Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/
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quarta-feira, 14 de maio de 2025

O negacionismo mente/cérebro

De acordo com as concepções mais tradicionais de psicologia humana, tudo o que existe é conteúdo e cérebro. É um negacionismo forte em relação a análise experimental do comportamento.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Materialismo médico e sistemas simbólicos

Em Pureza e Perigo, Mary Douglas afirma que tanto as regras culturais não são bem explicadas por materialismo médico como as regras que entendemos como oriundas somente do materialismo médico são melhor compreendidas pela totalidade dos sistemas de classificação da cultura. Interessante para pensar regras, princípios e práticas na área de saúde mental como sistemas simbólicos integrados. O quanto de nossas regras de saúde são formas de controlar percepções oriundas dos sistemas simbólicos (classes de comportamento)?

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Modelo de mente e de comportamento

Modelo científico do fenômeno mente

1) Atitudes proposicionais são fundamentais para explicar a aprendizagem, como as pessoas são e agem

2) As leis não materiais da mente, da cognição e do inconsciente são explicações que respeitam a perspectiva de entendimento das pessoas

3) As leis não materiais da mente, da cognição e do inconsciente não são redutíveis ao cérebro ou estão além das leis materiais do cérebro.

4) As leis não materiais da mente, da cognição e do inconsciente são integráveis ao discurso cotidiano e áreas de conhecimento tradicionais.

5) As leis não materiais da mente, da cognição e do inconsciente respeitam o entendimento de agência e de livre-arbítrio das pessoas


Modelo científico do fenômeno comportamento operante

1) A materialidade dos eventos é mais importante para explicar a aprendizagem e probabilidade de comportamentos do que as atitudes proposicionais

2) As leis do comportamento operante respeitam a perspectiva das pessoas mas as insere em princípios explicativos biológicos

3) As leis do comportamento operante são um nível diferente de organização em relação ao cérebro e estão em continuidade explicativa, mas têm abertura grande para a grande relevância dos eventos ambientais na explicação da aprendizagem.

4) As leis do comportamento operante explicam o cotidiano de forma rigorosa e poderosa, traduzindo o conhecimento disponível em eventos e fenômenos tangíveis

5) As leis do comportamento operante são uma mudança revolucionária em relação ao conceito de agência, de iniciativa e de livre-arbítrio mas respeitam o papel ativo dos agentes e sua necessidade de determinação sobre a própria vida.

As cincos proposições de cada modelo são mutuamente contraditórias. No entanto, as leis da mente consideram a materialidade do comportamento e dos eventos dispensáveis, se posicionando pela negação de fatos científicos verificados e replicados e a favor de sua compatibilidade com entendimentos leigos, tradicionais e não científicos. As leis do comportamento operante afirmam a traduzilibilidade dos fenômenos do cotidiano em eventos tangíveis e modificáveis, ampliando o leque de possibilidades contrafactuais da realidade construída pelos conceitos e comportamentos.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Escala de entendimento de atores da saúde mental

Existe uma escala hierárquica (nível de mensuração ordinal) de rótulos de capacidade de entendimento para cada tipo de ator na saúde mental:

O médico tem um entendimento muito superior e inacessível.

O psicólogo e outros profissionais de saúde tem um entendimento aceitável quando atuam como paramédicos (apoiadores do médico) e quando estão de acordo com o entendimento da sociedade.

O familiar confia, obedece, se conforma e segue tradições. Está de acordo com a sociedade.

O paciente/usuário tem um entendimento muito inferior (conceito manicomial) e seu posicionamento frente aos outros três atores é hierarquizado como discurso com baixo valor de validade.


segunda-feira, 24 de junho de 2024

Coleta de dados individualizante e medicalização

A coleta de dados de depoimentos a partir de perspectiva individualizante (pessoa separada do seu meio) é um dos raciocínios da medicalização e patologização. O ponto de partida são os sinais de estranhamento que são interpretados a partir de um modelo organicista. Um coleta de dados não individualizante com foco no ambiente distribuído da pessoa é desafiadora de ser realizada através de conversa com uma pessoa dentro de um consultório.

Obs: Esse texto foi censurado pelo facebook.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Comportamento: fenômeno restrito versus abrangente

Noção de senso comum: Cérebro, mente, linguagem, sociedade e cultura são fenômenos abrangentes e comportamento é um fenômeno restrito. 

Logo, compreender a extensão da expressão "radical" na explicação abrangente dos fenômenos psicológicos a partir do behaviorismo radical é difícil.

A análise do comportamento têm reconhecimento social amplo em aplicações para dificuldades específicas e delimitadas como o transtorno do espectro autista ou desafios práticos. Como o comportamento é entendido no senso comum como fenômeno restrito, sua ampliação para a área dos conceitos entendidos como abrangentes (Cérebro, mente, linguagem, sociedade e cultura) é percebida como um reducionismo inapropriado.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Experimentação e industrialização da saúde

Há uma certa dificuldade de integrar conhecimento experimental com a industrialização em escala da saúde. Na farmacologia os estudos de covariância (estatística) com dados empíricos com baixas suposições geram mais erros de interpretação de resultados. Os modelos experimentais com altas suposições e discussão aberta das mesmas ajudam a interpretar dados acumulados e criar simulações que são mais eficientes e custo-efetivos.

