Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/
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terça-feira, 27 de agosto de 2024

Escala de entendimento de atores da saúde mental

Existe uma escala hierárquica (nível de mensuração ordinal) de rótulos de capacidade de entendimento para cada tipo de ator na saúde mental:

O médico tem um entendimento muito superior e inacessível.

O psicólogo e outros profissionais de saúde tem um entendimento aceitável quando atuam como paramédicos (apoiadores do médico) e quando estão de acordo com o entendimento da sociedade.

O familiar confia, obedece, se conforma e segue tradições. Está de acordo com a sociedade.

O paciente/usuário tem um entendimento muito inferior (conceito manicomial) e seu posicionamento frente aos outros três atores é hierarquizado como discurso com baixo valor de validade.


domingo, 12 de março de 2023

Trabalho e dependência (Relação patrono-dependente no Brasil)

Relação patrono-dependente no Brasil

B. Hutchinson. 1966. The Patron-Dependent Relationship in Brazil, In sociologia ruralis, vol. 6, nº1

Temos prestado menos atenção ao principal obstáculo social à mudança em regiões subdesenvolvidas: a desvantagem de um ethos social hostil a ele. O progresso econômico é menos provável em uma sociedade cuja princípios religiosos negam todo valor ao ganho material e às coisas deste mundo.

Max Weber argumentou há muito tempo que a mera disponibilidade de capital, mão de obra e capacidade técnica por si só não explica nem induz o progresso econômico. e o próprio estudo de Banfield mostra como o bem-estar econômico de uma comunidade podem ser prejudicados por crenças amplamente difundidas e valores inconsistentes com maior prosperidade. No presente trabalho, portanto, desejamos a atenção para uma série de fenômenos observáveis na vida brasileira, que juntos chamamos de relação patrono-dependente, que, de maneira um tanto semelhante, atuaram como um freio no desenvolvimento da economia.

Em particular, talvez na crença errônea de que sua discussão causa dor e constrangimento para aqueles sobre os quais a mística protestante do trabalho não interferiu, poucas tentativas sérias foram feitas para avaliar o significado e a função dessa falta de entusiasmo pelo “trabalho” que tanto caracteriza a vida em muitos países subdesenvolvidos. Sintomáticos de sua abordagem basicamente puritana, esses comentaristas que comentaram sobre isso ofereceram apenas razões de dieta, medicamentos e climáticas para baixa produtividade. Parece que não ocorreu para eles que uma explicação menos determinista também é possível: menos ainda que uma aversão ao trabalho, ou preferência pelo lazer, pode ter uma respeitável origem sociológica. Essa diferença de atitude em relação a trabalhar é particularmente relevante para a relação patrono-dependente estamos prestes a descrever. Portanto, vale ressaltar que o Brasileiro, como o russo do século XIX (Cf. Goncharov, 1932; Maynard, 1942), tem pouco amor ao “trabalho pelo trabalho”.

“Eles se entregam em grande parte ao jogo de cartas, e às vezes via pessoas que dia e noite não faziam mais nada… essa a inatividade estende-se relativamente aos escravos...” (Pohl, 191I, p. 14). Três quartos de século depois, um francês, Max Leclerc, pensou o traço mais marcante do caráter brasileiro ser “sem dúvida indolência; indolência ou fatalismo” (Leclerc, 1942, p. 50).

Medina (1964, p. 74-71) chama a atenção para um conflito de valores sofrido pelo migrante rural para as grandes cidades do Brasil, onde no local da vida tradicional do biscateiro trabalhando apenas para satisfazer seu desejo e necessidade pessoal, surgiu a nova rigidez de uma empresa industrial e comercial comprando parte do tempo do homem medido pelo relógio. Pelos de origem rural – e não raramente por aqueles que não são - isso é sentido como uma sensação desagradável perder um paraíso de liberdade, de amizade entre trabalhador e patrão que, impregnando o Brasil de um passado não distante, ainda marca o padrão de grande parte da vida contemporânea no interior do país, complementada por uma falta de ambição e iniciativa econômica que imediatamente surpreende o visitante de outra sociedade. Mesmo nas maiores cidades há artesãos e comerciantes que não procuram encomendas, negligenciando possibilidades de expansão, em geral ignorando oportunidades que se apresentam. Nas áreas rurais essas tendências são acentuadas. Os caboclos (camponeses) de Santa Catarina “trabalham apenas o mínimo necessário para viver o dia a dia. Economia ou poupança são desconhecidos. A terra fornece facilmente tudo o que eles precisam e eles não sabem nada sobre trabalho árduo para obter as necessidades. Suas casas e aldeias estão em contraste desolado com as prósperas habitações próximas das colônias alemãs. Cabanas miseráveis, um mínimo de plantio, sem estradas, sem pontes sobre os rios, toda a população afundada na inatividade” (Queiroz, 1957, p. 81). Elaborando essa aversão geral por mais do que um mínimo irredutível de trabalho, há outras distinções separando atividades “apropriadas” de “inapropriadas”. O baixo prestígio do trabalho manual de qualquer natureza, embora não peculiar ao Brasil nem a qualquer parte particular dele, é por muitos levado mais longe. Para aqueles a quem o trabalho de escritório ou outro é aberto, distinções entre ocupações que são, ou não, “adequadas para um homem”, excluem especialmente (pelo menos entre os cabochões de Santa Catarina) todo “trabalho”; e por “trabalho” entende-se agricultura, artesanato e indústria doméstica. O sertanejo, portanto, busca (Queiroz, 1957, pág. 81) minimizar a quantidade de tempo que ele dedica ao “trabalho” a fim de seguir atividades mais estimadas.

