas tem certo ar de superioridade sobre o rigor científico de sua perspectiva. O pessoal da saúde com preferências pelas humanas e sociais tende a desqualificar o fisiológico e experimental como um positivismo. O pessoal da saúde com preferência pelas sociais tem certa dificuldade de se tornar popular. O discurso do englobamento do social pelo biológico consegue transmitir a ideia de ser "caixa-preta", isso é, fenômeno indiscutível. Uma resposta seria de que é possível criar, a partir de métodos científicos de qualidade duvidosa, artefatos, isto é, produzir eventos que são criações dos métodos ao invés de descobertas de fenômenos da natureza.


Referência:

O espírito e a pulsão: o dilema físico-moral nas teorias de pessoa e da cultura de W. Wundt - Luiz Fernando D. Duarte e Ana Teresa A. Venancio

sábado, 3 de junho de 2023

Ensaio OMS [...] doenças crônicas e pes. com deficiência

Referência:

Wagner, Marsden G. (‎1991)‎. Does he take sugar?. World health forum 1991 ; 12(‎1)‎ : 87-89 https://apps.who.int/iris/handle/10665/49206

Revista World health forum 1991 ; 12(‎1)‎ : 87-89

Ponto de vista

Marsden Wagner

"Ele toma açúcar?"

Ao falar sobre as pessoas com deficiência, revelamos nossas crenças e suposições subjacentes sobre a perfeição mental e física. Devemos desafiar tais crenças se quisermos apreciar a importante contribuição que os deficientes fazem para a sociedade e devemos fornecer serviços para eles que os respeitem e capacitem, em vez de incapacitá-los ainda mais.

A promoção da saúde examina os vários pressupostos e crenças subjacentes aos cuidados médicos. Uma suposição é que a saúde é desejável e que a doença crônica ou deficiência é indesejável. A saúde é considerada normal, a doença ou deficiência como anormal. A doença crônica, segundo essa visão, representa falha tanto do indivíduo quanto do sistema de saúde, pois um sistema de saúde perfeito seria capaz de curar tudo. A doença crônica é até considerada um fracasso social, porque em uma sociedade ideal todos seriam perfeitamente saudáveis. Essa maneira de pensar às vezes é chamada de "saúdismo". A OMS, com sua definição de saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, é parcialmente responsável por esta opinião. Com base nisso, é apenas um pequeno passo para acreditar que os fortes e fisicamente aptos são pessoas melhores do que os fracos e inaptos. Essa atitude generalizada na sociedade ocidental explica por que há tantos corredores em nossas ruas e fisiculturistas em nossas academias.

Outro princípio decorre do primeiro: qualquer desvio de saúde, doença ou deficiência deve ser corrigido na medida do possível. Se uma pessoa tem uma doença crônica ou é deficiente, o foco está na doença ou deficiência e um grande esforço é feito para restaurar ou criar o que é definido como normal. Eu costumava trabalhar em clínicas para crianças deficientes físicas. Enormes quantias de dinheiro, tempo e energia foram gastas em "anormalidades" físicas. Por exemplo, tínhamos crianças que sofriam de espasmos e não conseguiam andar, e trabalhávamos anos tentando fazê-las dar alguns passos.

Quando o foco está no problema, a pessoa é identificada pelo problema. Os médicos que fazem suas rondas hospitalares podem pensar em alguém como, digamos, um diabético, em vez de um indivíduo com um nome. A pessoa inteira pode ser vista como uma doença ou deficiência. No Reino Unido, pessoas com doenças crônicas e deficientes produzem um programa de televisão com o objetivo de explicar o que há de errado com a maneira como a sociedade as vê. Chama-se "Ele aceita açúcar?", uma referência oblíqua à maneira como as pessoas "normais" tendem a falar por cima das cabeças dos deficientes, que na maioria das vezes são capazes de responder a essas perguntas sem ajuda. Não se segue que, por exemplo, uma incapacidade de andar deva ser acompanhada por uma incapacidade de ouvir, compreender e articular.