Dificuldade análoga é encontrada na psicologia. O modelo de pacotes e manuais é facilmente industrializável em escala. O conhecimento experimental exige treinamento mais complexo que é desafiador implementar em larga escala e também adaptar ao modelo de evidências baseado em estatísticas (pirâmide de evidências). 

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Diagnósticos como demarcação

É interessante pensar nos constructos ou diagnósticos psiquiátricos como a definição de um conjunto sistêmico de domínios de fatos biológicos, comportamentais, sociais, econômicos, históricos, culturais, políticos, jurídicos, estéticos, de gênero, etc. Cada domínio de fatos tem características próprias que devem ser entendidas como sistemas e possivelmente de forma superveniente (definir melhor superveniência: um conceito que expressa relação de interdependência entre conjuntos. que não é redutível a fatos específicos e que é um fenômeno em nível emergente). O reconhecimento de que as ciências naturais participam na produção de realidades é um dos possíveis elementos na análise desses sistemas. Em outras palavras: diagnóstico é demarcação.



quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Neurociência substitui a psicologia? (Neil deGrasse)

Neil deGrasse Tyson afirma que a neurociência substituirá a psicologia. Essa afirmação é dita por neurocientistas.

Uma resposta da filosofia, outra área menosprezada pelo divulgador científico Neil deGrasse Tyson. 

Filosofia é comportamento conceitual que está em continuidade com a formação do comportamento conceitual da ciência.

 "5. PROBLEMAS DE PREVISÃO


Encontro-me muito de acordo com o que Nelson tem a dizer sobre a psicologia ser possivelmente um assunto bem diferente da física. Podemos esperar precisar de uma teoria de previsão individual em vez de uma teoria de como a maioria dos organismos funciona na maior parte do tempo da mesma maneira. Não tentarei resumir seus argumentos, mas expor meus próprios pontos de vista de um ponto de vista ligeiramente diferente. A partir da inspeção do hardware do computador, é claramente ridículo pensar que alguém pode prever os tipos de programas de computador que serão escritos para o sistema de computador. É claro que certas declarações muito grosseiras e desinteressantes podem ser feitas, mas declarações que preveem em detalhes os programas reais que serão escritos estão obviamente fora de questão. Em termos científicos comuns, o conhecimento do hardware de forma alguma determina o conhecimento do software. Parece-me que há boas evidências de que a mesma situação é aproximadamente verdadeira para os seres humanos. O conhecimento de como o hardware físico do cérebro funciona não nos dirá necessariamente muito sobre os aspectos psicológicos das atividades humanas, especialmente as mais complexas. Por exemplo, é bom saber que a atividade da linguagem é normalmente centrada no hemisfério esquerdo do cérebro, mas parece bastante evidente que em nenhum futuro previsível a dissecação do hemisfério esquerdo de uma pessoa desconhecida será capaz de identificar a linguagem que ele realmente falou, seja inglês, russo, chinês ou qualquer outra coisa. A localização e identificação de habilidades ou memórias mais específicas por parte de humanos específicos é claramente uma tarefa ainda mais impossível. O software do cérebro [ou o repertório comportamental] não será reduzido ao hardware de nenhuma maneira que pareça viável no momento, e nesse sentido parece-me que pode ser feita uma forte afirmação de que a psicologia não será reduzida à fisiologia e à biologia.

É essa linha de argumentação que torna a psicologia uma ciência tão fundamental quanto a física. Em várias ocasiões, visões errôneas foram sustentadas sobre a redução da psicologia à fisiologia ou, em termos ainda mais ousados, a redução da psicologia à física. Nada, parece-me, está mais longe de ser o caso, e é por causa dessa ausência de qualquer evidência de que qualquer redução possa ocorrer que as teses sobre o behaviorismo permanecem importantes. Conceitos psicológicos, habilidades complexas e, em uma terminologia ainda mais tradicional, eventos mentais que ocorrem pelo menos em outras pessoas e outros animais podem ser conhecidos apenas a partir de evidências comportamentais. Não obteremos essa evidência por exame químico ou físico das células do corpo. Não o obteremos por métodos racionalistas de conhecimento. O behaviorismo como metodologia fundamental da psicologia veio para ficar [...]"

