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6 – Você acabou de publicar o terceiro livro “How to Rethink Mental Illness” (Como repensar as doenças mentais, sem tradução para o Brasil). Você poderia nos contar sobre as suas concepções sobre saúde mental?
Esse livro segue os outros dois livros ao expandir o que nós
entendemos pelo ambiente em que as pessoas estão inseridas e aplicamos
isso às questões de saúde mental. O comportamento das pessoas é modelado
pelos seus ambientes, então os comportamentos relativos às doenças
mentais são presumivelmente modelados por ambientes ruins. Se nós
queremos mudar esses comportamentos, nós temos que mudar os ambientes em
que esses ocorrem. O conceito é antigo: os comportamentos considerados
doença mental são apenas comportamentos normais que todos nós fazemos,
mas eles se tornaram errados ou exagerados por conta de ambientes ruins e
em algum momento se tornaram disfuncionais.
Por isso, os truques são primeiro descrever os comportamento
tipicamente rotulados como sendo “problemas de saúde mental”, depois
descrever os ambientes nos comportamentos comuns de “doença mental”
surgem e, por último, descrever as relações funcionais comuns que
existem entre esses dois.
Para esses comportamentos, eu “desconstruí” o DSM
para encontrar todos os comportamentos que são listados como critério
diagnóstico das principais doenças do DSM. Isso me possibilitou ver os
comportamentos que realmente são observados e usados nos diagnósticos.
Como o esperado, a maioria deles são comportamentos comuns, mas que
estão em um ambiente conflituoso e também se apresentam de forma crônica
ou se tornam exagerados. Também fui capaz de sugerir a tentativa de um
novo caminho para agrupar esses comportamentos “brutos”: em 9 grupos
funcionais ao invés de agrupamentos baseados na doença ou na topografia
dos comportamentos como acontece no DSM.
Para os ambientes, eu olhei para uma ampla gama de
ambientes naturais ou contextos: relações sociais, culturais,
históricas, econômicas e as oportunidades disponíveis para as pessoas
(Capítulo 2). Esse são todos contextos vitais para a modelagem de
qualquer dos nossos comportamentos. Então explorei alguns contextos mais
específicos em que as pessoas podem estar vivendo e ter seus
comportamentos modelados: opressão (mulheres, pessoas em situação de
pobreza, refugiados), devastação (populações indígenas) e a modernidade.
O último contexto é interessante porque a modernidade é o maior
contexto em que todos nós vivemos e eu sugiro que muitas das doenças
mentais comuns vem puramente dessas condições novas em que nós somos
forçados a viver. As contingências da modernidade vem:
- de mudarmos de uma situação em que a maioria das nossas relações sociais são baseadas na família para uma situação em que a maioria das nossas relações são com estranhos que não tem nenhum obrigação ou responsabilidade conosco, e que nós podemos influenciar pelo dinheiro ou por meio de outros estranhos (polícia, tribunais, etc.);
- da imposição da forma capitalista de distribuir recursos em todas as facetas das nossas vidas, mudando todas as contingencia entre os nossos comportamentos e seus resultados;
- do uso de burocracias artificiais que modelam 90% do nosso comportamento dentro de padrões específicos;
- da mudança de contextos patriarcais baseados na família (como os descritos por Freud no início do século XX) para sociedades patriarcais baseadas em relações com estranhos.
Para as relações funcionais entre esses ambientes e
os comportamentos eu notei que a maioria dos problemas de saúde mental
envolvem relações funcionais que por várias razões não são fáceis de
serem observadas. Isso significa que psiquiatras e outros simplesmente
não têm procuraram o suficiente pelas relações funcionais e não têm
métodos para fazê-lo (a antropologia social faz um trabalho melhor na
observação de ambientes reais). A armadilha é que quando você não
consegue facilmente observar as relações funcionais então a explicação é
atribuída a construtos hipotéticos tais como personalidade, cérebro,
DNA, evolução, raça, etc, ou, no caso aqui analisado, a uma doença metal
fictícia subjacente.
