Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Um bom "resumo" do blogue

Esse livro dá um bom "resumo" do blogue. Isto é, tem algumas fontes parecidas. Sem precisar ficar lendo 2 ou 3 anos como eu fiz. É claro que tem a autoridade de gente com experiência na área.

http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/medicalizacao-em-psiquiatria

Medicalização em Psiquiatria

 

Autores: Fernando Freitas, Paulo Amarante
“Estaríamos ficando cada vez mais doentes? Ou estaríamos a cada dia ficando mais saudáveis, já que gastamos mais com saúde?”. Os autores partem desse questionamento para discutir a problemática da medicalização, sobretudo no que se refere ao sofrimento psíquico. Eles chamam atenção para o fato de que experiências comuns e naturais da nossa existência têm sido consideradas passíveis de serem 'tratadas' e 'resolvidas' com medicamentos. As consequências individuais e sociais desse problema são analisadas pelos autores, que também fazem um alerta sobre os prejuízos causados por uma nefasta aliança entre a psiquiatria e a indústria farmacêutica. Com linguagem acessível, esta obra objetiva ampliar o debate sobre a medicalização do sofrimento psíquico, incluindo, em especial, aqueles que sofrem com ela.
Preço: R$ 15,00 | 148 páginas
ISBN: 978-85-7541-472-9. 2015. 148 p.

 
Sumário:

Apresentação
1. As Diversas Faces do Fenômeno
2. Diagnosticar Doenças
3. Medicalização: incluir ou excluir
4. O Mito Científico do Desequilíbrio Químico e Suas Doenças
5. Ninguém Pode Escapar
6. A Desmedicalização É Possível (Experiências)
Reflexões Finais
Referências
Sugestões de Leituras e Filmes

Sobre os autores:

Fernando Freitas: Psicólogo, doutor em psicologia pela Université Catholique de Louvain (Bélgica); professor e pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Fundação Oswaldo Cruz.
Paulo Amarante: Médico psiquiatra, doutor em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, com estágio de doutoramento em Trieste (Itália) e doutor honoris causa pela Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo; professor e pesquisador titular (senior researche) do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Ensp/Fiocruz, vicepresidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental, diretor de política editorial do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde e editor da revista Saúde em Debate.
Conheça outros livros da Editora sobre:
Saúde Mental
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Temas em Saúde

 

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Um filosofia do ser empobrecida