Dessas atividades, o lazer é talvez o mais favorecido. Mas o comércio, especialmente o comércio independente do lojista, é outra, embora sonho cuja realização está ao alcance de poucos. Muitos migrantes rurais para as cidades, de fato, aceitam o papel pesado do operário fabril apenas porque pode fornecer os meios financeiros para se estabelecer em sua própria localidade, a loja no interior em que há muito pensam (Lopes, 1960). Mas, embora ansiosamente procurado, é digno de nota que a atitude em relação a esta fonte de subsistência difere da Europa e os Estados Unidos. “Nenhum dos lojistas acha que a expansão é o requisito do sucesso. A ideia de crescer e colocar meia dúzia de concorrentes fora do mercado dificilmente é dada a pensamento. Cada homem quer um lugar para sua loja em sua casa, quer seus clientes regulares e seu lazer; ser dono de uma loja é concebido como o fim de uma luta e não como o seu começo” (Harris, 1916, p. 73-74).

Antônio Candido (1964, p. 63-64) chama a atenção para a importância da “margem do lazer” na organização da economia e vida social caipira. Ele também nos lembra que o trabalho árduo e regular em uma país onde a abolição ainda está na memória de alguns ainda vivos, está inevitavelmente associado à escravidão; e se com escravidão, então com degradação.

Em grandes regiões do país a produção de subsistência dominou, e ainda domina, a economia rural; e as necessidades da população, portanto, eram limitadas ao seu próprio consumo. A terra virgem dos colonos era fértil, e mais estava disponível quando finalmente se exauriu. Dado seu padrão de vida, esforço persistente, longas jornadas de trabalho, a busca por novos métodos, por novas ferramentas, eram desnecessárias. Então não apenas o trabalho era social e psicologicamente indesejável; em condições normais vezes não servia a nenhum propósito útil na ausência de qualquer comércio de produtos agrícolas. Essa combinação de fatores foi reforçada em muitas regiões e em muitos períodos pela insegurança de estabilidade no trabalho. Mas do lado positivo, argumenta Cândido, a margem de lazer na vida rural facilitavam uma série de atividades, algumas delas, como como caça ou pesca, combinando utilidade com entretenimento; outras, como festas religiosas, servindo para mobilizar as relações sociais nos bairros cujos habitantes viviam em isolamento parcial. “A falta de ambição deve ser interpretada como uma forma de indicar que o trabalho não é necessário no universo relativamente homogêneo e fechado de uma cultura rústica em um vasto território” (Cândido, 1964, p. 66).

Outros ambientes ofereciam outros motivos para atribuir baixa estima ao trabalho e ao esforço pessoal. Uma grande população escrava e seus descendentes sentiram por ele a mesma aversão que caracterizou o escravo ao longo da história. Seus proprietários, a aristocracia rural e os fazendeiros, opôs-se ao trabalho, não só pela sua associação em suas mentes com degradação, mas porque eles sentiram que seu o status dependia em parte da ociosidade manifesta. A tradição peninsular de nobreza e do fidalgo, transferida para o Brasil e murchando lentamente, sobreviveu até hoje. Uma classe média em crescimento apenas recentemente começou a substituir seu próprio modo de vida de uma imitação da aristocracia que haviam seguido por tanto tempo, na qual a ociosidade desempenhou um grande papel. A preferência portuguesa pelo comércio em vez da indústria e a manufatura, persistindo no Brasil, conduziram à mesma desconfiança do esforço físico excessivo - que, de qualquer forma, ao longo de grandes partes do país, parecia inapropriado para um clima quente e húmido.

Não precisamos, embora isso apresente poucas dificuldades, multiplicar as evidências da existência no Brasil de uma atitude em relação ao “trabalho” que geralmente não associamos a grande progresso material. O lazer é apreciado; trabalho não é. O difícil e persistente trabalhador, em consequência, não goza de amplo reconhecimento ou prestígio - ambos procurados por outros meios - mas provavelmente ser considerado equivocado, antipático e cego para o verdadeiro propósito de viver (no vernáculo, um chato) - testemunhe os sentimentos equívocos evocados pelo habitante do Rio de Janeiro em relação ao trabalho duro do paulista de São Paulo. Mas o observador que descarta esse complexo de crenças como “preguiça”, que se permite, mesmo inconscientemente, pensar nisso como, de alguma forma, uma falha em cumprir seu próprio padrão ético, nega a si mesmo uma chave importante para a análise da sociedade brasileira e a compreensão dos obstáculos cruciais que impedem o desenvolvimento econômico do país. Para a atitude para com o trabalho, temos brevemente exemplificado suas ramificações em toda a organização social brasileira. Se o esforço pessoal e a salvação econômica individual não forem os meios aceitos de controlar um ambiente hostil, outra coisa igualmente capaz de tornar a insegurança da vida mais receptiva deve ter sido substituído por eles. Entre tantos substitutos racionais possíveis, o Brasil selecionou o relacionamento patrono-dependente, para cuja descrição e discussão nos voltamos agora.

A mínima importância que o brasileiro dá ao trabalho e esforço pessoal está aberto para ele porque ele sabe, ou acredita, que no último extremo do infortúnio, e talvez antes, ele pode buscar os cuidados de outros, de protetores que costumam ser seus superiores em poder, influência e recursos econômicos. Uma compreensão da hierarquia de poder no Brasil é, portanto, de mais do que significância ordinária ao observador, quanto ao próprio brasileiro.

Logo que se no Brasil como na Europa Medieval podemos dizer com Pirenne que a democracia não é mais do que “a democracia dos privilegiados”, a aptidão da frase surge da crença do brasileiro de que os privilégios de poucos constituem um recurso no qual todos, em momentos de dificuldade, podem esperar compartilhar - uma crença que vai longe para explicar a relativa ausência de inveja entre classes e ressentimento no país.