Suppes, P. (1993). From Behaviorism to Neobehaviorism. In: Models and Methods in the Philosophy of Science: Selected Essays. Synthese Library, vol 226. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-017-2300-8_24

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Resenha "Psicanálise e psicomodismos" (Pasternak e Orsi)

Resenha sobre o capítulo "Psicanálise e psicomodismos" no livro "Que bobagem" de Pasternak e Orsi

O capítulo no livro "Que bobagem" de Pasternak e Orsi sobre psicanálise tem tantos compromissos com pressupostos filosóficos e modelos teóricos que o texto pode ser virado do avesso em diferentes direções como em variados posicionamentos filosóficos sobre demarcação de ciência e unidade ou pluralidade dos conceitos de método científico e tipos de ciência, modelos científicos de avaliação de evidência clínica, avaliação crítica das ciências cognitivas e biológicas na área clínica, discussões em filosofia da ciência sobre conceitos e métodos biológicos e sua relação com o social, discussões em filosofia da ciência sobre ciências naturais e humanas/sociais, discussões em filosofia da ciência sobre a subdeterminação das teorias pelos dados e a possibilidade de validade de evidências empíricas independentemente de modelos teóricos prévios, e outros debates.

A reprodução do discurso triunfalista das ciências cognitivas e biológicas que são tratadas como hierarquicamente superiores, ciências legítimas que a partir de suas próprias áreas são relativamente incontroversas e não podem ser questionadas a partir de conhecimento social ou outras formas de conhecimento indica que há um conhecimento superficial da complexidade envolvida nesse debate. O texto tem o mérito de introduzir a discussão sobre evidências clínicas em psicologia para um público amplo, apesar do tratamento do tema apresentar a discussão oferecendo respostas simples para pessoas interessadas em tomar decisões sobre saúde mental sem uma discussão sobre a variedade de controvérsias, assim direcionando e limitando as possibilidades de decisões do leitor.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Lei dos erros Quetelet-Gauss: curva normal

O nome curva normal (estatística) tinha o nome de "Lei dos erros quetelet-gauss". Gauss fez a parte matemática e Queletet fez uma teologia da pessoa comum como mais saudável. Desse modelo surge a expressão "normotipo" que deu a origem a "normotípicos", equivalente a "normal".

O pensamento social segue esse modelo (vaganótico). A origem dele tem baixa divulgação. Não há senso crítico sobre o modelo e a alternativa é praticamente desconhecida. (ver em outra postagem).  

"Viola, discípulo de De Giovanni, "convencido de que a apreciação dos fenômenos biológicos só é possível com o auxílio do método e das leis estatísticas, foi buscar esse método e essas leis para sobre eles calcar os seus trabalhos" (Isaac Brown).

Viola demonstrou que as variações constitucionais obedecem à lei dos erros de Quetelet-Gauss, elevando todos os problemas sobre constituição do plano empirico ao ciêntifico. Segundo Viola, a distribuição dos tipos obedece à disposição de uma curva binominal, em que a ordenada máxima coincide com o tipo médio ou normotipo, enquanto os outros tipos se dispõem ao longo da curva. Seu perfil biotipológico entrosa quatro faces: - hereditaria, morfológica, dinamico-humoral e psicológica. Os indivíduos se classificam segundo os tipos fundamentais: normotipo, braquitipo e longitipo, havendo ainda dois tipos intermediários, muito aproximados do normotipo o paracentral superior e o inferior."

Exame das Funções Mentais (Semiologia e psiquiatria) - 1942
DR. JOUBERT T. BARBOSA 

Exame das funções mentais: (semiologia e psiquiatria)
Barbosa, Joubert T.
Rio de Janeiro; Livraria Atheneu; s.d. 219 p. ilus, tab, graf.
Monografia em Português | Coleciona SUS, IMNS | ID: biblio-922526
Biblioteca responsável: BR2510.1
Localização: Acervo Biblioteca Instituto IMNS

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Clientes de psicanálise e intelectualidade

Uma característica dos clientes de psicanálise é que são interessados ou entusiastas de ciências humanas e sociais e interessados em intelectualizar-se. O tratamento não tem somente finalidade de saúde. O que provavelmente é indício de um nível socioeconômico ou cultural médio-alto ou alto.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Os "terapeutas intactos" e o organicismo

Há um discurso social que é reflexo do pensamento organicista que se aplica a psicólogos que já consultaram com psiquiatras. Na mesma linha de pensamento de nascer com "dom" para uma atividade, é comum pensarem que os bons psicólogos são organicamente intactos. Se for para ser coerente com essa linha, se uma pessoa já consultou um psiquiatra não há mais o que fazer ou aprender pois "psicologia não altera doenças orgânicas" ou os tratamentos psicológicos e sociais "não são as intervenções cerebrais necessárias". Em linha semelhante, do dualismo mente e corpo, "a terapia pela fala" trata de abstrações não materiais e por isso não alteram o orgânico. 

