Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Um bom "resumo" do blogue

Esse livro dá um bom "resumo" do blogue. Isto é, tem algumas fontes parecidas. Sem precisar ficar lendo 2 ou 3 anos como eu fiz. É claro que tem a autoridade de gente com experiência na área.

http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/medicalizacao-em-psiquiatria

Medicalização em Psiquiatria

 

Autores: Fernando Freitas, Paulo Amarante
“Estaríamos ficando cada vez mais doentes? Ou estaríamos a cada dia ficando mais saudáveis, já que gastamos mais com saúde?”. Os autores partem desse questionamento para discutir a problemática da medicalização, sobretudo no que se refere ao sofrimento psíquico. Eles chamam atenção para o fato de que experiências comuns e naturais da nossa existência têm sido consideradas passíveis de serem 'tratadas' e 'resolvidas' com medicamentos. As consequências individuais e sociais desse problema são analisadas pelos autores, que também fazem um alerta sobre os prejuízos causados por uma nefasta aliança entre a psiquiatria e a indústria farmacêutica. Com linguagem acessível, esta obra objetiva ampliar o debate sobre a medicalização do sofrimento psíquico, incluindo, em especial, aqueles que sofrem com ela.
Preço: R$ 15,00 | 148 páginas
ISBN: 978-85-7541-472-9. 2015. 148 p.

 
Sumário:

Apresentação
1. As Diversas Faces do Fenômeno
2. Diagnosticar Doenças
3. Medicalização: incluir ou excluir
4. O Mito Científico do Desequilíbrio Químico e Suas Doenças
5. Ninguém Pode Escapar
6. A Desmedicalização É Possível (Experiências)
Reflexões Finais
Referências
Sugestões de Leituras e Filmes

Sobre os autores:

Fernando Freitas: Psicólogo, doutor em psicologia pela Université Catholique de Louvain (Bélgica); professor e pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Fundação Oswaldo Cruz.
Paulo Amarante: Médico psiquiatra, doutor em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, com estágio de doutoramento em Trieste (Itália) e doutor honoris causa pela Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo; professor e pesquisador titular (senior researche) do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Ensp/Fiocruz, vicepresidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental, diretor de política editorial do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde e editor da revista Saúde em Debate.
Conheça outros livros da Editora sobre:
Saúde Mental
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Temas em Saúde

 

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Um filosofia do ser empobrecida


Um filosofia do ser empobrecida

A lista prévia de dano se relacionam com o impacto da psiquiatria na sociedade no âmbito médico. Corrupção institucional levou a prática da medicina numa maneira que violou os padrões do consentimento informado, e também danificou nossa sociedade como medido pela piora dos resultados na saúde mental, entre ambos adultos e crianças. Mas a instituição da psiquiatria também tem tido um profundo impacto como a criadora de uma filosofia moderna, a qual afeta o nosso entendimento do que significa ser “normal”, nossas narrativas internas, nossa resposta societal a injustiças sociais, e mesmo nossos valores democráticos.
Em cada sociedade, estórias são contadas que proveem um entendimento da “natureza humana” e se há um tema que permanece nessas estórias, é de que humanos são criaturas extremamente emocionais. O velho testamento conta de humanos frequentemente tomados por ganância, inveja, luxúria, amor e – ao mais extremo – impulsos homicidas. Nesse contexto, a luta essencial para uma pessoa está dentro do próprio eu. As emoções que produzem comportamento pecador deveria ser prevenidas, e dessa maneira uma pessoa pode ter a esperança de se comportar de maneiras que são agradáveis a Deus. Os épicos Gregos pintam esforços similares, e se nós irmos adiante na história literária nós rapidamente pousamos em Shakespeare, cujos personagens são regularmente adequadamente tomado por emoções hostis, sejam as dores do desejo não satisfeito em Romeu e Julieta, ou as raivas assassinas de Macbeth. Novelas nos proveem com uma similarmente rica tapeçaria, e em toda essa literatura, desde os tempos gregos adiante, nós vemos variações do mesmo tema: humanos sofrimento com suas mentes e emoções, as quais são raramente habitualmente bem organizadas.
A concepção Freudiana de mente encontra esse tema. Seu brilhantismo foi colocar dramatizações literárias do caráter humano num paradigma psicológico, com os diferentes elementos da mente – o id, ego e superego – regularmente em guerra (e com muito desse esforço ocorrendo fora da do âmbito da consciência). Seu retrato psicológico da mente refletem a fisiologia do cérebro humano, com seu centro reptiliano antigo, sobreposto por um córtex cerebral mamífero, e finalmente com os lobos frontais exagerados, com essa parte do cérebro regulamente dada a tarefa de criar uma narrativa para o “eu” que faz algum sentido, sem considerar o quanto precisa essa narrativa pode na realidade ser.
A beleza de tal literatura, e porque ultimamente pode ser tão consolador para um indivíduo, é que provê uma concepção expansiva da natureza humana. Nós todos nos esforçamos com nossas emoções e nossas mentes, e é raro o ser humano que nunca fez papel de tolo, e que não teve suas emoções fora de controle. Esse é um entendimento que nutre empatia, tanto para outros e para si. Também nos provê com um senso do que esperar da vida. A felicidade pode nos visitar agora ou outro momento, mas conte suas graças quando vem. Ansiedade, luto, raiva, ciúme, melancolia – espere tais emoções visitarem também.
A APA, com seu DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico) provê a sociedade com uma visão diferente na “normalidade” humana e o que nós podemos esperar das nossas mentes. Normalidade – como definida pelo construtos diagnósticos que falam de “doença” - é um lugar muito constrito. Emoções extremas, emoções dolorosas, e comportamentos difíceis todos se tornam “sintomas” de doenças. A mente, de acordo como o DSM-III, -IV, e -5, não deve ser um lugar caótico. Mesmo um sentimento comum de distresse, ansiedade, deve ser visto como “anormal”. Dessa maneira, o DSM prove a sociedade com uma filosofia do ser acentuadamente empobrecida.
O escritor Sam Kriss brilhantemente iluminou esse fato aos escrever uma resenha do DSM-5 como se fosse um romance. Há, ele nota, um senso de “solidão que satura o seu trabalho”, o livro escrito por um narrador sem habilidade de “apreciar outras pessoas”. Essa é uma estória sem quaisquer dos elementos que tradicionalmente sustentam uma trama. Poucos personagens fazem uma aparição, mas eles são sem nome, formas espectrais, os quais se movem enquanto a estória progride, curtamente corporificando suas várias doenças antes de desaparecer rapidamente como vieram – figuras comparáveis com cacofonia de vozes em A terra perdida ou as figuras universalmente anonimas da Cegueira de Jose Saramago. Um sofredor de depressão ou hipocondria pode ser revelado ser a mesma pessoa, mas para a maior parte dos limites entre os diagnósticos mantém seus personagens separados um do outro… A ideia emerge de que cada doença da pessoa é de alguma maneira sua própria culpa, que isso vem do nada além de si mesmos: seus genes, suas adicções, e seu insuficiência inerente humana. Nós entramos um mundo estranho de sombras onde para alguém se envolve com prostituição não é o resultado de fatores ambientais de diferente setores (relações de gênero, classe econômica, relacionamentos familiares e sociais) mas um sintoma de “transtorno de conduta” junto com “mentir, falta à escola e fugir”. Uma pessoa louca é como uma máquina defeituosa. A observação pseudo-objetiva apenas vê o que eles fazem, aos invés de o que eles pensam ou como eles se sentem. Uma pessoa que defeca no chão da cozinha porque isso dá a elas prazer erótico e uma pessoa que defeca no chão da cozinha para extirpar demônios são ambos agrupados por encopresis. Não é de que o processo de pensamento não importa, é como se não existissem. O ser humano é uma rede de carne sobre um vazio.
Kriss entitulou a sua resenha de “Livro das Lamentações”. Finalmente, ele concluiu, que o DSM apresenta aos leitores com uma descrição da normalidade que horroriza:
Se há normalidade aqui, é um estado de quase catatonia. DSM-5 parece não ter definição de felicidade a não ser a ausência de sofrimento. O indivíduo normal nesse livro é tranquilizado e parece um bovino, mudamente aceitando tudo num às vezes mundo doloroso sem nunca sentir muito que atrapalhe isso. Os excessos vastos e absurdos de paixão que formam a matéria bruta da arte, literatura, amor, e humanidade são muito estressantes; é mais fácil parar de ser humano de uma vez só, e simplesmente se mover como uma coleção de diagnósticos sobrepostos com um corpo vagamente anexado.

