Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/
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segunda-feira, 7 de julho de 2025

Discurso anti-ABA e mudança de ênfase

O discurso político e clínico contra a análise do comportamento aplicada considera que condições ótimas de aprendizagem que a área implementa são compensações para condições sociais adversas. Um fato da análise experimental do comportamento é que quanto mais adversa uma circunstância maior é a probabilidade de surgirem "comportamentos-problema". Em sociedades de pensamento biomédico em saúde mental hegemônico a primeira reação e primeira linha de tratamento são a medicação psiquiátrica. Então o discurso crítico é uma defesa da mudança de ênfase explicativa de forma semelhante a defesa da mudança epistemológica para as ciências humanas e sociais segundo o tradicional em reforma psiquiátrica. O que parece ser uma crítica a análise experimental do comportamento, e essa crítica é feita por pessoas que desconhecem a área, é uma defesa de outras áreas que promoveriam condições sociais menos adversas. Nada impediria que, dadas as condições sociais sejam favoráveis para uso da análise experimental do comportamento, essa fosse utilizada também para reduzir condições sociais adversas. A área é associada erroneamente a um subproduto da neurociência de base para a psiquiatra biológica ou modelo médico em saúde mental. No entanto, essa associação é um estereótipo pois a base mais tradicionalmente correta da análise experimental do comportamento é a crítica ao modelo médico (ver em Ullman e Krasner e textos de medicina comportamental).

A natureza político-ideológica desse discurso é a defesa de uma mudança política da organização da sociedade. O discurso anti-ABA seria na verdade uma crítica ideológica à sociedade de mercado e ao potencial de uso que a área tem para a adaptação ideológica. Então a área de conhecimento não é, mais uma vez, a foco da crítica. Para fins de defesa antecipada, essa análise não é uma defesa da neutralidade ideológica e política da sociedade de mercado e da ciência.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Medicina, a natureza e o lucro

A medicina é atividade privativa de alteração de variáveis da natureza (o corpo). Isso é um produto altamente valorizado. Ser o único mediador da natureza no que se refere ao corpo dá poder aos médicos. Adicione a isso uma lógica industrial e comercial e você tem lucros multibilionários.

Por que fiz essa descrição? Por essa descrição permite brechas de descrições alternativas. É possível superar concepções de saúde ingênuas que acreditam que a única mediação possível da natureza se dá por exemplo por meio de tratamentos com lógica industrial e comercial e sem protagonismo ativo e entendimento da pessoa. Superar concepções ingênuas de saúde que consideram que o comportamento no que se refere a natureza é apenas determinado pelo cérebro como processo ativo, autônomo e central ao invés de um processo de interação com o ambiente que se altera com precisão por parâmetros. Ou concepções ingênuas de saúde que ignoram a determinação social do adoecimento mesmo que ele seja físico.

O domínio do fenômeno biológico (da natureza) é altamente valorizado, mas pode ser alterado de diversas maneiras por vezes até mais eficientes e com menos riscos se superarmos a passividade, as concepções ingênuas e o desejo por ignorância.

domingo, 23 de outubro de 2022

Psiquiatria e cultura aristocrática/autoritária

Li a conclusão de 20 páginas de "Os donos do poder" de Raymundo Faoro mencionado no livro de antropologia "Você sabe com quem está falando? Um estudo sobre o autoritarismo brasileiro" de Roberto DaMatta, para compreender melhor o livro de antropologia.

Faoro se refere ao estamento como uma estrutura de poder que se mantém ao longo do tempo histórico e que reprime ou atrai as pessoas de acordo com a utilidade ao estamento. Não tem apenas um lado ideológico. A parte mais importante que ele menciona para o outro livro é que o aspecto moderno recente da sociedade é apenas um verniz e que os aspecto histórico profundo e mais antigo se mantém.