Contrastando fortemente com o ensino protestante enfatizando a autossuficiência e a orientação da consciência individual, o catolicismo popular pressupõe assim o desamparo da humanidade em face aos problemas que constantemente a afligem. Procurar um protetor é uma resposta lógica a tal suposição; quanto mais perto os poderes do patrono se aproximam da onipotência, melhor para o suplicante. Ainda a relação com o Divino, essa fonte de punição e também como benefício, não é direta. Procuram-se patronos intermediários que irão interceder com Ele em nome de alguém, discutir o caso de alguém, até mesmo trazer pressão para exercer sobre o Todo-Poderoso. Integridade moral ou devoção religiosa pessoal por parte do suplicante tem pouca influência sobre o sucesso ou fracasso de seu pedido de assistência divina: este depende da habilidade e interesse do intermediário santo ou divino. Existe um provérbio brasileiro, é verdade, que é verbalmente equivalente com o inglês “Deus ajuda aqueles que se ajudam”, mas, sendo a intenção da frase diferente, seu verdadeiro interesse reside na expectativa de assistência divina em vez de (como é a intenção inglesa) uma identificação do esforço pessoal com o serviço aos fins de Deus. A visão do brasileiro sem instrução que faz o sucesso em qualquer empreendimento, por mais rudimentar que seja, depende da aprovação de um patrono divino ou secular, é melhor expressa pela frase onipresente, "...se Deus quiser", ou, "...se Deus for servido".

A família patriarcal, composta por seu chefe, vários casais casados subordinados, mais aparentados, e seus filhos, em tais circunstâncias oferece uma força e uma frente unida ao mundo que a pequena família, ou o indivíduo, não pode apresentar. No engenho rural das regiões açucareiras, as fazendas e currais das regiões agrícolas e pastoril, mesmo nas próprias cidades, o chefe de família presidiu, portanto, um grande número de parentes próximos e distantes. Em troca de uma segurança física e econômica de outra forma difícil se não impossíveis de alcançar, eles submeteram suas vidas à sua orientação e controle final.

Independência real, exceto para a aristocracia rural e a rica classe mercantil das cidades, não era para a massa da população um objetivo prático. A generalidade da população rural era completamente dependente economicamente, politicamente, socialmente (e mesmo medicamente) sobre os grandes proprietários de terras. Defesa contra a tirania de chefes políticos locais era completamente impossível (Queiroz, 1917, pág. 228, 232), e um homem que não tinha patrocínio, que falhou em recrutar-se para algum latifundiário, foi então, e em muitas partes permanecem, em uma posição nada invejável. Consequentemente, à dependência forçada da escravidão foi adicionado no Brasil a voluntária mas prudente dependência do homem livre.

Dentro do sistema geral, as famílias de classe baixa dependentes do proprietário de terras, o político e o homem rico, eles próprios seguiram a forma patriarcal doméstica, em que o semidespotismo paterno (Freyre, 1961, vol. Eu, pág. 70 e ss.) mesmo entre os pobres, e apesar de uma tendência a instabilidade conjugal, uniu-se ao cuidado de parentes dependentes.

Dentro do lar mais pobre, a posição do pai era, e continua sendo, dominante. Em um mundo hostil ele é o representante da família e protetor, exigindo subserviência daqueles sob seus cuidados. O casa do pobre é em escala reduzida uma réplica do sobrado do proprietário de terras. Abrigo é estendido a parentes de fora dos limites da família nuclear, avós e tias solteiras encontrando um lugar que, na maioria das sociedades ocidentais, agora lhes é negado. Gilberto Freyre mostrou que, na educação dos filhos, a família brasileira nunca deu grande ênfase ao treinamento para a independência, por isso dificilmente poderia se sustentar enquanto o patriarcalismo persistisse. Um estudo psicológico recente (Rosen, 1962) sugere que o antigo padrão do domínio paterno não está de forma alguma no fim, mesmo nas cidades, onde em vez de um incentivo à autoconfiança surgiu “uma dependência excessiva” dos pais e uma evitação de ambição e competição que podem ser interpretadas em casa como ameaça à posição do pai. Se Rosen estiver certo, parece claro que uma dependência que surgiu inicialmente como resultado de fatores externos sociais e forças econômicas podem ter sua sobrevivência assegurada pela aprovação dos pais de comportamento dependente em seus filhos.

Sugerir que a instituição do compadrio surgiu de tal fatores psicológicos é provavelmente um exagero. Há pouco a duvidar, por outro lado, que o compadrio como forma de precaução contra o infortúnio futuro recebe um mais do que uma simpática recepção comum em uma sociedade que dá pouco valor à autoconfiança; Nem podemos duvidarmos que o seu funcionamento tenha o efeito de reforçar uma atitude de dependência que outras forças já introduziram. Na ausência de serviços de bem-estar do estado, havia uma necessidade objetiva de alguma forma de seguro de grupo contra o infortúnio: mesmo hoje a instituição não está sem seus usos. Compadrio (claro que não é um instituição peculiarmente brasileira) tem sua origem no desejo entre os pobres e desprivilegiados por uma forma de segurança, e sua fonte no desenvolvimento mediterrâneo da relação padrinho-afilhado.

No Brasil, como na Espanha (Pitt-Rivers, 19j4, p. 107ss.), essa relação foi ao mesmo tempo de um significado muito considerável. Foi, e em partes permanece, uma relação que talvez porque assumida voluntariamente pelo padrinho, persiste quando outros relacionamentos, mesmo os de sangue, podem ter começado a enfraquecer. A notável firmeza de compadrio, o grau em que o padrinho pode ser dependente em caso de emergência, se não também nos problemas rotineiros da vida, constitui sua principal virtude para aqueles para quem a segurança não é fácil de encontrar. Para que o padrinho tem o dever de assumir o papel de pai do afilhado quando necessário; e embora isso permaneça desnecessário, há problemas em assuntos do dia-a-dia em que ele dá sua assistência em troca da ajuda de apoio do seu afilhado, lealdade e assistência material (por exemplo na terra do padrinho) quando chamado. Não se deve supor que compadrio era útil apenas naqueles momentos de emergência quando a ajuda é mais do que normalmente necessário, nem que um padrinho fosse procurado apenas quando tais emergências pareciam particularmente prováveis de ocorrer. É uma forma de seguro contra infortúnios futuros desconhecidos que muitos pais ainda sintam a obrigação de sustentar seus filhos. Em comunidades menores, portanto, a rede de patronos e dependentes e as conexões decorrentes do compadrio tornam-se extremamente complexas.

