Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/
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domingo, 31 de agosto de 2025

Definição de capacitismo

"O que é capacitismo?

Capacitismo é um conjunto de crenças, processos e práticas que produzem — com base nas habilidades que alguém apresenta ou valoriza — um entendimento específico de si mesmo, do próprio corpo e da relação com outros seres humanos, outras espécies e o meio ambiente, incluindo também como a pessoa é julgada pelos outros (Wolbring, 2006a, 2007a, b, c, d). O capacitismo reflete o sentimento de certos grupos sociais e estruturas sociais que valorizam e promovem determinadas habilidades — por exemplo, produtividade e competitividade — em detrimento de outras, como empatia, compaixão e bondade. Essa preferência por certas habilidades em vez de outras leva à rotulação de desvios reais ou percebidos, ou da falta de habilidades consideradas “essenciais”, como um estado diminuído de existência, contribuindo para justificar diversos outros “ismos” (Wolbring, 2006a, 2007a, b, c, d).

O capacitismo é um “ismo” guarda-chuva para outros “ismos”, como racismo, sexismo, castismo, etarismo, especismo, antiambientalismo, produtivismo (baseado no PIB) e consumismo. É possível identificar muitas formas diferentes de capacitismo, como o capacitismo baseado na estrutura biológica (B), o baseado na cognição (C), o baseado na estrutura social (S) e o capacitismo inerente a um determinado sistema econômico (E).

O capacitismo e a preferência por determinadas habilidades têm sido predominantes ao longo da história. Ele moldou — e continua moldando — áreas como segurança humana (Wolbring, 2006c), coesão social (Wolbring, 2007f), políticas sociais, relações entre grupos sociais, indivíduos e países, relações entre humanos e não humanos, e entre humanos e o meio ambiente (Wolbring, 2007a, b, c). O capacitismo é um dos “ismos” mais profundamente enraizados e aceitos socialmente.

Historicamente, o capacitismo tem sido usado por diversos grupos sociais para justificar seu nível elevado de direitos e status em relação a outros grupos. Por exemplo, as mulheres eram vistas como biologicamente frágeis e emocionais e, portanto, incapazes de assumir responsabilidades como votar, possuir propriedades ou manter a guarda dos próprios filhos (capacitismo levando ao sexismo; Silvers et al., 1998; Wolbring, 2003).

Além do racismo e do especismo, a valorização de certas habilidades cognitivas também se manifesta nos estágios de desenvolvimento humano. Fetos e crianças pequenas são frequentemente vistos como não detentores de direitos humanos plenos devido à falta de determinadas habilidades. Da mesma forma, a ausência de certas habilidades cognitivas é usada como argumento para negar certos direitos a “humanos com deficiência cognitiva”.

O capacitismo é um dos “ismos” mais socialmente enraizados e aceitos, e um dos maiores facilitadores de outros preconceitos (por exemplo, o nacionalismo se expressa por meio dos esportes, especismo, sexismo, racismo, antiambientalismo etc.). O capacitismo relacionado à produtividade e à competitividade econômica é a base de muitas sociedades e de suas relações com outras sociedades, sendo frequentemente visto como um pré-requisito para o progresso.

O julgamento baseado em habilidades está tão enraizado na sociedade que seu uso para fins de exclusão dificilmente é questionado ou mesmo percebido. Pelo contrário, grupos marginalizados por alguma forma de capacitismo ou “disableismo” frequentemente utilizam esse mesmo sentimento para reivindicar mudanças de status (“nós somos tão capazes quanto vocês”; “podemos ser tão capazes quanto vocês com as devidas adaptações”).

Precisamos reconhecer que a aceitação e o apoio à “diversidade de habilidades” é tão importante quanto outras formas de diversidade, e que o capacitismo é tão limitador quanto — e muitas vezes a base de — outros preconceitos."

Referência
WOLBRING, Gregor. The politics of ableism. Development, [S. l.], v. 51, n. 2, p. 252-258, jun. 2008.

“Consideramos também que as capacidades normativas que sustentam o capacitismo são produzidas com base nos discursos biomédicos que, sustentados pelo binarismo norma/desvio, têm levado à busca de que todos os corpos reproduzam a capacidade de se afastar do que é considerado abjeção (corpos abjetos são aqueles que, por divergirem do que é considerado típico da espécie, busca-se distanciar a todo custo).”

Fonte: Como construir uma escola que acolha a todas as pessoas?LAPEE/UFSC.

O capacitismo é “Uma rede de crenças, processos e práticas que produzum determinado tipo de corpo (o padrão corporal) que é projetado como perfeito, típico da espécie e, portanto, essencial e totalmente humano. A deficiência é então moldada como um estado diminuído de ser humano” (Campbell, 2001, p.44).

Mesa: Acessibilidade e Barreiras Atitudinais para a Inclusão da Pessoa com Deficiência Fala: O capacitismo e a produção de barreiras na universidade. IX Semana de Saúde Mental e Inclusão Social. Núcleo de Estudos sobre Deficiência. UFMG

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O conceito de tutela e a aprendizagem

O conceito e prática ou comportamento de tutelar pessoas em tratamento de saúde mental definido como um gerenciamento externo parte do conceito segundo o qual esse grupo de pessoas é organicamente impossibilitado de aprendizagem operante, a qual é a aprendizagem efetiva, e portanto não tem capacidade de autonomia e independência. A análise experimental do comportamento e sua prática de ensino-aprendizagem correspondente não prevê que o uso de categorias (diagnósticas) como explicação justifique a atribuição de impossibilidade orgânica de aprendizagem operante, autonomia e independência. De forma geral, a análise experimental do comportamento prevê que a qualidade e efetividade do planejamento de condições de ensino-aprendizagem de desenvolvimento de comportamentos é o principal responsável pelo repertório de comportamentos operantes entendido como insuficiente. O fato de que a pessoa em tratamento de saúde mental não corresponde a certas expectativas, padrões e regras sociais é interpretado pelo modelo de Kraeplin como explicado por disposições ou traços internos de origem genética. Do ponto de vista do processo de ensino-aprendizagem a aprendizagem operante só é efetiva quando o sujeito aprende a emitir comportamento em contato direto com a situação de exigência ambiental sem gerenciamento externo. Em outras palavras, a aprendizagem efetiva ocorre quando repertório operante em termos de classes de comportamento operante é empregado para obtenção de sucesso na satisfação ou mudança de contingências de reforçamento. O organicismo prevê que tais fatos contingentes e circunstanciais são irrelevantes como determinantes dos comportamentos apresentados ou ausentes. Portanto, o gerenciamento externo e monitoramento contínuo de pessoas em tratamento de saúde mental proposto pela prática tradicional de psiquiatria biológica e pensamento manicomial correspondente é uma consequência dessa predição de que as disposições internas do organismo e intervenções biológicas correspondentes são prioridade absoluta para explicação de problemas de comportamento ou comportamentos bem-sucedidos.

domingo, 6 de julho de 2025

Neurotípicos e neurodiversos (releitura)

Nós estamos enquanto sociedade elencando repertórios de comportamento operante de fácil adaptação social como norma, normais ou neurotípicos e classificando repertórios de comportamento operante com cuidados adicionais como anormais ou neurodiversos. Isso é científicamente incorreto com base na área de neurociência e comportamento pois repertórios de comportamento operante são formados pelo histórico de interação com o meio e não são redutíveis a meros subconjuntos de características cerebrais orgânicas. Essa é uma mudança de ênfase de explicação proveitosa e necessária de ser realizada ainda no âmbito das ciências naturais e que não é a mudança epistemológica para as ciências humanas e sociais que a reforma psiquiátrica tradicionalmente propõe. É provável que as pessoas classificadas como neurotípicas tenham alterações cerebrais orgânicas e as pessoas classificadas como neurodiversas tenham características cerebrais comuns. Repertórios de comportamento operante não são perfeitamente correlacionáveis com estado orgânico cerebral. Esse é o mesmo erro da redução da repertórios de comportamento operante a subconjuntos de características orgânicas do cérebro.


