Aristóteles inicia seu
Problema nº 30 com a pergunta: Por
que todos os homens que foram excepcionais no tocante à filosofia, à
política, à poesia ou às artes aparecem como seres melancólicos?
De Aristóteles a Kierkegaard, passando por Nietzsche, Freud, Foucault
e Lacan, a melancolia tem ocupado, da Antigüidade aos dias de hoje, o
pensamento dos maiores filósofos do mundo ocidental, e agora chega
também aos museus.
Em cooperação com a Reunião dos Museus Nacionais da França, a Neue
Nationalgalerie de Berlim inaugurou, na sexta-feira última (17/02), a
exposição
Melancolia: genialidade e loucura no Ocidente, mostrando como a arte, nos últimos 2500 anos de cultura ocidental, retratou um problema que nunca foi tão atual.
Com o objetivo de desvendar os segredos espirituais do nascimento da
arte, os curadores da exposição observam a melancolia não somente como
fonte de sofrimento e loucura, mas também como forma de expressão do
temperamento de gênios e heróis.
Da bílis negra à depressão
Tela do pintor norte-americano Edward Hopper 'Uma mulher ao sol', de 1961
Jean Claire, curador da exposição, juntamente com Peter-Klaus
Schuster, reuniu mais de 250 trabalhos demonstrando o reconhecimento dos
efeitos da melancolia desde quando era considerada um dos humores
responsáveis pelo comportamento humano (daí o nome melancolia, em grego
"bílis negra"), até a sua versão moderna, conhecida como depressão.
Dividida em oito seções com obras de Dürer, Bosch, Goya, Van Gogh e
vários outros, a exposição inicia no século 5º antes de Cristo,
continuando na alta Idade Média, quando a melancolia também era
conhecida como doença dos monges, a acídia medieval, considerada então
um dos pecados capitais, depois substituída pela preguiça.
Da Renascença, que marca a idade de ouro da melancolia, ao
Iluminismo, que a põe no patamar da loucura, a melancolia chega ao
Romantismo do século 19, quando Nietzsche anuncia a morte de Deus e a
melancolia torna-se a celebração da perda de um mundo, até então
garantido pela fé. Melancolia,
Weltschmerz em alemão, significa literalmente "a dor do mundo".
Na última seção da exposição, coroada pela escultura do artista
australiano Ron Mueck de um imenso homem gordo, a melancolia assume no
mundo de hoje, com o individualismo e o fim das utopias, um caráter
depressivo, tornando-se um meio de se distanciar do mundo.
A incapacidade de estar triste
Busto de homem do século 15. A perda do paraíso terrestre após o Renascimento?
O filósofo alemão Dietmar Kamper, professor da Universidade Livre de Berlim e falecido em 2001, cita o estudo
Luto e melancolia de Sigmund Freud, para quem o luto significa a perda de um objeto querido.
Na melancolia, o indivíduo introjeta a perda do objeto, considerada
como um defeito próprio, uma ferida aberta e, com ela, perde também sua
condição própria de sujeito em um completo vazio. A depressão
caracteriza o acontecimento inconsciente desta perda.
Para Kamper, a depressão é "a incapacidade de ficar triste", ou seja,
a incapacidade de o sujeito reconhecer o objeto perdido, característica
principal do homem moderno, para ele um "neutro autista", sem sujeito e
sem objeto, preso em um mundo mediático dominado pela imagem, e cada
vez mais oprimido pelo controle social.
O filósofo berlinense vê também a depressão como uma forma mimética
de defesa do indivíduo, ou seja, no momento em que ele encena o perigo,
ele o exorciza. Assim como a dança da chuva encena a própria chuva, a
depressão seria um reflexo da própria morte do sujeito.
Arte: celebração e denúncia
Melancolia como nova forma de comportamento: sensacionalismo da mídia?
Com a exposição da Neue Nationalgalerie, a mídia alemã vem
celebrando a melancolia como algo positivo. Ou seja: o sentimento de
vazio da sociedade moderna seria inspirador de arte e por isto legítimo.
O
Financial Times alemão
caracterizou a exposição como "um discurso em defesa de um sentimento
que saiu de moda em tempos de aceleração, prazer e prozac". Na semana
passada, o programa de lifestyle
Polylux anunciou o início do movimento melancólico também na música pop.
Encarar a arte como forma de celebração da melancolia parece também
ser a posição de seus curadores. Sente-se falta, entretanto, de uma
discussão maior do próprio conceito de arte, tanto na mídia quanto na
organização conceitual da exposição berlinense.
Para Kamper a arte constitui uma forma abstrata-mimética de
reconhecimento da realidade, representando através da imaginação uma das
últimas instâncias de defesa do sujeito, da alma, do ser. Desta forma, a
melancolia na arte é mais uma forma de denunciar a perda e defender o
ser, do que ato de celebrar.
Em Paris, onde a exposição conseguiu atrair mais de 330 mil pessoas em três meses, e agora em Berlim, os curadores de
Melancolia: genialidade e loucura no Ocidente conseguiram muito bem – seguindo os passos do poeta John Donne – retratar por quem os sinos dobram.
Eles esqueceram, porém, de nos dizer: eles dobram por você.
A exposição Melancolia: genialidade e loucura no Ocidente
continua até 7 de maio de 2006, na Neue Nationalgalerie, em Berlim.