Um filosofia do ser empobrecida

A lista prévia de dano se relacionam com o impacto da psiquiatria na sociedade no âmbito médico. Corrupção institucional levou a prática da medicina numa maneira que violou os padrões do consentimento informado, e também danificou nossa sociedade como medido pela piora dos resultados na saúde mental, entre ambos adultos e crianças. Mas a instituição da psiquiatria também tem tido um profundo impacto como a criadora de uma filosofia moderna, a qual afeta o nosso entendimento do que significa ser “normal”, nossas narrativas internas, nossa resposta societal a injustiças sociais, e mesmo nossos valores democráticos.
Em cada sociedade, estórias são contadas que proveem um entendimento da “natureza humana” e se há um tema que permanece nessas estórias, é de que humanos são criaturas extremamente emocionais. O velho testamento conta de humanos frequentemente tomados por ganância, inveja, luxúria, amor e – ao mais extremo – impulsos homicidas. Nesse contexto, a luta essencial para uma pessoa está dentro do próprio eu. As emoções que produzem comportamento pecador deveria ser prevenidas, e dessa maneira uma pessoa pode ter a esperança de se comportar de maneiras que são agradáveis a Deus. Os épicos Gregos pintam esforços similares, e se nós irmos adiante na história literária nós rapidamente pousamos em Shakespeare, cujos personagens são regularmente adequadamente tomado por emoções hostis, sejam as dores do desejo não satisfeito em Romeu e Julieta, ou as raivas assassinas de Macbeth. Novelas nos proveem com uma similarmente rica tapeçaria, e em toda essa literatura, desde os tempos gregos adiante, nós vemos variações do mesmo tema: humanos sofrimento com suas mentes e emoções, as quais são raramente habitualmente bem organizadas.
A concepção Freudiana de mente encontra esse tema. Seu brilhantismo foi colocar dramatizações literárias do caráter humano num paradigma psicológico, com os diferentes elementos da mente – o id, ego e superego – regularmente em guerra (e com muito desse esforço ocorrendo fora da do âmbito da consciência). Seu retrato psicológico da mente refletem a fisiologia do cérebro humano, com seu centro reptiliano antigo, sobreposto por um córtex cerebral mamífero, e finalmente com os lobos frontais exagerados, com essa parte do cérebro regulamente dada a tarefa de criar uma narrativa para o “eu” que faz algum sentido, sem considerar o quanto precisa essa narrativa pode na realidade ser.
A beleza de tal literatura, e porque ultimamente pode ser tão consolador para um indivíduo, é que provê uma concepção expansiva da natureza humana. Nós todos nos esforçamos com nossas emoções e nossas mentes, e é raro o ser humano que nunca fez papel de tolo, e que não teve suas emoções fora de controle. Esse é um entendimento que nutre empatia, tanto para outros e para si. Também nos provê com um senso do que esperar da vida. A felicidade pode nos visitar agora ou outro momento, mas conte suas graças quando vem. Ansiedade, luto, raiva, ciúme, melancolia – espere tais emoções visitarem também.
A APA, com seu DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico) provê a sociedade com uma visão diferente na “normalidade” humana e o que nós podemos esperar das nossas mentes. Normalidade – como definida pelo construtos diagnósticos que falam de “doença” - é um lugar muito constrito. Emoções extremas, emoções dolorosas, e comportamentos difíceis todos se tornam “sintomas” de doenças. A mente, de acordo como o DSM-III, -IV, e -5, não deve ser um lugar caótico. Mesmo um sentimento comum de distresse, ansiedade, deve ser visto como “anormal”. Dessa maneira, o DSM prove a sociedade com uma filosofia do ser acentuadamente empobrecida.
O escritor Sam Kriss brilhantemente iluminou esse fato aos escrever uma resenha do DSM-5 como se fosse um romance. Há, ele nota, um senso de “solidão que satura o seu trabalho”, o livro escrito por um narrador sem habilidade de “apreciar outras pessoas”. Essa é uma estória sem quaisquer dos elementos que tradicionalmente sustentam uma trama. Poucos personagens fazem uma aparição, mas eles são sem nome, formas espectrais, os quais se movem enquanto a estória progride, curtamente corporificando suas várias doenças antes de desaparecer rapidamente como vieram – figuras comparáveis com cacofonia de vozes em A terra perdida ou as figuras universalmente anonimas da Cegueira de Jose Saramago. Um sofredor de depressão ou hipocondria pode ser revelado ser a mesma pessoa, mas para a maior parte dos limites entre os diagnósticos mantém seus personagens separados um do outro… A ideia emerge de que cada doença da pessoa é de alguma maneira sua própria culpa, que isso vem do nada além de si mesmos: seus genes, suas adicções, e seu insuficiência inerente humana. Nós entramos um mundo estranho de sombras onde para alguém se envolve com prostituição não é o resultado de fatores ambientais de diferente setores (relações de gênero, classe econômica, relacionamentos familiares e sociais) mas um sintoma de “transtorno de conduta” junto com “mentir, falta à escola e fugir”. Uma pessoa louca é como uma máquina defeituosa. A observação pseudo-objetiva apenas vê o que eles fazem, aos invés de o que eles pensam ou como eles se sentem. Uma pessoa que defeca no chão da cozinha porque isso dá a elas prazer erótico e uma pessoa que defeca no chão da cozinha para extirpar demônios são ambos agrupados por encopresis. Não é de que o processo de pensamento não importa, é como se não existissem. O ser humano é uma rede de carne sobre um vazio.
Kriss entitulou a sua resenha de “Livro das Lamentações”. Finalmente, ele concluiu, que o DSM apresenta aos leitores com uma descrição da normalidade que horroriza:
Se há normalidade aqui, é um estado de quase catatonia. DSM-5 parece não ter definição de felicidade a não ser a ausência de sofrimento. O indivíduo normal nesse livro é tranquilizado e parece um bovino, mudamente aceitando tudo num às vezes mundo doloroso sem nunca sentir muito que atrapalhe isso. Os excessos vastos e absurdos de paixão que formam a matéria bruta da arte, literatura, amor, e humanidade são muito estressantes; é mais fácil parar de ser humano de uma vez só, e simplesmente se mover como uma coleção de diagnósticos sobrepostos com um corpo vagamente anexado.