Resumindo, ele era um espécie de divindade leiga de quem o mais humilde poderia esperar, em troca de uma lealdade política sobre a qual repousava em grande parte o poder do coronel, benefícios que não puderam ou não quiseram obter por meio de seus próprios esforços. Onde existia um coronel, o homem comum desejava e por prudência sentiu a necessidade de colocar-se sob sua proteção. Muito do conforto do cotidiano do trabalhador rural poder depender disso; sua segurança em extrema emergência inteiramente. Portanto, é fácil ver como uma tendência à dependência já estabelecida como resultado da operação de outras forças seria redobrada em tais circunstâncias até se tornar uma atitude normal entre a massa do povo.

Ao chamar a atenção para o anseio pela dependência do patrono protetor evidente na vida brasileira, não devemos ignorar ou minimizar demais os efeitos de uma insegurança real e generalizada trazendo isso à tona. Suas formas são muitas e difundidas: o medo da agressão física violência, da pobreza, da doença, da falta de moradia, de terra, de emprego. A estes e outros do mesmo gênero deve ser acrescentado um multiplicidade de perigos sobrenaturais cuja gravidade parece ser aumentada em vez de diminuída pela adesão à Igreja ou a tais cultos como Umbanda ou Candomblé. Agricultura dependente, o papel do grande latifundiário, compadrio, movimentos messiânicos, ligas camponesas e semelhantes, devem ser entendidas como sendo em grande parte adaptações a uma ambiente inseguro pelos dependentes; enquanto por parte do patrono, eles constituem a base sobre a qual ele constrói sua política e poder econômico. Mas se esconder perpetuamente na sombra dos poderosos, buscar proteção fatalisticamente, falhar na autoconfiança (assumindo que o ambiente torna a alternativa uma possibilidade) condiciona naturalmente o clima mental em que o todo da vida é buscado. Confiando mais nas circunstâncias do que em si mesmos, esta clientela rusticorum impôs ao Brasil um padrão restritivo de pensamento do qual o país só agora, talvez, começa a libertar-se.

A partir dessa generalização nós devemos, talvez, fazer uma exceção da prestação de assistência em ocasiões de urgência especial; ainda falta ao Brasil uma tradição tanto de cooperação e de preocupação com o bem-estar público, distinto do privado. Ao movimento cooperativo não faltaram discípulos entre a intelectualidade e em alguns setores do governo. Tentativas de organizar cooperativas rurais têm sido bastante numerosas; mas as principais exceções à falha unânime foram aquelas estabelecidas entre ou dominados por imigrantes estrangeiros, notadamente os japoneses. “Estas formas de solidariedade voluntária, de solidariedade espontânea e livre cooperação”, comenta Vianna (1938, p. 217), “só aparecem entre nós sob a ação de grande entusiasmo coletivo - eles nunca emergem friamente como fazem entre os anglo-saxões... Se organizados, eles logo se dissolvem, seja por desarmonia interior, seja por esquecimento dos fins para os quais foram fundados. Em outras ocasiões nunca vão além de propostas que, uma vez lançadas, silenciosamente se dispersam e são esquecidas - o que sugere a ausência de um base psicológica adequada para isso entre as pessoas. Normalmente o círculo de nossa simpatia não vai além da solidariedade do clã. É a única forma de solidariedade social que realmente sentimos, que realmente praticamos”.

A inconsistência entre os dois modos de comportamento e perspectiva que temos descrito é apenas superficial. Por um lado, notamos algumas das raízes de uma dependência que não é que não lembra o feudalismo, e o desejo generalizado no Brasil de adotá-lo. No entanto, a adoção de uma postura dependente tem sido acompanhada (como vimos) nem por uma tendência ao esforço cooperativo, nem pela submersão do indivíduo. Os objetivos gêmeos de dependência e independência não são consideradas no Brasil como incompatíveis; pelo contrário, o primeiro é, em certo sentido, apenas um meio de promover o segundo. Considera-se que a violação da independência é mais provável ser experimentado por um homem exposto a um ambiente sem patrono, do que por um homem que pode contar com os outros em emergências. Em outras palavras, uma dependência limitada em certos aspectos da vida é bem-vinda em parte porque permite a expressão da independência em outros aspectos, como um homem pode ser dependente, em outra sociedade, de seu gerente de banco para um cheque especial que ele, no entanto, utiliza para promover seus interesses pessoais. O patrono, seja profano ou sobrenatural, por uma certa consideração mantém o lobo longe da porta enquanto os internos continuam com seus próprios negócios. Portanto, estar em dívida com a intervenção de um patrono para o emprego de alguém não é considerado inconsistente com a afirmação de independência por chegar tarde ao trabalho, ou faltar, se o humor no dia ditar. Reivindicações comparativamente raras de um patrono sobre a lealdade de seus clientes (como, por exemplo, ao exercer o voto em seu favor) constituem um pequeno preço a pagar pelas vantagens do sistema. Assim, as várias formas de dependência que mencionamos - sobre o sagrado, o divino e o sobrenatural; sobre o proprietário da terra e o chefe político; sobre parentes de sangue e padrinhos - são projetados para fins específicos, mesmo oportunistas. Medina (1964, pág. 92, 94) ao falar das pessoas das favelas urbanas e “suas tendência a manter-se em posição de subordinação para aguardo da palavra do rei, do senhor”, explicada em termos de falta de responsabilidade cívica que tem sido social e economicamente condicionada. Nos termos em que Medina o oferece, esta é uma explicação aplicável apenas aos pobres e desprivilegiados. “Eles olham para o governo como o Salvador”, ele continua, “Eles dão suporte aos líderes que têm conexões e o apoio do Executivo [...] desejando uma saída imediata para seus problemas eles se entregam passivamente aos detentores do poder”. Mas queremos sugerir aqui que atitudes semelhantes florescem em todas as classes, e de fato constituem uma mola mestra fornecendo o motivo poder por trás de grande parte do desenvolvimento social e econômico brasileiro, não para mencionar a vida política.

