REABILITAÇÃO
PSICOSSOCIAL ATRAVÉS DAS OFICINAS TERAPÊUTICAS E/OU COOPERATIVAS
SOCIAIS
Tradicionalmente
a reabilitação era compreendida como a restituição a um estado
anterior ou à normalidade do convívio social ou de atividades
profissionais. Atualmente, PITTA (1996) considera reabilitação
psicossocial como o processo que facilita ao usuário com limitações,
a sua melhor reestruturação de autonomia de suas funções na
comunidade. Na proposta atual da Reforma Psiquiátrica no Brasil,
têm-se como objetivo a desinstitucionalização e inclusão,
integrando as pessoas com sofrimento psíquico nos diferentes espaços
da sociedade.
Cuja
principal função reabilitadora seria a restituição da
subjetividade do indivíduo na sua relação com as instituições
sociais, ou melhor, a possibilidade de recuperação da
contratualidade.
Para
SARACENO (1999) a reabilitação psicossocial precisa contemplar três
vértices da vida de qualquer cidadão: casa, trabalho e lazer. A
associação das oficinas terapêuticas, do trabalho e a reabilitação
podem apresentar inúmeras variações na prática ou no contexto
onde é operacionalizada, mas dificilmente há contradição na idéia
de que o trabalho é um instrumento de reabilitação.
Podemos
dizer que as oficinas terapêuticas (O Ministério da Saúde define e
apresenta os objetivos das oficinas terapêuticas como: (...)
atividades grupais de socialização, expressão e inserção social
através da Portaria 189 de 19/11/1991) e as cooperativas sociais
(Lei No 9.867 10/11/1999 dispõe sobre a criação e o funcionamento
de Cooperativas Sociais, visando à integração social dos cidadãos
e constituídas com a finalidade de inserir as pessoas em desvantagem
no mercado de trabalho econômico por meio do trabalho. São
considerados em desvantagem para efeitos da lei, os deficientes
psíquicos e mentais, as pessoas dependentes de acompanhamento
psiquiátrico permanente, egresso dos hospitais psiquiátricos, entre
outros), enquanto dispositivos da atual Política Nacional de Saúde
Mental objetivam se diferenciar em relação às suas práticas
antecessoras, práticas decorrentes da idéia de estabelecer o
trabalho como um recurso terapêutico, conhecido como ‘tratamento
moral’. Neste contexto, entendemos que as oficinas, não se
apresentam por si só uma forma inaugural de lidar com a loucura.
Propõe:
agir, isto é, inserir socialmente indivíduos segregados e ociosos,
e de recuperá-los enquanto cidadãos, através de ações que passam
fundamentalmente pela inserção do paciente psiquiátrico no
trabalho e/ou em atividades artísticas, artesanais, ou em dar-lhes
acesso aos meios de comunicação entre outros (Rauter,
2000).
Mas
isto não é totalmente novo como nos lembra RESENDE (2000) ao
colocar que não é uma simples coincidência, o trabalho no campo, o
artesanato e o trabalho artístico serem até hoje propostas como
técnicas de tratamento e ressocialização dos doentes mentais.
Estas atividades apresentam em comum a capacidade de acomodar largas
variações individuais e de respeitar o tempo e o ritmo psíquico de
cada trabalhador.
DELGADO,
LEAL & VENÂNCIO (1997) identificam três caminhos possíveis
para a realização de uma oficina:
- Espaço de Criação: são aquelas oficinas que possuem como principal característica a utilização da criação artística como atividade e como um espaço que propicia a experimentação constante.
- Espaço de Atividades Manuais: seria uma oficina que utiliza o espaço para a realização de atividades manuais, onde seria necessário um determinado grau de habilidade e onde são construídos produtos úteis à sociedade. O produto destas oficinas é utilizado como objeto de troca material.
- Espaço de Promoção de Interação: é a oficina que tem como objetivo a promoção de interação de convivência entre os clientes, os técnicos, os familiares e a sociedade como um todo.
A
referida autora cita como exemplos às atividades de trabalho e
recreação e as subdivide em motoras (ginástica, voleibol, trabalho
em couro e madeira, entre outros), sociais (festas e datas civis,
cinema, teatro e outras) e auto-expressivas (atividades espontâneas
e não orientadas, como por exemplo cerâmica, pintura e dança).
KYES
& HOFLING (1985) no qual encontraremos o termo “terapia”
classificado das três seguintes formas:
- Terapia Ocupacional: técnica utilizada basicamente com um indivíduo que usa a arte e o artesanato como meios de tratamento. Possuía o objetivo de ocupar, para que o paciente não ficasse sem fazer nada ou seja, desocupado.
- Terapia Recreativa: técnica que estimula a expressão através de atividades sociais e em grupo. Tinha como objetivo estimular a expressão dos impulsos e entreter o paciente.