Uma terceira crença relacionada ao manejo de doenças crônicas e deficiências é que trabalhar é saudável e é sempre desejável estar envolvido em um trabalho útil; e esse valor, de fato, depende do trabalho, uma ética proeminente na cultura ocidental.

Uma pessoa ou organização que trabalha com doentes crônicos pode aceitar ou desafiar essas crenças. No entanto, meu próprio sentimento é que se deve tentar entender e se ajustar ao modo como as coisas são, enquanto se começa a questionar o estado de coisas existente. A normalidade não é representada pela saúde, mas pela doença e incapacidade. A questão não é qual porcentagem da população é deficiente, mas qual porcentagem de cada pessoa é deficiente. Todos nós temos problemas e doenças, e muitos de nós temos condições crônicas. Isso sugere uma definição de saúde diferente daquela formulada pela OMS. Prefiro encarar a saúde não como um estado de ser, mas como um processo que consiste em fazer o que se deseja com a menor interferência possível de imperfeições ou desvios. Meu pai de 90 anos, que tem dificuldade para atravessar uma sala, não permite que suas limitações interfiram no que quer fazer, por isso o considero extremamente saudável. Outra pessoa que coloco nesta categoria é um alto funcionário da saúde canadense, cujo imenso entusiasmo pela vida torna sua condição severamente espástica quase imperceptível.

Além disso, imperfeições como doenças crônicas ou deficiências não são apenas normais, mas podem ser consideradas desejáveis. No nível individual, podemos olhar para nossas deficiências e tentar ver como elas contribuem para nossas vidas. Um dos meus filhos tem uma doença crônica e não consigo explicar o quanto aprendi com ele. Sua deficiência contribuiu para o desenvolvimento de cada pessoa da minha família. No nível social, seria não apenas chato, mas também perigoso se todos fossem extremamente saudáveis no sentido convencional. Qualquer sociedade é enriquecida pela diversidade. Isso é entendido em algumas culturas. Existem, por exemplo, culturas nas quais os "deficientes mentais" realmente se tornam líderes espirituais. Não tenho dúvidas de que muito pode ser aprendido com pessoas que sofrem de doenças crônicas ou de alguma forma deficientes.

No que diz respeito à preocupação em corrigir a anormalidade, talvez, como alternativa, se deva focar não no desvio, mas sim na normalidade do indivíduo. A doença ou deficiência é quase sempre apenas uma pequena parte de todo o ser humano. Vamos nos concentrar na parte maior e normal.

Um próximo passo deve ser focar na deficiência ou doença, não apenas para se livrar dela, mas para redefini-la e transformá-la de modo que possa ser vista como algo positivo e útil na vida dessa pessoa. Por exemplo, por causa de seus problemas especiais, adolescentes com doenças crônicas tendem a ser mais sábios do que seus pares. Devemos encontrar maneiras de permitir deficientes ou doentes a contribuir para o amplo enriquecimento da sociedade.

Sobre o tema do trabalho, cabe perguntar quem deve se beneficiar dele. Talvez o indivíduo deva ser útil principalmente para si mesmo. Se a utilidade para a sociedade também for alcançada, isso seria um bônus. Isso pode ser particularmente aceitável em sociedades pós-industriais, onde não há trabalho suficiente para que todos tenham empregos em tempo integral. Nesta situação, devemos reexaminar o significado do trabalho. Talvez devêssemos redefinir o trabalho de pessoas com doenças crônicas e deficientes em termos de auto-ajuda e contribuição para a sociedade de maneiras diferentes das tradicionais.

No contexto atual, é importante examinar a natureza dos serviços de saúde de hoje. Medicalizamos o nascimento e a morte e, em grande medida, medicalizamos a doença crônica. Desenhamos uma espécie de ajuda incapacitante que cria dependência. Médicos, enfermeiros e assistentes sociais tendem a ver a doença crônica de uma forma que é prejudicial para as pessoas que estão tentando ajudar.