Então é compreensível que essa forma de pensamento sendo comum e até coerente, a psicologia não seja valorizada e que não seja percebido como possível substituir tratamento psiquiátrico com aprendizagem.

sábado, 19 de agosto de 2023

Psicol.: ciência fundamental irredutível à fisiologia

"5. PROBLEMAS DE PREVISÃO


Encontro-me muito de acordo com o que Nelson tem a dizer sobre a psicologia ser possivelmente um assunto bem diferente da física. Podemos esperar precisar de uma teoria de previsão individual em vez de uma teoria de como a maioria dos organismos funciona na maior parte do tempo da mesma maneira. Não tentarei resumir seus argumentos, mas expor meus próprios pontos de vista de um ponto de vista ligeiramente diferente. A partir da inspeção do hardware do computador, é claramente ridículo pensar que alguém pode prever os tipos de programas de computador que serão escritos para o sistema de computador. É claro que certas declarações muito grosseiras e desinteressantes podem ser feitas, mas declarações que preveem em detalhes os programas reais que serão escritos estão obviamente fora de questão. Em termos científicos comuns, o conhecimento do hardware de forma alguma determina o conhecimento do software. Parece-me que há boas evidências de que a mesma situação é aproximadamente verdadeira para os seres humanos. O conhecimento de como o hardware físico do cérebro funciona não nos dirá necessariamente muito sobre os aspectos psicológicos das atividades humanas, especialmente as mais complexas. Por exemplo, é bom saber que a atividade da linguagem é normalmente centrada no hemisfério esquerdo do cérebro, mas parece bastante evidente que em nenhum futuro previsível a dissecação do hemisfério esquerdo de uma pessoa desconhecida será capaz de identificar a linguagem que ele realmente falou, seja inglês, russo, chinês ou qualquer outra coisa. A localização e identificação de habilidades ou memórias mais específicas por parte de humanos específicos é claramente uma tarefa ainda mais impossível. O software do cérebro [ou o repertório comportamental] não será reduzido ao hardware de nenhuma maneira que pareça viável no momento, e nesse sentido parece-me que pode ser feita uma forte afirmação de que a psicologia não será reduzida à fisiologia e à biologia.

É essa linha de argumentação que torna a psicologia uma ciência tão fundamental quanto a física. Em várias ocasiões, visões errôneas foram sustentadas sobre a redução da psicologia à fisiologia ou, em termos ainda mais ousados, a redução da psicologia à física. Nada, parece-me, está mais longe de ser o caso, e é por causa dessa ausência de qualquer evidência de que qualquer redução possa ocorrer que as teses sobre o behaviorismo permanecem importantes. Conceitos psicológicos, habilidades complexas e, em uma terminologia ainda mais tradicional, eventos mentais que ocorrem pelo menos em outras pessoas e outros animais podem ser conhecidos apenas a partir de evidências comportamentais. Não obteremos essa evidência por exame químico ou físico das células do corpo. Não o obteremos por métodos racionalistas de conhecimento. O behaviorismo como metodologia fundamental da psicologia veio para ficar [...]"

Suppes, P. (1993). From Behaviorism to Neobehaviorism. In: Models and Methods in the Philosophy of Science: Selected Essays. Synthese Library, vol 226. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-017-2300-8_24

terça-feira, 15 de agosto de 2023

"Interferências na ciência pura" - Ciência e valores

Nota de rodapé: 

Algumas vezes se argumenta que tais pessoas estão tentando impor restrições sociais ou valorativas sobre a pesquisa "pura" - ou seja, pesquisa impulsionada e avaliada apenas por valores cognitivos. Ou pode parecer um conflito entre a expressão de valores cognitivos, ou de certos valores sociais. Na verdade, na minha concepção não existe pesquisa "pura" no sentido definido. Os valores cognitivos desempenham um papel crucial na pesquisa, porém sua interpretação é sempre estruturada por alguns valores sociais, e o apoio à sua expressão é ligado à expressão de certos valores sociais. O tipo de conflito em discussão é no fundo um conflito de valores sociais. Isto não é fácil de ser percebido numa sociedade que tende a tomar a primazia do controle da natureza como um valor universal. 

Ciência e valores 1 - Hugh Lacey

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Núcleo teórico e interpret. de ser hum. na psicologia

"Tais interpretações de forma alguma são privilégio de abordagens behavioristas. Psicólogos quase sempre vão além do que podem comprovar por meio de expansões bem-sucedidas do núcleo das teorias que defendem. Por exemplo, o livro "Cognition and Reality" de Neisser (1976) consiste, em suas partes construtivas, em interpretações no sentido aqui mencionado, não em expansões do núcleo. As concepções de ser humano, tão discutidas na psicologia, são o resultado de tais interpretações, não pressupostos filosóficos ou metafísicos das teorias em questão. No nível dessas interpretações, é fácil afirmar uma teoria abrangente, mas no nível das expansões bem-sucedidas do núcleo, todas as nossas teorias são extremamente limitadas. Portanto, é fácil confundir uma interpretação com uma tentativa de expansão do núcleo e criticar uma teoria (veja, por exemplo, Chomsky, 1959)."

[O autor, que utiliza a concepção de teoria estruturalista na filosofia da ciência analítica para analisar teorias, está afirmando que o núcleo teórico axiomatizável das teorias são restritos e que a expansão das teorias são interpretações. Logo, questionar as interpretações não é refutar o núcleo da teoria. Por isso, Chomsky não refutou o núcleo do comportamentalismo.