Harris (1956, p. 183) observa que as pessoas da cidade de Minas Velha atribuíam aos governos estadual e federal o mesmo poder de outorgar riqueza e prosperidade à maneira de um filantropo imprevisível. Mas é claro que a natureza dos benefícios esperados difere de um classe social para outra. Se o Estado é considerado por muitos como o superpatrono, os pobres buscarão dele, por meio de intermediários influentes, a provisão direta de uma cama em um hospital, uma vaga em uma escola primária ou uma fonte de água. Outros procuram emprego no governo, e isso é particularmente o campo em que as classes médias esperam receber benefícios através da intervenção de seus patronos. No Brasil o serviço público é tradicionalmente um meio de pagar dívidas pessoais e garantir dependentes; e se isso às vezes parece inconsistente com eficiência de administração, esta última é considerada secundária, embora seja uma função importante, subordinada à primeira.

Esses e inúmeros outros hábitos da vida brasileira podem ser descritos como “corrupção” apenas por negligenciar seu significado social contextual. Não existe uma forma saudável da qual essas sejam versões doentes nem nos casos em que consideramos que o suborno monetário desempenha um papel significativo, por mais importante que seja em outras circunstâncias. Eles devem ser interpretados antes como em conjunto formando uma característica independente da organização social, algumas cujas origens descrevemos e cujo propósito é a manutenção de uma relação patrono-cliente que é essencial para o bom funcionamento da sociedade tradicional brasileira. Em conseqüência, vemos em nossos tempos uma extensão do princípio da dependência ao campo da política urbana, o candidato à eleição ganhando popularidade apoio em troca de favores pessoais e de grupo em seu eleitorado (nas áreas rurais, a direção da votação é regida por considerações de regras ligeiramente diferentes, mas especialmente a dependência do proprietário local). De uma forma um tanto modificada, o carreirista urbano pode utilizar uma conexão informal ou igrejinha, composta por apoiadores e conselheiros, muitos deles dependentes do carreirista para a promoção de suas ambições pessoais. É aqui que a forma tradicional da família rural e organização de parentesco reaparece como uma auxílio ao sucesso urbano. Pois além de apelar para a ajuda do amigo influente (Pistolão), aqueles que buscam promoção, seja político e social (no caso dos abastados) ou basicamente econômica (no caso das classes menos abastadas em busca de emprego), todas fazem uso sempre que possível de seus parentes. Entre os migrantes rurais para as cidades isso é estendido para incluir compatriotas da mesmo terra ou região que eles mesmos. Leeds (1964) ao discutir a questão da construção da carreira brasileira, ao passo que subestima o importância dos parentes distantes na rede de ajuda mútua e obrigação, faz bem em enfatizar o significado prático para o brasileiro de um conhecimento abrangente dos nomes e paradeiro de seu parentes e amigos. Uma vez que a maioria das sociedades utiliza os mesmos recursos para o avanço, há pouca coisa que pareça estranha ao leitor em tudo isso. O que é notável, no entanto, são os extensão em que que tais métodos são tomados, juntamente com a suposição implícita de que esforço pessoal ou “valor” intrínseco não são para o homem ambicioso nem suficiente nem relevante. Dada a atitude em relação ao trabalho, que tocamos anteriormente neste artigo, a mesma suposição recebe suporte de outras fontes. Mas é interessante que a partir desta reformulação urbana de um hábito de espírito essencialmente rural pode muito bem surgir um conflito cuja resolução (em São Paulo isso já pode estar ocorrendo) em última análise, criar uma nova orientação para a ambição econômica e social. O sistema de cliente e patrono que floresceu tão prontamente em um ambiente de agricultura, política e governo dependente, pode não achar fácil sobreviver diante das demandas um tanto diferentes de desenvolvimento da indústria e reforma agrária; e é provável que o sistema tem sido um dos mais importantes obstáculos ao desenvolvimento industrial e mudança agrária no Brasil.

Será lembrado que começamos com a sugestão de que o relacionamento de dependência pode ser interpretado como um ajuste a situações que algumas outras sociedades dão conta por iniciativa pessoal e individual. Se o "trabalho" tivesse uma acolhida mais positiva entre a população brasileira do que antes, pareceria provável que a dependência não floresceria no grau que descrevemos. Mas a atitude brasileira em relação ao trabalho regular e persistente diferiu basicamente daquela encorajada pelo ensinamento protestante de outras sociedades.

No entanto, se o trabalho árduo e o esforço pessoal fossem por várias razões colocadas fora do tribunal, ou quase, o ambiente natural e até certo ponto o ambiente social permaneceu hostil no Brasil como em outros lugares. A insegurança era generalizada e inevitável. Enquanto em outras sociedades a resposta a tal desafio poderia ter sido esforço pessoal aumentado, poupança e formas rudimentares de bem-estar social, no Brasil a tendência tem sido olhar para a relação patrono-cliente como o salvador em emergências. Porque a massa da população, pela operação de mera aritmética, eram clientes em vez de patronos, o tom da vida brasileira tornou-se, e permaneceu, de dependência, olhando para os outros em busca de orientação, ajuda e proteção. Outros fatores já presentes no Brasil estimulavam a dependência, ou eram facilmente compatível com a mesma, e fez parecer natural, principalmente entre, talvez, a crença religiosa, a fé católica, ela própria organizada internamente com base na relação patrono-cliente, estimulada entre seu rebanho. Cultos afro-brasileiros, com suas magias e ritos semimágicos, fizeram o mesmo. Havia também tradições de dependência que fluiu para o Brasil de Portugal e mais na história, notadamente de Roma e seu sistema de patrocinium, ambos particularmente característico das áreas rurais. Não é surpreendente, portanto, que o surgimento de um sistema semelhante no Brasil encontrou o solo psicológico e tradicional já preparado para sua recepção.