Esse é o livro que provê nossa sociedade com um paradigma para julgar aos outros, e a nós mesmos. Emoções e comportamentos que, nos trabalhos literários do passado, teriam sido apresentados como bem normais são ao invés disso descritos como “transtornos mentais”. A criança mal comportada – olá Tom Sawyer – é agora revista como uma criança sofrendo de Déficit de Atenção, a qual precisa ser tratada com estimulante. O adolescente mau humorado, o qual uma pessoa teria sido visto como passando por “tempestade e estresse” da adolescência, pode agora ser diagnosticado como deprimido e tratado com antidepressivo. O adulto que faz o luto por muito tempo sobre a morte de um esposo ou um dos pais agora tem “depressão maior” (talvez Shakespeare hoje iria recomendar uma dose de Cymbalta para Hamlet). E assim por diante.
[…] Resumindo, o DSM – como um livro de filosofia para nossa sociedade moderna – retira a poesia da vida. Ele nos diz para usar rédeas e evitar sentir muito profundamente. E aqui está a ligação com corrupção insitucional: a APA nos informou dos desequilíbrios químicos e doenças cerebrais conhecidas e transtornos validados, os quais são os tijolos construtores para a filosofia que criou, e ainda esses tijolos construtores tem que ainda ser encontrados na natureza.

[…] O “Eu” é encorajado para sempre estar em alerta para signais de anormalidade, com os pais tomando vigilância para suas crianças, mesmo quando eles estão na pré-escola. Além do mais, essa vigilância constante facilmente se transforma numa narrativa para a vida mais ampla. Dessa maneira, o modelo da doença da APA encoraja a narração interna que rouba o senso de responsabilidade e de resiliência. A pessoa não é encorajada a examinar o contexto de sua vida. O que aconteceu? O que pode ser mudado? Ou, ainda mais radical: Existes momentos em que o sofrimento deve ser abraçado?

Robert Whitaker e Lisa Cosgrove - Psiquiatria sob Influência

Paulo Amarante em Italia-Trieste.

Paulo Amarante em Italia-Trieste.
Caros e caras amigos e amigas
Vim pra Itália com o coração partido pois aí no Brasil as coisas começavam a ficar complicadas a partir da nomeação de um coordenador de saúde mental assumidamente contrário à reforma psiquiátrica. Me pronunciei a respeito expondo minha posição em algumas mídias e manifestações públicas, nos sites da Abrasco e da Ensp, dentre outros, mas eu tinha que vir pra Trieste para o Encontro da Escola Internacional Franca & Franco Basaglia onde contribui para tornar público o grave risco e ameaça de retrocesso que está acontecendo no Brasil. Para tanto, preparei uma proposta de carta de solidariedade internacional que foi aprovada efusivamente pelos participantes de vários países. Aqui estavam Franco Rotelli, Giuseppe Dell'Acqua, Roberto Mezzina, Maria Grazia Giannicheda, Allen Francis, John Jenkins, John Stacey, Ricardo Guinea e muitos outros internacionais e muitos brasileiros. Reproduzimos a carta em português, italiano e inglês e a divulgamos em vários países.
Mas, sobretudo, a minha vinda e os contatos aqui serviram para que, acompanhando as coisas um tanto de fora, com o distanciamento de quem está longe, do significado de tudo pelo que estamos lutando. Estamos lutando pra não permitir que as coisas voltem a ser como antes, quando milhares de vidas eram jogadas fora nas lixeiras manicomiais, como dizia Carrano; que milhares de vidas eram oprimidas, violentadas, destruídas! Nosso trabalho de reforma psiquiátrica fez com que estas muitas milhares de vidas de pessoas fossem resgatadas, reconstruídas, reinventadas, recuperadas. Mas, por outro lado, nosso trabalho de reforma psiquiátrica também possibilitou que muitas outras milhares de vidas não chegassem a ser jogadas fora nos manicômios, que nem chegassem a conhecer os manicômios, pois fomos criando os CAPS, os NAPS, os CERSAMS, os Centros de Convivência, as estratégias de residencialidade, as Cooperativas e projetos de trabalho e geração de renda, os projetos culturais e tantas outras possibilidades que contribuíram para os tornar sujeitos, sujeitos verdadeiramente de direitos.
E penso que o movimento da reforma psiquiátrica nos ensina mais uma vez algo muito importante neste momento, que é a importância do próprio movimento! Mesmo muitos dirigentes, muitos gestores, muitos coordenadores passaram a demonstrar que entendiam que a reforma psiquiátrica era coisa de gestão única e exclusivamente; que dependia simplesmente de portarias e normas, que prescindia da participação das pessoas e dos movimentos sociais. Vejam e lembrem a dificuldade para convocarmos as conferências de saúde mental! Ninguém mais fala sobre realizar a V Conferência! Vejam e lembrem a dificuldade e a falta de apoio das instituições e órgãos oficiais aos encontros antimanicomiais, aos eventos da Abrasme e muitos outros. E as reuniões periódicas da Comissão de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde? E o cumprimento das recomendações das conferências nacionais de saúde mental? As recomendações do Conselho Nacional de Saúde? Por isso o movimento, enquanto essa ideia mesmo de participação, de movimentação, de construção coletiva, dá mais essa lição, mais essa contribuição: a luta é permanente, é cotidiana, é ininterrupta: A LUTA SEMPRE CONTINUA!
E não será com apelos e cartas gentis e compreensivas ao ministro ou ao Dr. Valencius que a luta será ganha! Eles têm consciência do que pretendem e ao que vieram.
E após a vitória temos que exigir dos futuros gestores, coordenadores, dirigentes, o devido lugar e a importância que os movimentos sociais devem ter na construção da reforma psiquiátrica no Brasil! A ocupação é legítima e necessária para enfrentar esta ameaça de retrocesso e para retomar a força dos movimentos sociais para a reforma psiquiátrica e o SUS!!! Seja com que Coordenador ou Ministro que estiver!!!

CARTA DE TRIESTE DE APOIO À REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
A LUTA É INTERNACIONAL
Abraço Internacional à Reforma Psiquiátrica Brasileira
Mais de 250 participantes do Encontro Internacional "Uma sociedade sem isolamento" - Trieste, 15 a 18 de dezembro de 2015 -, oriundos de 24 países, bem como de toda a Itália, desejam manifestar sua preocupação acerca do novo direcionamento do processo de reforma psiquiátrica brasileira.
A experiência brasileira é um dos exemplos mais emblemáticos de desinstitucionalização e de inclusão social de pessoas em sofrimento mental grave.
A indicação do Ministro da Saúde de um novo coordenador para a Saúde Mental que já demonstrou aversão quanto à reforma ao longo de sua carreira como psiquiatra e como diretor de um hospital psiquiátrico causou polêmica no mundo todo.
Os participantes querem demonstrar-se solidários a usuários, familiares, Associações e trabalhadores da Saúde Mental que estão lutando pela evolução e pelo fim deste processo, a partir da oposição a qualquer possibilidade de retrocesso quanto a posicionamentos éticos, políticos e sociais importantes.
Os participantes comprometem-se a divulgar informações a esse respeito e a apoiar a luta contra hospitais psiquiátricos em seus países e diante de organizações internacionais.
Trieste, 17 de dezembro de 2015.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Carta aberta aos meus colegas médicos da ABP