Esse é o livro que provê nossa sociedade com um paradigma para julgar aos outros, e a nós mesmos. Emoções e comportamentos que, nos trabalhos literários do passado, teriam sido apresentados como bem normais são ao invés disso descritos como “transtornos mentais”. A criança mal comportada – olá Tom Sawyer – é agora revista como uma criança sofrendo de Déficit de Atenção, a qual precisa ser tratada com estimulante. O adolescente mau humorado, o qual uma pessoa teria sido visto como passando por “tempestade e estresse” da adolescência, pode agora ser diagnosticado como deprimido e tratado com antidepressivo. O adulto que faz o luto por muito tempo sobre a morte de um esposo ou um dos pais agora tem “depressão maior” (talvez Shakespeare hoje iria recomendar uma dose de Cymbalta para Hamlet). E assim por diante.
[…] Resumindo, o DSM – como um livro de filosofia para nossa sociedade moderna – retira a poesia da vida. Ele nos diz para usar rédeas e evitar sentir muito profundamente. E aqui está a ligação com corrupção insitucional: a APA nos informou dos desequilíbrios químicos e doenças cerebrais conhecidas e transtornos validados, os quais são os tijolos construtores para a filosofia que criou, e ainda esses tijolos construtores tem que ainda ser encontrados na natureza.

[…] O “Eu” é encorajado para sempre estar em alerta para signais de anormalidade, com os pais tomando vigilância para suas crianças, mesmo quando eles estão na pré-escola. Além do mais, essa vigilância constante facilmente se transforma numa narrativa para a vida mais ampla. Dessa maneira, o modelo da doença da APA encoraja a narração interna que rouba o senso de responsabilidade e de resiliência. A pessoa não é encorajada a examinar o contexto de sua vida. O que aconteceu? O que pode ser mudado? Ou, ainda mais radical: Existes momentos em que o sofrimento deve ser abraçado?

Robert Whitaker e Lisa Cosgrove - Psiquiatria sob Influência

Paulo Amarante em Italia-Trieste.

