Nesse trecho Bruno Latour explica o que são acusações de irracionalidade para pessoas que pensam diferente dos cientistas e que estão fora da rede sociotécnica. Uma vez que a ciência encontra a linha reta dos fatos indiscutíveis, qualquer afirmação diferente seria crença e não conhecimento. Crenças diferentes dos cientistas seriam resultado de interferências por fatores especiais com causas sociais, culturais, psicológicas, neurológicas, etc. Latour usa a expressão explicações assimétricas para descrever um desequilíbrio entre a racionalidade dos cientistas e irracionalidade das pessoas leigas fora da rede sociotécnica afetadas por preconceitos (sem cabeça boa). Latour usa exemplos de acusações de irracionalidade e depois mostra que defesas no tribunal da razão podem ser feitas de modo a inverter as acusações de irracionalidade. Se as acusações de irracionalidade podem ser invertidas e se os adjetivos laudatórios (elogiosos) e acusatórios não afirmam nada direto sobre as afirmações então Latour conclui que as acusações de irracionalidade não devem ser feitas. Acusações de irracionalidade para o autor são como procurar causas para efeitos não demonstrados. O autor mostra estratégias que permitem inverter acusações de irracionalidade. Essa seria uma forma de relativismo (possivelmente metodológico) que estabelece uma simetria entre conhecimento e crença a partir de um ponto de vista assumido como ponto de partida. A simetria supõe que todos as pessoas ou sociedades são suficientemente lógicas e acusações de irracionalidade podem ser aplicadas a qualquer ponto de vista (todos são irracionais e lógicos). A ciência também deve ser explicada em seus aspectos sociais e não somente as crenças. A consideração do contexto social permite entender como racional o que é considerado infrações lógicas ou da razão. A inexistência de irracionalidade é uma das suposições fundamentais da antropologia ou da etnografia.
A psiquiatria estabelece a partir da própria autoridade acusações de irracionalidade aplicadas a pacientes insatisfeitos e críticos da psiquiatria, atribuindo defeitos cerebrais e outras causas especiais para explicar suposta irracionalidade. A psiquiatria também deve ser explicada em seus aspectos sociais, assim como a sua extensão para a sociedade. Uma vez que não se assume um ponto de vista psiquiátrico clássico como a fonte da razão e das acusações de doença, desnudam-se aspectos sociais prejudiciais, opressores e irracionais nas suas práticas e no seu conhecimento (aplicação da regra metodológica de simetria).
Trecho sobre acusações de irracionalidade no livro Ciência em ação de Bruno Latour (Antropologia da ciência e tecnologia) no arquivo abaixo:
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