Também esclarece que as concepções de ser humano base das teorias psicológicas não são pressupostos filosóficos ou metafísicos das teorias psicológicas mas que também são interpretações a partir de um núcleo teórico.]

Esclarecimento do contexto histórico que o texto se refere:

Em 1959, Noam Chomsky publicou um artigo intitulado "A Review of B.F. Skinner's 'Verbal Behavior'" (Uma Resenha do 'Comportamento Verbal' de B.F. Skinner). Neste artigo, Chomsky critica e oferece uma análise detalhada da teoria behaviorista de Skinner, especificamente em relação à linguagem e à aquisição da linguagem. Chomsky argumenta que a abordagem behaviorista de Skinner não pode explicar adequadamente a complexidade e a criatividade inerentes à linguagem humana. Sua revisão teve um impacto significativo no campo da psicologia e linguística, impulsionando o desenvolvimento de abordagens alternativas para a compreensão da linguagem, como a teoria da gramática generativa.

Referência:

Westmeyer, H. (1984). Von der Schwierigkeit, ein Behaviorist zu sein oder Auf der Suche nach einer behavioristischen Identität [Da dificuldade de ser um behaviorista ou Em busca de uma identidade behaviorista]. In H. Lenk (Hrsg.), Handlungstheorien – interdisziplinär [Teorias da Ação - Interdisciplinares] (Bd. 3). München: Fink.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Englobamento: ciências biológicas e humanas/sociais

O fundador da psicologia Wundt pensou a relação entre o biológico e o social. Para Wundt, tanto a fisiologia e a pesquisa experimental como o social faziam parte da psicologia. Ele propôs uma atitude muito comum entre as ciências humanas e sociais que é o englobamento do biológico pelo social. Áreas biológicas como a psiquiatria propõem o englobamento do social pelo biológico que é considerado explicação mais fundamental e ontológica a partir de nível inferior (reducionismo ontológico). A disputa política entre ciências naturais e ciências humanas e sociais na área de saúde mental e saúde está relacionada à mesma problemática. Atualmente as duas perspectivas de ciências costumam desqualificar umas às outras, possivelmente pela formação tradicional envolver apenas uma área. A discussão tem mais nuances. As duas perspectivas de ciências são potencialmente ótimas se bem formuladas. A disputa em torno da medicalização e da reforma psiquiátrica reproduz a mesma problemática. Levantar essas questões fundamentais seria um caminho para redirecionar o debate. A sociedade quando é inculcada pelo discurso psiquiátrico e de neurociência aplica esse englobamento do social pelo biológico quase sem pensar. A medicina e as biológicas tem certo ar de superioridade sobre o rigor científico de sua perspectiva. O pessoal da saúde com preferências pelas humanas e sociais tende a desqualificar o fisiológico e experimental como um positivismo. O pessoal da saúde com preferência pelas sociais tem certa dificuldade de se tornar popular. O discurso do englobamento do social pelo biológico consegue transmitir a ideia de ser "caixa-preta", isso é, fenômeno indiscutível. Uma resposta seria de que é possível criar, a partir de métodos científicos de qualidade duvidosa, artefatos, isto é, produzir eventos que são criações dos métodos ao invés de descobertas de fenômenos da natureza.


Referência:

O espírito e a pulsão: o dilema físico-moral nas teorias de pessoa e da cultura de W. Wundt - Luiz Fernando D. Duarte e Ana Teresa A. Venancio

quinta-feira, 15 de junho de 2023

O que justifica usar uma técnica terapêutica?

Traduzido do alemão

O que justifica o uso de uma técnica psicoterapêutica?

Christoph Kraiker

Resumo: É defendida a tese de que o uso de uma técnica psicoterapêutica é justificado pela aceitação informada por parte do paciente. Primeiro, é explicado por que os resultados da pesquisa empírica em terapia não são suficientes para essa justificativa; em seguida, alguns princípios são formulados aos quais os terapeutas devem aderir para possibilitar essa aceitação informada.

I

Neste estudo, gostaria de fundamentar a seguinte tese: o uso de uma técnica psicoterapêutica em um caso específico (com uma pessoa específica) é justificado pela aceitação informada por parte dessa pessoa.

Isso parece contradizer as demandas que fundamentam a pesquisa empírica sobre efetividade. Recentemente, Baumann (1996, p. 687) expressou dessa forma: 'Um 'consenso de efetividade' dentro da díade da psicoterapia não é suficiente, uma vez que, para proteger os afetados (pacientes) e no interesse da sociedade (seguradoras, etc.), deve haver a possibilidade de verificação da efetividade por terceiros'.

Isso não implica necessariamente em visões opostas. Especificamente, na opinião defendida aqui, a pesquisa empírica sobre efetividade realizada de acordo com as regras é não apenas sensata, mas essencial para o progresso nessa área. A aparente contradição desaparece quando se percebe que estamos lidando com diferentes contextos de decisão, com diferentes conceitos de justificação e verificação de efetividade.