A cultura aristocrática e autoritária do Brasil que DaMatta se refere foi formada nesse ambiente histórico mais antigo. Então como relaciono tudo com saúde mental e psiquiatria, fiquei pensando na função social da psiquiatria de manter um status quo tradicional usando as estratégias manicomiais. Portanto, psiquiatria combina muito com a ideia de "pessoa" (aquele que é alguém) como supercidadão com pessoas conhecidas que dão um apoio à parte das normas e leis aplicadas ao "ninguém" (indivíduo) como subcidadão sem poder. A dinâmica psiquiátrica não poderia ser separada dessa tradição mais profunda e portanto a psiquiatrização na cultura brasileira poderia envolver o poder do supercidadão sobre o subcidadão. Os métodos autoritários da psiquiatria seriam aplicados aos "ninguém", aqueles que não trabalham ou não tem poder social. A subcidadania chegando ao ponto de construir instituições com lógica de campo de concentração no passado (Holocausto Brasileiro).

Então porque a psiquiatria biológica e tradicional (manicomial) sente mal-estar com a reforma psiquiátrica? Não estariam eles a serviço dos supercidadãos (aqueles que merecem ser protegidos) da loucura alheia entendida de forma manicomial? Mas mais importante: não seriam os psiquiatras biológicos supercidadãos?

A "doença mental biológica" é discurso ideológico (demonstrável com referências teóricas de análise do discurso) que mantém essa lógica histórica da tradição profunda, cobrando das pessoas se curvar às pessoas com poder.

domingo, 17 de julho de 2022

Direito à vida vs. sociais e econômicos

Em sua formulação do conceito de biolegitimidade, Didier Fassin parte da constatação de que o direito à vida se tornou prioritário na pauta dos direitos humanos, em relação aos direitos sociais e econômicos. Fassin situa e problematiza a potência moral desse “direito à vida” (expresso no artigo 3 o da Declaração dos Direitos Humanos de 1948), contraposta a uma crescente “debilidade moral” dos direitos sociais e econômicos (previstos no artigo 22 da mesma Declaração), como uma contingência histórica e contemporânea. Desse modo, haveria uma inversão de prioridades no campo político e moral contemporâneo, em que o direito à vida se tornaria mais importante que os direitos sociais e econômicos e se imporia inclusive em detrimento destes. Essa diferença entre as duas perspectivas ele denomina de “conflito de duas comunidades éticas que têm uma legitimidade desigual” (FASSIN, 2010, p. 193). 

A questão central para o autor é que “a vida humana se tornou o valor mais legítimo sobre o qual o mundo contemporâneo fundamenta o pensamento dos direitos humanos” (FASSIN, 2010, p. 201).

Considero o conceito de biolegitimidade particularmente útil para pensar sobre alguns aspectos das políticas sociais no Brasil e sobre os modos como o Estado se coloca frente às demandas sociais e sobre como as demandas sociais incorporam essas novas formas de legitimação. Entre alguns exemplos ligados às pesquisas que venho coordenando ou orientando, cabe citar o alargamento dos campos do patológico e da medicamentalização no contexto das políticas de saúde mental e da Reforma Psiquiátrica no Brasil.

No texto Biolegitimidade, direitos e políticas sociais: novos regimes biopolíticos no campo da saúde mental no Brasil 1 (antropologia)

Doenças e acesso a direitos

De modo geral, a biolegitimidade como um dispositivo de produção de direitos e de acesso às políticas públicas se articula com um contexto mais amplo de deslocamento do político, que alguns autores têm analisado a partir de diferentes perspectivas, com ênfase nos processos de patologização, medicalização ou biologização das experiências sociais, sobretudo no que diz respeito à produção de políticas públicas e às ações do Estado no campo dos direitos e da cidadania. 4 Um dos efeitos desse deslocamento é a extensão dos domínios do patológico para o campo das políticas sociais e do reconhecimento, por meio do qual a legitimidade das demandas e reivindicações de grupos, populações, comunidades ou sujeitos sociais passa pelo crivo do reconhecimento de um transtorno, disfunção, doença ou algum tipo de especificidade ou diferença biológica. Nesse processo, a biolegitimidade e o “direito à vida” se tornam o fator determinante para o reconhecimento das demandas e dos direitos que sustentam essas políticas sociais. Os desdobramentos dessa dinâmica, inclusive em relação aos instrumentos de análise, são os mais diversos e complexos, e entre eles está a questão de o quanto esse processo representaria um novo regime biopolítico.