Ver mais:

Em postagem fixada no topo do blogue de série sobre hierarquia entre análise experimental do comportamento e modelo biomédico

sábado, 23 de setembro de 2023

Incapac. e irrespons.: teoria manicomial e concretude

O conceito manicomial de incapacidade deveria ser decomposto e especificado se for para se referir à condições existentes no mundo e haver possibilidade de confrontação com os fatos. Incapacidade de emitir juízos válidos, incapacidade laboral e incapacidade de decidir, por exemplo, são circunstâncias específicas que precisam ser descritas como comportamentos objetivos e caso a caso ao invés de a partir de construtos diagnósticos indiretos com insuficiente referência a comportamentos. A incapacidade de emitir juízos válidos é postulada para por exemplo poderia deslegitimar falas incômodas aos interesses de pessoas envolvidas, a incapacidade de decidir poderia permitir a tutela da pessoa segundo prescrições de acordo com interesses de pessoas envolvidas e a incapacidade laboral poderia justificar a incapacidade de emitir juízos válidos e de decisão. Dessa maneira, não bastaria um raciocínio diagnóstico Kraepeliano (que nega o espaço e tempo concretos) para atribuir essas características à pessoa avaliada mas seria preciso descrever repertórios comportamentais e condições concretas no mundo (os quais não são irreversíveis nem inevitavelmente progressivos).

O conceito manicomial de irresponsabilidade poderia ser especificado como não responder de acordo com prescrições dos médicos, familiares e sociedade (o que também são condições específicas no mundo concreto). O raciocínio Kraepeliano já referido tem o efeito de deslegitimar considerações e descrições das condições específicas envolvidas nas prescrições dos médicos, familiares e sociedade. As prescrições se tornam imunes à avaliação crítica já que há uma assimetria de poder.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Capitalismo e loucura

Basaglia, autores da reforma psiquiátrica e da antipsiquiatria fizeram leituras sobre o papel do capitalismo na experiência social de loucura. Os psiquiatras tradicionais defendem que a habilidade para a produção e renda é sinal de aptidão ou saúde biológica. Livros de história da economia descrevem como as práticas do capitalismo tiveram que ser inculcadas no ambiente social e no repertório das pessoas e o custo social que foi retirar o apoio que os camponeses tinham durante o período feudal. Sociólogos descrevem como a cultura brasileira teve certa dificuldade de adotar as práticas de produção capitalista e como isso faz com que o desenvolvimento econômico seja reduzido. A industrialização e a urbanização aumentam as exigências sobre os comportamentos esperados e aumentam a necessidade de conquistar autonomia financeira (reduzem o apoio comunitário). Alguns modos de vida estão mais alinhados com as práticas de produção e consumo capitalistas enquanto outros modos de vida tangenciam a produção e consumo. Modos de vida que consistem em ambiente sociais, práticas e culturas. O preparo para os modos de vida mais compatíveis com a produção e consumo consiste numa aprendizagem progressiva de comportamentos os quais não são nada simples e quanto mais produtivo se deseja ser menos simples são essas aprendizagens. Por outro lado, observação social indica que existem atalhos para se inserir no modo de produção e consumo capitalista enquanto também existem modos mais difíceis de inserção nas práticas capitalistas. Um aspecto da avaliação psiquiátrica ou psicológica envolve o quanto a pessoa se comporta de acordo com certos padrões de adequação às práticas capitalistas os quais são entendidos como sinais de grau de aptidão/inaptidão e grau de saúde/doença. Além disso, o modo de pensar psiquiátrico presente em toda a sociedade sugere que automaticamente uma pessoa que recebe uma nomeação diagnóstica para seus comportamentos se torna incapaz. As condições sociais e institucionais que são construídas e mantidas em torno da noção de doença mental incapacitante também contribuem para o grau de dificuldade das pessoas nomeadas com um rótulo diagnóstico se inserirem na produção capitalista. O modo de pensar psiquiátrico assume que a incapacidade para o trabalho é uma característica intrínseca do organismo e que o espaço/tempo das circunstâncias sociais e suas consequências nas trajetórias de vida são irrelevantes. Essas problematizações anteriores indicam que a aptidão para o trabalho não deve ser reduzidas ao suposto aspecto orgânico (mesmo as caracterizações orgânicas específicas são discutíveis). Barreiras sociais atitudinais às pessoas diferentes do padrão normocêntrico indicam que a sociedade contribui na produção da experiência de deficiência (de dificuldade) e na privação de direitos sociais.

sábado, 3 de junho de 2023

Ensaio OMS [...] doenças crônicas e pes. com deficiência

Referência:

Wagner, Marsden G. (‎1991)‎. Does he take sugar?. World health forum 1991 ; 12(‎1)‎ : 87-89 https://apps.who.int/iris/handle/10665/49206

Revista World health forum 1991 ; 12(‎1)‎ : 87-89

Ponto de vista

Marsden Wagner

"Ele toma açúcar?"

Ao falar sobre as pessoas com deficiência, revelamos nossas crenças e suposições subjacentes sobre a perfeição mental e física. Devemos desafiar tais crenças se quisermos apreciar a importante contribuição que os deficientes fazem para a sociedade e devemos fornecer serviços para eles que os respeitem e capacitem, em vez de incapacitá-los ainda mais.

A promoção da saúde examina os vários pressupostos e crenças subjacentes aos cuidados médicos. Uma suposição é que a saúde é desejável e que a doença crônica ou deficiência é indesejável. A saúde é considerada normal, a doença ou deficiência como anormal. A doença crônica, segundo essa visão, representa falha tanto do indivíduo quanto do sistema de saúde, pois um sistema de saúde perfeito seria capaz de curar tudo. A doença crônica é até considerada um fracasso social, porque em uma sociedade ideal todos seriam perfeitamente saudáveis. Essa maneira de pensar às vezes é chamada de "saúdismo". A OMS, com sua definição de saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, é parcialmente responsável por esta opinião. Com base nisso, é apenas um pequeno passo para acreditar que os fortes e fisicamente aptos são pessoas melhores do que os fracos e inaptos. Essa atitude generalizada na sociedade ocidental explica por que há tantos corredores em nossas ruas e fisiculturistas em nossas academias.

Outro princípio decorre do primeiro: qualquer desvio de saúde, doença ou deficiência deve ser corrigido na medida do possível. Se uma pessoa tem uma doença crônica ou é deficiente, o foco está na doença ou deficiência e um grande esforço é feito para restaurar ou criar o que é definido como normal. Eu costumava trabalhar em clínicas para crianças deficientes físicas. Enormes quantias de dinheiro, tempo e energia foram gastas em "anormalidades" físicas. Por exemplo, tínhamos crianças que sofriam de espasmos e não conseguiam andar, e trabalhávamos anos tentando fazê-las dar alguns passos.

Quando o foco está no problema, a pessoa é identificada pelo problema. Os médicos que fazem suas rondas hospitalares podem pensar em alguém como, digamos, um diabético, em vez de um indivíduo com um nome. A pessoa inteira pode ser vista como uma doença ou deficiência. No Reino Unido, pessoas com doenças crônicas e deficientes produzem um programa de televisão com o objetivo de explicar o que há de errado com a maneira como a sociedade as vê. Chama-se "Ele aceita açúcar?", uma referência oblíqua à maneira como as pessoas "normais" tendem a falar por cima das cabeças dos deficientes, que na maioria das vezes são capazes de responder a essas perguntas sem ajuda. Não se segue que, por exemplo, uma incapacidade de andar deva ser acompanhada por uma incapacidade de ouvir, compreender e articular.

Uma terceira crença relacionada ao manejo de doenças crônicas e deficiências é que trabalhar é saudável e é sempre desejável estar envolvido em um trabalho útil; e esse valor, de fato, depende do trabalho, uma ética proeminente na cultura ocidental.

Uma pessoa ou organização que trabalha com doentes crônicos pode aceitar ou desafiar essas crenças. No entanto, meu próprio sentimento é que se deve tentar entender e se ajustar ao modo como as coisas são, enquanto se começa a questionar o estado de coisas existente. A normalidade não é representada pela saúde, mas pela doença e incapacidade. A questão não é qual porcentagem da população é deficiente, mas qual porcentagem de cada pessoa é deficiente. Todos nós temos problemas e doenças, e muitos de nós temos condições crônicas. Isso sugere uma definição de saúde diferente daquela formulada pela OMS. Prefiro encarar a saúde não como um estado de ser, mas como um processo que consiste em fazer o que se deseja com a menor interferência possível de imperfeições ou desvios. Meu pai de 90 anos, que tem dificuldade para atravessar uma sala, não permite que suas limitações interfiram no que quer fazer, por isso o considero extremamente saudável. Outra pessoa que coloco nesta categoria é um alto funcionário da saúde canadense, cujo imenso entusiasmo pela vida torna sua condição severamente espástica quase imperceptível.