Vamos começar com a observação de Westmeyer (1984, p. 92) "...que os resultados da pesquisa em terapia geralmente não podem exigir nem proibir medidas terapêuticas específicas e, portanto, um terapeuta não precisa orientar suas ações por tais resultados". Além dos motivos mencionados por Westmeyer, gostaria de chamar a atenção para outros fatos óbvios:

Uma técnica comprovadamente eficaz pode falhar neste paciente ou até mesmo ter efeitos negativos. Na verdade, a taxa de sucesso mesmo das melhores técnicas terapêuticas (por exemplo, treinamento de exposição para diversos transtornos de ansiedade) varia apenas entre 60% e 80%. Ninguém continuará um tratamento sem sucesso ou prejudicial apenas porque existem estudos de grupo de controle com resultados positivos.

Um tratamento cuja eficácia não foi comprovada em estudos de grupo de controle realmente realizados pode ser bem-sucedido neste paciente. Ou seja, uma tentativa fracassada de comprovar sua eficácia é logicamente compatível com o fato de que a terapia pode funcionar neste caso específico. O mesmo se aplica a terapias para as quais ainda não existem estudos de eficácia (que atendam a critérios metodológicos adequados). Não se interromperá um tratamento bem-sucedido apenas porque não há evidências desse tipo.

A partir da pesquisa em terapia, não se pode deduzir, de forma geral, qual é a probabilidade de sucesso em casos individuais e qual será a magnitude desse sucesso. Isso ocorre não apenas porque os estudos de grupo de controle fornecem apenas médias (e os estudos de caso único controlados nem mesmo isso), mas também porque não está claro como interpretar os resultados desses estudos. Permita-me listar os seguintes "campos problemáticos":

Não há uma população para a qual as amostras possam ser consideradas representativas comprovadamente. Portanto, não se sabe em quais populações os resultados podem ser generalizados. Os resultados são proclamados como verdades universais e eternas, mas isso não está justificado.

É impossível controlar a inflação do erro alfa. Isso pode ser feito dentro de uma investigação (embora muitas vezes não seja feito o suficiente), mas não em todas as investigações (publicadas e não publicadas) em geral, pois não se sabe o número de testes de significância realizados ao longo das décadas em todo o mundo.

E mesmo que tudo isso não fosse o caso, um resultado significativo de qualquer tipo não permitiria uma afirmação sobre a probabilidade de a hipótese nula ser verdadeira ou não. A pesquisa quantitativa leva, por meios quantitativos, a um resultado não quantificável. Até mesmo a chamada 'magnitude do efeito' é apenas uma medida padronizada das diferenças médias entre grupos de pacientes (o termo 'amostra' seria um eufemismo mais suave neste contexto). A relevância indutiva da estatística inferencial comum é simplesmente desconhecida, mas podemos afirmar o seguinte: essas investigações demonstram algo, mesmo que isso não se traduza em um grau claro de confirmação de hipóteses. O valor delas reside principalmente no fato de serem realizadas publicamente e serem verificáveis publicamente, corrigindo as muitas oportunidades de engano e autoengano que podem surgir no isolamento.

Também são pressupostos implicitamente alguns mitos platônicos duvidosos.

Vamos começar com o mito da uniformidade (Kiesler, 1966). Isso pressupõe que uma técnica terapêutica estudada é idêntica em suas várias aplicações, para todos os fins práticos. Como todos nós sabemos, isso não é verdade por várias razões. E por que isso é um problema? Porque em sistemas de processamento de informações, o princípio subjacente às equações diferenciais da física clássica 'ex similibus similia' não se aplica. Não podemos simplesmente presumir que coisas semelhantes produzirão coisas semelhantes; pequenas diferenças nas causas podem levar a diferenças enormes nos efeitos. Portanto, não se pode inferir se uma técnica estudada terá o mesmo efeito em outros contextos; isso também precisaria ser investigado separadamente.

Em seguida, temos o mito do sujeito de conhecimento padronizado. Pressupõe-se que o destinatário de 
todas as evidências, confirmações, demonstrações e justificações é sempre o mesmo, e que esses procedimentos sempre funcionam da mesma maneira. Mas isso não pode ser verdade. Se Pedro experimenta uma felicidade infinita, ele sabe que isso existe, mas para os outros isso permanece duvidoso. Também sabemos que, de acordo com os princípios da inferência bayesiana, os mesmos conjuntos de dados podem levar a resultados completamente diferentes com diferentes probabilidades a priori (Putnam, 1981, p.191). Concordamos que os dados são avaliados à luz de hipóteses e teorias existentes; no entanto, isso significa que eles têm significados diferentes para pessoas diferentes. Portanto, as hipóteses geralmente não são extraídas dos dados, mas hipóteses pré-existentes são verificadas pelos dados. Como as hipóteses são frequentemente logicamente complexas, é possível que os dados apoiem tanto a hipótese quanto seu oposto. Por exemplo: um paciente inicia uma psicanálise. Ele piora. Para uma pessoa, isso é uma confirmação de que a terapia é prejudicial e a teoria subjacente está errada. Para outra pessoa, é uma confirmação de que a teoria está correta, pois postula uma resolução inicial dos mecanismos de defesa, o que resulta em uma piora inicial dos sintomas.