Então o que isso significa é que psiquiatras e psicólogos desde o
final do séc. XIX têm se deparado apenas com aqueles casos em que as
relações funcionais são difíceis de observar e não têm gastado muito
tempo observando essas pessoas nos seus contextos naturais. Esse
profissionais não tem tido tempo de fazer isso (e isso não é culpa
deles) então “causas” e teorias abstratas tem sido inventadas pela
psicologia e pela psiquiatria. Outros casos de conflitos e problemas da
vida são dados a assistentes sociais, coaches, conselheiros, autoridades religiosas ou são apenas contornados pelos amigos e pela família.
Eu vou dar alguns exemplos para deixar isso claro. Se a pessoa está
em uma crise (chorando normalmente e ansioso) porque ele tem uma grande
dívida, então as relações funcionais são fáceis de ser observadas e
então esses casos serão encaminhados a uma assistente social ou a um
consultor financeiro, provavelmente. Se uma pessoa está ansiosa demais
para sair de casa porque tem um cachorro perigoso solto na rua, então
parece haver uma relação funcional fácil para esse conflito e nós
podemos chamar a carrocinha da prefeitura para resolver o problema ou
então pedir ao dono que mantenha o cachorro preso. Mas se uma pessoa
chora muito sem nenhuma razão aparente e está ansiosa demais para sair
de casa mas não consegue dizer o porquê, então nós não conseguimos
identificar facilmente as relações funcionais e esse comportamentos
serão encaminhados a um psicólogo ou um psiquiatra.
7 – Como essa análise nos faz repensar a saúde e a doença mental?
Questões de saúde mental, dessa forma, são meramente essas tentativas
de resolver os problemas normais da vida que com comportamentos que se
tornaram exagerados ou presos em ambientes ruins e que são difíceis de
ter as suas relações funcionais descritas. De outra maneira, eles não
são diferentes dos outros comportamentos: ainda são apenas
comportamentos modelados pelas relações funcionais em nossos mundos.
Eles não formam uma classe especial de comportamentos de forma nenhuma e
não há nenhuma “doença” especial subjacente. Se há padrões nesses
comportamentos, então é porque o ambiente tem padrões ou é estruturado.
Uma situação ubíqua, de difícil observação, das relações funcionais
são aquelas em que a linguagem é usada. Nós raramente sabemos ou podemos
observar a relações funcionais sociais que nos levam a dizer o que
dizemos, então usos de linguagem que se tornaram disfuncionais serão
comuns e serão encaminhado para os psiquiatras e psicólogos para
tratamento. Isso mostra o porquê do grande crescimento das terapias
cognitivas (da linguagem) e a ênfase das terapias de terceira onda em
lidar com os usos da linguagem normal que de alguma forma deram errado.
Nesses casos nós precisamos de longas e difíceis observações das
relações sociais que estão modelando o que nós falamos e pensamos; quem
são as audiências para nossos pensamentos? Quem modelou os nossos
pensamentos?
A mensagem para nós de tudo isso é que casos de “doença mental” são
precisamente aqueles com relações de contingência difíceis de observar,
então muito tempo e observação participante é necessária para desvendar
as relações funcionais advindas desses comportamentos normais que estão
em ambientes ruins e por isso se tornam crônicos ou exagerados assim que
a função inicial do comportamento se tornou disfuncional. Analistas do
comportamento têm as análises para lidar com isso de uma forma melhor,
contudo eles têm estado muito imersos em analises de micro relações
funcionais e não dos amplos contextos da vida humana, e eles não têm
usado os métodos participantes para uma melhor observação contextual.
8 – Recentemente você publicou um artigo na Revista
Perspectivas em Análise do Comportamento, que é um periódico brasileiro,
sobre como diferentes psicoterapias funcionam. Nesse artigo você olhou
para o comportamento dos psicoterapeutas e descobriu que as diferentes
terapias são muito parecidas. Baseado nos seus estudos de saúde mental,
você acha que deveríamos mudar a nossa forma de fazer psicoterapia? E,
em caso positivo, em que caminhos deveriam acontecer essas mudanças?
Esse artigo segue a linha do livro sobre saúde mental e poderia ter
sido incluído nele se eu tivesse feito essa análise anteriormente. A
questão foi: se comportamentos de “doença mental” são apenas
comportamento normais modelados por ambientes ruins que não deram certo
(se tornando crônicos ou exagerados) e se tornaram disfuncionais, então o
que os psicoterapeutas fazem para mudar isso? Parti da premissa de que a
maioria das psicoterápicas são efetivas de algumas formas (elas não
podem ser totalmente equivocadas!) , mas que as “teorias” e palavras
ditas sobre o que acontece na terapia são provavelmente fictícias em
grande parte (mas de uma forma bem intencionada).