Carta aberta aos meus colegas médicos da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria)
Li com atenção a vossa nota de esclarecimento sobre a mudança da Coordenação de Saúde Mental pelo atual Ministro da Saúde. Proclama que os senhores comungam com a lei 10.216, que declaram estar contida nas vossas Diretrizes para um Modelo de Atenção Integral em Saúde Mental no Brasil. Mas antes de comungar é preciso confessar. E na vossa confissão fica absolutamente claro que vocês abominam o que festejamos como Reforma Psiquiátrica.
Notaram como na vossa nota não consta o vocábulo tão odiado? Porque vocês até admitem reformar a assistência à saúde mental. Admitem reformar o antigo e indefensável manicômio para que ele fique mais palatável. Suportam até a existência dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS (só que próximos ou dentro do ambiente hospitalar, o que já não é uma proposta comunitária). Mas não admitem uma reforma da psiquiatria. Aqui está o ponto.
Nós, da Reforma Psiquiátrica, entendemos que o que está em xeque é a própria psiquiatria. A soberba de um saber que se acha “científico” e despreza outros saberes sobre a loucura – um fenômeno complexo para ficar refém do saber médico. A captura da loucura pelo saber médico foi muito bem estudada por Foucault, de quem vocês ouviram falar, alguns não leram e outros têm raiva de quem leu. Ele defende apenas um saber que, como o vosso, não tem o toque mágico da cientificidade e precisa do embate democrático e do convencimento argumentativo para se estabelecer. Vocês acham que uma Classificação Internacional de Doenças Psiquiátricas (CID Psiquiátrico) que se modifica ao longo dos tempos pelos costumes sociais é científica? A Psiquiatria sempre habitou o campo da moral e bons costumes. Muito de vós não lembram a malfadada Liga Brasileira de Higiene e Saúde Mental com sua proposta eugênica de explícito componente fascista? Era em nome do “cientificismo”. Mas foi em nome da razão que a psiquiatria encarcerou os loucos. E a razão de uma época nunca é científica. Machado de Assis mostrou isso muito bem quando o nosso hospício ainda era recente, no fim do século XIX.
Para nós da Reforma – e não importa que vocês não queiram entender – só uma democratização do saber psiquiátrico, de suas complexas relações, pode ajudar o campo da Saúde Mental. E assim ele pode e pode muito. Em nome da Saúde e não da Doença, outros profissionais de vários campos de saberes, os pacientes e seus familiares são protagonistas de uma nova e excepcional forma de cuidado na comunidade em oposição ao modelo fechado do manicômio. A Reforma é a negação do manicômio, não a sua reabilitação com novas tintas. O campo biológico e moderno das neurociências é indispensável para nós, como complementar, sem, necessariamente, exercer a hegemonia.
Sinceramente não entendi as mortes de que somos acusados nem a desassistência de vossos números. Temos problemas e lutamos para superá-los. Logo vocês que nunca enxergaram as mortes, estas sim produzidas pela desassistência do manicômio e fartamente documentadas. Não foi a nossa ideologia a responsável pelas mortes, mas a vossa.
A Reforma Psiquiátrica, que temos o orgulho de ter feito e seguiremos construindo, buscou os direitos das pessoas com transtornos mentais no campo dos Direitos Humanos; propôs uma ética inclusiva à sociedade em relação à loucura; e está construindo uma Rede de Serviços Substitutivos Comunitários em oposição ao Manicômio. É uma proposta ideológica sim. Como a vossa também é. Só que a vossa é negada e encoberta por um manto de “cientificismo” como foi a proposta eugênica que nos levou a verdadeiros campos de concentração no passado.
A roda da história não gira de modo contínuo, às vezes para, às vezes recua, mas volta a seguir em frente. Entendemos como retrocesso esse momento de júbilo com que vocês recebem a nova Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Repararam que vocês falaram apenas em nome dos psiquiatras e dos familiares? Sintoma, meus caros, sintoma!
A Reforma Psiquiatra coloca o paciente como protagonista e não como objeto de nossa ação. Por isso temos a certeza que na história vós sois o passado, nós apontamos o futuro fazendo o presente.
Saudações antimanicomiais,
Edmar Oliveira – médico psiquiatra aposentado do Ministério da Saúde, 40 anos de prática clínica, gestão pública e militante da Reforma Psiquiátrica. Não é filiado à ABP por discordância de uma prática corporativa mesquinha.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Neofrenologia

https://mitpress.mit.edu/books/new-phrenology

The New Phrenology

The Limits of Localizing Cognitive Processes in the Brain

Overview

William Uttal is concerned that in an effort to prove itself a hard science, psychology may have thrown away one of its most important methodological tools—a critical analysis of the fundamental assumptions that underlie day-to-day empirical research. In this book Uttal addresses the question of localization: whether psychological processes can be defined and isolated in a way that permits them to be associated with particular brain regions.
New, noninvasive imaging technologies allow us to observe the brain while it is actively engaged in mental activities. Uttal cautions, however, that the excitement of these new research tools can lead to a neuroreductionist wild goose chase. With more and more cognitive neuroscientific data forthcoming, it becomes critical to question their limitations as well as their potential. Uttal reviews the history of localization theory, presents the difficulties of defining cognitive processes, and examines the conceptual and technical difficulties that should make us cautious about falling victim to what may be a "neo-phrenological" fad.

About the Author

William R. Uttal is Professor Emeritus (Engineering) at Arizona State University and Professor Emeritus (Psychology) at the University of Michigan. He is the author of many books, including The New Phrenology: On the Localization of Cognitive Processes in the Brain (MIT Press).

Reviews

"This is an exciting book....", Vanja Kljajevic, Metapsychology

Endorsements

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Subversivos

"Nada mais subversivo do que ser erudito num país subdesenvolvido." Geraldo Vandré entrevistado em 2012.

Reforma Psiquiatrica e Epistemologia

A loucura internada, institucionalizada, passaria a ser moldada pela própria ação da institucionalização: – És um demente precoce! é o que afirmava o alienismo. E, após alguns longos anos de institucionalização, a demência nele se assentava. Em analogia à Stengers tratar-se-ia do fenômeno da testemunha fidedigna: o efeito é produzido tanto pela teoria quanto por sua ação prática.

Para Rotelli , “o mal obscuro da psiquiatria está em haver separado um objeto fictício, a doença, da existência global e complexa dos utentes e do corpo social. Sobre esta separação artificial se construiu um conjunto de aparatos científicos, legislativos, administrativos (precisamente a instituição) todos referidos ã doença.” (Rotelli, 1990,
28).
Este tem sido um princípio importante no âmbito da Reforma Psiquiátrica, pois representa uma ruptura fundamental.
O resultado prático da psiquiatria clássica, ao considerar a loucura doença, erro absoluto, distúrbio da razão, perda do juízo, incapacidade civil, irresponsabilidade social e jurídica, foi criar para o louco um lugar de exclusão, um lugar zero de trocas sociais (Rotelli, 1990), cuja expressão mais radical é o manicômio.

Colocar a doença entre parênteses não significa a sua negação; a negação de que exista algo que possa produzir dor, sofrimento, diferença ou mal-estar. Significa a recusa à explicação psiquiátrica; à capacidade de a psiquiatria dar conta do fenômeno com a simples nomeação abstrata de doença. A doença entre parênteses é, ao mesmo tempo, a denúncia social e política da exclusão, e a ruptura epistemológica com o saber naturalístico da psiquiatria.

Paulo Amarante - Reforma Psiquiatrica e Epistemologia

A psiquiatria colocou o sujeito entre parênteses para ocupar-se da doença; para Basaglia a doença é que deveria ser colocada entre parênteses para que pudéssemos ocupar-nos do sujeito em sua experiência.

Portanto, no bojo mais profundo do processo de Reforma Psiquiátrica existe uma importante e contemporânea discussão, que é sobre as ciências. A psiquiatria foi fundada num contexto epistemológico em que a realidade era um dado natural, capaz de ser apreendido, mensurado, descrito e revelado. Num contexto em que a ciência significava a produção de um saber positivo, neutro e autônomo: a expressão da verdade! A partir de então a psiquiatria vem contribuindo de forma importante, tanto no aspecto conceitual (com a construção de tantos outros conceitos - degeneração, cretinismo, idiotia), quanto no aspecto de suas práticas (pela invenção do manicômio, do tratamento moral, das terapias de choque), para a consolidação de um imaginário social no qual a diferença seja associada à anormalidade.

Por exemplo, se adotamos a noção de complexidade para lidar com o conceito de doença, este deixa de ser um objeto naturalizado, reduzido a uma alteração biológica ou de outra ordem simples, para tornar-se um processo saúde/enfermidade.