Outro fator contribui para uma sensação geral de insegurança. A sociedade brasileira é em um sentido importante individualista, se não anárquica. Cada homem olha para seus próprios interesses, não para os dos outros, exceto na medida em que estes fazem parte de sua família, ou são pessoas para quem o relacionamento patrono-dependente opera. Uma “consciência” social, na sua forma moderna em grande parte um subproduto da Reforma [Protestante?], está no Brasil emergindo apenas hesitantemente. Problemas como desnutrição, pobreza, problemas de saúde, desemprego, só agora começam a ser interpretados como problemas éticos pelos quais a sociedade como um todo tem a responsabilidade de encontrar soluções. Em grande parte, eles permanecem, e até muito recentemente eram considerados, quase unanimemente, como problemas privados daqueles que sofriam com eles, o espectador sentindo pouca ou nenhuma obrigação, ética ou social, de ajudar um infeliz anônimo. De fato, o fracasso de cooperativas agrícolas e outras, a que nos referimos anteriormente, pode ser atribuída em parte a uma falta de interesse na sorte de um desconhecido não relacionado. Mas se o infeliz não pode buscar na sociedade assistência, ele deve tomar outras providências para se assegurar. Nós descrevemos aqui algumas das maneiras pelas quais isso foi alcançado através a extensão da fidelidade familiar e a busca de um patrono.

A sociedade brasileira, então, não é apenas aquela em que o esforço individual é indesejável em si, mas é organizado, dentro dos limites de um padrão de vida aceito por seus membros, de forma a torná-lo desnecessário. Ou seja, na medida em que o brasileiro prefere uma forma de vida sem ambição, calma e sem perturbações indevidas, a relação patrono-cliente, pelo menos na sua forma ideal, ajuda a fornecê-lo. Mas não é um sistema com o qual o rápido desenvolvimento econômico no padrão europeu ou norte-americano é facilmente compatível. Portanto, descobrimos que muitos dos avanços em técnica e produtividade na agricultura (e em grande medida também na indústria) que tomaram lugar nas últimas décadas, foram feitas por ou por instigação do imigrante estrangeiro e seus descendentes. Pois são pessoas que carecem da tradição do sistema de patrono-dependente ou, embora tendo tal tradição, têm pouca oportunidade de utilizá-la em um sociedade à qual são estranhos. Jogados, portanto, por conta própria, eles alcançam um sucesso econômico negado ou mesmo não desejado pelo nativo brasileiro.

Se, então, a relação patrono-dependente é tão onipresente e significativa como estamos sugerindo, o problema do desenvolvimento da economia brasileira deve necessariamente ser visto sob uma nova luz. Fica claro que uma instituição tão fundamental, apoiada como é por características básicas da interpretação brasileira da vida, não pode ser ignorada nem imediatamente destruída pelo reformador. Por outro lado, o patrocínio não pode sobreviver por muito tempo lado a lado com o crescimento da racionalização industrial. A indústria brasileira, especialmente entre as empresas de origem e direção estrangeiras, já prefere, por considerações de eficiência, recrutar o seu pessoal de uma forma mais impessoal, embora ao nível inferior do trabalhador não qualificado e semiqualificado, amizade, contatos e o pistolão, todos permanecem significativos. A extensão gradual desta atitude nas grandes cidades pode muito bem soar como o sino de finados do sistema de dependência na vida econômica urbana; mas é provável que permaneça moribundo ainda por um período considerável. Um crescimento simultâneo de serviços previdenciários estatais, com consequente redução de insegurança, teria o efeito de retirar do antigo sistema muito de sua razão de ser original - a menos que a intervenção de um patrono torne-se então necessário para superar os atrasos burocráticos na concessão benefícios (isso já está acontecendo). Pode ser possível, portanto, deixar a modificação urbana do sistema de dependência tradicional para pressões graduais, mas inevitáveis, da indústria racionalizada, e a emergência igualmente inevitável de um estado de bem-estar. A primeira, porém, não tem relevância na vida rural, e a segunda incidirá menos rapidamente e com menos força sobre o camponês. A relação patrono-dependente, em combinação com a falta de ambição econômica, parece mais firmemente arraigada entre a população do que em outros lugares. Se estivermos certos em supor que essas forças terem estado entre os principais entraves ao desenvolvimento econômico e rural, o reformador pode sentir que sua primeira tarefa é a diminuição imediata, se não a destruição final, do poder deles. Isso não parece sábio, nem terá probabilidade de sucesso. Consequentemente, ficamos com o velho dilema do pretenso inovador: qual a melhor forma de superar as forças da inércia sem ao mesmo tempo destruir as bases da sociedade. A natureza deste dilema, o resultado inesperado e indesejado de falhar em sua resolução, têm sido por muito tempo um lugar-comum de discussão antropológica (Cf. Smith, EW, 1927; Brown, G. & A. Hutt, 1935). No presente caso a solução para o reformador rural é provavelmente o mesmo: recrutar as forças sociais existentes para apoiar a mudança. Especificamente, ele deve usar o relacionamento patrono-dependente como forma de introduzir novidades agrárias. Ou, quer dizer, inovações devem chegar ao povo com total apoio e exortação do patrono tradicional; ou o próprio reformador deve organizar assuntos em que ele aparece como, e desempenha o papel de, um novo e patrono poderoso a quem os camponeses podem recorrer com confiança para ajuda, aconselhamento e assistência em caso de emergência.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Trajetória do paciente psiquiátrico

Um novo paciente psiquiátrico ou sua família costumam ser ingênuos na temática saúde mental. Então a primeira resposta a uma dificuldade é consultar um psiquiatra, o profissional central na área de saúde mental.

Como não é necessário quase nenhum entendimento ou aprendizagem para aplicar o tratamento psiquiátrico o passo seguinte é confiar no médico cegamente e seguir a prescrição.

O próximo passo é voltar periodicamente para ajustar o/s principio/s ativo/s e a dose. O paciente passa vários anos fazendo ajustes. Agora se considera muito doente porque os remedios não resolvem sua dificuldade.

Depois de vários anos de tratamento com psicofarmacos, eventualmente consegue por algum motivo uma evolução de sua condição de vida. Agora, os remédios que levaram vários anos para funcionar estão "funcionando" pois sua vida atingiu uma condição estável. Agora é o momento de prevenir recaídas aplicando seu tratamento para a vida toda. Se o paciente psiquiátrico discordar, passa a ser um paciente não obediente e será internado involuntariamente para garantir sua segurança e das pessoas à sua volta. O paciente agora teve uma regressão de seu prognóstico que já era de paciente crônico.