No texto Biolegitimidade, direitos e políticas sociais: novos regimes biopolíticos no campo da saúde mental no Brasil (antropologia).

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Função moral e política da psiquiatria

 [...] os médicos são treinados para tratar de doenças corporais - e não de "doenças" econômicas, raciais, religiosas ou políticas. [...] e não de inveja e ódio, medo e loucura, pobreza e estupidez, e todas as outras misérias que cercam o ser humano [...] a psiquiatria não é um empreendimento médico, mas um empreendimento moral e político [...]. Embora o paciente fosse possivelmente tratado de um modo mais ou menos gentil quando era considerado doente, ele era, ao mesmo tempo, destituído da oportunidade especial de se rebelar contra as exigências a ele imposta. Essa forma de protesto

não era permitida, e aqueles que tentavam protestar eram rotulados de “doentes mentais” [...] o que os médicos fazem para curar o doente, e o que fazem para controlar o 'subversivo'
(SZASZ, 1974, p.7-9; 56-77)

O Mito da Doença Mental

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Biopolítica, biossegurança e cérebro (trechos)

A emergência do cérebro como dispositivo para a gestão dos riscos e da vida

Marcos Adegas de Azambuja e
Neuza Maria de Fátima Guareschi

http://www.mediafire.com/file/6nj0aqztj8d1v3m/Biopol%25C3%25ADtica_e_bioseguran%25C3%25A7a-_c%25C3%25A9rebro_como_dispositivo_de_gest%25C3%25A3o_da_vida_e_dos_riscos.pdf/file

No entanto, além de considerarmos o incremento da produção discursiva do cérebro no século XXI, gostaríamos de incluir outro aspecto na discussão, relativo à reflexão de que há um modo de condução do sujeito que está em jogo. Como veremos, são regimes de verdade que levariam à formação de um sujeito que conhece a si mesmo por procedimentos e técnicas de lógica cerebral, estabelecendo, assim, uma forma de governo de seu corpo, sua mente, sua moral. A pessoa trabalha seu cérebro por meio de uma complexa rede de conduta da vida. Com o cérebro no centro, todas as instâncias da vida têm um efeito neste órgão. A qualidade dele vai refletir na nossa qualidade de vida. O modo de viver é alterado em função de um cérebro com saúde (Azambuja, 2012).

Entender o cérebro como enunciado que atravessa e compõe diversos discursos – clínica, psicologia, medicina, psiquiatria, pedagogia, entre outros – nos parece insuficiente, justamente porque ele se torna um aliciador nas formas de existir. Não só um atrator, mas torna-se a própria manifestação da verdade sobre o sujeito contemporâneo. O dispositivo do cérebro exprime-se pelos novos modos que passamos a falar da vida e de nós mesmos, das novas formas de experiência e conduta, somente capazes de existir quando ocorre tal variação do cérebro como o ‘marcador’ das políticas de subjetivação. Passa-se a produzir uma nova existência, uma nova rede de significações e sentidos, de maneiras de se comportar, de pensar e governar o ser humano e o mundo. Surge um novo modo de organizar a sociedade, de tratar da economia, de constituir as leis, de discorrer sobre a vida e a morte, de cuidar da saúde e olhar para a doença.