Pode-se argumentar aqui que é necessário esperar tempo suficiente para poder fazer uma afirmação confiável, mas o problema é que cada resultado é ambíguo. De forma consistente, seria necessário exigir que todos os dados relevantes fossem considerados nas inferências, mas para isso seria necessário verificar a relevância de todos os dados, o que é naturalmente impossível. Não é possível, nem mesmo em princípio, listar todos os dados disponíveis para um indivíduo ou grupo, nem que seja porque de cada fato infinitamente muitos outros fatos se seguem.

Não existe um método científico formal que possa ter sucesso sem juízos de valor humanos e interpretações (cf. Putnam, 1981, p. 192f). O sujeito de conhecimento padronizado não existe. Talvez haja algo na ideia de C.S. Peirce de que a ciência se constitui pelo consenso convergente da comunidade científica, mas tal convergência ocorre, se ocorrer, apenas no final do tempo e não nos ajuda aqui e agora. Aqui e agora, não preciso provar à comunidade científica que minha terapia funciona, mas sim ao paciente que está na minha frente, e é a aceitação informada desse paciente que confirma o funcionamento.

II

No entanto, não há uma oposição fundamental àquela visão expressa, por exemplo, na observação de Baumann citada acima. Embora se trate de justificação tanto aqui quanto lá, o que deve ser justificado são coisas diferentes. A pesquisa terapêutica tenta, da melhor forma possível, demonstrar a eficácia média de uma classe de procedimentos terapêuticos, desde que sejam reproduzíveis com base em descrições e treinamentos correspondentes. Como vimos, a partir disso não é possível deduzir com certeza instruções positivas ou negativas para uma terapia singular, ou seja, aquela que começo aqui e agora com este paciente.

Além disso, as duas visões têm definições diferentes de sucesso. Para a sociedade, sucesso significa alcançar o princípio do minimax: obter benefícios máximos com custos mínimos, em média. Isso é legítimo, mas esse princípio também não fornece critérios claros, sendo dependente de juízos de valor. Além disso, esse certamente não é o único objetivo da ciência e definitivamente não é o objetivo de um indivíduo que busca ajuda. Temo também que o reconhecimento desse princípio como a última razão possa levar à dissolução da psicoterapia, uma vez que um dia o tratamento puramente medicamentoso provavelmente atenderá suficientemente aos interesses econômicos da sociedade. Além disso, isso significaria o reconhecimento do modelo médico não apenas no reembolso dos planos de saúde, mas também no pensamento, e isso, na minha opinião, não deve ser aceito na psicologia. Apesar das afirmações em contrário, a estratégia dominante da pesquisa terapêutica tende a ser um abuso da metáfora dos medicamentos (Stiles & Shapiro, 1989).

Pode-se argumentar contra tudo isso: certamente, a pesquisa empírica em terapia tem seus limites, mas, depois de tudo dito e feito, ainda é o melhor que temos (ou seja, todas as outras tentativas de justificação são ainda mais questionáveis), e, portanto, não há motivo para usar outras técnicas terapêuticas além daquelas que já foram comprovadas.

Em primeiro lugar, é importante notar que, em certos casos, apenas o uso de uma forma de terapia empiricamente comprovada é legítimo (voltarei a isso), mas esse não é sempre o caso. Deixe-me listar alguns pontos.

1. Qualquer tipo de pesquisa experimental é fundamentalmente conservadora; ela testa hipóteses já formuladas ou, no nosso caso, formas de terapia que existem há muito tempo. Como é óbvio que não se investiga qualquer absurdo, é igualmente óbvio que existem critérios pré-experimentais para o desenvolvimento e avaliação de estratégias terapêuticas que parecem razoáveis. As formas de terapia estudadas não foram simplesmente concebidas em uma mesa ou em um laboratório, mas são o resultado de uma prática muitas vezes de décadas por numerosas pessoas em muitos países. Se uma prática não legitimada por estudos empíricos controlados fosse proibida, a evolução de novas estratégias terapêuticas seria interrompida.

2. Muitos, talvez a maioria, dos pacientes que procuram terapia têm problemas que não são considerados transtornos mentais de acordo com a CID ou o DSM, e para a maioria desses problemas não existem formas de terapia comprovadas experimentalmente.

3. Um paciente chega com o desejo expresso de realizar uma terapia específica.

4. Com base em sua experiência, o terapeuta está convencido de que uma determinada terapia pode ajudar seu paciente.

Agora, são justamente os dois últimos argumentos que são considerados inadmissíveis, pois os pacientes não têm conhecimento e são facilmente influenciáveis, e os terapeutas podem ser vítimas de autoengano grave. Sob essas circunstâncias, se insistirmos que a aceitação informada pelo paciente, em última análise, justifica o uso de um procedimento terapêutico, então os terapeutas devem se comprometer com um comportamento que permita ao paciente tomar uma decisão informada sobre aceitar ou não o procedimento oferecido e realizado.