Além disso, imperfeições como doenças crônicas ou deficiências não são apenas normais, mas podem ser consideradas desejáveis. No nível individual, podemos olhar para nossas deficiências e tentar ver como elas contribuem para nossas vidas. Um dos meus filhos tem uma doença crônica e não consigo explicar o quanto aprendi com ele. Sua deficiência contribuiu para o desenvolvimento de cada pessoa da minha família. No nível social, seria não apenas chato, mas também perigoso se todos fossem extremamente saudáveis no sentido convencional. Qualquer sociedade é enriquecida pela diversidade. Isso é entendido em algumas culturas. Existem, por exemplo, culturas nas quais os "deficientes mentais" realmente se tornam líderes espirituais. Não tenho dúvidas de que muito pode ser aprendido com pessoas que sofrem de doenças crônicas ou de alguma forma deficientes.

No que diz respeito à preocupação em corrigir a anormalidade, talvez, como alternativa, se deva focar não no desvio, mas sim na normalidade do indivíduo. A doença ou deficiência é quase sempre apenas uma pequena parte de todo o ser humano. Vamos nos concentrar na parte maior e normal.

Um próximo passo deve ser focar na deficiência ou doença, não apenas para se livrar dela, mas para redefini-la e transformá-la de modo que possa ser vista como algo positivo e útil na vida dessa pessoa. Por exemplo, por causa de seus problemas especiais, adolescentes com doenças crônicas tendem a ser mais sábios do que seus pares. Devemos encontrar maneiras de permitir deficientes ou doentes a contribuir para o amplo enriquecimento da sociedade.

Sobre o tema do trabalho, cabe perguntar quem deve se beneficiar dele. Talvez o indivíduo deva ser útil principalmente para si mesmo. Se a utilidade para a sociedade também for alcançada, isso seria um bônus. Isso pode ser particularmente aceitável em sociedades pós-industriais, onde não há trabalho suficiente para que todos tenham empregos em tempo integral. Nesta situação, devemos reexaminar o significado do trabalho. Talvez devêssemos redefinir o trabalho de pessoas com doenças crônicas e deficientes em termos de auto-ajuda e contribuição para a sociedade de maneiras diferentes das tradicionais.

No contexto atual, é importante examinar a natureza dos serviços de saúde de hoje. Medicalizamos o nascimento e a morte e, em grande medida, medicalizamos a doença crônica. Desenhamos uma espécie de ajuda incapacitante que cria dependência. Médicos, enfermeiros e assistentes sociais tendem a ver a doença crônica de uma forma que é prejudicial para as pessoas que estão tentando ajudar.

Como podemos superar a ajuda incapacitante? Pessoas com doenças crônicas ou deficiências devem estar no controle do que está acontecendo com elas. Eles devem definir seus problemas e, em conjunto com profissionais de saúde e outros, elaborar soluções, ou seja, devem ter uma escolha totalmente informada sobre seus cuidados. Para fazer isso, eles precisam ter acesso a todas as informações necessárias. Há uma barreira a superar aqui porque os profissionais de saúde tendem a não compartilhar informações.

Pessoas com deficiências ou doenças crônicas devem ser encorajadas a ajudar a si mesmas e umas às outras por meio de grupos de autoajuda.

E essas pessoas devem receber toda a gama de opções. Por exemplo, a orientação vocacional deve reconhecer a possibilidade de algumas pessoas nunca trabalharem, pelo menos da maneira tradicional. Por último, devem ser encontradas formas de proteger as pessoas dos sistemas de saúde a que são obrigadas a recorrer, uma vez que estes tendem a medicalizar os problemas e criar dependência. Toda pessoa com deficiência deve ter um advogado de defesa durante os contatos com os sistemas de assistência.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Psiquiatria e sociedade: incentivos

A psiquiatria não é corrupta apenas no lado da medicina. Profissionais associados, usuários e familiares respondem aos incentivos maiores ou menos custosos (sem entrar no mérito dos meios para simplificar). Se não fosse assim, haveria abertura para discussão e persuasão seria possível.

domingo, 12 de março de 2023

Trabalho e dependência (Relação patrono-dependente no Brasil)

Relação patrono-dependente no Brasil

B. Hutchinson. 1966. The Patron-Dependent Relationship in Brazil, In sociologia ruralis, vol. 6, nº1

Temos prestado menos atenção ao principal obstáculo social à mudança em regiões subdesenvolvidas: a desvantagem de um ethos social hostil a ele. O progresso econômico é menos provável em uma sociedade cuja princípios religiosos negam todo valor ao ganho material e às coisas deste mundo.

Max Weber argumentou há muito tempo que a mera disponibilidade de capital, mão de obra e capacidade técnica por si só não explica nem induz o progresso econômico. e o próprio estudo de Banfield mostra como o bem-estar econômico de uma comunidade podem ser prejudicados por crenças amplamente difundidas e valores inconsistentes com maior prosperidade. No presente trabalho, portanto, desejamos a atenção para uma série de fenômenos observáveis na vida brasileira, que juntos chamamos de relação patrono-dependente, que, de maneira um tanto semelhante, atuaram como um freio no desenvolvimento da economia.

Em particular, talvez na crença errônea de que sua discussão causa dor e constrangimento para aqueles sobre os quais a mística protestante do trabalho não interferiu, poucas tentativas sérias foram feitas para avaliar o significado e a função dessa falta de entusiasmo pelo “trabalho” que tanto caracteriza a vida em muitos países subdesenvolvidos. Sintomáticos de sua abordagem basicamente puritana, esses comentaristas que comentaram sobre isso ofereceram apenas razões de dieta, medicamentos e climáticas para baixa produtividade. Parece que não ocorreu para eles que uma explicação menos determinista também é possível: menos ainda que uma aversão ao trabalho, ou preferência pelo lazer, pode ter uma respeitável origem sociológica. Essa diferença de atitude em relação a trabalhar é particularmente relevante para a relação patrono-dependente estamos prestes a descrever. Portanto, vale ressaltar que o Brasileiro, como o russo do século XIX (Cf. Goncharov, 1932; Maynard, 1942), tem pouco amor ao “trabalho pelo trabalho”.

“Eles se entregam em grande parte ao jogo de cartas, e às vezes via pessoas que dia e noite não faziam mais nada… essa a inatividade estende-se relativamente aos escravos...” (Pohl, 191I, p. 14). Três quartos de século depois, um francês, Max Leclerc, pensou o traço mais marcante do caráter brasileiro ser “sem dúvida indolência; indolência ou fatalismo” (Leclerc, 1942, p. 50).

Medina (1964, p. 74-71) chama a atenção para um conflito de valores sofrido pelo migrante rural para as grandes cidades do Brasil, onde no local da vida tradicional do biscateiro trabalhando apenas para satisfazer seu desejo e necessidade pessoal, surgiu a nova rigidez de uma empresa industrial e comercial comprando parte do tempo do homem medido pelo relógio. Pelos de origem rural – e não raramente por aqueles que não são - isso é sentido como uma sensação desagradável perder um paraíso de liberdade, de amizade entre trabalhador e patrão que, impregnando o Brasil de um passado não distante, ainda marca o padrão de grande parte da vida contemporânea no interior do país, complementada por uma falta de ambição e iniciativa econômica que imediatamente surpreende o visitante de outra sociedade. Mesmo nas maiores cidades há artesãos e comerciantes que não procuram encomendas, negligenciando possibilidades de expansão, em geral ignorando oportunidades que se apresentam. Nas áreas rurais essas tendências são acentuadas. Os caboclos (camponeses) de Santa Catarina “trabalham apenas o mínimo necessário para viver o dia a dia. Economia ou poupança são desconhecidos. A terra fornece facilmente tudo o que eles precisam e eles não sabem nada sobre trabalho árduo para obter as necessidades. Suas casas e aldeias estão em contraste desolado com as prósperas habitações próximas das colônias alemãs. Cabanas miseráveis, um mínimo de plantio, sem estradas, sem pontes sobre os rios, toda a população afundada na inatividade” (Queiroz, 1957, p. 81). Elaborando essa aversão geral por mais do que um mínimo irredutível de trabalho, há outras distinções separando atividades “apropriadas” de “inapropriadas”. O baixo prestígio do trabalho manual de qualquer natureza, embora não peculiar ao Brasil nem a qualquer parte particular dele, é por muitos levado mais longe. Para aqueles a quem o trabalho de escritório ou outro é aberto, distinções entre ocupações que são, ou não, “adequadas para um homem”, excluem especialmente (pelo menos entre os cabochões de Santa Catarina) todo “trabalho”; e por “trabalho” entende-se agricultura, artesanato e indústria doméstica. O sertanejo, portanto, busca (Queiroz, 1957, pág. 81) minimizar a quantidade de tempo que ele dedica ao “trabalho” a fim de seguir atividades mais estimadas.

