Indústria farmacêutica, mentiras e (muito) dinheiro
Seis casos revelam: efeitos graves de medicamentos são
omitidos, para sustentar consumo e lucros. Confira lista de
remédios cujos riscos não impediram que seus fabricantes fossem
autorizados a colocá-las a venda
Por Martha Rosenberg, no Outras Palavras
(Imagem: Outras Palavras)
Quando um medicamento causa efeitos colaterais, esta informação
muitas vezes não é exposta durante anos, o que permite à indústria
farmacêutica continuar ganhando muito dinheiro.
O Food and Drug Administration (FDA) [órgão governamental dos EUA
para alimentos e medicamentos] e a indústria farmacêutica argumentam que
os efeitos colaterais perigosos em uma droga só aparecem quando é usada
por milhões de pessoas – e não no grupo relativamente pequeno de
pessoas que fazem testes clínicos. Mas existe outra razão pela qual os
consumidores acabam sendo cobaias. Os remédios são levados
apressadamente ao mercado, após um período muito curto (de apenas seis
meses) para que a indústria possa começar a ganhar dinheiro, enquanto a
segurança ainda está sendo determinada.
Tanto a droga para os ossos
Fosamax, repleta de riscos, quanto a analgésica
Vioxx,
ambas da indústria Merck, foram ao mercado após seis meses de revisão.
No caso da Vioxx, isso ocorreu porque “o medicamento potencialmente
provia uma vantagem terapêutica sinificativa sobre outras drogas já
aprovadas”, disse a FDA.
Obrigado por isto. E cinco drogas (
Trovan,
Rezulin,
Posicor,
Duract e
Meridia), que entraram no mercado em 1997 por pressões da indústria e do Congresso sobre a FDA, diz a
PublicCitizen, foram em seguida retirados.
Abaixo, algumas drogas cujos riscos não impediram que seus
fabricantes fossem autorizados a colocá-las a venda e exercer seu “valor
de patente”.
1. Singulair
Você imaginaria que a Merck aprendesse, após os problemas com Vioxx e
a Fosamax, que marketing agressivo pode esconder apenas por algum tempo
os riscos emergentes das drogas. Mas não. Para vender o
Singulair,
sua droga contra asma e alergias para crianças, a indústria fez uma
parceria com Peter Vanderkaay, o nadador medalha de ouro nas Olimpíadas,
com acadêmicos e com a Academia Norte-americana de Pediatras – mesmo
após a FDA advetir sobre os “eventos neuropsiquiátricos” do medicamento,
incluindo agitação, agressão, pesadelos, depressão, insônia e
pensamentos suicidas.
Enquanto a Merck fazia a
propaganda do
Singulair (que vem em fórmula mastigável e com gosto de cereja), com
slogans como “Singulair é feito pensando nas crianças”, a Fox TV e mais
de 200 pais relataram, no site
askapatient [“pergunte
a um paciente”] que suas crianças, ao tomar o remédio, exibiam humor
alterado, depressão e déficit de atenção (ADHD), hiperquinesia e
sintomas suicidas. Cody Miller, um garoto de 15 anos de Queensbury, Nova
York, tirou sua própria vida dias após tomar o medicamento, em 2008.
Ainda assim, o Singulair arrecadou 5 bilhões de dólares para a empresa,
em 2010. Após sua patente expirar, em 2012, a Administração de Bens
Terapêuticos da Austrália (equivalente à FDA ou à Anvisa) reportou 58
casos de eventos psiquiátricos adversos em crianças e adolescentes,
primariamente pensamentos suicidas. Quem sabia?
2. Zyprexa
Como vender uma droga que provoca ganho de peso de cerca de 10kg, em
30% dos pacientes, chegando até 45kg, em alguns? Enterrando seus riscos.
O antipsicótico
Zyprexa era
a nova aposta da Eli Lilly, depois de seu antidepressivo campeão de
vendas Prozac – mesmo que o laboratório soubesse, já em 1995, de acordo
com o New York Times, que a droga está ligada a um ganho de peso
incontrolável e até diabetes. Os efeitos colaterais do Zyprexa de “ganho
de peso e possível hiperglicemia fazem um grande mal ao sucesso de
longo prazo desta molécula criticamente importante”, havia escrito Alan
Breier, da Lilly, segundo documentos obetidos pelo jornal. Mais tarde
Alan tornou-se médico-chefe da empresa.
