Título: PSIQUIATRIA E PREVIDÊNCIA SOCIAL
Dois estudantes, sextanistas de medicina, denunciaram a existência de graves irregularidades que estariam ocorrendo na esfera da assistência psiquiátrica prestada aos segurados da Previdência Social pelos hospitais da rede privada, em Salvador, Bahia, acarretando sérios prejuízos aos médicos, aos enfermeiros, aos estagiários e, sobretudo, aos próprios pacientes. A iniciativa, pelo seu significado, pela sua importância, pela sua seriedade, pela sua origem, deveria merecer o maior respeito e acatamento, inclusive porque foi confirmada pelo professor Luiz Humberto Ferraz, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia. Entretanto, o presidente da Associação Bahiana dos Proprietários de Casas de Saúde e, ele próprio de três dos cinco hospitais psiquiátricos de Salvador, Silio Nascimento Andrade, classificou, de imediato, os estudantes de "agitadores sociais", pedindo socorro à Polícia Federal. Inspirou-se, provavelmente, o diretor-proprietário da Empresa Médico-cirúrgica, prestadora de serviços ao INPS, no seu colega Presidente da Associação Médica Brasileira que, recentemente, procurou o Ministro da Justiça solicitando o concurso da Polícia Federal, através da censura, para impedir a publicação de notícias sobre descaminhos médico-assistenciais. O Presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia, Aristides Maltez Filho, por seu lado, ao invés de determinar a realização de uma sindicância com a finalidade de verificar a autenticidade da denúncia, resguardando, dessa forma, a majestade do tribunal de ética, resolveu limitar a sua atuação aos aspectos estritamente deontológicos. Repetiu, em última análise, a atitude do seu colega, Presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro que, em face de notícias a respeito de infrações éticas, decidiu recomendar, pela imprensa, aos médicos, que se abstivessem de participar de reportagens sobre problemas médicos. As críticas dos estudantes baianos foram bastantes específicas e precisas, "esse sistema baseado mais nos hospitais, principalmente nos particulares, tem propiciado a cronificação de doenças, maior incapacitação social, constantes reinternações - a maioria das vezes desnecessárias e apenas para fornecer pacientes aos hospitais e tempo prolongado de permanência do cliente no hospital". (p. 187)
As distorções que ocorrem na assistência psiquiátrica na esfera do INPS podem constituir surpresa para os que não estão familiarizados com o assunto. Não poderá causar espanto, entretanto, aos técnicos do Ministério da Previdência e Assistência Social. Pelo menos é o que se pode deduzir da leitura do documento técnico publicado pela Secretaria de Serviços Médicos do MPAS, de autoria de Jayme Trieger e Carlos Veloso de Oliveira e prefácio do secretário Hugo Victorino Alqueres Baptista. Verifica-se, através dessa publicação oficial, que "as atividades relacionadas com a proteção e defesa da saúde mental apresentam resultados insatisfatórios, quer qualitativa, quer quantitativamente" e que "a oferta de serviços apresenta sérias distorções voltando-se, na sua maioria, para a criação de maior número de leitos hospitalares". Confirma-se, dessa maneira, em parte, a denúncia dos estudantes de medicina da Bahia. O Ministério da Previdência, reconhecendo a ocorrência de "desequilíbrios sensíveis", recomenda que "as técnicas e recursos terapêuticos de orientação comunitária devem ser enfatizados para que se evite uso abusivo do leito hospitalar". Os técnicos da previdência, consagrando tese pacífica da Organização Mundial da Saúde no sentido de concentrar a assistência psiquiátrica no âmbito ambulatorial, ressaltam que, no Brasil, onde o INPS é o responsável pelo financiamento de grande parte da assistência médica, cresce, gradativamente, o número de internações de doentes mentais, "dai resultando que 97% dos recursos financeiros são destinados à hospitalização contra, apenas, 3% para atividades ambulatoriais". A informação técnica da Secretaria de Serviços Médicos do MPAS "confirma os parâmetros segundo os quais o percentual de admissão hospitalar deverá atingir até 3% do total das consultas psiquiátricas", mas que, "em 1973, no Estado de São Paulo, 36% do total das consultas na especialidade resultaram em internação hospitalar na Previdência Social". Ao entregar a assistência psiquiátrica à medicina de mercado, a Previdência Social não pode desconhecer que, até o momento, não foi descoberto qualquer instrumento ou sistema capaz de controlar, com eficiência, as atividades dos hospitais contratados. Pesquisa realizada pelo Departamento de Saúde da cidade de Nova York comprovou que é impossível erradicar todos os abusos e que a má administração admite os pseudo-controles, apenas formais e ineficazes. (p. 188)
A correção das distorções reconhecidas na área da assistência psiquiátrica da Previdência Social, adotando os princípios técnicos preconizados pela Secretaria de Serviços Médicos do Ministério da Previdência e Assistência Social será inviável enquanto os serviços estiverem entregues à medicina mercantilizada, à medicina do lucro, à medicina privatizada. Maio de 1976. (p. 189)
Referência:
MELLO, Carlos Gentile. Saúde e assistência médica no Brasil. São Paulo: Cebes; Hucitec, 1977.
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