Dessas atividades, o lazer é talvez o mais favorecido. Mas o comércio, especialmente o comércio independente do lojista, é outra, embora sonho cuja realização está ao alcance de poucos. Muitos migrantes rurais para as cidades, de fato, aceitam o papel pesado do operário fabril apenas porque pode fornecer os meios financeiros para se estabelecer em sua própria localidade, a loja no interior em que há muito pensam (Lopes, 1960). Mas, embora ansiosamente procurado, é digno de nota que a atitude em relação a esta fonte de subsistência difere da Europa e os Estados Unidos. “Nenhum dos lojistas acha que a expansão é o requisito do sucesso. A ideia de crescer e colocar meia dúzia de concorrentes fora do mercado dificilmente é dada a pensamento. Cada homem quer um lugar para sua loja em sua casa, quer seus clientes regulares e seu lazer; ser dono de uma loja é concebido como o fim de uma luta e não como o seu começo” (Harris, 1916, p. 73-74).

Antônio Candido (1964, p. 63-64) chama a atenção para a importância da “margem do lazer” na organização da economia e vida social caipira. Ele também nos lembra que o trabalho árduo e regular em uma país onde a abolição ainda está na memória de alguns ainda vivos, está inevitavelmente associado à escravidão; e se com escravidão, então com degradação.

Em grandes regiões do país a produção de subsistência dominou, e ainda domina, a economia rural; e as necessidades da população, portanto, eram limitadas ao seu próprio consumo. A terra virgem dos colonos era fértil, e mais estava disponível quando finalmente se exauriu. Dado seu padrão de vida, esforço persistente, longas jornadas de trabalho, a busca por novos métodos, por novas ferramentas, eram desnecessárias. Então não apenas o trabalho era social e psicologicamente indesejável; em condições normais vezes não servia a nenhum propósito útil na ausência de qualquer comércio de produtos agrícolas. Essa combinação de fatores foi reforçada em muitas regiões e em muitos períodos pela insegurança de estabilidade no trabalho. Mas do lado positivo, argumenta Cândido, a margem de lazer na vida rural facilitavam uma série de atividades, algumas delas, como como caça ou pesca, combinando utilidade com entretenimento; outras, como festas religiosas, servindo para mobilizar as relações sociais nos bairros cujos habitantes viviam em isolamento parcial. “A falta de ambição deve ser interpretada como uma forma de indicar que o trabalho não é necessário no universo relativamente homogêneo e fechado de uma cultura rústica em um vasto território” (Cândido, 1964, p. 66).

Outros ambientes ofereciam outros motivos para atribuir baixa estima ao trabalho e ao esforço pessoal. Uma grande população escrava e seus descendentes sentiram por ele a mesma aversão que caracterizou o escravo ao longo da história. Seus proprietários, a aristocracia rural e os fazendeiros, opôs-se ao trabalho, não só pela sua associação em suas mentes com degradação, mas porque eles sentiram que seu o status dependia em parte da ociosidade manifesta. A tradição peninsular de nobreza e do fidalgo, transferida para o Brasil e murchando lentamente, sobreviveu até hoje. Uma classe média em crescimento apenas recentemente começou a substituir seu próprio modo de vida de uma imitação da aristocracia que haviam seguido por tanto tempo, na qual a ociosidade desempenhou um grande papel. A preferência portuguesa pelo comércio em vez da indústria e a manufatura, persistindo no Brasil, conduziram à mesma desconfiança do esforço físico excessivo - que, de qualquer forma, ao longo de grandes partes do país, parecia inapropriado para um clima quente e húmido.

Não precisamos, embora isso apresente poucas dificuldades, multiplicar as evidências da existência no Brasil de uma atitude em relação ao “trabalho” que geralmente não associamos a grande progresso material. O lazer é apreciado; trabalho não é. O difícil e persistente trabalhador, em consequência, não goza de amplo reconhecimento ou prestígio - ambos procurados por outros meios - mas provavelmente ser considerado equivocado, antipático e cego para o verdadeiro propósito de viver (no vernáculo, um chato) - testemunhe os sentimentos equívocos evocados pelo habitante do Rio de Janeiro em relação ao trabalho duro do paulista de São Paulo. Mas o observador que descarta esse complexo de crenças como “preguiça”, que se permite, mesmo inconscientemente, pensar nisso como, de alguma forma, uma falha em cumprir seu próprio padrão ético, nega a si mesmo uma chave importante para a análise da sociedade brasileira e a compreensão dos obstáculos cruciais que impedem o desenvolvimento econômico do país. Para a atitude para com o trabalho, temos brevemente exemplificado suas ramificações em toda a organização social brasileira. Se o esforço pessoal e a salvação econômica individual não forem os meios aceitos de controlar um ambiente hostil, outra coisa igualmente capaz de tornar a insegurança da vida mais receptiva deve ter sido substituído por eles. Entre tantos substitutos racionais possíveis, o Brasil selecionou o relacionamento patrono-dependente, para cuja descrição e discussão nos voltamos agora.

A mínima importância que o brasileiro dá ao trabalho e esforço pessoal está aberto para ele porque ele sabe, ou acredita, que no último extremo do infortúnio, e talvez antes, ele pode buscar os cuidados de outros, de protetores que costumam ser seus superiores em poder, influência e recursos econômicos. Uma compreensão da hierarquia de poder no Brasil é, portanto, de mais do que significância ordinária ao observador, quanto ao próprio brasileiro.

Logo que se no Brasil como na Europa Medieval podemos dizer com Pirenne que a democracia não é mais do que “a democracia dos privilegiados”, a aptidão da frase surge da crença do brasileiro de que os privilégios de poucos constituem um recurso no qual todos, em momentos de dificuldade, podem esperar compartilhar - uma crença que vai longe para explicar a relativa ausência de inveja entre classes e ressentimento no país.

Contrastando fortemente com o ensino protestante enfatizando a autossuficiência e a orientação da consciência individual, o catolicismo popular pressupõe assim o desamparo da humanidade em face aos problemas que constantemente a afligem. Procurar um protetor é uma resposta lógica a tal suposição; quanto mais perto os poderes do patrono se aproximam da onipotência, melhor para o suplicante. Ainda a relação com o Divino, essa fonte de punição e também como benefício, não é direta. Procuram-se patronos intermediários que irão interceder com Ele em nome de alguém, discutir o caso de alguém, até mesmo trazer pressão para exercer sobre o Todo-Poderoso. Integridade moral ou devoção religiosa pessoal por parte do suplicante tem pouca influência sobre o sucesso ou fracasso de seu pedido de assistência divina: este depende da habilidade e interesse do intermediário santo ou divino. Existe um provérbio brasileiro, é verdade, que é verbalmente equivalente com o inglês “Deus ajuda aqueles que se ajudam”, mas, sendo a intenção da frase diferente, seu verdadeiro interesse reside na expectativa de assistência divina em vez de (como é a intenção inglesa) uma identificação do esforço pessoal com o serviço aos fins de Deus. A visão do brasileiro sem instrução que faz o sucesso em qualquer empreendimento, por mais rudimentar que seja, depende da aprovação de um patrono divino ou secular, é melhor expressa pela frase onipresente, "...se Deus quiser", ou, "...se Deus for servido".