- Terapia Educacional: possuía como objetivo principal educar/reeducar socialmente o paciente, para que este se ajustasse as regras sociais.
VASCONCELOS
(2000) traz a tona o termo empowerment como de grande importância
para as discussões sobre saúde mental e a construção de suas
práticas do cotidiano. O referido autor define o termo como
valorização do poder contratual dos pacientes nas instituições e
do seu poder relacional nos contatos interpessoais na sociedade.
Seria muito interessante que o significado deste termo permeasse a
prática de cuidados nos espaços terapêuticos das oficinas, pois
acreditamos que este seja o verdadeiro sentido do fazer oficinas.
As
oficinas terapêuticas são atividades de encontro de vidas entre
pessoas em sofrimento psíquico, promovendo o exercício da cidadania
a expressão de liberdade e convivência dos diferentes através
preferencialmente da inclusão pela arte.
Toda
a racionalidade que orienta a terapêutica da época aponta para a
eficácia da laborterapia na cura dos doentes, como coloca Franco da
Rocha citado por MANGIA (1997, p. 95):
“Não se deve levar, entretanto, olhar somente o valor da produção, que é grande, mas também o lado moral da questão. O insano que trabalha e vê o resultado de seu suor, sente-se mais digno; sai da condição ínfima de criatura inútil e eleva-se a seus próprios olhos; adapta-se ao modus vivendi que lhe suaviza grandemente a desgraça.”
A
cooperativa se constitui como um espaço onde as pessoas com
dificuldades de inserção no mercado, possam fazê-lo, por uma via
que acolhe e aborda os paciente, que se tornam cooperados, de maneira
apropriada. Dessa forma um lugar social diferente para os pacientes
vai se constituindo; um lugar na divisão social do trabalho, ao
invés de exclusão nos manicômios. Segundo AMARANTE (1997, p.
176):
“as cooperativas sociais são constituídas com o objetivo, não mais ‘terapêutico’, isto é, rompendo com a tradição da terapia ocupacional, mas de construção efetiva de autonomias e possibilidades sociais e subjetivas. Por um lado, o trabalho nas Cooperativas surge como construção real de oferta de trabalho para pessoas em desvantagem social para as quais o mercado não facilita oportunidades. Por outro, surge como espaço de construção de possibilidades subjetivas e objetivas, de validação e reprodução social dos sujeitos envolvidos em seus projetos.”
“Se
trata, sobretudo de agir, de inserir socialmente indivíduos
encarcerados, segregados, ociosos – recuperá-los enquanto cidadãos
[...] por meio de ações que passam fundamentalmente pela inserção
do paciente psiquiátrico no trabalho e/ou em atividades artísticas,
artesanais, ou em dar-lhes aceso aos meios de comunicação, etc.”
(Rauter, 2000, p. 268).
Segundo
AMARANTE (1997) as Cooperativas passam a envolver os usuários como
sujeitos sociais ativos que, rompendo com as noções de ergoterapia,
arteterapia e terapia ocupacional, contam com o sujeito em sua
possibilidade de produzir, criar e consumir. Além de serem uma
possibilidade estratégica para o campo da saúde mental quando
possibilitam a produção de recursos que podem ser, parcialmente,
reconvertidos em recursos assistenciais, como a construção de
moradias abrigadas, de espaços de lazer, enfim a construção de
novas possibilidades sociais e subjetivas.
SARACENO
(1999, p. 126) afirma que:
“O trabalho para os pacientes psiquiátricos gravemente desabilitados, não deve ser entendido como o simples desenvolver de determinadas tarefas, pode ser na realidade uma forma ulterior de norma e contenção, de restrição do campo existencial. O trabalho, entendido como “inserção laborativa”, pode, ao invés disso, promover um processo de articulação do campo dos interesses, das necessidades, dos desejos [...] Neste momento as cooperativas integradas são ao mesmo tempo serviços (de tratamento) e lugares de produção (no mercado), e esses dois aspectos são mediados pela sua função formativa [...] lugares de promoção da autonomia bem como de proteção: funções que deveriam ser próprias de um bom serviço de saúde mental.”
Assim
podemos perguntar qual seria o sentido das oficinas terapêuticas na
proposta da reforma psiquiátrica. RAUTER (2000, p. 271) nos ajuda a
nortear uma resposta quando coloca que:
“as oficinas, o trabalho e a arte possam funcionar como catalisadores da construção de territórios existenciais (inserir ou reinserir socialmente os ”usuários”, torná-los cidadãos...), ou de “mundos” nos quais os usuários possam reconquistar ou conquistar seu cotidiano ... de cresse que está se falando não de adaptação à ordem estabelecida, mas de fazer com que trabalho e arte se reconectem com o primado da criação, ou com o desejo ou com o plano de produção da vida.”
A
experiência do trabalho das oficinas torna-se positiva quando uma de
suas funções é também o de intervir no campo da cidadania.
