Li com atenção a vossa nota de esclarecimento sobre a mudança da Coordenação de Saúde Mental pelo atual Ministro da Saúde. Proclama que os senhores comungam com a lei 10.216, que declaram estar contida nas vossas Diretrizes para um Modelo de Atenção Integral em Saúde Mental no Brasil. Mas antes de comungar é preciso confessar. E na vossa confissão fica absolutamente claro que vocês abominam o que festejamos como Reforma Psiquiátrica.
Notaram como
na vossa nota não consta o vocábulo tão odiado? Porque vocês até
admitem reformar a assistência à saúde mental. Admitem reformar o antigo
e indefensável manicômio para que ele fique mais palatável. Suportam
até a existência dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS (só que
próximos ou dentro do ambiente hospitalar, o que já não é uma proposta
comunitária). Mas não admitem uma reforma da psiquiatria. Aqui está o
ponto.
Nós, da Reforma Psiquiátrica, entendemos que o que está em xeque é a própria psiquiatria. A soberba de um saber que se acha “científico” e despreza outros saberes sobre a loucura – um fenômeno complexo para ficar refém do saber médico. A captura da loucura pelo saber médico foi muito bem estudada por Foucault, de quem vocês ouviram falar, alguns não leram e outros têm raiva de quem leu. Ele defende apenas um saber que, como o vosso, não tem o toque mágico da cientificidade e precisa do embate democrático e do convencimento argumentativo para se estabelecer. Vocês acham que uma Classificação Internacional de Doenças Psiquiátricas (CID Psiquiátrico) que se modifica ao longo dos tempos pelos costumes sociais é científica? A Psiquiatria sempre habitou o campo da moral e bons costumes. Muito de vós não lembram a malfadada Liga Brasileira de Higiene e Saúde Mental com sua proposta eugênica de explícito componente fascista? Era em nome do “cientificismo”. Mas foi em nome da razão que a psiquiatria encarcerou os loucos. E a razão de uma época nunca é científica. Machado de Assis mostrou isso muito bem quando o nosso hospício ainda era recente, no fim do século XIX.
Para nós da Reforma – e não importa que vocês não queiram entender – só uma democratização do saber psiquiátrico, de suas complexas relações, pode ajudar o campo da Saúde Mental. E assim ele pode e pode muito. Em nome da Saúde e não da Doença, outros profissionais de vários campos de saberes, os pacientes e seus familiares são protagonistas de uma nova e excepcional forma de cuidado na comunidade em oposição ao modelo fechado do manicômio. A Reforma é a negação do manicômio, não a sua reabilitação com novas tintas. O campo biológico e moderno das neurociências é indispensável para nós, como complementar, sem, necessariamente, exercer a hegemonia.
Sinceramente não entendi as mortes de que somos acusados nem a desassistência de vossos números. Temos problemas e lutamos para superá-los. Logo vocês que nunca enxergaram as mortes, estas sim produzidas pela desassistência do manicômio e fartamente documentadas. Não foi a nossa ideologia a responsável pelas mortes, mas a vossa.
A Reforma Psiquiátrica, que temos o orgulho de ter feito e seguiremos construindo, buscou os direitos das pessoas com transtornos mentais no campo dos Direitos Humanos; propôs uma ética inclusiva à sociedade em relação à loucura; e está construindo uma Rede de Serviços Substitutivos Comunitários em oposição ao Manicômio. É uma proposta ideológica sim. Como a vossa também é. Só que a vossa é negada e encoberta por um manto de “cientificismo” como foi a proposta eugênica que nos levou a verdadeiros campos de concentração no passado.
A roda da história não gira de modo contínuo, às vezes para, às vezes recua, mas volta a seguir em frente. Entendemos como retrocesso esse momento de júbilo com que vocês recebem a nova Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Repararam que vocês falaram apenas em nome dos psiquiatras e dos familiares? Sintoma, meus caros, sintoma!