A família patriarcal, composta por seu chefe, vários casais casados subordinados, mais aparentados, e seus filhos, em tais circunstâncias oferece uma força e uma frente unida ao mundo que a pequena família, ou o indivíduo, não pode apresentar. No engenho rural das regiões açucareiras, as fazendas e currais das regiões agrícolas e pastoril, mesmo nas próprias cidades, o chefe de família presidiu, portanto, um grande número de parentes próximos e distantes. Em troca de uma segurança física e econômica de outra forma difícil se não impossíveis de alcançar, eles submeteram suas vidas à sua orientação e controle final.

Independência real, exceto para a aristocracia rural e a rica classe mercantil das cidades, não era para a massa da população um objetivo prático. A generalidade da população rural era completamente dependente economicamente, politicamente, socialmente (e mesmo medicamente) sobre os grandes proprietários de terras. Defesa contra a tirania de chefes políticos locais era completamente impossível (Queiroz, 1917, pág. 228, 232), e um homem que não tinha patrocínio, que falhou em recrutar-se para algum latifundiário, foi então, e em muitas partes permanecem, em uma posição nada invejável. Consequentemente, à dependência forçada da escravidão foi adicionado no Brasil a voluntária mas prudente dependência do homem livre.

Dentro do sistema geral, as famílias de classe baixa dependentes do proprietário de terras, o político e o homem rico, eles próprios seguiram a forma patriarcal doméstica, em que o semidespotismo paterno (Freyre, 1961, vol. Eu, pág. 70 e ss.) mesmo entre os pobres, e apesar de uma tendência a instabilidade conjugal, uniu-se ao cuidado de parentes dependentes.

Dentro do lar mais pobre, a posição do pai era, e continua sendo, dominante. Em um mundo hostil ele é o representante da família e protetor, exigindo subserviência daqueles sob seus cuidados. O casa do pobre é em escala reduzida uma réplica do sobrado do proprietário de terras. Abrigo é estendido a parentes de fora dos limites da família nuclear, avós e tias solteiras encontrando um lugar que, na maioria das sociedades ocidentais, agora lhes é negado. Gilberto Freyre mostrou que, na educação dos filhos, a família brasileira nunca deu grande ênfase ao treinamento para a independência, por isso dificilmente poderia se sustentar enquanto o patriarcalismo persistisse. Um estudo psicológico recente (Rosen, 1962) sugere que o antigo padrão do domínio paterno não está de forma alguma no fim, mesmo nas cidades, onde em vez de um incentivo à autoconfiança surgiu “uma dependência excessiva” dos pais e uma evitação de ambição e competição que podem ser interpretadas em casa como ameaça à posição do pai. Se Rosen estiver certo, parece claro que uma dependência que surgiu inicialmente como resultado de fatores externos sociais e forças econômicas podem ter sua sobrevivência assegurada pela aprovação dos pais de comportamento dependente em seus filhos.

Sugerir que a instituição do compadrio surgiu de tal fatores psicológicos é provavelmente um exagero. Há pouco a duvidar, por outro lado, que o compadrio como forma de precaução contra o infortúnio futuro recebe um mais do que uma simpática recepção comum em uma sociedade que dá pouco valor à autoconfiança; Nem podemos duvidarmos que o seu funcionamento tenha o efeito de reforçar uma atitude de dependência que outras forças já introduziram. Na ausência de serviços de bem-estar do estado, havia uma necessidade objetiva de alguma forma de seguro de grupo contra o infortúnio: mesmo hoje a instituição não está sem seus usos. Compadrio (claro que não é um instituição peculiarmente brasileira) tem sua origem no desejo entre os pobres e desprivilegiados por uma forma de segurança, e sua fonte no desenvolvimento mediterrâneo da relação padrinho-afilhado.

No Brasil, como na Espanha (Pitt-Rivers, 19j4, p. 107ss.), essa relação foi ao mesmo tempo de um significado muito considerável. Foi, e em partes permanece, uma relação que talvez porque assumida voluntariamente pelo padrinho, persiste quando outros relacionamentos, mesmo os de sangue, podem ter começado a enfraquecer. A notável firmeza de compadrio, o grau em que o padrinho pode ser dependente em caso de emergência, se não também nos problemas rotineiros da vida, constitui sua principal virtude para aqueles para quem a segurança não é fácil de encontrar. Para que o padrinho tem o dever de assumir o papel de pai do afilhado quando necessário; e embora isso permaneça desnecessário, há problemas em assuntos do dia-a-dia em que ele dá sua assistência em troca da ajuda de apoio do seu afilhado, lealdade e assistência material (por exemplo na terra do padrinho) quando chamado. Não se deve supor que compadrio era útil apenas naqueles momentos de emergência quando a ajuda é mais do que normalmente necessário, nem que um padrinho fosse procurado apenas quando tais emergências pareciam particularmente prováveis de ocorrer. É uma forma de seguro contra infortúnios futuros desconhecidos que muitos pais ainda sintam a obrigação de sustentar seus filhos. Em comunidades menores, portanto, a rede de patronos e dependentes e as conexões decorrentes do compadrio tornam-se extremamente complexas.

Resumindo, ele era um espécie de divindade leiga de quem o mais humilde poderia esperar, em troca de uma lealdade política sobre a qual repousava em grande parte o poder do coronel, benefícios que não puderam ou não quiseram obter por meio de seus próprios esforços. Onde existia um coronel, o homem comum desejava e por prudência sentiu a necessidade de colocar-se sob sua proteção. Muito do conforto do cotidiano do trabalhador rural poder depender disso; sua segurança em extrema emergência inteiramente. Portanto, é fácil ver como uma tendência à dependência já estabelecida como resultado da operação de outras forças seria redobrada em tais circunstâncias até se tornar uma atitude normal entre a massa do povo.

Ao chamar a atenção para o anseio pela dependência do patrono protetor evidente na vida brasileira, não devemos ignorar ou minimizar demais os efeitos de uma insegurança real e generalizada trazendo isso à tona. Suas formas são muitas e difundidas: o medo da agressão física violência, da pobreza, da doença, da falta de moradia, de terra, de emprego. A estes e outros do mesmo gênero deve ser acrescentado um multiplicidade de perigos sobrenaturais cuja gravidade parece ser aumentada em vez de diminuída pela adesão à Igreja ou a tais cultos como Umbanda ou Candomblé. Agricultura dependente, o papel do grande latifundiário, compadrio, movimentos messiânicos, ligas camponesas e semelhantes, devem ser entendidas como sendo em grande parte adaptações a uma ambiente inseguro pelos dependentes; enquanto por parte do patrono, eles constituem a base sobre a qual ele constrói sua política e poder econômico. Mas se esconder perpetuamente na sombra dos poderosos, buscar proteção fatalisticamente, falhar na autoconfiança (assumindo que o ambiente torna a alternativa uma possibilidade) condiciona naturalmente o clima mental em que o todo da vida é buscado. Confiando mais nas circunstâncias do que em si mesmos, esta clientela rusticorum impôs ao Brasil um padrão restritivo de pensamento do qual o país só agora, talvez, começa a libertar-se.

A partir dessa generalização nós devemos, talvez, fazer uma exceção da prestação de assistência em ocasiões de urgência especial; ainda falta ao Brasil uma tradição tanto de cooperação e de preocupação com o bem-estar público, distinto do privado. Ao movimento cooperativo não faltaram discípulos entre a intelectualidade e em alguns setores do governo. Tentativas de organizar cooperativas rurais têm sido bastante numerosas; mas as principais exceções à falha unânime foram aquelas estabelecidas entre ou dominados por imigrantes estrangeiros, notadamente os japoneses. “Estas formas de solidariedade voluntária, de solidariedade espontânea e livre cooperação”, comenta Vianna (1938, p. 217), “só aparecem entre nós sob a ação de grande entusiasmo coletivo - eles nunca emergem friamente como fazem entre os anglo-saxões... Se organizados, eles logo se dissolvem, seja por desarmonia interior, seja por esquecimento dos fins para os quais foram fundados. Em outras ocasiões nunca vão além de propostas que, uma vez lançadas, silenciosamente se dispersam e são esquecidas - o que sugere a ausência de um base psicológica adequada para isso entre as pessoas. Normalmente o círculo de nossa simpatia não vai além da solidariedade do clã. É a única forma de solidariedade social que realmente sentimos, que realmente praticamos”.