Na
sociedade em que vivemos, afirma RAUTER (2000, p. 269)
“ocorre a prevalência dos aspectos técnico-econômico ou dos aspectos jurídicos sobre aqueles referentes à produção desejante é o que está condenando nosso mundo à desertificação-desertificação das relações amorosas e do sexo, esvaziamento do campo coletivo, produção de um número cada vez maior de excluídos, não apenas do mercado de trabalho, mas de um cotidiano, já que muitos modos de ser não se adequam a um mundo que coloca em primeiro plano aspectos ligados à produtividade técnico-econômico.”
A
reabilitação psicossocial na atenção aos transtornos associados
ao consumo de álcool e outras drogas: uma estratégia possível?
Segundo
Saraceno (2001), a reabilitação é um processo que implica a
abertura de espaços de negociação para o paciente, sua família e
a comunidade circundante. Nesse sentido, introduz o conceito de
contratualidade, ou seja, a capacidade de engendrar contatos sociais,
que permitirão ao usuário subverter o processo de reclusão, que é
resultado dos efeitos da doença mental e da exclusão social.
O
conceito de reabilitação psicossocial propõe a ampliação da rede
social, que envolve “profissionais e todos os atores do processo de
saúde-doença, ou seja, todos os usuários e a comunidade inteira”.
O processo de reabilitação consiste em “reconstrução, um
exercício pleno de cidadania e, também, de plena contratualidade
nos três grandes eixos: hábitat, rede social e trabalho com valor
social” (Saraceno, 2001).
A
reabilitação psicossocial também pode ser considerada um “processo
pelo qual se facilita ao indivíduo com limitações a restauração
no melhor nível possível de autonomia de suas funções na
comunidade” (Saraceno, 2001).
Reabilitação
psicossocial: oficinas de geração de renda no contexto
da
saúde mental
Considera-se
que o valor do
trabalho, enquanto prática que
integraliza e
legitima socialmente
os indivíduos, é reconhecido nas
diferentes
classes sociais, grupos e comunidades. A oportunidade de
voltar a
integrar o mundo do trabalho – ou, em muitos casos, iniciar
essa
integração – amplia as possibilidades de alcance da inserção
social,
e de melhores níveis de saúde e de
qualidade de vida.
Nesse sentido,
sob a ótica da teoria bioecológica de
Bronfenbrenner, quando se proporciona aos usuários a oportunidade de
vivência e aprendizado em oficinas de trabalho, pretende-se,
também, estender esses aspectos positivos à família, filhos e
comunidade. Dessa forma, investe-se em
situações que são
potencialmente
protetivas tanto para a pessoa com
transtorno mental
quanto para os
indivíduos que compartilham com
ele diferentes
ambientes.
Atividades
desenvolvidas
Gráfica
Ateliê
Ovinocultura Horta
Tecelagem
Marcenaria Esporte,
cultura
e lazer Reciclagem
Produção
de
horta orgânica, jardinagem
(instalação e
manutenção de
jardins),
plantio de ervas medicinais, instalação de
cercas,
limpeza ambiental,
compostagem
e produção de
frutas
Estoque
e
produção de
alimentos, confecção
de salgados, montagem
de
marmitex
e limpeza do restaurante
Mosaico
Encadernação Costura
e
Grupo de
teatro
Marcenaria/
Marchetaria
Produção
orgânica de vegetais
Inclusão digital
Oficina de vídeo
Costura
gestão
de áreas verdes
e ambiente, serviços de limpeza e serviços de
relação com o público.
informática/comunicação
(rádio),
serviços de secretaria, artesanato e
serviços de
limpeza
todas
as experiências contam com
uma “lojinha” ou algum ponto de
venda; todas participam de feiras,
sejam locais ou de maior porte
A
PROPOSTA DE REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DE SARACENO: UM MODELO DE
AUTO-ORGANIZAÇÃO?
Essas
relações estão presentes em sistemas
complexos e, portanto,
pode-se argumentar que o
modelo de reabilitação, proposto por
Spivak, também
considera a complexidade do indivíduo, considerando
que a forma de neutralizar a cronicidade seria por
meio de um
processo de reabilitação que aumente
as articulações sociais
entre o paciente e seu
ambiente, desenvolvendo suas competências de
forma
a permitir um sucesso no ambiente social. Para que
isso seja
possível, ressalta-se que é necessário
principal de análise a
cronicidade psiquiátrica, dando realizar um levantamento das
competências sociais ênfase não a rótulos diagnósticos, mas à
descrição deficitárias
de comportamentos e processos que levam à
considerando cinco áreas vitais: moradia, trabalho,
dessocialização
progressiva, a qual tem como base, família e amigos, cuidado de si e
independência,
possivelmente, um déficit de competência pessoal e
atividade social e recreativa.
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