O dispositivo do cérebro parece ser o grande agregador, o enlace e a força de mudança entre esses atravessamentos em nossa sociedade, tornando-se um alvo privilegiado tanto das biopolíticas, quanto das tecnologias específicas de modelagem subjetiva. Hoje o cérebro determina ‘o que você é’. Mesmo que se busquem no código genético as respostas sobre a vida, é no cérebro que encontramos a porta da revelação. O aclarar dos segredos de todas as determinações – nos corpos, nas almas e nas populações – estava muito mais ligado às técnicas analógicas do exame e da observação nas Ciências Humanas e Sociais. Porém, o cérebro encontra seus engates na era digital, na biomedicina, na biologia molecular, na aparelhagem teleinformática e toma conta da verdade e condução do sujeito. O que Foucault já indicava com a produção biopolítica parece se aguçar na atualidade: os avanços tecnocientíficos levam às possibilidades de se reprogramar e de se fabricar o novo. Trata-se, sem dúvida, de importantes redefinições em termos de normalidade, saúde e doença (Rose, 2007; Sibilia, 2002).

Na frenologia digital do cérebro dos dias de hoje, as imagens coloridas dos PET scan fazem as vezes do crânio e do tato no mapeamento dos processos mentais, respondendo quem somos nós. “essas imagens, na lógica cultural e visual, persuadem os observadores a igualar a pessoa com o cérebro, o cérebro com o scan e o scan com o diagnóstico” (Joseph Dumit, 2003, p. 36). Publicadas em diferentes fontes de acesso, essas imagens retratam tipos de cérebros, que se referem a tipos de pessoas, a diferentes categorias, principalmente levantando a questão de ser ou não normal. As relações genéticas e os exames do fluxo sanguíneos pelos PET scan reforçam os aspectos biológicos da doença mental, constituindo uma inversão do sujeito com a doença. Não é o sujeito que está doente, mas sim seu cérebro. Na relação que o paciente estabelece com a anormalidade neuroquímica visualizada na tela do computador, com os medicamentos que terá de tomar e a questão orgânica que enfrentará, o indivíduo alivia-se da responsabilidade de ter adquirido a doença por contingências de sua história de vida. Como um self farmacológico, o indivíduo monitora a doença no cérebro que é vivida por ele, mas também contra ele.

Dos muitos momentos históricos do século oitocentista apresentados por Francisco Ortega (2009) em seu artigo “Elementos para uma história da neuroascese”, fica marcado o entrelaçamento do plano moral e médico, como também o reaparecimento dessas práticas em nosso cotidiano nos livros de autoajuda, com suas propostas de reprogramações de pensamentos negativos para positivos, e na ginástica para o cérebro, denominada neuróbica. Apesar das diferenças nos processos contemporâneos de subjetivação, nesse caso é possível acompanhar certa continuidade histórica. “Trata-se de processo duplo: por um lado, a ciência produz fatos que definem objetivamente quem somos; por outro, os indivíduos formam seus próprios modelos de self a partir dos fatos científicos” (Ortega, 2009, p. 634).

Localização, performance e individuação cerebral: não somente a função original de identificar nos relevos do crânio as faculdades mentais, mas basicamente a invenção de um diagrama de moralização do sujeito. O mapeamento de determinadas formas de agir e pensar encontra ressonância com atividades cerebrais, levando à intervenção não somente em casos diagnosticados, mas também no espaço da pessoa comum. O que se come, a medicação que se toma, a qualidade do sono e do trabalho, os exercícios físicos, o lazer, as relações familiares, esse espaço infindável da micropolítica pode ser esquadrinhado e justificado pelo desempenho cerebral. É um rebatimento direto entre a atividade na vida e a atividade da vida cerebral. No entanto, se um tempo atrás se pensava em uma generalização dos processos cerebrais, atualmente, com os avanços nos estudos em neuroplasticidade, produz-se um discurso de um cérebro único para cada indivíduo. Dentro de uma lógica neoliberal, cada um deve cuidar de seu próprio cérebro em sua individualidade 3 .