A inconsistência entre os dois modos de comportamento e perspectiva que temos descrito é apenas superficial. Por um lado, notamos algumas das raízes de uma dependência que não é que não lembra o feudalismo, e o desejo generalizado no Brasil de adotá-lo. No entanto, a adoção de uma postura dependente tem sido acompanhada (como vimos) nem por uma tendência ao esforço cooperativo, nem pela submersão do indivíduo. Os objetivos gêmeos de dependência e independência não são consideradas no Brasil como incompatíveis; pelo contrário, o primeiro é, em certo sentido, apenas um meio de promover o segundo. Considera-se que a violação da independência é mais provável ser experimentado por um homem exposto a um ambiente sem patrono, do que por um homem que pode contar com os outros em emergências. Em outras palavras, uma dependência limitada em certos aspectos da vida é bem-vinda em parte porque permite a expressão da independência em outros aspectos, como um homem pode ser dependente, em outra sociedade, de seu gerente de banco para um cheque especial que ele, no entanto, utiliza para promover seus interesses pessoais. O patrono, seja profano ou sobrenatural, por uma certa consideração mantém o lobo longe da porta enquanto os internos continuam com seus próprios negócios. Portanto, estar em dívida com a intervenção de um patrono para o emprego de alguém não é considerado inconsistente com a afirmação de independência por chegar tarde ao trabalho, ou faltar, se o humor no dia ditar. Reivindicações comparativamente raras de um patrono sobre a lealdade de seus clientes (como, por exemplo, ao exercer o voto em seu favor) constituem um pequeno preço a pagar pelas vantagens do sistema. Assim, as várias formas de dependência que mencionamos - sobre o sagrado, o divino e o sobrenatural; sobre o proprietário da terra e o chefe político; sobre parentes de sangue e padrinhos - são projetados para fins específicos, mesmo oportunistas. Medina (1964, pág. 92, 94) ao falar das pessoas das favelas urbanas e “suas tendência a manter-se em posição de subordinação para aguardo da palavra do rei, do senhor”, explicada em termos de falta de responsabilidade cívica que tem sido social e economicamente condicionada. Nos termos em que Medina o oferece, esta é uma explicação aplicável apenas aos pobres e desprivilegiados. “Eles olham para o governo como o Salvador”, ele continua, “Eles dão suporte aos líderes que têm conexões e o apoio do Executivo [...] desejando uma saída imediata para seus problemas eles se entregam passivamente aos detentores do poder”. Mas queremos sugerir aqui que atitudes semelhantes florescem em todas as classes, e de fato constituem uma mola mestra fornecendo o motivo poder por trás de grande parte do desenvolvimento social e econômico brasileiro, não para mencionar a vida política.

Harris (1956, p. 183) observa que as pessoas da cidade de Minas Velha atribuíam aos governos estadual e federal o mesmo poder de outorgar riqueza e prosperidade à maneira de um filantropo imprevisível. Mas é claro que a natureza dos benefícios esperados difere de um classe social para outra. Se o Estado é considerado por muitos como o superpatrono, os pobres buscarão dele, por meio de intermediários influentes, a provisão direta de uma cama em um hospital, uma vaga em uma escola primária ou uma fonte de água. Outros procuram emprego no governo, e isso é particularmente o campo em que as classes médias esperam receber benefícios através da intervenção de seus patronos. No Brasil o serviço público é tradicionalmente um meio de pagar dívidas pessoais e garantir dependentes; e se isso às vezes parece inconsistente com eficiência de administração, esta última é considerada secundária, embora seja uma função importante, subordinada à primeira.

Esses e inúmeros outros hábitos da vida brasileira podem ser descritos como “corrupção” apenas por negligenciar seu significado social contextual. Não existe uma forma saudável da qual essas sejam versões doentes nem nos casos em que consideramos que o suborno monetário desempenha um papel significativo, por mais importante que seja em outras circunstâncias. Eles devem ser interpretados antes como em conjunto formando uma característica independente da organização social, algumas cujas origens descrevemos e cujo propósito é a manutenção de uma relação patrono-cliente que é essencial para o bom funcionamento da sociedade tradicional brasileira. Em conseqüência, vemos em nossos tempos uma extensão do princípio da dependência ao campo da política urbana, o candidato à eleição ganhando popularidade apoio em troca de favores pessoais e de grupo em seu eleitorado (nas áreas rurais, a direção da votação é regida por considerações de regras ligeiramente diferentes, mas especialmente a dependência do proprietário local). De uma forma um tanto modificada, o carreirista urbano pode utilizar uma conexão informal ou igrejinha, composta por apoiadores e conselheiros, muitos deles dependentes do carreirista para a promoção de suas ambições pessoais. É aqui que a forma tradicional da família rural e organização de parentesco reaparece como uma auxílio ao sucesso urbano. Pois além de apelar para a ajuda do amigo influente (Pistolão), aqueles que buscam promoção, seja político e social (no caso dos abastados) ou basicamente econômica (no caso das classes menos abastadas em busca de emprego), todas fazem uso sempre que possível de seus parentes. Entre os migrantes rurais para as cidades isso é estendido para incluir compatriotas da mesmo terra ou região que eles mesmos. Leeds (1964) ao discutir a questão da construção da carreira brasileira, ao passo que subestima o importância dos parentes distantes na rede de ajuda mútua e obrigação, faz bem em enfatizar o significado prático para o brasileiro de um conhecimento abrangente dos nomes e paradeiro de seu parentes e amigos. Uma vez que a maioria das sociedades utiliza os mesmos recursos para o avanço, há pouca coisa que pareça estranha ao leitor em tudo isso. O que é notável, no entanto, são os extensão em que que tais métodos são tomados, juntamente com a suposição implícita de que esforço pessoal ou “valor” intrínseco não são para o homem ambicioso nem suficiente nem relevante. Dada a atitude em relação ao trabalho, que tocamos anteriormente neste artigo, a mesma suposição recebe suporte de outras fontes. Mas é interessante que a partir desta reformulação urbana de um hábito de espírito essencialmente rural pode muito bem surgir um conflito cuja resolução (em São Paulo isso já pode estar ocorrendo) em última análise, criar uma nova orientação para a ambição econômica e social. O sistema de cliente e patrono que floresceu tão prontamente em um ambiente de agricultura, política e governo dependente, pode não achar fácil sobreviver diante das demandas um tanto diferentes de desenvolvimento da indústria e reforma agrária; e é provável que o sistema tem sido um dos mais importantes obstáculos ao desenvolvimento industrial e mudança agrária no Brasil.

Será lembrado que começamos com a sugestão de que o relacionamento de dependência pode ser interpretado como um ajuste a situações que algumas outras sociedades dão conta por iniciativa pessoal e individual. Se o "trabalho" tivesse uma acolhida mais positiva entre a população brasileira do que antes, pareceria provável que a dependência não floresceria no grau que descrevemos. Mas a atitude brasileira em relação ao trabalho regular e persistente diferiu basicamente daquela encorajada pelo ensinamento protestante de outras sociedades.

No entanto, se o trabalho árduo e o esforço pessoal fossem por várias razões colocadas fora do tribunal, ou quase, o ambiente natural e até certo ponto o ambiente social permaneceu hostil no Brasil como em outros lugares. A insegurança era generalizada e inevitável. Enquanto em outras sociedades a resposta a tal desafio poderia ter sido esforço pessoal aumentado, poupança e formas rudimentares de bem-estar social, no Brasil a tendência tem sido olhar para a relação patrono-cliente como o salvador em emergências. Porque a massa da população, pela operação de mera aritmética, eram clientes em vez de patronos, o tom da vida brasileira tornou-se, e permaneceu, de dependência, olhando para os outros em busca de orientação, ajuda e proteção. Outros fatores já presentes no Brasil estimulavam a dependência, ou eram facilmente compatível com a mesma, e fez parecer natural, principalmente entre, talvez, a crença religiosa, a fé católica, ela própria organizada internamente com base na relação patrono-cliente, estimulada entre seu rebanho. Cultos afro-brasileiros, com suas magias e ritos semimágicos, fizeram o mesmo. Havia também tradições de dependência que fluiu para o Brasil de Portugal e mais na história, notadamente de Roma e seu sistema de patrocinium, ambos particularmente característico das áreas rurais. Não é surpreendente, portanto, que o surgimento de um sistema semelhante no Brasil encontrou o solo psicológico e tradicional já preparado para sua recepção.