Embora o conceito de alienação não significasse ausência abstrata da Razão,
mas somente contradição na Razão, como atentava Hegel, essa contradição
impossibilitaria a Razão Absoluta. Portanto, àquele em cuja Razão existisse tal
contradição seria um alienado, o que o tornaria incapaz de julgar, de escolher; incapaz mesmo de ser livre e cidadão, pois a Liberdade e a cidadania implicavam no direito e possibilidade à escolha.
Em conseqüência, em uma dimensão técnico-assistencial, podemos argüir: qual o modelo assistencial decorrente de um conceito que pressupõe tal contradição na Razão, tal falta de Juízo? Não seria o seqüestro deste não-mais-sujeito ou ainda-não-sujeito? A resposta seria óbvia: o manicômio, como expressão de um modelo que se calca na tutela, na vigilância panóptica, no tratamento moral, na disciplina, na imposição da ordem, na punição corretiva, no trabalho terapêutico, na custódia e interdição. Enquanto alienado (alheio, ausente), ele estaria incapaz até mesmo de decidir pelo seu tratamento, motivo este que justificaria que fosse tomada tal decisão em seu lugar. O tratamento, no caso, deveria ser realizado numa instituição fechada, tanto porque o isolamento favoreceria a observação do “objeto em seu estado puro” - sem as indesejáveis interferências da vida social -, quanto porque o isolamento seria, em si, terapêutico, pois as mesmas interferências que prejudicavam a observação, contribuiriam também para as causas da loucura.. O asilo, este espaço cientificamente ordenado, como insistiam Pinel e Esquirol seria, portanto, o lugar ideal para o exercício do tratamento moral, da reeducação pedagógica, da vigilância e da disciplina. Tratado, o alienado perderia esta condição miserável e, somente então poderia ser considerado cidadão, homem livre, pleno de direitos e deveres. Passamos assim à dimensão jurídico-política do processo: rediscutir e redefinir as relações sociais e civis em termos de cidadania, de direitos humanos e sociais. Numa dimensão cultural do processo de Reforma Psiquiátrica, poderíamos resumir da seguinte forma: o objetivo maior deste processo não é a transformação do modelo assistencial (que, como vimos, é um elemento apenas de uma de suas dimensões), mas a transformação do lugar social da loucura, da diferença e da divergência. 

Paulo Amarante - Reforma Psiquiatrica e epistemologia

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Usar benzodiazepínicos, como o Rivotril, por mais de três meses aumenta risco de demência

Usar benzodiazepínicos, como o Rivotril, por mais de três meses aumenta risco de demência
Além dos efeitos adversos já conhecidos (como diminuição de funções cognitivas e a dependência), agora esses medicamentos estão sendo correlacionados ao aumento do risco de desenvolver demências.
"Pacientes que tomam medicamentos do tipo benzodiazepínicos para tratar condições psiquiátricas devem considerar a transição para outras terapias pelos riscos aumentados de demência, ressaltam especialistas do American College of Osteopathic Neurologists and Psychiatrists."
[...]
"As benzodiazepinas incluem medicamentos como o diazepam (nome comercial Valium), clonazepam (nome comercial Rivotril), bromazepam (nome comercial Lexotan) e alprazolam (nome comercial Frontal). Eles são usados como tratamento primário para a insônia, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo e outras condições."
Uma revisão dos dados de 9.000 pacientes canadenses descobriu que aqueles que tomaram a droga por um período superior a três meses, mas inferior a 180 dias, tiveram risco aumentado de desenvolver a doença em 32%. Quando o período de uso de um benzodiazepínico passa de seis meses, o risco chega a 84%. Resultados semelhantes foram encontrados por pesquisadores franceses que estudaram mais de 1.000 pacientes idosos.(http://www.bmj.com/content/349/bmj.g5205)
“Embora seja apenas uma correlação, e não uma demonstração de que realmente os remédios sejam responsáveis pelo surgimento do Alzheimer, há muitas razões para evitar essa classe de drogas como primeira opção.”
Fonte: http://brasileiros.com.br/…/uso-de-benzodiazepinicos-como-…/

sábado, 26 de setembro de 2015

Educação médica e indústria farmacêutica

SM – O conflito de interesses na relação instituições/pesquisadores/indústria pode ser superado? De que forma? Os médicos têm força suficiente para não sucumbir ao assédio dos laboratórios? Um dos argumentos usados para justificar eventual dependência é que “as companhias propiciam educação médica continuada”.
Angell –
 Laboratórios farmacêuticos não deveriam participar da “educação” de médicos, pois não se espera que forneçam informações objetivas a respeito de produtos comercializados por eles próprios. Ou seja, cabe à profissão médica a responsabilidade pela sua própria educação. Para que as coisas caminhassem de maneira imparcial, penso que o patrocinador das pesquisas em universidades deveria ficar absolutamente fora dos estudos, o que significa não opinar nos desenhos, não tomar parte na análise dos dados ou na elaboração de artigos. Além disso, pesquisadores não poderiam ter outros vínculos financeiros, como aquele que os obriga a prestar consultorias patrocinadas pelos laboratórios financiadores de remédios. Finalmente, em suas práticas, os médicos não deveriam aceitar brindes da indústria farmacêutica. Nem mesmo os considerados insignificantes, pois a literatura mostra que, mesmo pequenos presentes, especialmente aqueles dados aos médicos em formação, criam o desejo de retribuir de alguma forma. Reconheço que essas sugestões parecem radicais hoje, porque médicos envolvidos nos âmbitos práticos e acadêmicos estão bem acostumados a receber grandes somas de dinheiro, jantares e presentes da indústria. Incidentalmente, isso provém do orçamento de marketing das companhias, pois não há verbas para “educação”.
SM – Atualmente, suas críticas em artigos e entrevistas direcionam-se aos tratamentos alternativos e ao uso de drogas psiquiátricas em crianças. Medicina alternativa é ruim? Há abusos na prescrição de antipsicóticos a crianças?
Angell –
 Discordo de toda a prática de medicina que não se baseie em boa pesquisa ou, pelo menos, em forte plausibilidade biológica. Por isso, tenho postura crítica em relação à medicina alternativa. Se tais práticas fossem testadas cientificamente, não seriam chamadas de alternativas. Quanto à segunda questão, drogas psiquiátricas certamente estão sendo prescritas de forma abusiva a crianças. Digo isso baseada em pronunciamentos de especialistas que, muitas vezes, contam com vínculos financeiros com laboratórios farmacêuticos, em vez de comprometimento com estudos científicos. Nos EUA, por exemplo, observa-se que problemas de comportamento motivados por fatores sociais, econômicos e familiares passaram a ser enquadrados na categoria “distúrbios psiquiátricos” porque os psiquiatras que definem essas doenças têm conflitos financeiros de interesse.

http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/marcia-angell-a-coragem-na-luta-contra-acao-de-laboratorios


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

CRUELDADE SIMBÓLICA DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO


CRUELDADE SIMBÓLICA DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO (E SIMILARES).