São processos de subjetivação diferenciados que se inscrevem no modo de relação entre os indivíduos. O sujeito neuroquímico lida com seus comportamentos e sentimentos na ligação direta com o mundo orgânico dentro de sua cabeça. Intervém na sua conduta pela ingestão química e pelo monitoramento cerebral. O cérebro ganha adjetivos: infantil, jovem, adulto, idoso, violento, esquizo, etc. O cérebro contém modos de existir.

A variável ‘humano’ parece sempre ser o grande problema científico. Desfazer o eu humano para fabricar um eu científico e, nesse caso, um eu biodigital torna-se um dos tipos de produções das ciências do cérebro.

O cérebro é uma agência, diríamos com Deleuze e Guattari (1976). Ele não é um dado natural, mas uma agência que remete o indivíduo à educação, como nos exercícios neurocognitivos; à justiça, como nos casos de avaliações criminais; à saúde, como no uso de psicofármacos ou tratamento de transtornos mentais; à família, que cuida dos vínculos afetivos fortalecendo, assim, as redes neurais da criança. O cérebro é uma agência que conecta o indivíduo a corpos robóticos e digitais, conecta a outras máquinas. É uma agência em rede que faz as ligações da história do indivíduo e da coletividade, da história singular e da espécie.

domingo, 8 de março de 2020

A aniquilação simbólica de inimigos através de diagnósticos

Diagnósticos psiquiátricos tem a função social de aniquilação simbólica de inimigos sociais de organizações sociais com pretensão de hegemonia.

A psiquiatria biológica ou mesmo o campo psi promove ou ao menos reconhece a intolerância social àquilo que é diferente do esperado. A pessoa é considerada doente mental porque é difícil defende-la ou ter alguém disposto a defende-la. Ela é um inimigo social mas não necessariamente de todos mas de alguns grupos sociais com intenção de se tornar o padrão social através da desqualificação de inimigos.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

biopolítica do psicoativo


Carolina Geneyro: " usar um psicoativo para resolver uma descompesación espiritual e / ou do pensamento, é transformar um problema político em um problema técnico. Seu uso põe em destaque o exercício biopolítico que a psiquiatria por intermédio dos psicofármacos leva a cabo "

quarta-feira, 19 de julho de 2017

sobrediagnóstico


"na dúvida sejamos rigorosos. e no fim o médico sempre vai ter razão. dai você entra numa coisa que é o sobrediagnóstico


por excesso de precaução surge uma iatrogenia (dano)

daí surge a prevenção quaternária"

"sejamos destemidos"

"ninguém está autorizado a correr qualquer tipo de risco" (brincadeira)

Autocontrole e biopolítica: a gerência do risco na saúde (Luis David Castiel) 

https://www.youtube.com/watch?v=K7nIoSOn-uQ

medicamentalidade e o lado obscuro da medicalização


certezas, incertezas, ciência, prevenção, medicalização

O combate à Medicalização vai contra toda a tendência de securitização e hiperprevenção.

 Luis David Castiel
 
cabe acrescentar ainda que apesar da separação entre ris-
co e incerteza ser ainda dominante, pode-se considerar que ela
é difícil de ser sustentada. risco e incerteza se embricam: riscos
são incertos, incertezas seguras.
van asselt e vos
25
afirmam
que, no contexto do princípio da precaução, a incerteza é muitas
vezes, implícita ou explicitamente, percebida como algo que po-
de ser erradicada. Ou, pelo menos, reduzida pela pesquisa, pela
monitoração ou, simplesmente, pelo passar do tempo. algumas
incertezas podem ser estimadas, pois resultam de sistemas ou
processos bem conhecidos. porém, muitas incertezas relevan-
tes no contexto do princípio da precaução não podem ser redu-
zidas e muito menos exorcizadas.
O “paradoxo da incerteza” se refere à adoção de uma me-
dida preventiva diante da insuficiência de provas científicas. em
outras palavras, quando o princípio da precaução é utilizado pa-
ra lidar com incertezas, o seu emprego acaba por demonstrar os
limites da ciência em proporcionar evidências “confiáveis” dos
riscos potenciais.
Todavia, sempre que se estabelece uma ação preventiva,
a ciência é chamada a fim de avaliar/avalizar os riscos poten-
ciais.
em suma, trata-se de uma configuração paradoxal: por
um lado, reconhece-se que a ciência não pode trazer as ansia-
das evidências decisivas sobre riscos incertos, enquanto, por
outro, recorre-se à ciência para procurar estabelecer-se algum
nível de certeza. assim, o conhecimento ocupa um lugar alta-
mente paradoxal, se não contraditório, na essência do princípio
da precaução.