Outro fator contribui para uma sensação geral de insegurança. A sociedade brasileira é em um sentido importante individualista, se não anárquica. Cada homem olha para seus próprios interesses, não para os dos outros, exceto na medida em que estes fazem parte de sua família, ou são pessoas para quem o relacionamento patrono-dependente opera. Uma “consciência” social, na sua forma moderna em grande parte um subproduto da Reforma [Protestante?], está no Brasil emergindo apenas hesitantemente. Problemas como desnutrição, pobreza, problemas de saúde, desemprego, só agora começam a ser interpretados como problemas éticos pelos quais a sociedade como um todo tem a responsabilidade de encontrar soluções. Em grande parte, eles permanecem, e até muito recentemente eram considerados, quase unanimemente, como problemas privados daqueles que sofriam com eles, o espectador sentindo pouca ou nenhuma obrigação, ética ou social, de ajudar um infeliz anônimo. De fato, o fracasso de cooperativas agrícolas e outras, a que nos referimos anteriormente, pode ser atribuída em parte a uma falta de interesse na sorte de um desconhecido não relacionado. Mas se o infeliz não pode buscar na sociedade assistência, ele deve tomar outras providências para se assegurar. Nós descrevemos aqui algumas das maneiras pelas quais isso foi alcançado através a extensão da fidelidade familiar e a busca de um patrono.

A sociedade brasileira, então, não é apenas aquela em que o esforço individual é indesejável em si, mas é organizado, dentro dos limites de um padrão de vida aceito por seus membros, de forma a torná-lo desnecessário. Ou seja, na medida em que o brasileiro prefere uma forma de vida sem ambição, calma e sem perturbações indevidas, a relação patrono-cliente, pelo menos na sua forma ideal, ajuda a fornecê-lo. Mas não é um sistema com o qual o rápido desenvolvimento econômico no padrão europeu ou norte-americano é facilmente compatível. Portanto, descobrimos que muitos dos avanços em técnica e produtividade na agricultura (e em grande medida também na indústria) que tomaram lugar nas últimas décadas, foram feitas por ou por instigação do imigrante estrangeiro e seus descendentes. Pois são pessoas que carecem da tradição do sistema de patrono-dependente ou, embora tendo tal tradição, têm pouca oportunidade de utilizá-la em um sociedade à qual são estranhos. Jogados, portanto, por conta própria, eles alcançam um sucesso econômico negado ou mesmo não desejado pelo nativo brasileiro.

Se, então, a relação patrono-dependente é tão onipresente e significativa como estamos sugerindo, o problema do desenvolvimento da economia brasileira deve necessariamente ser visto sob uma nova luz. Fica claro que uma instituição tão fundamental, apoiada como é por características básicas da interpretação brasileira da vida, não pode ser ignorada nem imediatamente destruída pelo reformador. Por outro lado, o patrocínio não pode sobreviver por muito tempo lado a lado com o crescimento da racionalização industrial. A indústria brasileira, especialmente entre as empresas de origem e direção estrangeiras, já prefere, por considerações de eficiência, recrutar o seu pessoal de uma forma mais impessoal, embora ao nível inferior do trabalhador não qualificado e semiqualificado, amizade, contatos e o pistolão, todos permanecem significativos. A extensão gradual desta atitude nas grandes cidades pode muito bem soar como o sino de finados do sistema de dependência na vida econômica urbana; mas é provável que permaneça moribundo ainda por um período considerável. Um crescimento simultâneo de serviços previdenciários estatais, com consequente redução de insegurança, teria o efeito de retirar do antigo sistema muito de sua razão de ser original - a menos que a intervenção de um patrono torne-se então necessário para superar os atrasos burocráticos na concessão benefícios (isso já está acontecendo). Pode ser possível, portanto, deixar a modificação urbana do sistema de dependência tradicional para pressões graduais, mas inevitáveis, da indústria racionalizada, e a emergência igualmente inevitável de um estado de bem-estar. A primeira, porém, não tem relevância na vida rural, e a segunda incidirá menos rapidamente e com menos força sobre o camponês. A relação patrono-dependente, em combinação com a falta de ambição econômica, parece mais firmemente arraigada entre a população do que em outros lugares. Se estivermos certos em supor que essas forças terem estado entre os principais entraves ao desenvolvimento econômico e rural, o reformador pode sentir que sua primeira tarefa é a diminuição imediata, se não a destruição final, do poder deles. Isso não parece sábio, nem terá probabilidade de sucesso. Consequentemente, ficamos com o velho dilema do pretenso inovador: qual a melhor forma de superar as forças da inércia sem ao mesmo tempo destruir as bases da sociedade. A natureza deste dilema, o resultado inesperado e indesejado de falhar em sua resolução, têm sido por muito tempo um lugar-comum de discussão antropológica (Cf. Smith, EW, 1927; Brown, G. & A. Hutt, 1935). No presente caso a solução para o reformador rural é provavelmente o mesmo: recrutar as forças sociais existentes para apoiar a mudança. Especificamente, ele deve usar o relacionamento patrono-dependente como forma de introduzir novidades agrárias. Ou, quer dizer, inovações devem chegar ao povo com total apoio e exortação do patrono tradicional; ou o próprio reformador deve organizar assuntos em que ele aparece como, e desempenha o papel de, um novo e patrono poderoso a quem os camponeses podem recorrer com confiança para ajuda, aconselhamento e assistência em caso de emergência.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Remédio para perda cognitiva na esquizofrenia

Danos neurológicos causados pelos neurolépticos não podem ser considerados pelas restrições que as parcerias com a indústria farmacêutica impõem.

Se o remédio for aprovado, a percepção social de melhora cognitiva fará a pessoa diagnosticada ser tratada de forma diferente pela sociedade (com mais fé nas capacidades da pessoa), ou ela terá mais expectativas e obrigações de cumprir tarefas e responsabilidades. Portanto, o efeito não seria apenas cerebral.


Observação adicional: Apesar do dano neurológico (resultante seja dos neurolépticos ou da esquizofrenia) consistir em eventos adversos para os resultados ocupacionais, não é estritamente necessário para o sucesso ocupacional ter funções cognitivas intactas. É possível utilizar a função dos comportamentos operantes para modificar e estabelecer repertório pré-requisito para sucesso ocupacional, uma vez estabelecidos os comportamentos operantes isso é o mais determinante para o sucesso ocupacional, já que os comportamentos terão efeito direto no contexto de exigência ambiental. Alterar o cérebro para estabelecer comportamentos ocupacionais é uma forma indireta e por isso menos eficiente de reabilitação. 

[Adicionado posteriormente em 7 de fevereiro: Duas concepções de inteligência diferentes subjazem as duas perspectivas. Uma considera a inteligência resultado automático de estruturas cerebrais intactas ou saudáveis. Outra considera que inteligência é um adjetivo para comportamentos operantes sofisticados e de qualidade. O ponto é que é possível ter estruturas cerebrais intactas e não ter desenvolvidos comportamentos operantes sofisticados e de qualidade. Também é possível não ter estruturas cerebrais intactas e ter desenvolvido comportamentos operantes sofisticados e de qualidade. Nesse caso, o dano na função cerebral/cognitiva terá menos relevância na inteligência e na capacidade ocupacional pois os comportamentos operantes aprendidos já estão estabelecidos e se há pré-requisitos para desenvolvê-los mais ainda a estrutura cerebral danificada terá pouca relevância salvo em casos de dano extremado. Além disso, é possível que seja mais importante a capacidade de apresentar comportamentos novos (uma das definições de inteligência) resultante de processos comportamentais do que ter estruturas cerebrais intactas e não ser capaz de apresentar comportamentos novos resultante do lado inverso dos processos comportamentais relacionados a adjetivação de inteligência.].

sábado, 4 de junho de 2022

Invalidez iatrogênica

"Concordo com Whitaker e Breggin que muitas, ou provavelmente a maioria das pessoas com deficiência sofrem de danos induzidos por drogas, não de uma doença mental. Nunca vimos uma catástrofe tão gigantesca de produção de doenças iatrogênicas antes."