Ramos
Natal, Rio Grande do Norte
dom, 08/06/2014 - 06:34











Tags: a tragicomédia da medicalização, diagnóstico psiquiátrico




Tentarei fazer algumas considerações a respeito das implicações da formulação de diagnósticos em psiquiatria e demais disciplinas que seguem o mesmo protocolo. Estas reflexões certamente parecerão extremamente polêmicas ou mesmo absurdas àquelas mentes formatadas por um discurso cientificista e desumanizado. Mas as ciências da saúde estão sofrendo de um déficit crônico de sutileza – e esta carência está tendo conseqüências catastróficas para a vida e o futuro das pessoas.
Antes de tudo, é preciso fazer alguns esclarecimentos. Os sintomas médicos exigem e demandam um diagnóstico. Quanto antes ocorrer a prescrição do correto diagnóstico, tanto melhor para a eficácia do tratamento. Já os transtornos mentais, não. E aqui é preciso fazer uma diferenciação entre as doenças do cérebro – as quais podem ser tratadas com medicamentos ou cirurgia – e as “doenças” ou transtornos mentais, que demandam um protocolo diferenciado e um tratamento específico. Todo o esforço da psiquiatria e de boa parte dos neurocientistas é tentar demonstrar que os transtornos mentais são doenças ou desequilíbrios do cérebro. Conversa pra boi dormir.
Por que afirmo que o diagnóstico, no caso dos transtornos mentais, exigem um tratamento diferenciado?
É que, em psiquiatria, o diagnostico vem sempre acompanhado de uma trilogia maligna: (a) descontextualização, (b) naturalização e (c) perenização do sofrimento psíquico.
A fim de ilustrar e embasar a argumentação, vou citar dois casos clínicos – o de Roberta (fictício) e o de Márcia (real).
ROBERTA: Trata-se de uma adolescente que apresenta acessos freqüentes de fúria incontrolável. Seu comportamento tanto na escola quando em casa é caracterizado por atitudes ríspidas quando não extremamente agressivas. Além de não respeitar os pais e questionar-lhes a autoridade, por vezes quebra objetos e agride fisicamente a mãe. Ameaça fugir de casa ou se matar. Preocupada, a família a leva ao psiquiatra. Na consulta, após analisar os seus sintomas, ela é diagnosticada como portadora do Transtorno Explosivo Intermitente (TEI). São-lhe prescritos ansiolíticos e calmantes.
MÁRCIA: Sempre fora muito apegada à família. Com a morte do pai, fica profundamente triste e desconsolada. Levam-na a um psiquiatra. Ela é diagnosticada como sofrendo de Depressão, e prescrevem-lhe três medicamentos. Ela começa a tomá-lo e sua vida piora a cada dia. Sua relação como marido, que não ia bem, se deteriora. Eles se separam. Surgem os sintomas de pânico. Não consegue mais trabalhar. Vive durante dez anos afastada de suas atividades profissionais em função do pânico e da depressão. Freqüentemente padece de fome em casa por não conseguir atravessar a rua para comprar alimentos na venda da esquina. Chega ao consultório andando com dificuldade, amparada e auxiliada por dois familiares. Seus movimentos são lentos, sua voz carregada.
A) Descontextualização.
Ocorre quando se supõe que os transtornos mentais são decorrentes de alterações químicas no cérebro. Não há dúvida de que todo pensamento e todo sentimento vem acompanhado de uma alteração química no cérebro. Mas a alteração química explica o surgimento do pensamento, do sentimento e do transtorno? Não. E por que não? A razão é que o surgimento de um hormônio ou substância no cérebro se dá por alguma razão. E a razão é de ordem psíquica.
Voltemos aos nossos exemplos. Roberta vivia com o padrasto e a mãe. O padrasto estava abusando sexualmente de sua enteada há meses. A mãe parecia não se dar conta do que se passava dentro de casa. Não havia intimidade entre a mãe e o padrasto. A mãe sofrera no passado de violência sexual, o que a fazia ter pavor de sexo. Desta forma, consciente ou inconscientemente, deixar de ser solicitada pelo padrasto foi para ela um alívio. A filha ensaiou denunciar os abusos que sofria à mãe, mas esta os desconsiderou. Foi aí que os acessos de raiva começaram.
Já o calvário de Márcia teve início quando ela foi diagnosticada como deprimida, após a morte do pai. Sempre fora uma jovem dinâmica, independente e trabalhadora. Era para ela se sentir feliz com a morte da pessoa que mais amava? A sua tristeza foi patologizada.
Tanto num caso como no outro, o diagnóstico psiquiátrico operou um psicocídio: ao ser formulado, colocou “entre parênteses” todo o contexto que levou ao surgimento dos sintomas e transformou os seus portadores em coisas, em animais sem vida própria, sem história, sem fala e dignidade. O diagnóstico matou a subjetividade, restando apenas um corpo com uma patologia.
B) Naturalização.
O ser humano é um animal cultural. Quando se supõe que um transtorno psíquico decorre de um desequilíbrio químico no cérebro, reduz-se o homem a um código de barras, a uma simples mercadoria, a uma coisa. Toda doença e principalmente todo transtorno decorre da confluência de múltiplos fatores. Quando a psiquiatria envereda por esse caminho reducionista sem escutar o sujeito e sem levar em conta o histórico de sofrimentos que se ocultam por trás do sintoma, morre enquanto tal. Converte-se em encefalatria.
C) Perenização.
“Quando o psiquiatra enquadra, classifica e diagnostica, distancia-se inevitavelmente de uma postura terapêutica aberta, prospectiva e amorosa. Seu olhar é retrógrado e petrificador - petrifica o paciente num estigma, e congela o próprio olhar do psiquiatra no diagnóstico realizado num determinado momento, dificultando-lhe a percepção da evolução ou variação da sintomatologia do mesmo paciente ao longo do tempo, centrando-se no que já está posto, ou seja, atua no sentido de capturar o paciente numa classificação nosológica”. (A Tragicomédia da Medicalização: a Psiquiatria e a Morte do Sujeito, Natal (RN), Sapiens: 2012. Segundo Ato, Das Classificações).
Voltemos ao caso de Márcia, afastada do trabalho por uma Junta Médica há uma década. Quando, na segunda sessão, o terapeuta, através de um trabalho vivencial e reflexivo acerca do papel que ela estava representando na sua própria vida, a faz ver que ela estava assumindo um papel de vítima, de doente, acobertado e justificado pela psiquiatria, ela se DESCOLA do rótulo. Toma consciência que o rótulo a escava colocando numa jaula simbólica ad infinitum. Na terceira sessão, ela afirma: “Vou voltar a estudar! Vou pegar carona com a minha sobrinha, que passou no vestibular. Não vou perder essa oportunidade!”
Nesta conformidade, ela se sentia “doente” simplesmente porque se colocava e aceitava o papel de doente. No momento que percebe que ela mesma alimentava aquele papel que a fazia vegetar, decide mudar. E volta a viver.
Se o transtorno psíquico é causado por um desequilíbrio químico do cérebro, quando o tratamento vai acabar? Nunca se sabe. Supondo-se que a atividade cerebral seja regulada pela genética, a resposta é: nunca. O paciente precisa ser medicado para todo o sempre. E, mesmo que os sintomas estejam ausentes, pode ser prudente medicar-se “de forma preventiva” para evitar uma recidiva.
Essa trilogia maligna é uma expressão inequívoca do processo de medicalização da vida. O Transtorno de Explosividade Intermitente poderia ser considerado uma piada, se não fosse uma tragédia.
E aí, para finalizar, temos algumas possibilidades.
Primeira: Diagnóstico + medicação (sem tratamento).
Esse procedimento é o mais usual, especialmente na rede pública. O sujeito vai ao psiquiatra e sai com um remédio na mão. Esse holocausto da subjetividade é perpetrado diariamente nos postos de saúde e rede pública.
Segunda: Diagnóstico + medicação + tratamento.
Pode-se fazer uso do diagnóstico, ou seja, de um procedimento simbolicamente cruel, para a obtenção de dois direitos – o remédio e o tratamento psicológico. Isso funciona?
Cito outro trecho (é longo, mas é importante):
"(...) Ao medicar um paciente sob a alegação de ajudá-lo em seu tratamento, os psiquiatras não estão se colocando do lado daquele que sofre, mas sim a favor do pharmacolonialismo, que se move predominantemente na lógica do capital. Isto porque a medicalização suprime a ética do cuidado de si, a estética e a motivação que poderia levar à cura, sendo, portanto, inimiga da subjetivação.
Com efeito, os medicamentos não funcionam da mesma maneira para todos. Os indivíduos são diferentes e reagem de forma desigual aos estímulos. Da mesma forma do que ocorre em relação à nutrição, onde um alimento saudável pode ser danoso para alguém que possua alguma rejeição aos ingredientes dele, os indivíduos apresentam reações diversas em relação a uma mesma droga. Uma substância administrada para amenizar a depressão pode, por exemplo, induzir ao suicídio a determinadas pessoas. Assim, o princípio ativo pode provocar reações inversas às pretendidas. Confiar num medicamento é sempre uma aposta perigosa e imprevisível.
O CORO: “O que é válido para alguns, pode não ser válido para todos.”
Contudo, o discurso biomédico sustenta, e com razão, que o uso dos medicamentos, apesar dessas “anomalias”, dessas variações individuais indesejáveis, efetivamente funciona para um bom número de pessoas. Entretanto, como a medicação está dissociada de uma dietética existencial, ou seja, de um estilo de vida, quando o indivíduo é medicado (ou se automedica) e constata um efeito positivo no melhoramento dos seus sintomas, sente-se imediatamente autorizado a desequilibrar-se ainda mais, já que tem à mão um recurso que pode contornar e aliviar os excessos cometidos.O remédio converte-se na senha para empreender toda a sorte de desatinos(1).
Assim, por exemplo, um portador de diabetes, ao tomar um remédio que diminui as taxas de glicose no sangue, sente-se livre para abusar dos docinhos. Um viciado em bebidas alcoólicas, ao perceber que suas dores abdominais diminuem com um remédio para o fígado, permite-se abusar mais ainda do álcool. Ao receber um transplante de coração, um pedreiro, ao sair da sala de cirurgia, falou para um repórter: “Estou me sentindo tão bem que vou comemorar comendo um churrasco!”
O mesmo vale para os psicofármacos: aquele que se sente ansioso, ao ver a sua ansiedade ser suavizada por um ansiolítico, permite-se adotar um estilo de vida mais agitado e frenético do que antes, graças às conquistas da farmacologia. Alguém que esteja triste pela perda de um ente querido, ao tomar um antidepressivo pode indefinidamente sentir-se propenso a apegar-se à lembrança do morto, cuja perda acha inaceitável e intolerável, impedindo-lhe a elaboração do luto. Ou seja, mesmo que funcione, o remédio ainda assim é danoso para um grande número de pessoas, já que o tratamento é focado nos sintomas e não em cima de suas causas que continuam ativas e atuantes, embora ocultas.
O CORO: “Quanto melhor o remédio, tanto pior será!”
Porém, há ainda, por último, o restrito grupo daqueles que tomam um psicoativo e ele efetivamente funciona, os quais não se autorizam a praticar nenhum tipo de excessos, seguindo fielmente o protocolo médico prescrito. Benditos, esses bons pacientes! O sonho de todos os psiquiatras! Para esses, o medicamento, quando ingerido, age como uma máscara trágica a se interpor entre o sujeito e os seus sentimentos e emoções. A máscara dá a ele uma aparência de universal normalidade, e a sua individualidade é eclipsada por trás dela. E mais: ele não mais consegue sentir-se e perceber-se como outrora: o medicamento altera o seu humor, tornando-o “adequado” ou “saudável” dentro de normalizações socialmente determinadas.
A consequência desta acomodação clínica do sintoma é evitar que o indivíduo entre em contato com as verdadeiras causas de seu malestar. Ora, ora! Nenhum psiquiatra bem intencionado e esclarecido sustentaria que o remédio por si só possa resolver todos os males! O ideal é que ele venha acompanhado de uma psicoterapia a fim de reforçar e retroalimentar os efeitos positivos da medicação. Terapia e remédio, remédio e terapia: remédio para o corpo, terapia para a alma! No entanto, ao contrário de todos aqueles que pregam que a medicação e a terapia caminham muito bem juntas, na verdade a medicação é o maior empecilho para um efetivo avanço terapêutico. E o motivo é óbvio e irrefutável: nós nunca desejamos tanto estar saudáveis como ao nos sentirmos doentes; nós nunca desejamos tanto comer um alimento como quando sentimos nas vísceras a fome nos corroer por dentro; nós nunca ansiamos tanto por carinho como nos momentos em que nos sentimos sós e desamparados. Ora, se o medicamento diminui ou cessa o mal-estar, elimina também aquilo que poderia ser a motivação para a busca do bem-estar(2). Se o medicamento minimiza o sofrimento, diminui também a capacidade de sentir prazer. Isto porque há uma harmonia entre os opostos em todas as coisas, e um oposto remete para o seu pólo oposto e complementar."