 http://www.ihu.unisinos.br/images/stories/cadernos/ideias/188cadernosihuideias.pdf

terça-feira, 31 de março de 2015

Política e medicina

Política e medicina
“O cruzamento entre política e medicina pode ser analisado a partir de duas perspectivas: seja como incorporação da medicina na política, isto é, como absorção das funções da medicina pelo Estado – e então poderíamos falar de uma estatização da medicina e seja como um processo de formação da autoridade medical, mediante o qual o médico adquire, nas relações de poder que atravessam o tecido social, uma posição de destaque, uma autoridade política.
Em uma segunda forma de mobilização da palavra, mais típica de Foucault, o político se refere a toda relação de força presente entre grupos sociais e entre indivíduos em sociedade. Desse modo, em resposta a um interlocutor que lhe questiona a respeito de sua acepção de ‘político’, Foucault responde “que o conjunto das relações de força em uma da sociedade constitui o domínio da política, e que uma política é uma estratégia mais ou menos global que procura coordenar e finalizar essas relações de força. [...] Dizer que ‘tudo é político’ quer dizer essa onipresença das relações de força; mas é dar-se a tarefa ainda apenas esboçada de desembaraçar esse nó”. Estamos aqui diante de um uso particular da palavra ‘política’, em que ‘política’ significa toda organização estratégica, mais ou menos refletida e orientada para objetivos, de relações de força.
Para Foucault, o poder não se localiza em um único ponto, nem se polariza segundo uma única forma de tensão social. Sobretudo, o poder é absolutamente relacional e presente em toda a espessura do corpo social; “o poder é uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade”, não sendo, portanto, propriedade, essência ou privilégio de ninguém, de nenhuma classe.
Problematizar a medicina quer dizer analisá-la a partir das relações de poder. As relações estabelecidas entre seres humanos saudáveis, pacientes, médicos e instituições dos mais diversos tipos, que constituem o poder medical, formam uma trama que se intercala, que atravessa, que muitas vezes coincide com a trama de poderes que cobrem a sociedade. No poder medical, aparecem entrelaçadas as duas mobilizações da ‘política’. O poder medical possui dois vieses. Significa tanto o processo de sedimentação social da autoridade medical, como a estatização da medicina.
Preocupado com essas questões, Foucault ressalta três aspectos da crise atual: o risco medical, a sociedade da norma e o consumo da saúde.
O que está em jogo no risco medical, para Foucault, não é a eventual ignorância dos médicos, mas exatamente aquilo que deriva, ou que pode derivar, do saber medical. Foucault se interessa por aquilo que ele chama de “iatrogenia positiva” (iatrogénie positive), isto é, as doenças decorrentes de práticas medicais regulares, não de erros ou negligências dos médicos. Doenças e males cuja causa é justamente a eficácia da medicina científica, não a sua ineficácia. As atividades humanas, principalmente com o desenvolvimento do capitalismo industrial, têm conseqüências diretas e decisivas sobre a vida e a evolução das espécies vivas do planeta. O que interessa Foucault, nesse momento da conferência do Rio, quando isola o objeto para uma possível bio-história, não concerne os efeitos da atividade humana sobre o todo da vida biológica, mas se limita ao risco medical, resultante dos efeitos do progresso científico da medicina sobre a própria espécie humana.
A bio-história, para Foucault, seria o estudo dos efeitos da ação medical sobre a vida da espécie humana. Esses efeitos são tanto mais relevantes quanto mais abrangente se torna a ação medical.