Como podemos superar a ajuda incapacitante? Pessoas com doenças crônicas ou deficiências devem estar no controle do que está acontecendo com elas. Eles devem definir seus problemas e, em conjunto com profissionais de saúde e outros, elaborar soluções, ou seja, devem ter uma escolha totalmente informada sobre seus cuidados. Para fazer isso, eles precisam ter acesso a todas as informações necessárias. Há uma barreira a superar aqui porque os profissionais de saúde tendem a não compartilhar informações.

Pessoas com deficiências ou doenças crônicas devem ser encorajadas a ajudar a si mesmas e umas às outras por meio de grupos de autoajuda.

E essas pessoas devem receber toda a gama de opções. Por exemplo, a orientação vocacional deve reconhecer a possibilidade de algumas pessoas nunca trabalharem, pelo menos da maneira tradicional. Por último, devem ser encontradas formas de proteger as pessoas dos sistemas de saúde a que são obrigadas a recorrer, uma vez que estes tendem a medicalizar os problemas e criar dependência. Toda pessoa com deficiência deve ter um advogado de defesa durante os contatos com os sistemas de assistência.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Medicalização e compto. explicativo

A grande difusão da medicalização das dificuldades em saúde mental é resultado da falta de acesso aos eventos longitudinais da história de vida, das diferentes áreas da vida no presente e da falta de preparo conceitual para relacionar esses eventos com as manifestações do comportamento e da falta de preparo para usar essas relações para modificação das manifestações do comportamento. Da perspectiva ingênua ou não preparada conceitualmente, o acesso e compreensão diz respeito às manifestações observáveis da fala, das emoções e dos "comportamentos" e sua relação com a concretude do cérebro. Essa perspectiva é a mais simples (que precisa de menos preparo) e por isso é muito difundida. Mesmo profissionais ou as pessoas que conhecem a própria vida podem não serem capazes de fazer essas relações. É uma tarefa mais complexa e sofisticada relacionar esses eventos e fazer o manejo dos eventos para promover as aprendizagens que regulam a fisiologia (também apenas imediatamente observável e por isso medicalizada) e que alteram o repertório da pessoa conforme a necessidade (desmedicalização).

Logo, além da força econômica da indústria da medicalização ser um fator de reprodução dessa manifestação social, essa força econômica também é algo a ser explicado por essa falta de preparo para substituir as explicações internalistas (modelo médico em saúde mental).

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Classe geral tratar de modo psicossocial


Classe geral tratar de modo psicossocial

Contexto antecedente

Ação

Contexto consequente

Determinantes políticos e biopsicosocioculturais


Importância atribuída ao sujeito


Sujeito inserido num contexto familiar e social


Sofrimento como parte da existência


Existência-sofrimento


o simbólico englobando o psíquico e o sociocultural


subjetivo e sociocultural


CAPS, NAPS, Hospital-Dia, Ambulatórios de Saúde Mental, equipes multiprofissionais nos centros de saúde e nos hospitais gerais e demais componentes da RAPS.


Conjunto amplo de dispositivos (psico/labor/socioterapias)


Desospitalizar


desmedicalizar


escutar


falar


implicar-se


reposicionar


participar


reinserir


atender




autogerir


integrar


horizontalizar


territorializar


singularizar

livre transito do usuário


Reposicionamento subjetivo


sujeitos implicados subjetiva e socioculturalmente


sujeitos singularizados


grupos sociais e familiares incluídos no tratamento


sujeito reinserido socialmente


Sujeito fala, participa do diálogo e trabalha na e pela fala


Ponto de fala e de escuta da população


Espaços de interlocução


Práticas de intersubjetividade horizontal


autogestão e troca horizontal e interdisciplinar de saberes


Reposicionamento do sujeito: agente implicado no sofrimento e agente da possibilidade de mudanças


atenção à saúde no território local e aproveitando recursos desse território


equipe interdisciplinar


Instituição a serviço da ética e da técnica


interdisciplinaridade


atenção integral à saúde


Relações horizontais entre trabalhadores e entre estes e a população


Relações de poder e saber horizontalizadas entre trabalhadores e entre estes e a população