Paulo Amarante em Italia-Trieste.
Caros e caras amigos e amigas
Vim pra Itália com o coração partido pois aí no Brasil as coisas começavam a ficar complicadas a partir da nomeação de um coordenador de saúde mental assumidamente contrário à reforma psiquiátrica. Me pronunciei a respeito expondo minha posição em algumas mídias e manifestações públicas, nos sites da Abrasco e da Ensp, dentre outros, mas eu tinha que vir pra Trieste para o Encontro da Escola Internacional Franca & Franco Basaglia onde contribui para tornar público o grave risco e ameaça de retrocesso que está acontecendo no Brasil. Para tanto, preparei uma proposta de carta de solidariedade internacional que foi aprovada efusivamente pelos participantes de vários países. Aqui estavam Franco Rotelli, Giuseppe Dell'Acqua, Roberto Mezzina, Maria Grazia Giannicheda, Allen Francis, John Jenkins, John Stacey, Ricardo Guinea e muitos outros internacionais e muitos brasileiros. Reproduzimos a carta em português, italiano e inglês e a divulgamos em vários países.
Mas, sobretudo, a minha vinda e os contatos aqui serviram para que, acompanhando as coisas um tanto de fora, com o distanciamento de quem está longe, do significado de tudo pelo que estamos lutando. Estamos lutando pra não permitir que as coisas voltem a ser como antes, quando milhares de vidas eram jogadas fora nas lixeiras manicomiais, como dizia Carrano; que milhares de vidas eram oprimidas, violentadas, destruídas! Nosso trabalho de reforma psiquiátrica fez com que estas muitas milhares de vidas de pessoas fossem resgatadas, reconstruídas, reinventadas, recuperadas. Mas, por outro lado, nosso trabalho de reforma psiquiátrica também possibilitou que muitas outras milhares de vidas não chegassem a ser jogadas fora nos manicômios, que nem chegassem a conhecer os manicômios, pois fomos criando os CAPS, os NAPS, os CERSAMS, os Centros de Convivência, as estratégias de residencialidade, as Cooperativas e projetos de trabalho e geração de renda, os projetos culturais e tantas outras possibilidades que contribuíram para os tornar sujeitos, sujeitos verdadeiramente de direitos.
E penso que o movimento da reforma psiquiátrica nos ensina mais uma vez algo muito importante neste momento, que é a importância do próprio movimento! Mesmo muitos dirigentes, muitos gestores, muitos coordenadores passaram a demonstrar que entendiam que a reforma psiquiátrica era coisa de gestão única e exclusivamente; que dependia simplesmente de portarias e normas, que prescindia da participação das pessoas e dos movimentos sociais. Vejam e lembrem a dificuldade para convocarmos as conferências de saúde mental! Ninguém mais fala sobre realizar a V Conferência! Vejam e lembrem a dificuldade e a falta de apoio das instituições e órgãos oficiais aos encontros antimanicomiais, aos eventos da Abrasme e muitos outros. E as reuniões periódicas da Comissão de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde? E o cumprimento das recomendações das conferências nacionais de saúde mental? As recomendações do Conselho Nacional de Saúde? Por isso o movimento, enquanto essa ideia mesmo de participação, de movimentação, de construção coletiva, dá mais essa lição, mais essa contribuição: a luta é permanente, é cotidiana, é ininterrupta: A LUTA SEMPRE CONTINUA!
E não será com apelos e cartas gentis e compreensivas ao ministro ou ao Dr. Valencius que a luta será ganha! Eles têm consciência do que pretendem e ao que vieram.
E após a vitória temos que exigir dos futuros gestores, coordenadores, dirigentes, o devido lugar e a importância que os movimentos sociais devem ter na construção da reforma psiquiátrica no Brasil! A ocupação é legítima e necessária para enfrentar esta ameaça de retrocesso e para retomar a força dos movimentos sociais para a reforma psiquiátrica e o SUS!!! Seja com que Coordenador ou Ministro que estiver!!!

CARTA DE TRIESTE DE APOIO À REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
A LUTA É INTERNACIONAL
Abraço Internacional à Reforma Psiquiátrica Brasileira
Mais de 250 participantes do Encontro Internacional "Uma sociedade sem isolamento" - Trieste, 15 a 18 de dezembro de 2015 -, oriundos de 24 países, bem como de toda a Itália, desejam manifestar sua preocupação acerca do novo direcionamento do processo de reforma psiquiátrica brasileira.
A experiência brasileira é um dos exemplos mais emblemáticos de desinstitucionalização e de inclusão social de pessoas em sofrimento mental grave.
A indicação do Ministro da Saúde de um novo coordenador para a Saúde Mental que já demonstrou aversão quanto à reforma ao longo de sua carreira como psiquiatra e como diretor de um hospital psiquiátrico causou polêmica no mundo todo.
Os participantes querem demonstrar-se solidários a usuários, familiares, Associações e trabalhadores da Saúde Mental que estão lutando pela evolução e pelo fim deste processo, a partir da oposição a qualquer possibilidade de retrocesso quanto a posicionamentos éticos, políticos e sociais importantes.
Os participantes comprometem-se a divulgar informações a esse respeito e a apoiar a luta contra hospitais psiquiátricos em seus países e diante de organizações internacionais.
Trieste, 17 de dezembro de 2015.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Carta aberta aos meus colegas médicos da ABP