Mesmo após a Lilly ter pagado multas, após acusada de ocultar
informações sobre a relação entre a droga e altos níveis de açúcar no
sangue ou diabetes (e de ter comercializado ilegalmente a droga para
pacientes com demência), o Zyprexa rendeu 5 bilhões de dólares em 2010,
acima até do Prozac. Quem disse que crime não compensa? O Zyprexa foi
especialmente comercializado para os pobres e virou um dos medicamentos
principais do Medicaid, o programa público de saúde norte-americano,
extraindo pelo menos 1,3 bilhões de dólares do orçamento do país, só em
2005. Em 2008, a empresa estabeleceu um acordo para cobrir o custo dos
pacientes do Medicaid que desenvolveram diabetes após usar a Zyprexa.
Como raposa vigiando galinheiro, a Lilly ofereceu um “serviço gratuito”
para “ajudar” os estados a comprar drogas como a Zyprexa para doenças
mentais — e vinte deles aceitaram a oferta. A patente do remédio acabou
em 2012.
3. Seroquel
O antipsicótico
Seroquel,
produzido pelo laboratório AstraZeneca, do Reino Unido, tornou-se um
dos medicamentos mais vendidos nos EUA, arrecadando mais de 5 bilhões de
dólares em 2010, apesar de seus
riscos,
frequentemente relatados. O remédio foi comercializado tão vastamente
para crianças pobres que, em 2007, o Departamento de Justiça para a
Juventude da Florida comprou duas vezes mais Seroquel que Advil. Sua
elevada aquisição no serviço militar, para usos não aprovados — como
para estumular o sono e para distúrbio de estresse pós-traumático (PTSD)
— também foi espantosa. Relatos de mortes repentinas de veteranos que
utilizavam a droga emergiram quando as compras do Seroquel pelo
Departamento de Defesa dos EUA cresceram 700%.
Poucos meses após a aprovação da Seroquel, em 1997, um
artigo no Jornal
de Medicina de Dakota do Sul já levantava questões sobre a interação
perigosa da droga com outros onze medicamentos. Passados três anos,
pesquisadores da Cleveland Clinic questionavam o efeito da Seroquel na
atividade elétrica do coração. Mas mesmo quando as famílias de veteranos
falecidos prestaram testemunhos em audiências no FDA, em 2009, e
exigiram respostas de dirigentes e legisladores, o órgão protegeu a
empresa. Depois, em 2011, com pouco alarde, o FDA emitiu novos avisos
que confirmavam as notícias devastadoras: tanto o Seroquel quanto sua
versão estendida, que fora lançada, “deveriam ser evitados” na
combinação com pelo menos outros 12 remédios. A droga também deveria ser
evitada pelos idosos e pessoas com doenças cardíacas, por causa de seus
claros riscos ao coração. Ops… A patente expirou no ano seguinte.
4. Levaquin
Os antibióticos à base de fluoroquinolona estão entre os mais vendidos. Muitas pessoas lembram-se do
Trovan (na
época dos ataques com antrax, logo após o 11 de setembro), mas a
indústria farmacêutica espera que não nos lembremos de que foi retirado
de circulação por causa de danos ao fígado, e do
Raxar, removido por causar eventos cardíacos e morte súbita. O
Levaquin,
da Johnson & Johnson, igualmente baseado em fluoroquinolona, foi o
antibiótico mais ventido nos EUA em 2010, com receitas acima de US$1
bilhão por ano — mas agora é tema de milhares de processos.
Em 2012, um ano após a patente do Levaquin expirar, uma enxurrada de
efeitos colaterais começou a emergir, sobre este medicamento e toda a
classe de fluoroquinolonas, lançando dúvidas sobre sua segurança. A
revista da
Associação Médica Norte-Americana relatou que, de 4.384 pacientes
diagnosticados com descolamento de rotina, 445 (10%) foram expostos a
fluoroquinolone no ano anterior ao diagnóstico. A Revista de Medicina da
Nova Inglaterra relatou no mesmo ano que o Levaquin estava ligado a um
risco crescente de morte cardiovascular, especialmente morte súbita por
distúrbios no ritmo cardíaco.