É justamente a enorme abrangência da ação medical, a medicalização sem limites de nossas sociedades normalizadas, que constitui o segundo aspecto da crise atual da medicina. Podemos falar em um domínio próprio da ação medical? Em princípio, a medicina se limitaria às doenças e às solicitações do paciente doente, às suas dores, a seu mal-estar. A doença e a demanda do paciente deveriam constituir o domínio da medicina. Para Foucault, porém, “não há nenhuma dúvida, a medicina foi muito além”. Para além da solicitação do doente, é a medicina que se impõe a ele, em “ato de autoridade”. A medicina judiciária, os exames medicais no campo do trabalho, os check-ups aconselháveis ou obrigatórios são alguns exemplos do poder medical, cujas funções normalizadoras debordam a demanda do paciente. Para além da doença, a própria saúde se constitui como campo para a intervenção medical.
Definir as normas da saúde e dos comportamentos saudáveis e obrigar os indivíduos a agir em conivência com essas normas tornou-se, para além da simples função terapêutica, uma das grandes atribuições do poder medical. A sociedade passa a se regular, a se ordenar, a se condicionar, de acordo com normas físicas e mentais que são determinadas por processos medicais. Mais do que uma sociedade regida pela lei, para Foucault, a nossa sociedade é regida pela norma e pelos mecanismos, em grande parte medicais, que em seu seio distinguem o normal do anormal. A medicina, segundo Foucault, “começa a não ter domínio que lhe seja exterior”. A medicina atual, por assim dizer, está em todo lugar, tem sempre uma palavra a dizer. A medicina está presente não apenas no hospital, mas em todos os outros aparelhos disciplinares que compõem nossas sociedades e que, por princípio, não são, ou não eram, diretamente do domínio medical: a prisão, a escola, a empresa. Nossas sociedades são sociedades da norma, nas quais critérios não jurídicos, associados principalmente a performances de base fisiológica, estabelecem a repartição entre o normal e o anormal. No domínio medical, que praticamente coincide com todo o domínio do social, tais normas prescrevem comportamentos individuais e os métodos terapêuticos para que os indivíduos se mantenham dentro das normas. Nesse sistema, o poder medical é responsável, por um lado, por estipular as normas, e por outro, por aplicá-las aos indivíduos.
A terceira característica marcante da medicina moderna está relacionada ao fato de que a saúde tornou-se um objeto de consumo. No século XX, organiza-se um enorme mercado da saúde – medicamentos, terapias, centros de recondicionamento físico e mental tornaram-se mercadorias, como quaisquer outras. Mercado para o qual a medicina é o agente e o intermediário mais importante. Passa pelas mãos dos médicos, ou é dirigida por médicos, a aplicação dos volumosos recursos que os orçamentos dos Estado e das famílias dedicam à saúde.
Em um outro lugar, Foucault afirma: “o mundo está evoluindo na direção de um modelo hospitalar, e o governo adquire uma função terapêutica”. Se, por um lado, a função do governo é a de capacitar os indivíduos, pelo aprimoramento disciplinar das sociedades, e fazer deles os instrumentos do desenvolvimento econômico, por outro, o governo tem a função de corrigir os efeitos negativos causados, por esse mesmo desenvolvimento, sobre a vida e a saúde dos indivíduos."
Leon Farhi Neto: "BIOPOLÍTICA EM FOUCAULT". (Dissertação submetida ao corpo docente do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Filosofia. Mestrado em Ética e Filosofia Política Orientador: Prof. Dr. Selvino José Assmann). Florianópolis, 2007.