Terceira possibilidade: Diagnóstico + tratamento (sem medicação)
É, na maioria dos casos, preferível a todas as outras. Evita os efeitos colaterais da medicação e não atrapalha no tratamento. Só em casos especiais não seria recomendável.
Por fim, a guisa de conclusão, cito um trecho do livro “A Tragicomédia da Medicalização”, onde a violência simbólica do diagnóstico é resumida:
“Eis – antecipando o que diremos ao longo deste opúsculo - as etapas da violência simbólica à qual o paciente é submetido: primeiro, ele é nomeado pelo diagnóstico como portador de algum distúrbio ou perturbação; segundo, pelo diagnóstico o rótulo adere ao paciente como um estigma, tal como as marcas de identificação apostas aos animais quando são ferrados; terceiro, ele é rebanhizado, ou seja, as referências se deslocam de sua personalidade individual e única para o rebanho anônimo e indistinto da categoria nosológica em que é agrupado. As consequências desta rebanhização são, de um lado, a despersonalização e perda de referenciais internos; e, de outro, a terapêutica medicamentosa indicada será aquela aplicável não ao indivíduo na sua singularidade, mas sim ao rebanho no qual ele foi inserido, ou seja, aplicar-se-á um remédio inespecífico para um indivíduo genérico que não existe enquanto tal”.
Em suma, para não cansar demais os leitores: a formulação precipitada de um diagnóstico para um transtorno psíquico é um desserviço àqueles que buscam o autoconhecimento e a autotransformação, tendo apenas uma função de viabilizar um controle biopolítico sobre os corpos e as mentes dos pacientes.
Saudações,
José Ramos Coelho
(1)“(...) a educação age sobre o nível de vida em uma proporção duas vezes e meia mais importante do que o consumo médico” – afirma Michel FOUCAULT, retomando a tese de Ivan Illich. – “Conclui-se que, para viver mais tempo, um bom nível de educação é preferível ao consumo médico” (2011, p.390)
(2) Com profunda sabedoria, pontifica o Dr. Edward BACH: “... a doença, posto que pareça tão cruel, é benéfica e existe para nosso próprio bem; se interpretada de maneira correta, guiar-nos-á em direção aos nossos defeitos principais. Se tratada com propriedade, será a causa da supressão desses defeitos e fará de nós pessoas melhores e mais evoluídas do que éramos antes. O sofrimento é um corretivo para se salientar uma lição que de outro modo não haveríamos de aprender, e ele jamais poderá ser dispensado até que a lição seja totalmente assimilada”. (2010, p.18). O combate precipitado aos sintomas está a serviço da manutenção da ignorância e da cegueira. - See more at: http://www.redehumanizasus.net/84706-a-crueldade-simbolica-do-diagnostico-psiquiatrico-e-similares#sthash.PXGMTufA.dpuf

CRUELDADE SIMBÓLICA DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO (E SIMILARES).


