"2.4 Valores e "Privilégio epistêmico"
Os valores sociais têm ainda um terceiro impacto (que tem sido com freqüência apontado nas críticas feministas da ciência moderna) decorrente do fato de a ciência ser produzida principalmente em instituições, tais como universidades e institutos de pesquisa, que são parte integral do sistema socioeconômico dominante. Tais instituições reforçam certos valores, os quais incluem o primado do intelecto, o individualismo, a competitividade e o comprometimento virtualmente exclusivo de cada um com sua disciplina científica. Elas exigem do cientista treinamento intensivo, e portanto certas prioridades de tempo e compromisso. Ser um cientista requer dedicação em tempo integral, à qual os envolvimentos familiares, sociais e outros devem se adaptar; caso contrário, não se pode ser vitorioso na competição cientifica. Ser cientista implica um estilo de vida que torna difícil a coexistência com outros que expressem certos valores diferentes, p. ex., os expressos por meio da participação em programas de transformação social (com exceção dos programas de "desenvolvimento", segundo as definições das elites modernizadoras). Não apenas isso, mas é um estilo de vida ao qual se tende a atribuir um tipo de "privilégio epistêmico", um lugar privilegiado para emitir juízos de autoridade sobre o que é e o que não é possível, sendo tão amplamente aceito que a teoria científica moderna fornece as melhores sinopses do que é possível; um lugar privilegiado que dá origem a relações assimétricas, que levam a práticas de dominação entre aqueles cujas práticas são informadas pelo conhecimento dos cientistas, e aqueles de quem se espera que adaptem suas vidas para ficar de acordo com os imperativos do conhecimento científico. Quem não adota tais valores não pode participar das práticas experimentais e teóricas da ciência moderna, e assim não seguirá as experiências necessárias para se tornar um "especialista" no domínio do conhecimento científico.
Quem os adota, por outro lado, provavelmente não será capaz de reconhecer as práticas a partir das quais formas alternativas de transformação social podem se desenvolver. A adoção dos valores, então, permite obter acesso a cada vez mais possibilidades materiais que podem ser realizadas mediante práticas tecnológicas, mas deixa virtualmente no escuro novas possibilidades sociais (e as possibilidades materiais que elas possam introduzir) que a realidade efetivamente existente pode permitir. À luz das conexões dialéticas a que me referi, quero sugerir como um item para discussão - que não há estilo de vida, e não há instituições que permitam a exploração tanto da mais completa gama de possibilidades tecnológicas quanto das possibilidades de transformação social que atenderiam adequadamente às maiorias carentes dos países empobrecidos (quer sendo tal atendimento entendido em termos de satisfação de necessidades básicas, quer de expansão de capacidades, ou de respeito a todo o espectro de direitos humanos)."
Hugh Lacey. Livro: Atividade científica e valores 1. Artigo: A dialética da ciência e da tecnologia avançada: uma alternativa? p.198-199
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