III

Há pelo menos dois momentos em que decisões de aceitação são tomadas:

1. No início - com qual terapia devo começar?

2. No momento em que for possível determinar se essa terapia se mostrou eficaz para esse paciente - devemos continuar com essa terapia?

No que diz respeito ao primeiro momento (início de uma terapia), devemos exigir o seguinte:

Se o paciente expressar o desejo de eliminar ou pelo menos aliviar os sintomas de um distúrbio para o qual existe uma forma de terapia comprovada em vários estudos controlados, então o terapeuta deve oferecer essa terapia. Se ele não puder ou não quiser realizar essa terapia, ele deve informar que essas formas de terapia existem e onde ou com quem elas podem ser buscadas. Isso se aplica atualmente pelo menos a fobias específicas, agorafobias, transtornos de pânico, depressão unipolar, certos distúrbios da função sexual e comportamentos compulsivos. Mesmo que o terapeuta acredite que há algo mais por trás ou ao lado do sintoma apresentado (o que pode ser frequentemente o caso), ele não pode deixar de fornecer essa informação. O paciente deve ter a possibilidade de decidir se deseja trabalhar de forma orientada aos sintomas ou se deseja começar com outra forma de terapia proposta pelo terapeuta. Além disso, ele deve ter a possibilidade de revisar essa decisão, o que nos leva talvez ao ponto central da argumentação. O fato de que o curso de uma terapia deve ser controlado e que ela pode ser interrompida ou modificada, é um princípio fundamental tanto do tratamento médico quanto do tratamento psicológico. É esse princípio que permite a justificação do uso de uma técnica terapêutica por meio da aceitação informada pelo paciente. No entanto, esse princípio é ignorado na pesquisa terapêutica empírica (pelo menos no paradigma de grupo controle). Lá, as terapias são levadas até o fim, doce ou amargo, e então são feitos um ou mais acompanhamentos. Nessas condições, é claro que a aceitação informada não é possível nem no início (porque a autoseleção deve ser excluída) nem mais tarde.

No que diz respeito ao segundo momento (avaliação de uma terapia que já está em andamento há tempo suficiente para ser avaliada), os seguintes aspectos devem ser considerados.

Em princípio, o ponto mais importante é que ao paciente deve ser dada a oportunidade de tomar uma decisão, em consulta com o terapeuta, sobre a continuação da terapia. Muitas vezes se argumenta que mesmo um resultado positivo não prova que a terapia ou a técnica específica são responsáveis pelo desenvolvimento positivo do paciente. Isso é obviamente verdadeiro, mas irrelevante na situação de decisão descrita. Seria irracional para o paciente interromper a terapia apenas porque esse desenvolvimento positivo não pode ser atribuído com certeza à terapia.

Se, nesse momento, houver um desenvolvimento negativo visível, isso pode ser interpretado como um fracasso ou como uma fase (possivelmente inevitável) que mais tarde se transformará em um desenvolvimento positivo. Vejo aqui duas obrigações para os terapeutas: no primeiro caso, o fracasso só pode ser atribuído ao paciente se isso levar à recomendação de uma abordagem terapêutica diferente. No segundo caso, a decisão não deve ser adiada indefinidamente. Deve ser estabelecido um momento razoável para emitir um julgamento sobre se a terapia deve ser continuada, substituída por outra (possivelmente com outro terapeuta) ou interrompida definitivamente. Esse prazo não precisa ser o mesmo para todas as formas de terapia.

Por fim, deve-se observar que critérios de justificação diferentes devem ser aplicados a pacientes que não são capazes de uma aceitação informada.

1 Palestra apresentada no 40º Congresso da Sociedade Alemã de Psicologia em Munique, 1996.

Referências Bibliográficas

Baumann, U. (1969). Psicoterapia científica com base na psicologia científica. Report Psychologie, 21, 686-699.

Grawe, K., Donati, R. & Bernauer, F. (1994). Psicoterapia em transformação - Da confissão à profissão. Göttingen: Hogrefe.

Haagen, K. & Seifert, H. G. (1979). Métodos de estatística para psicólogos (Volume II). Stuttgart: Kohlhammer.

Putnam, H. (1981). Razão, Verdade e História. Cambridge: Cambridge University Press.

Stiles, W. B. & Shapiro, D. A. (1989). Abuso da metáfora das drogas na pesquisa de processo e resultado da psicoterapia. Clinical Psychology Review, 9, 521-543.

Westmeyer, H. (1984). Diagnóstico e tomada de decisão terapêutica: problemas de fundamentação. In G. Jüttemann (Ed.), Novos aspectos da avaliação clínico-psicológica (pp. 77-101). Göttingen: Hogrefe.

Endereço do Autor (1996)

Dr. Christoph Kraiker
Universidade de Munique
Departamento de Psicologia
Leopoldstr. 13
80802 Munique

Email: kraiker@uni-muenchen.de