Nesse momento o paciente percebe que passa a ser visto como um inimigo, um risco social. Um paciente sem senso crítico de sua doença mental. Pode ser o momento logo após começar a se esclarecer sobre questões de saúde mental de forma mais crítica. Se aprender sobre ciência, percebe que seu médico tem poder simbólico concedido pela sociedade para falar em nome da "Ciência".

Agora a única maneira de ter alta psiquiátrica será conseguir ser produtivo economicamente. Dependendo de sua exposição social como paciente psiquiátrico pode perceber uma barreira social para conseguir trabalho. O médico que falava em doença incapacitante, tem sua expectativa confirmada.

Agora é o momento final e provável da aposentadoria por invalidez.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Manicomial e antimanicomial: desastres e acertos

A perspectiva ou tratamento manicomial aproveita ou lucra com tudo que dá errado na saúde mental, com seus tratamentos simples de aplicar. Enquanto a perspectiva antimanicomial ou desmedicalizadora precisa fazer muita coisa dar certo e alguns aspectos não superados podem empacar o processo de recuperação. Por isso, não é apenas o poder do complexo médico-industrial a dificuldade principal, mas também a natureza da tarefa de cada perspectiva.

sábado, 10 de setembro de 2022

Ex-usuários e viabilidade Reforma psiquiátrica

Conseguir demonstrar a viabilidade de ex-usuários da psiquiatria contribuiria bastante para provar a viabilidade da reforma psiquiátrica pois mostraria que a determinação a partir de nível molecular inferior e subordinação social ao paradigma molecular ou reducionismo ontológico é falsa no fundamento e na implicação de que o limite biológico não permitiria intervenção em outras formas de determinação. O paradigma molecular ou reducionismo ontológico contém a implicação de que não há capacidade para liberdade e para cidadania (acesso a direitos sociais e civis) sem o tratamento do nível molecular.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Conhecimento médico e conhecimento do usuário


Doutor: "Não confunda sua busca no Google com meus 6 anos de curso de medicina".


Paciente: "Não confunda a aula de 1 hora que você teve sobre a minha condição com meus 20 anos convivendo com ela".

Eu acrescentaria que não é muito difícil superar os médicos mesmo no aprofundamento do conhecimento médico. Não somente pela vivência. A crença em confiar cegamente no médico é o que mais impede de fazer isso. Quem cumpre o horário comercial atendendo pacientes tem pouco tempo para se aprofundar em conhecimento. E se o médico conseguir bons valores pelas consultas e visibilidade no mercado não sentirá necessidade de se aprimorar.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

"Sem o remédio eu não seria nada"

É um consenso na área de método científico que depoimentos pessoais não são evidências confiáveis. Mesmo assim, se uma pessoa faz um depoimento de que sem o psicoativo dela ela não conseguiria viver a vida dela do modo como viveu isso é considerado evidência ou prova de que o tratamento realmente funciona e é necessário.

Esse tipo de depoimento é apenas uma narrativa contrafactual induzida pela autoridade médica. Se a pessoa tivesse conhecimento das limitações do modelo médico em saúde mental e dos psicoativos ela não seria induzida a adotar uma narrativa de salvamento. A base dessas narrativas é o conhecimento e não a vivência pessoal. Pela vivência pessoal você poderia dizer que astrologia funciona e adotar uma narrativa contrafactual do que teria acontecido se você não seguisse seu mapa astral. Para saber o que teria acontecido é necessário conhecimento para fazer predições. Uma predição bem feita não pode partir da vivência pessoal porque envolve sugestionamento.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Desistir

 Desistir de aspectos coercitivos, mas importantes, da vida

pode empobrecer severamente nossa existência. A sociedade tam-

bém é a perdedora quando um indivíduo pára de participar. Usar

uma barra de desistência para fugir da coerção é uma adaptação

não-produtiva. Desistentes não contribuem, seja para o seu bem

estar, seja para o bem-estar geral.


Murray Sidman - Coerção e suas implicações

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Declaração Diversidade Psicossocial (Lima)