A Reforma Psiquiatra coloca o paciente como protagonista e não como objeto de nossa ação. Por isso temos a certeza que na história vós sois o passado, nós apontamos o futuro fazendo o presente.
Saudações antimanicomiais,
Edmar Oliveira – médico psiquiatra aposentado do Ministério da Saúde, 40 anos de prática clínica, gestão pública e militante da Reforma Psiquiátrica. Não é filiado à ABP por discordância de uma prática corporativa mesquinha.
Nós, da Reforma Psiquiátrica, entendemos que o que está em xeque é a própria psiquiatria. A soberba de um saber que se acha “científico” e despreza outros saberes sobre a loucura – um fenômeno complexo para ficar refém do saber médico. A captura da loucura pelo saber médico foi muito bem estudada por Foucault, de quem vocês ouviram falar, alguns não leram e outros têm raiva de quem leu. Ele defende apenas um saber que, como o vosso, não tem o toque mágico da cientificidade e precisa do embate democrático e do convencimento argumentativo para se estabelecer. Vocês acham que uma Classificação Internacional de Doenças Psiquiátricas (CID Psiquiátrico) que se modifica ao longo dos tempos pelos costumes sociais é científica? A Psiquiatria sempre habitou o campo da moral e bons costumes. Muito de vós não lembram a malfadada Liga Brasileira de Higiene e Saúde Mental com sua proposta eugênica de explícito componente fascista? Era em nome do “cientificismo”. Mas foi em nome da razão que a psiquiatria encarcerou os loucos. E a razão de uma época nunca é científica. Machado de Assis mostrou isso muito bem quando o nosso hospício ainda era recente, no fim do século XIX.
Para nós da Reforma – e não importa que vocês não queiram entender – só uma democratização do saber psiquiátrico, de suas complexas relações, pode ajudar o campo da Saúde Mental. E assim ele pode e pode muito. Em nome da Saúde e não da Doença, outros profissionais de vários campos de saberes, os pacientes e seus familiares são protagonistas de uma nova e excepcional forma de cuidado na comunidade em oposição ao modelo fechado do manicômio. A Reforma é a negação do manicômio, não a sua reabilitação com novas tintas. O campo biológico e moderno das neurociências é indispensável para nós, como complementar, sem, necessariamente, exercer a hegemonia.
Sinceramente não entendi as mortes de que somos acusados nem a desassistência de vossos números. Temos problemas e lutamos para superá-los. Logo vocês que nunca enxergaram as mortes, estas sim produzidas pela desassistência do manicômio e fartamente documentadas. Não foi a nossa ideologia a responsável pelas mortes, mas a vossa.
A Reforma Psiquiátrica, que temos o orgulho de ter feito e seguiremos construindo, buscou os direitos das pessoas com transtornos mentais no campo dos Direitos Humanos; propôs uma ética inclusiva à sociedade em relação à loucura; e está construindo uma Rede de Serviços Substitutivos Comunitários em oposição ao Manicômio. É uma proposta ideológica sim. Como a vossa também é. Só que a vossa é negada e encoberta por um manto de “cientificismo” como foi a proposta eugênica que nos levou a verdadeiros campos de concentração no passado.
A roda da história não gira de modo contínuo, às vezes para, às vezes recua, mas volta a seguir em frente. Entendemos como retrocesso esse momento de júbilo com que vocês recebem a nova Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Repararam que vocês falaram apenas em nome dos psiquiatras e dos familiares? Sintoma, meus caros, sintoma!
A Reforma Psiquiatra coloca o paciente como protagonista e não como objeto de nossa ação. Por isso temos a certeza que na história vós sois o passado, nós apontamos o futuro fazendo o presente.
Saudações antimanicomiais,
Edmar Oliveira – médico psiquiatra aposentado do Ministério da Saúde, 40 anos de prática clínica, gestão pública e militante da Reforma Psiquiátrica. Não é filiado à ABP por discordância de uma prática corporativa mesquinha.
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