Ramos
Natal, Rio Grande do Norte
dom, 08/06/2014 - 06:34











Tags: a tragicomédia da medicalização, diagnóstico psiquiátrico




Tentarei fazer algumas considerações a respeito das implicações da formulação de diagnósticos em psiquiatria e demais disciplinas que seguem o mesmo protocolo. Estas reflexões certamente parecerão extremamente polêmicas ou mesmo absurdas àquelas mentes formatadas por um discurso cientificista e desumanizado. Mas as ciências da saúde estão sofrendo de um déficit crônico de sutileza – e esta carência está tendo conseqüências catastróficas para a vida e o futuro das pessoas.
Antes de tudo, é preciso fazer alguns esclarecimentos. Os sintomas médicos exigem e demandam um diagnóstico. Quanto antes ocorrer a prescrição do correto diagnóstico, tanto melhor para a eficácia do tratamento. Já os transtornos mentais, não. E aqui é preciso fazer uma diferenciação entre as doenças do cérebro – as quais podem ser tratadas com medicamentos ou cirurgia – e as “doenças” ou transtornos mentais, que demandam um protocolo diferenciado e um tratamento específico. Todo o esforço da psiquiatria e de boa parte dos neurocientistas é tentar demonstrar que os transtornos mentais são doenças ou desequilíbrios do cérebro. Conversa pra boi dormir.
Por que afirmo que o diagnóstico, no caso dos transtornos mentais, exigem um tratamento diferenciado?
É que, em psiquiatria, o diagnostico vem sempre acompanhado de uma trilogia maligna: (a) descontextualização, (b) naturalização e (c) perenização do sofrimento psíquico.
A fim de ilustrar e embasar a argumentação, vou citar dois casos clínicos – o de Roberta (fictício) e o de Márcia (real).
ROBERTA: Trata-se de uma adolescente que apresenta acessos freqüentes de fúria incontrolável. Seu comportamento tanto na escola quando em casa é caracterizado por atitudes ríspidas quando não extremamente agressivas. Além de não respeitar os pais e questionar-lhes a autoridade, por vezes quebra objetos e agride fisicamente a mãe. Ameaça fugir de casa ou se matar. Preocupada, a família a leva ao psiquiatra. Na consulta, após analisar os seus sintomas, ela é diagnosticada como portadora do Transtorno Explosivo Intermitente (TEI). São-lhe prescritos ansiolíticos e calmantes.
MÁRCIA: Sempre fora muito apegada à família. Com a morte do pai, fica profundamente triste e desconsolada. Levam-na a um psiquiatra. Ela é diagnosticada como sofrendo de Depressão, e prescrevem-lhe três medicamentos. Ela começa a tomá-lo e sua vida piora a cada dia. Sua relação como marido, que não ia bem, se deteriora. Eles se separam. Surgem os sintomas de pânico. Não consegue mais trabalhar. Vive durante dez anos afastada de suas atividades profissionais em função do pânico e da depressão. Freqüentemente padece de fome em casa por não conseguir atravessar a rua para comprar alimentos na venda da esquina. Chega ao consultório andando com dificuldade, amparada e auxiliada por dois familiares. Seus movimentos são lentos, sua voz carregada.
A) Descontextualização.
Ocorre quando se supõe que os transtornos mentais são decorrentes de alterações químicas no cérebro. Não há dúvida de que todo pensamento e todo sentimento vem acompanhado de uma alteração química no cérebro. Mas a alteração química explica o surgimento do pensamento, do sentimento e do transtorno? Não. E por que não? A razão é que o surgimento de um hormônio ou substância no cérebro se dá por alguma razão. E a razão é de ordem psíquica.
Voltemos aos nossos exemplos. Roberta vivia com o padrasto e a mãe. O padrasto estava abusando sexualmente de sua enteada há meses. A mãe parecia não se dar conta do que se passava dentro de casa. Não havia intimidade entre a mãe e o padrasto. A mãe sofrera no passado de violência sexual, o que a fazia ter pavor de sexo. Desta forma, consciente ou inconscientemente, deixar de ser solicitada pelo padrasto foi para ela um alívio. A filha ensaiou denunciar os abusos que sofria à mãe, mas esta os desconsiderou. Foi aí que os acessos de raiva começaram.
Já o calvário de Márcia teve início quando ela foi diagnosticada como deprimida, após a morte do pai. Sempre fora uma jovem dinâmica, independente e trabalhadora. Era para ela se sentir feliz com a morte da pessoa que mais amava? A sua tristeza foi patologizada.
Tanto num caso como no outro, o diagnóstico psiquiátrico operou um psicocídio: ao ser formulado, colocou “entre parênteses” todo o contexto que levou ao surgimento dos sintomas e transformou os seus portadores em coisas, em animais sem vida própria, sem história, sem fala e dignidade. O diagnóstico matou a subjetividade, restando apenas um corpo com uma patologia.
B) Naturalização.
O ser humano é um animal cultural. Quando se supõe que um transtorno psíquico decorre de um desequilíbrio químico no cérebro, reduz-se o homem a um código de barras, a uma simples mercadoria, a uma coisa. Toda doença e principalmente todo transtorno decorre da confluência de múltiplos fatores. Quando a psiquiatria envereda por esse caminho reducionista sem escutar o sujeito e sem levar em conta o histórico de sofrimentos que se ocultam por trás do sintoma, morre enquanto tal. Converte-se em encefalatria.
C) Perenização.
“Quando o psiquiatra enquadra, classifica e diagnostica, distancia-se inevitavelmente de uma postura terapêutica aberta, prospectiva e amorosa. Seu olhar é retrógrado e petrificador - petrifica o paciente num estigma, e congela o próprio olhar do psiquiatra no diagnóstico realizado num determinado momento, dificultando-lhe a percepção da evolução ou variação da sintomatologia do mesmo paciente ao longo do tempo, centrando-se no que já está posto, ou seja, atua no sentido de capturar o paciente numa classificação nosológica”. (A Tragicomédia da Medicalização: a Psiquiatria e a Morte do Sujeito, Natal (RN), Sapiens: 2012. Segundo Ato, Das Classificações).
Voltemos ao caso de Márcia, afastada do trabalho por uma Junta Médica há uma década. Quando, na segunda sessão, o terapeuta, através de um trabalho vivencial e reflexivo acerca do papel que ela estava representando na sua própria vida, a faz ver que ela estava assumindo um papel de vítima, de doente, acobertado e justificado pela psiquiatria, ela se DESCOLA do rótulo. Toma consciência que o rótulo a escava colocando numa jaula simbólica ad infinitum. Na terceira sessão, ela afirma: “Vou voltar a estudar! Vou pegar carona com a minha sobrinha, que passou no vestibular. Não vou perder essa oportunidade!”
Nesta conformidade, ela se sentia “doente” simplesmente porque se colocava e aceitava o papel de doente. No momento que percebe que ela mesma alimentava aquele papel que a fazia vegetar, decide mudar. E volta a viver.
Se o transtorno psíquico é causado por um desequilíbrio químico do cérebro, quando o tratamento vai acabar? Nunca se sabe. Supondo-se que a atividade cerebral seja regulada pela genética, a resposta é: nunca. O paciente precisa ser medicado para todo o sempre. E, mesmo que os sintomas estejam ausentes, pode ser prudente medicar-se “de forma preventiva” para evitar uma recidiva.
Essa trilogia maligna é uma expressão inequívoca do processo de medicalização da vida. O Transtorno de Explosividade Intermitente poderia ser considerado uma piada, se não fosse uma tragédia.
E aí, para finalizar, temos algumas possibilidades.
Primeira: Diagnóstico + medicação (sem tratamento).
Esse procedimento é o mais usual, especialmente na rede pública. O sujeito vai ao psiquiatra e sai com um remédio na mão. Esse holocausto da subjetividade é perpetrado diariamente nos postos de saúde e rede pública.
Segunda: Diagnóstico + medicação + tratamento.
Pode-se fazer uso do diagnóstico, ou seja, de um procedimento simbolicamente cruel, para a obtenção de dois direitos – o remédio e o tratamento psicológico. Isso funciona?
Cito outro trecho (é longo, mas é importante):
"(...) Ao medicar um paciente sob a alegação de ajudá-lo em seu tratamento, os psiquiatras não estão se colocando do lado daquele que sofre, mas sim a favor do pharmacolonialismo, que se move predominantemente na lógica do capital. Isto porque a medicalização suprime a ética do cuidado de si, a estética e a motivação que poderia levar à cura, sendo, portanto, inimiga da subjetivação.
Com efeito, os medicamentos não funcionam da mesma maneira para todos. Os indivíduos são diferentes e reagem de forma desigual aos estímulos. Da mesma forma do que ocorre em relação à nutrição, onde um alimento saudável pode ser danoso para alguém que possua alguma rejeição aos ingredientes dele, os indivíduos apresentam reações diversas em relação a uma mesma droga. Uma substância administrada para amenizar a depressão pode, por exemplo, induzir ao suicídio a determinadas pessoas. Assim, o princípio ativo pode provocar reações inversas às pretendidas. Confiar num medicamento é sempre uma aposta perigosa e imprevisível.
O CORO: “O que é válido para alguns, pode não ser válido para todos.”
Contudo, o discurso biomédico sustenta, e com razão, que o uso dos medicamentos, apesar dessas “anomalias”, dessas variações individuais indesejáveis, efetivamente funciona para um bom número de pessoas. Entretanto, como a medicação está dissociada de uma dietética existencial, ou seja, de um estilo de vida, quando o indivíduo é medicado (ou se automedica) e constata um efeito positivo no melhoramento dos seus sintomas, sente-se imediatamente autorizado a desequilibrar-se ainda mais, já que tem à mão um recurso que pode contornar e aliviar os excessos cometidos.O remédio converte-se na senha para empreender toda a sorte de desatinos(1).
Assim, por exemplo, um portador de diabetes, ao tomar um remédio que diminui as taxas de glicose no sangue, sente-se livre para abusar dos docinhos. Um viciado em bebidas alcoólicas, ao perceber que suas dores abdominais diminuem com um remédio para o fígado, permite-se abusar mais ainda do álcool. Ao receber um transplante de coração, um pedreiro, ao sair da sala de cirurgia, falou para um repórter: “Estou me sentindo tão bem que vou comemorar comendo um churrasco!”
O mesmo vale para os psicofármacos: aquele que se sente ansioso, ao ver a sua ansiedade ser suavizada por um ansiolítico, permite-se adotar um estilo de vida mais agitado e frenético do que antes, graças às conquistas da farmacologia. Alguém que esteja triste pela perda de um ente querido, ao tomar um antidepressivo pode indefinidamente sentir-se propenso a apegar-se à lembrança do morto, cuja perda acha inaceitável e intolerável, impedindo-lhe a elaboração do luto. Ou seja, mesmo que funcione, o remédio ainda assim é danoso para um grande número de pessoas, já que o tratamento é focado nos sintomas e não em cima de suas causas que continuam ativas e atuantes, embora ocultas.
O CORO: “Quanto melhor o remédio, tanto pior será!”
Porém, há ainda, por último, o restrito grupo daqueles que tomam um psicoativo e ele efetivamente funciona, os quais não se autorizam a praticar nenhum tipo de excessos, seguindo fielmente o protocolo médico prescrito. Benditos, esses bons pacientes! O sonho de todos os psiquiatras! Para esses, o medicamento, quando ingerido, age como uma máscara trágica a se interpor entre o sujeito e os seus sentimentos e emoções. A máscara dá a ele uma aparência de universal normalidade, e a sua individualidade é eclipsada por trás dela. E mais: ele não mais consegue sentir-se e perceber-se como outrora: o medicamento altera o seu humor, tornando-o “adequado” ou “saudável” dentro de normalizações socialmente determinadas.
A consequência desta acomodação clínica do sintoma é evitar que o indivíduo entre em contato com as verdadeiras causas de seu malestar. Ora, ora! Nenhum psiquiatra bem intencionado e esclarecido sustentaria que o remédio por si só possa resolver todos os males! O ideal é que ele venha acompanhado de uma psicoterapia a fim de reforçar e retroalimentar os efeitos positivos da medicação. Terapia e remédio, remédio e terapia: remédio para o corpo, terapia para a alma! No entanto, ao contrário de todos aqueles que pregam que a medicação e a terapia caminham muito bem juntas, na verdade a medicação é o maior empecilho para um efetivo avanço terapêutico. E o motivo é óbvio e irrefutável: nós nunca desejamos tanto estar saudáveis como ao nos sentirmos doentes; nós nunca desejamos tanto comer um alimento como quando sentimos nas vísceras a fome nos corroer por dentro; nós nunca ansiamos tanto por carinho como nos momentos em que nos sentimos sós e desamparados. Ora, se o medicamento diminui ou cessa o mal-estar, elimina também aquilo que poderia ser a motivação para a busca do bem-estar(2). Se o medicamento minimiza o sofrimento, diminui também a capacidade de sentir prazer. Isto porque há uma harmonia entre os opostos em todas as coisas, e um oposto remete para o seu pólo oposto e complementar."