O que eu fiz foi similar com a “desconstrução” do DSM que descrevi
antes nessa entrevista. Peguei dois dos mais conhecidos livros didáticos
dessas psicoterapias e listei todos os objetivos de cada terapia e todos os comportamentos feitos na terapia.
Isso me deu uma grande lista para cada uma delas e então adicionei na
leitura mais alguns livros didáticos sobre psicoterapia, livros escritos
pelos próprios terapeutas, li transcrições de sessões e assisti a um
grande número de vídeos dessas psicoterapias acontecendo.
Então, compilei um grande número de objetivos terapêuticos e
comportamentos de 19 das mais conhecidas terapias, incluindo
psicanálise, terapia cognitivo-comportamental, ACT (terapia de aceitação
e compromisso), terapia narrativa, terapia feminista, etc. Depois
discuti como essas “teorias” e “conceitos” de cada uma das terapias
poderiam ser vistos por uma mesma moldura comportamental/contextual. O
que encontrei foi que havia uma grande quantidade de semelhanças depois
que você tira as elucubrações teóricas das palavra que estavam sendo
usadas e olhava para os comportamentos concretos.
Para dar um exemplo, a terapia existencial fala sobe conquistar um
importante objetivo pela terapia: a “autenticidade”. De um ponto de
vista contextual, isso significa que a pessoa deveria ter uma forma de
pensar (isso é, uma forma de falar) sobre si mesmo e sua vida que seja
mais aceitável ou explicável pelas suas principais audiências. Isso se
torna conceitualmente idêntico à ênfase das terapias narrativas em
construir e modificar as histórias que as pessoas contam sobre elas
mesmas para as suas audiências e também à ênfase junguiana de encontrar
novas formas de pensar e falar o “self” durante o processo de
“individuação”. Em todos esses casos, e em alguns mais, isso é o
processo de remodelar a linguagem que uma pessoa usa para falar sobre si
mesmo então isso será mantido pelas suas principais audiências (que não
precisam concordar com isso, perceba, apenas modelá-las; você pode
modelar as crenças de alguém ao discordar delas). Essa remodelagem
social na terapia é realizada por seu terapeuta, é claro.
Segundo esse exemplo para a fase de intervenção, a maioria das
pessoas tem conflitos e problemas com as suas “histórias sobre si
mesmos” nesses contextos de vida:
- quando a história não e congruente com a realidade
- quando a pessoa está tentando lidar com audiências múltiplas e contraditórias (pessoas importantes na sua vida que esperam – consequenciam – diferentes histórias sobre quem você é)
- ou quando as histórias são boas, mas não conduzem aos recursos necessários para viver (contar uma história sobre quem você é em uma entrevista de emprego sendo honesto; ou histórias antigas da sua vida que já não são mais úteis no contexto atual)
Então essas palavras diferentes da Psicoterapia Existencial,
Psicoterapia Analítica e da Terapia Narrativa são na verdade sobre
remodelar comportamento verbal sobre o “self” por meio do uso do
terapeuta como uma nova audiência. Trabalhar com o terapeuta nisso é bom
porque é uma nova audiência com quem trabalhar para que a mudança
aconteça, mas isso também é ruim porque as audiências naturais “em casa”
pode ser mais poderosa e então a modelagem da terapia falha em sua
manutenção ou podem mesmo se tornar a causa de mais conflito.
O que eu encontrei fazendo esse tipo de trabalho de tradução foi que
todas as terapias – quando nós ignoramos todas as teorias, palavras, o
marketing, e as explicações – eram muito similares tantos em seus
objetivos quanto nos comportamentos que os terapeutas emitiam dentro da
terapia. Na sequência, estudei os focos principais de todas as terapias
e, ainda que elas tivessem alguns procedimentos diferentes e que usassem
palavras e teorias muito diferentes para “explicar”, os principais
focos eram:
- A relação social entre o cliente e o terapeuta
- Modelação, role-play e tarefas para casa
- Resolução de problemas
- Lidar com as relações sociais
- Lidar com o pensando
- Lidar com a fala
- Olhar para contextos mais amplos
Todas as terapias estão fazendo essas coisas em um grau maior ou
menor e de diferentes maneiras. O terapeuta era a audiência para modelar
a maioria desses comportamentos, o que novamente levanta a questão de
como esses comportamentos são mantidos quando o cliente volta para as
suas velhas audiências e contextos de vida. Vou falar mais sobre isso
abaixo.