Peter C. Gøtzsche no livro Psiquiatria mortal e negação organizada

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

A deficiência psicossocial é diferente das outras

Há duas opções em relação a deficiência psicossocial. Evitar tratamento médico incapacitante e desnecessário ou continuar com o tratamento médico mas fazer adaptações razoáveis em relação à escola e trabalho. Parece que a noção de deficiência psicossocial tem implícita em si o modelo médico em saúde mental. Então ao invés de evitar os efeitos prejudiciais do tratamento médico ou procurar alternativas não farmacológicas de tratamento se incentiva a continuar o tratamento médico prejudicial e desnecessário pois a pessoa não vai estar compensando isso com adaptações razoáveis na sociedade. Evitar a deficiência no conceito do modelo médico como redução da capacidade de relação entre meio e organismo viria primeiro na minha concepção. Se você pegar o pessoal que se identifica com o conceito de deficiência psicossocial no Facebook todos eles são incapazes de perceber isso. Será que a entidade biológica dentro do modelo médico em saúde mental causa sequelas por si mesma? Então basicamente a noção de deficiência psicossocial como é usada tenta justificar a psiquiatria biomédica tradicional. Embora seja possível entender a deficiência psicossocial como a percepção social sobre a pessoa considerada "doente mental" e entendê-la dentro de uma perspectiva crítica ao modelo médico em saúde mental como faz a ativista estrangeira Tina Minkowitz. A lógica da deficiência psicossocial é um pouco diferente da lógica do resto das deficiências.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Desmame, ambiente social e deficiência como percepção

 Fazer desmame se torna muito mais difícil se todo o ambiente social percebe isso como impossível, arriscado e absurdo. O ambiente social percebe a pessoa como deficiente, o qual é um dos critérios para a inclusão na categoria de pessoa com deficiência. Essa percepção social é uma barreira atitudinal bastante pesada pois qualquer incidente ou qualquer coisa diferente que acontecer será vista como sinal de uma doença subjacente.


sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Função da dopamina e definição de deficiência

A dopamina tem a função de regular a reatividade ou interação do organismo com o meio externo. Os neurolépticos reduzem a interação do organismo com o meio externo e os psiquiatras e familiares consideram isso um aumento de saúde. Mas isso é basicamente a definição de deficiência: a redução da capacidade de relação com o meio. Os psiquiatrias ainda endossam e fortalecem a ideia de que a deficiência (nesse caso transtornos mentais) é um problema apenas do organismo. A deficiência não é apenas sinônimo de doença, mas ocorre quando as barreiras sociais levam ao impedimento de acesso a algo. Esse discurso médico leva a fortalecer e manter as barreiras atitudinais, reduzindo o acesso a direitos e produzindo deficiência.

Os neurolépticos colocam o repertório comportamental inteiro em extinção. Quem se comporta menos, aprende menos. Aprender menos é menor desenvolvimento ou desenvolvimento mais lento.

Deficiência psicossocial (Compilado Sassaki)

 https://oabrj.org.br/arquivos/files/-Comissao/cartilha_autismo.pdf

Teoria unificada da deficiência (em ingles)

 http://www.dpiap.org/resources/article.php?id=0000312&genreid=19&genre=Convention+on+the+Rights+of+Persons+with+Disabilities

Há uma parte sobre deficiência psicossocial

Definição de deficiência psicossocial


A Lei dos Americanos com Deficiência, aprovada através da Lei Pública 101-336, em 26/7/90, define que o termo “deficiência” em relação a uma pessoa significa: (a) Um impedimento físico ou mental que limita substancialmente uma ou mais das principais atividades vitais de tal pessoa; (b) um registro de tal impedimento; ou (c) ser percebida como tendo tal impedimento. Interpretando esta definição, temos: Letra “a” - as principais atividades vitais são ver, ouvir, falar,  andar,respirar, desempenhar tarefas manuais, aprender, cuidar de si mesma, e trabalhar.

Estão cobertas pela lei as pessoas com epilepsia, paralisias, significativo impedimento visual ou auditivo, deficiência intelectual ou deficiência de aprendizagem. Não estão cobertas as pessoas que tenham condição não-crônica, não-significativa, de curta duração, tais como uma distensão, infecção, membro quebrado (braço, mão, perna, pé). Letra “b” - está incluída uma pessoa com histórico de câncer que esteja atualmente em fase de diminuição ou uma pessoa com histórico de transtorno mental. Letra “c” – estão protegidas as pessoas percebidas e tratadas como se tivessem uma deficiência significativamente limitante, mesmo que elas não possuam tal impedimento. Por exemplo, uma pessoa com o rosto severamente desfigurado, porém qualificada para o trabalho e a quem lhe foi negado um emprego porque o eventual empregador temia uma ‘reação negativa de seus empregados (Thornburgh, 1991).

Aproximadamente 15 anos antes da adoção da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Assembleia Geral da ONU aprovou o documento Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para a Melhoria dos Cuidados de Saúde Mental (ONU, 1991). Para fundamentar estes princípios, a ONU levou em consideração outros documentos, entre os quais a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, cujo artigo 1 diz: “O termo ‘pessoa deficiente’ significa qualquer pessoa incapacitada para assegurar para si, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, como resultado de uma deficiência, seja congênita ou não, em suas capacidades físicas ou intelectuais” (ONU,1975).


No citado documento Princípios, o termo genérico “pessoas com transtorno mental” inclui também as pessoas com sequelas de transtorno mental (Princípio 4. ONU, 1991), ou seja, pessoas que não mais apresentam dano sério para a própria saúde ou para a segurança de outras pessoas (Princípios 18 e 19. ONU, 1991), ou ainda ex-pacientes psiquiátricos (Princípio 21. ONU, 1991). Todas estas pessoas são agora chamadas pessoas com deficiência psicossocial.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Modelo integrativo da deficiência (na saúde mental)

Nota-se, ainda, segundo Sassaki (2002, p.35), ao caracterizar as condições de integração das pessoas com deficiência: 

No modelo integrativo, a sociedade, praticamente de braços cruzados, aceita receber portadores de deficiência desde que estes sejam capazes de: 

- moldar-se aos requisitos dos serviços especiais separados (classe especial, escola especial, etc.); 43 

- acompanhar os procedimentos tradicionais (de trabalho, escolarização, convivência social, etc.); 

- lidar com as atitudes discriminatórias da sociedade, resultantes de estereótipos, preconceitos e estigmas,  

- desempenhar papéis sociais individuais (aluno, trabalhador, usuário, pai, mãe, consumidor, etc.) com autonomia, mas não necessariamente com independência.

https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/12971/1/Pr%C3%A9-textuais%20revisados%20final.pdf 

[Comentário: O modelo integrativo se define pela responsabilidade de a pessoa com deficiência parecer o mais normal possível e pelos esforços exagerados que isso acarreta. Na saúde mental o modelo integrativo é muito usado. O paciente é visto como o problema, o doente mental, que precisa se desdobrar e fazer esforços especiais que uma pessoa "normal" não precisaria fazer para se adaptar/se ajustar às barreiras atitudinais na sociedade (na psiquiatria tradicional, família e sociedade). A sociedade não quer se implicar nos problemas do paciente pois julga que é natural que as coisas sejam assim, tem seus interesses e acredita que o problema de quem não se ajusta está dentro da própria pessoa (modelo médico em saúde mental). Essas exigências especiais podem desanimar o paciente de querer participar da sociedade e podem gerar a impressão de deficiência psicossocial. A deficiência psicossocial é uma percepção social de que um indivíduo é deficiente em termos mentais e no modelo integrativo vai lá o paciente humilhado servir as pessoas normais por mais que elas façam absurdos. Essas pessoas "normais" podem impor tantas barreiras atitudinais que o diagnóstico psiquiátrico pode ter sido feito totalmente por conta dessas barreiras e a sociedade e psiquiatria tradicional culpa a lesão cerebral ou o organismo dessa pessoa.]

sábado, 14 de dezembro de 2019

Se inserir no mundo normal e deficiência psicossocial

Independentemente de se ter lesão orgânica ou não, se inserir no mundo normal enquanto deficiente psicossocial exige habilidades superiores (extra) de compensação de prejuízos provocados por pessoas consideradas normais. O simples fato de ser percebido socialmente como um deficiente psicossocial complica as coisas, seja com uma lesão orgânica ou não. É mais difícil navegar pela sociedade quando todos presumem que qualquer problema que aconteça o "incapacitado" tem que se virar para resolver sozinho. Como conseguir trabalho e se manter no trabalho dessa maneira? Ou mesmo apoio para se educar sem redução de expectativas?