Antidepressivos: cura ou causa?
E declarações como a que Chico Anysio fez em sua última entrevista - concedida à Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) pouco antes de sua morte, em 2012 - são usadas para reforçar a necessidade que a sociedade está criando de buscar seu bem estar mental nas farmácias. Com a intenção de desmistificar a depressão e o uso antidepressivos, chegou a afirmar que não teria feito 20% do que fez sem os remédios.
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E o mercado de psicotrópicos não para de crescer desde então. A venda de estabilizadores de humor e antidepressivos aumentou 8,4% nos últimos quatro anos no país. Mas o verdadeiro salto foi nos quatro anos anteriores - entre 2005 e 2009 - quando cresceu 44,8%, de acordo com dados do IMS Health, instituto que faz auditoria para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Foi também depois do surgimento do Prozac que o número de depressivos começou a crescer em proporções epidêmicas. Em 2007, uma década depois de aprovada a comercialização da fluoxetina pelo Food and Drugs Administration (FDA), o número de americanos incapacitados pela doença era de 1 em 76, seis vezes mais que a taxa registrada em 1955, conforme cita Robert Whitaker no livro "Anatomy Of An Epidemic" (sem edição no Brasil). Esse índice contribui de forma proporcional ao aumento do uso de antidepressivos em todos os países. Na Inglaterra, segundo o autor, o número de dias de incapacidade relacionados à depressão triplicou logo na primeira década de comercialização do Prozac. Com tantos medicamentos acessíveis, não deveriam essas taxas estarem caindo?
O fato é que se Chico Anysio tivesse vivido seu período produtivo na primeira metade do século 20, ele teria uma chance grande de ter se livrado da depressão para sempre depois de superada a primeira crise. Em um estudo com 2,7 mil internados com depressão no estado de Nova York entre os anos de 1909 e 1920, o New York Department of Mental Hygiene registrou que apenas 17% dos pacientes tiveram mais de três crises subsequentes, enquanto mais da metade dos depressivos não tiveram recorrência. Atenção para o fato e se tratar de depressão severa, com necessidade de internação.
O Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMF) considerava, na época, a depressão uma condição com os melhores prognósticos de recuperação. Com o uso da medicação até mesmo em casos leves - ou, para muitos, como recurso para se sentirem "melhor que bem" - hoje uma parcela cada vez maior da população depende dessas drogas sob o risco de relapsos constantes. De problema relativamente incomum se transformou em uma condição crônica, quarta principal causa de incapacitação no mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde (ONU) mostram que no Brasil 18,4% da população já teve um episódio de depressão, o maior índice entre os países emergentes.
Ataque de pânico, irritabilidade, insônia, agressividade e alteração de humor são alguns dos sintomas mais comuns observados em quem deixa de usar os remédios. A síndrome da descontinuação faz com que os pacientes acreditem que não podem viver sem o medicamento. Afinal, foram convencidos de que sua depressão seria resultado de um desequilíbrio de neurotransmissores.
Essa teoria, no entanto, já foi derrubada por inúmeras pesquisas. Não existe comprovação de que níveis baixos de serotonina levem à depressão. O número de não depressivos com níveis baixos de serotonina é semelhante ao de depressivos, o que mostra que variações são normais. O que provoca desequilíbrio químico é, na verdade, a própria medicação - assim como outras drogas que agem alterando os níveis de neurotransmissores.
Ainda não se sabe por que medicamentos como fluoxetina e outros inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) apresentam melhora da depressão, ao menos em um primeiro momento. Há teorias ainda não comprovadas de que o acúmulo de serotonina promoveria a neurogênese (nascimento de células nervosas) no hipocampo, enquanto fatores como o stress provocam efeito oposto - a morte de neurônios nessa área, associada à memória e ao aprendizado. O tempo de amadurecimento dessas novas células é de três a seis semanas, o mesmo período necessário para se perceber o efeito dessas medicações.
O problema é que esse efeito tende a desaparecer em aproximadamente um ano de uso. Estudo comandado pelo professor de psiquiatria e pesquisador da Universidade de Massachusetts, Maurizio Fava, concluiu que esse é o tempo de tolerância ao medicamento para cerca de um terço dos pacientes. Além disso, já está comprovado em amplos e sólidos estudos que esses psicotrópicos só funcionam melhor que placebos em casos de depressão severa. "Entretanto, até mesmo essa evidência estaria relacionada a uma redução na resposta ao placebo nesses pacientes e não a um aumento na eficácia de antidepressivos", citaram os autores do STAR*D (The Sequenced Treatment Alternatives to Relieve Depression), o maior estudo sobre a eficácia dos antidepressivos já realizado. O poder de acreditar na eficácia do tratamento da depressão é inquestionável e certamente provoca importantes alterações no cérebro.
Há recursos para combater a depressão e promover neurogênese sem os efeitos colaterais dos remédios. Exercícios aeróbicos e terapia são os mais comuns e não vêm acompanhados de problemas como disfunção sexual, insônia, apatia, fatiga e espasmos musculares - causados pela queda compensatória de dopamina ao se elevar os níveis de serotonina - sem falar nos possíveis e ainda desconhecidos efeitos de longo prazo.
Infelizmente, com o fácil acesso a formas mais práticas de lidar com o problema - os comprimidos - a psicoterapia vem deixando de ser a opção mais razoável. Segundo pesquisadores da Universidade de Columbia, no início da década de 1990, a terapia era a primeira opção no tratamento da depressão para 71,1% das pessoas. Quase duas décadas depois, em 2007, apenas 43% dos deprimidos optaram por esse tratamento, enquanto remédios eram a opção de 75,3%.
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