Vou terminar com outra grande consideração sobre esse artigo e sobre o
livro, colocando a terapia em uma perspectiva histórica. O artigo
termina comparando os objetivos e comportamentos que acontecem na
prática dos assistentes sociais e encontrou que assistentes sociais
estão usando procedimentos quase iguais aos dos psicólogos, contudo de
maneiras diferentes e descrevendo-os com palavras diferentes (o termos
deles “reestruturação” abrange uma boa parte do trabalho da Terapia
Cognitivo Comportamental). O que eles fazem melhor que
os psicoterapeutas é que: eles vão mais até os contextos de vida das
pessoas observar, participar e intervir ao invés de apenas ficar no
consultório; e eles consideram as questões econômicas, políticas,
patriarcais e as oportunidades no contexto analisado muito mais do que a
maioria dos terapeutas (exceto das terapeutas feministas em alguns
casos).
O que isso sugere é que não há mais um lugar ou papel “especial” para
a psicologia e a psiquiatria, pois as minhas análises
comportamentais/contextuais apontam que:
- esses profissionais não fazem nada de especial ou único na terapia
- não há mais nenhum domínio especializado da mente, alma ou psique
- não há mais nenhuma “doença” especial que leva a comportamentos de doença mental, apenas ambientes ruins que precisam ser mudados
Isso pode sugerir que as psicoterápicas tem uma ênfase importante nas
questões do uso da linguagem pois a Terapia Cognitivo Comportamental
(Cognitiva = uso da linguagem) e as terapias de terceira onda focam
nisso. Contudo, eu também sugiro no artigo que essa ênfase no uso da
linguagem pode ter sido modelada por outra razão: para lidar com o
problema de como o comportamento que é modelado pelo terapeuta pode ser
mantido fora do consultório, quando o cliente volta para casa. Se o
terapeuta participasse mais na vida concreta dos clientes, como os
assistentes sociais fazem, então seriam capazes de modelar os
comportamentos diretamente nesses ambientes e pelas pessoas que são mais
prováveis de o cliente estar envolvido normalmente. A ênfase na
cognição ou na modelagem da linguagem deve ser na verdade apenas uma
forma de tentar garantir a manutenção fora do consultório do terapeuta.
Outro resquício histórico é também a grande ênfase de todas as
terapias na relação terapeuta-cliente. É óbvio que ela é importante, mas
na verdade ela apenas surge porque são dois estranhos que estão em uma
relação contratual – eles não se conhecem. Quando a família, a
comunidade ou a igreja estava lidando com os problemas eles envolviam
pessoas que já possuíam um relacionamento e realmente conhecem muito uns
dos outros. Isso é, a ênfase em construir uma relação entre o terapeuta
e o cliente é um artefato da modernidade em si mesmo.
Assim, o futuro que eu prevejo é esse: que as pessoas vão continuar a
ter problemas nos seus ambientes e tentar mudar esses ambientes com
comportamentos normais que se tornarão crônicos ou distorcidos e levarão
a mais problemas e disfunções. Para mudar essas questões de “saúde
mental”, contudo, nós precisamos de especialistas que sejam
especializados em ambientes de vida comum e como eles conduzem (pelas
suas relações funcionais) a problemas. Nós não precisamos de
especialistas em psicologia geral, psiquiatria, assistentes sociais ou
ainda de analistas do comportamento. Essa conclusão decorre das análises
comportamentais/contextuais em que eu acredito.
Por exemplo, se uma pessoa jovem tem problemas com drogas então ela
não precisa de um “especialista” que entenda genericamente de
comportamento humano ou da mente, o que ela precisa é de um especialista
nesses ambientes que levam as pessoas jovens a terem problemas com
drogas e como nós podemos mudar esses ambientes. Isso vai envolver
alguém com bom conhecimento participativo de problemas da cultura,
econômicos e relacionamentos baseados em uma boa compreensão da
modernidade, ao invés de alguém com conhecimento genérico de uma “mente”
humana abstrata ou teorias da cognição.
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