World Network of Users and Survivors of Psychiatry
8 h


WNUSP congratulates the Redesfera Latinoamericana de la Diversidad Psicosocial - Latin American Network of Psychosocial Diversity – with the adoption of the DECLARATION OF LIMA
Un grupo de activistas provenientes de 10 países de América Latina nos reunimos los días 7, 8 y 9 de diciembre de 2018, en Lima, Perú, en el marco del “Primer Encuentro Regional de la Redesfera Latinoamericana de la Diversidad Psicosocial - Locura Latina”.
Las personas participantes de dicho evento queremos manifestar lo siguiente:
  1. 1. Somos un colectivo históricamente discriminado integrado por personas usuarias, ex usuarias y sobrevivientes de la psiquiatría, personas locas, personas con discapacidad psicosocial, entre otras identidades de la diversidad psicosocial. Vivimos experiencias comunes en las que enfrentamos tortura, privación de la libertad, aislamiento, trauma, violencia, estigmatización, exclusión y vulneración de nuestros derechos.
  2. 2. Reivindicamos nuestra dignidad, libertad, autonomía e independencia personal, incluida la libertad de tomar nuestras propias decisiones, así como el rol activo y protagónico que queremos ejercer sobre nuestras vidas. Nadie sabe ni sabrá mejor que nosotros y nosotras cuáles son nuestras necesidades y demandas.
  3. 3. Exigimos el absoluto respeto de nuestros derechos humanos y libertades fundamentales, particularmente aquellas reconocidas en la Convención sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad de las Naciones Unidas, ratificada por todos los países de la región.
  4. 4. Denunciamos la patologización y la medicalización de nuestra diversidad, y toda otra forma de discriminación y abuso ejercida desde la psiquiatría, la psicología y otras especialidades en nombre de la “salud mental” y la “normalidad”. Demandamos la construcción de un nuevo paradigma del malestar subjetivo, que acepte la “diversidad psicosocial” como un hecho y principio derivado de la diversidad humana y nos reconozca como personas expertas por experiencia.
  5. 5. Rechazamos absolutamente la privación de libertad, el electroshock, la esterilización forzada, los tratamientos forzados, la medicación involuntaria, las contenciones mecánicas y químicas, y otras formas de tortura y vulneración de derechos en nombre de la “salud mental”. Exigimos que estas prácticas sean abolidas y que sus víctimas sean reparadas e indemnizadas.
  6. 6. Nos adherimos a la lucha del movimiento feminista y condenamos todos los tipos de violencia que el patriarcado y sus instituciones han y siguen ejerciendo contra las mujeres y grupos en situaciones de mayor vulnerabilidad, especialmente, contra los que no se adhieren a las expectativas de roles de género y “normalidad”. Nos adherimos también a las reivindicaciones de los movimientos por los derechos de la niñez y los pueblos indígenas.
  7. 7. Advertimos la grave situación de pobreza y exclusión social en la que vive nuestro colectivo en América Latina, particularmente aquellas personas que pertenecen a los grupos más marginados y discriminados, lo cual reduce significativamente nuestras oportunidades educativas, laborales, artísticas, culturales, recreativas, políticas y de participación plena.
  8. 8. Defendemos que ninguna persona debe ser patologizada ni psiquiatrizada por su identidad de género, su orientación sexual, o cualquier otra expresión de diversidad sexual fuera de lo establecido como lo “normal”. Rechazamos las “terapias correctivas” y otras prácticas heteronormativas que se practican con el objetivo de “corregir” a las personas.
  9. 9. Nos comprometemos a trabajar por la construcción de un movimiento asociativo regional; fomentar el intercambio de experiencias, saberes y buenas prácticas alternativas, incluida la desmedicalización; colaborar en el desarrollo y consolidación de grupos de apoyo mutuo; impulsar el conocimiento y cumplimiento de nuestros derechos; promover el orgullo loco y el derecho a la locura; y participar y promover reformas legislativas y de políticas públicas en la región, apoyando la transformación de nuestras comunidades y nuestros entornos hacia sociedades inclusivas que valoren y respeten la diversidad humana.
  10. 10. Queremos ser un espacio democrático, participativo, abierto y horizontal para todas las personas psicosocialmente diversas de América Latina, sin distinción de sexo, género, edad, orientación sexual, discapacidad, color, idioma, religión, origen o cualquier otra condición de diversidad. Promovemos la igualdad de género, el criterio de paridad en la participación y una perspectiva interseccional al interior y fuera de nuestro colectivo.
  11. 11. Estamos abiertos y abiertas a formar alianzas y trabajar con personas y organizaciones aliadas que compartan nuestros principios, en un marco de respeto, igualdad y equidad para avanzar en la construcción de sociedades justas e inclusivas.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Experiência dos sobreviventes da psiquiatria

Experiência dos sobreviventes da psiquiatria - Laura Delano

https://www.youtube.com/watch?v=8oBYx2sik4w&t=14s

A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca recebeu a escritora e ex-paciente psiquiátrica Laura Delano para participar da mesa “Experiência dos sobreviventes da psiquiatria: como deixar de ser paciente psiquiátrico?”. Laura é uma liderança do movimento dos “Sobreviventes da Psiquiatria” nos Estados e dá suporte técnico aos que querem se livrar do sistema psiquiátrico. O evento foi coordenado pelos pesquisadores Paulo Amarante e Fernando Freitas, do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS), com apoio da Abrasme e da Asfoc.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

From psycho-politics to mad studies: learning from the legacy of Peter Sedgwick

http://ingentaconnect.com/contentone/tpp/crsw/2016/00000004/00000003/art00004

From psycho-politics to mad studies: learning from the legacy of Peter Sedgwick

Abstract:

We now have a new kind of psycho-politics; a brutal and destructive alliance between neoliberalism and an expanding psychiatric empire. This article will explore how mental health service users/ survivors and other mental health campaigners can connect with the critical analysis and action embodied in the work and values of Peter Sedgwick at a time of crisis and reaction. They have seen ideas like 'user involvement' and 'recovery' co-opted and undermined, and both their experiences and aspirations individualised and devalued. Emerging interest in mad studies, it is suggested, offers a way forward that challenges both the marketisation and medicalisation of people's distress. This discussion will explore the continuities and discontinuities with Peter Sedgwick's pioneering work and highlight, as he did, the importance of making explicit the political and ideological relations of survivors' struggles within and against the psychiatric system.

 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Recovering from Psychiatry

If you (or someone you love) has been labeled "mentally ill", odds are one or more of the following is true:
1. You aren't getting what you need or are getting a hell of a lot of what you *don't* need (be it emotional, physical, mental, social, environmental, sensory, spiritual, etc.).
2. Something big and painful has happened to you-- or slowly, over time, a series of seemingly small "somethings" have accumulated to such a degree that you've crossed the tipping point.
3. 'Boxes', 'labels', 'definition', 'rules', 'authority', 'convention', 'compliance', and 'normal' are all words that make you cringe. You find yourself wanting to shout out "NO!" pretty much every day.
4. You are trapped in a life situation or circumstance that doesn't feel authentic, meaningful, or purposeful to you, or aligned with who you really are.
5. You don't know who you really are, and feel hopelessly lost.
6(a). You are awake to the reality of the current social, economic, and political order, but it seems like everyone else around you is fast asleep.
6(b). You see or feel unjust, corrupt, greedy power in seemingly every direction you turn, and don't know how the hell you can possibly survive participating in it, or where else you could go.
7. You feel lonely, disconnected, or alienated from your fellows.
8. You feel-- fuckin' FEEL-- the world and everything in it and it is so much, so big, so overwhelmingly, acutely raw all or much of the time that you don't know what to do with the experience...
Far from signs of "sickness", these are manifestations of being fully alive and in touch with oneself and with the state of the world.
It's time we reclaim our pain and struggle and anger and alienation and fear and loss and despair, and transform the society we live in.
Who's with me?