Tríplice contingência montada com base na tabela da dissertação de Lívia Maria Fontana

terça-feira, 26 de maio de 2020

Tabela Modelo Asilar e Modelo Psicossocial



Quadro 1: Quadro comparativo entre o Modo Asilar e o Modo Psicossocial









Parâmetros
Modo Asilar
Modo Psicossocial
Objeto e meios

Objeto

Meio de trabalho

Objeto

Meio de trabalho
de trabalho

Determinações

Medicamento

Determinantes

Conjunto amplo de


orgânicas

Indivíduo passivo

políticos e

dispositivos


Pouca ou

no tratamento

biopsicosociocultur

(psico/labor/socioterapi


nenhuma

Intervenção

ais

as)


consideração

individualizante

Importância

Sujeito participante


da existência

Fragmentação da

atribuída ao sujeito

principal no tratamento


do sujeito

atenção,

Sujeito inserido

Inclusão dos grupos


Individuo

especializada e

num contexto

familiares e sociais no


como doente

hierarquizada

familiar e social

tratamento


Individuo

Outros campos de

Sofrimento como

Reposicionamento do


fragmentado

saber como

parte da existência

sujeito: agente


Psicose como

acessórios

Existência-

implicado no


doença



sofrimento

sofrimento e agente da


Sofrimento



Cena principal

possibilidade de



removido a



universal: o

mudanças


qualquer custo

simbólico,

Reinserção social do


Cena principal

englobando o

sujeito


universal: o

psíquico e o

Atenção integral e


orgânico



sociocultural

equipe interdisciplinar


Metas: Hospitalização,

Metas: Desospitalização,

desmedicalização e


medicalização e objetificação

implicação subjetiva e sociocultural
Dispositivo

Hospital psiquiátrico

CAPS, NAPS, Hospital-Dia, Ambulatórios de
institucional

Relações verticais entre trabalhadores

Saúde Mental, equipes multiprofissionais nos


e entre estes e a população

centros de saúde e nos hospitais gerais e


Relações de poder e saber altamente

demais componentes da RAPS.


estratificadas entre trabalhadores e

Relações horizontais entre trabalhadores e


entre estes e a população

entre estes e a população


Instituição como natureza morta

Relações de poder e saber horizontalizadas


Metas: Estratificação, interdição

entre trabalhadores e entre estes e a população


institucionais, heterogestão e

Instituição a serviço da ética e da técnica


disciplina das especialidades

Metas: Participação, autogestão e






interdisciplinaridade


Relacionamento

Espaço de relação entre doentes e

Espaços de interlocução
com a clientela

sãos

Práticas de intersubjetividade horizontal


Lócus depositário

Sujeito fala, participa do diálogo e trabalha na


Interdição do diálogo, imobilizando e

e pela fala




emudecendo o usuário

Ponto de fala e de escuta da população


Reprodução das relações

Dispositivos integrais territorializados


intersubjetivas verticais

Metas: interlocução, livre transito do usuário


Metas: imobilidade, mutismo e

e territorialização com integralidade


estratificação da atenção por níveis




Efeitos típicos

Hipertrofia dos “defeitos de

Reposicionamento subjetivo


tratamento” como cronificação asilar

Ética da singularização


ou benzodiazipinização

Metas: Implicação subjetiva e sociocultural e


Remoção dos sintomas

singularização




Ética da adaptação






Metas: Adaptação





Fonte: quadro elaborado pela autora a partir do texto de Costa-Rosa, 2000.