Embora a FDA tenha alertado sobre as rupturas de tendão —
especialmente os tendões de Aquiles — provocadas por fluoroquinolonas em
2008, e adicionado uma tarja preta de advertência na embalagem, novos
avisos graves foram feitos dois anos após o fim da patente do Levaquin.
Em 2013, a FDA advertiu sobre o “efeito colateral sério de neuropatia
periférica” — um tipo de dano nos nervos no qual as vias sensoriais são
prejudicadas — nas fluoroquinolonas. Neuropatias periféricas causadas
por esta classe de antibióticos podem “ocorrer logo após a administração
destas drogas, e podem ser permanentes”, alertou a ageência.
Fluoroquinolonas também estão ligadas ao
Clostridiumdifficile, também chamado de C. Diff, um micróbio intestinal sério e potencialmente mortífero.
5. Topamax
Antes de sua patente expirar, em 2009, a droga
Topamax deu
à Johnson & Johnson um bilhão de dólares por ano, e foram mais US$
538 milhões depois disso. O remédio foi tão preferido, para condições de
dor no serviço militar, que recebeu o apelido de “Stupamax” – uma
referência à maneira com que diminuia os tempos de reação e prejudicava a
coordenação motora, a atenção e a memória, de acordo com o
ArmyTimes. Não era muito bom para o combate…
Um ano antes de cair a patente do Topamax, a FDA alertou que ela e
outras drogas estão correlacionadas com suicídios, e pediu a seus
fabricantes para adicionar avisos na caixa. Quatro pacientes usuários da
droga mataram-se, contra nenhum sob placebo, declarou a FDA após rever
os testes clínicos. Já em 2011, o órgão anunciou que o Topamax pode
causar defeitos de nascimento nos lábios, nos bebês de mães que ingerem a
droga. “Antes de começar com o topiramato, grávidas e mulheres em idade
fértil devem discutir outras opções de tratamento com seu profissional
de saúde”, alertou o FDA, mas isso não impediu o órgão de aprovar uma
nova dieta de medicamentos contendo o genérico do Topamax, em 2012.
6. Oxycontin
O
Oxycontin,
do laboratório Purdue Pharma, é a avó de drogas que geram muito
dinheiro, apesar de seus efeitos colaterais letais. Junto de outros
opióides, ele causou o número assutador de 17 mil mortes no ano passado —
quatro vezes mais que em 2003. “O aumento [no uso] foi alimentado em
parte por médicos e organizações de defesa de analgésicos, que recebiam
dinheiro de empresas e faziam alegações enganosas sobre a segurança e a
efetividade de opióides — inclusive afirmando que o vício é raro”,
relatou o Journal Sentinel. A Sociedade de Geriatras Norte-Americanos
usou pesquisadores ligados à indústria farmacêutica para reescrever
guias clínicos em 2009, diz a publicação. Após reescritos, eles
especificavam opióides para todos os pacientes com dor moderada a severa
Devido a sua fórmula, que lhe permite agir por um longo período,
pensou-se que o Oxycontin teria toxidade e potencial de provocar
dependência reduzidos – ao menos até seus efeitos tornarem-no mais
popular que a cocaína nas ruas (todos os 80mg de pílulas podíam ser
tomados de uma vez). Em 2010, respondendo aos vícios, overdoses e mortes
associadas à droga, a Purdue Pharma desenvolvou um Oxycontin
inviolável, e, dois anos depois, passou a pressionar por leis que
exigissem inviolabilidade de todos os opiácios. A empresa garantiu que
sua maior preocupação era a saúde pública, mas muitos se perguntaram
sobre o porquê desta preocupação só se revelar às vésperas do fim da
patente da droga, em 2013…
Tradução: Gabriela Leite
http://revistaforum.com.br/blog/2014/01/industria-farmaceutica-mentiras-e-muito-dinheiro/