Carta aberta aos meus colegas médicos da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria)
Li com atenção a vossa nota de esclarecimento sobre a mudança da Coordenação de Saúde Mental pelo atual Ministro da Saúde. Proclama que os senhores comungam com a lei 10.216, que declaram estar contida nas vossas Diretrizes para um Modelo de Atenção Integral em Saúde Mental no Brasil. Mas antes de comungar é preciso confessar. E na vossa confissão fica absolutamente claro que vocês abominam o que festejamos como Reforma Psiquiátrica.
Notaram como na vossa nota não consta o vocábulo tão odiado? Porque vocês até admitem reformar a assistência à saúde mental. Admitem reformar o antigo e indefensável manicômio para que ele fique mais palatável. Suportam até a existência dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS (só que próximos ou dentro do ambiente hospitalar, o que já não é uma proposta comunitária). Mas não admitem uma reforma da psiquiatria. Aqui está o ponto.
Nós, da Reforma Psiquiátrica, entendemos que o que está em xeque é a própria psiquiatria. A soberba de um saber que se acha “científico” e despreza outros saberes sobre a loucura – um fenômeno complexo para ficar refém do saber médico. A captura da loucura pelo saber médico foi muito bem estudada por Foucault, de quem vocês ouviram falar, alguns não leram e outros têm raiva de quem leu. Ele defende apenas um saber que, como o vosso, não tem o toque mágico da cientificidade e precisa do embate democrático e do convencimento argumentativo para se estabelecer. Vocês acham que uma Classificação Internacional de Doenças Psiquiátricas (CID Psiquiátrico) que se modifica ao longo dos tempos pelos costumes sociais é científica? A Psiquiatria sempre habitou o campo da moral e bons costumes. Muito de vós não lembram a malfadada Liga Brasileira de Higiene e Saúde Mental com sua proposta eugênica de explícito componente fascista? Era em nome do “cientificismo”. Mas foi em nome da razão que a psiquiatria encarcerou os loucos. E a razão de uma época nunca é científica. Machado de Assis mostrou isso muito bem quando o nosso hospício ainda era recente, no fim do século XIX.
Para nós da Reforma – e não importa que vocês não queiram entender – só uma democratização do saber psiquiátrico, de suas complexas relações, pode ajudar o campo da Saúde Mental. E assim ele pode e pode muito. Em nome da Saúde e não da Doença, outros profissionais de vários campos de saberes, os pacientes e seus familiares são protagonistas de uma nova e excepcional forma de cuidado na comunidade em oposição ao modelo fechado do manicômio. A Reforma é a negação do manicômio, não a sua reabilitação com novas tintas. O campo biológico e moderno das neurociências é indispensável para nós, como complementar, sem, necessariamente, exercer a hegemonia.
Sinceramente não entendi as mortes de que somos acusados nem a desassistência de vossos números. Temos problemas e lutamos para superá-los. Logo vocês que nunca enxergaram as mortes, estas sim produzidas pela desassistência do manicômio e fartamente documentadas. Não foi a nossa ideologia a responsável pelas mortes, mas a vossa.
A Reforma Psiquiátrica, que temos o orgulho de ter feito e seguiremos construindo, buscou os direitos das pessoas com transtornos mentais no campo dos Direitos Humanos; propôs uma ética inclusiva à sociedade em relação à loucura; e está construindo uma Rede de Serviços Substitutivos Comunitários em oposição ao Manicômio. É uma proposta ideológica sim. Como a vossa também é. Só que a vossa é negada e encoberta por um manto de “cientificismo” como foi a proposta eugênica que nos levou a verdadeiros campos de concentração no passado.
A roda da história não gira de modo contínuo, às vezes para, às vezes recua, mas volta a seguir em frente. Entendemos como retrocesso esse momento de júbilo com que vocês recebem a nova Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Repararam que vocês falaram apenas em nome dos psiquiatras e dos familiares? Sintoma, meus caros, sintoma!
A Reforma Psiquiatra coloca o paciente como protagonista e não como objeto de nossa ação. Por isso temos a certeza que na história vós sois o passado, nós apontamos o futuro fazendo o presente.
Saudações antimanicomiais,
Edmar Oliveira – médico psiquiatra aposentado do Ministério da Saúde, 40 anos de prática clínica, gestão pública e militante da Reforma Psiquiátrica. Não é filiado à ABP por discordância de uma prática corporativa mesquinha.