Terceira possibilidade: Diagnóstico + tratamento (sem medicação)
É, na maioria dos casos, preferível a todas as outras. Evita os efeitos colaterais da medicação e não atrapalha no tratamento. Só em casos especiais não seria recomendável.
Por fim, a guisa de conclusão, cito um trecho do livro “A Tragicomédia da Medicalização”, onde a violência simbólica do diagnóstico é resumida:
“Eis – antecipando o que diremos ao longo deste opúsculo - as etapas da violência simbólica à qual o paciente é submetido: primeiro, ele é nomeado pelo diagnóstico como portador de algum distúrbio ou perturbação; segundo, pelo diagnóstico o rótulo adere ao paciente como um estigma, tal como as marcas de identificação apostas aos animais quando são ferrados; terceiro, ele é rebanhizado, ou seja, as referências se deslocam de sua personalidade individual e única para o rebanho anônimo e indistinto da categoria nosológica em que é agrupado. As consequências desta rebanhização são, de um lado, a despersonalização e perda de referenciais internos; e, de outro, a terapêutica medicamentosa indicada será aquela aplicável não ao indivíduo na sua singularidade, mas sim ao rebanho no qual ele foi inserido, ou seja, aplicar-se-á um remédio inespecífico para um indivíduo genérico que não existe enquanto tal”.
Em suma, para não cansar demais os leitores: a formulação precipitada de um diagnóstico para um transtorno psíquico é um desserviço àqueles que buscam o autoconhecimento e a autotransformação, tendo apenas uma função de viabilizar um controle biopolítico sobre os corpos e as mentes dos pacientes.
Saudações,
José Ramos Coelho
(1)“(...) a educação age sobre o nível de vida em uma proporção duas vezes e meia mais importante do que o consumo médico” – afirma Michel FOUCAULT, retomando a tese de Ivan Illich. – “Conclui-se que, para viver mais tempo, um bom nível de educação é preferível ao consumo médico” (2011, p.390)
(2) Com profunda sabedoria, pontifica o Dr. Edward BACH: “... a doença, posto que pareça tão cruel, é benéfica e existe para nosso próprio bem; se interpretada de maneira correta, guiar-nos-á em direção aos nossos defeitos principais. Se tratada com propriedade, será a causa da supressão desses defeitos e fará de nós pessoas melhores e mais evoluídas do que éramos antes. O sofrimento é um corretivo para se salientar uma lição que de outro modo não haveríamos de aprender, e ele jamais poderá ser dispensado até que a lição seja totalmente assimilada”. (2010, p.18). O combate precipitado aos sintomas está a serviço da manutenção da ignorância e da cegueira. - See more at: http://www.redehumanizasus.net/84706-a-crueldade-simbolica-do-diagnostico-psiquiatrico-e-similares#sthash.PXGMTufA.dpuf

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Jogos familiares - Nós (Laing)

Os outros disseram que ela era estúpida. então ela
se fez a si própria estúpido para não ver como
estúpido
eles estavam a pensar que ela era estúpida,
porque era ruim pensar que eles eram
estúpido.
Ela preferiu ser estúpido e bom,
em vez de ruim e inteligente.
É ruim ser estúpido: ela precisa ser
inteligente
para ser tão bom e estúpido.
É ruim ser inteligente, porque isso mostra
como eles eram estúpidos
para lhe dizer como ela era estúpida.
Ronald Laing. Knots.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

rd laing

Ele também assumiu o desafio diagnóstico psiquiátrico, argumentando que o diagnóstico de um transtorno mental contradisse aceito procedimento médico: diagnóstico foi feito com base no comportamento ou conduta, e análise e exames complementares que tradicionalmente preceder o diagnóstico de patologias viáveis (como ossos quebrados ou pneumonia) ocorreu após o diagnóstico de transtorno mental (se em tudo). Assim, de acordo com Laing, psiquiatria foi fundada em uma epistemologia falsa: doença diagnosticada pela conduta, mas tratados biologicamente.
Laing sustentou que a esquizofrenia era "uma teoria não um fato"; ele acreditava que os modelos de esquizofrenia herdada geneticamente que está sendo promovido pela psiquiatria base biológica não foram aceites pelos principais médicos geneticistas [15] Ele rejeitou o "modelo médico de doença mental."; de acordo com o diagnóstico de doença mental Laing não seguiu um modelo médico tradicional; e isso o levou a questionar o uso de medicação, como os antipsicóticos de psiquiatria. Sua atitude para com drogas era muito diferente; em particular, ele defendia uma anarquia de experiência. [16]

sábado, 1 de agosto de 2015

DSM ateorético?

Far from  genuinely atheoretical, the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders sys-
tem (DSM; American Psychiatric Association, 1994) fosters a crude biological view (Horwitz, 2002).

longe de genuinamente ateorético, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais sis-
TEM (DSM; American Psychiatric Association, 1994) promove um concepção cruamente biológica
(Horwitz, 2002).

terça-feira, 30 de junho de 2015

Podemos falar em uma 'química da qualidade de vida'?

Coluna (Edição nº 24)
"Podemos falar em uma 'química da qualidade de vida'?", por Rogério Lopes Azize (*)
Os corpos contemporâneos carregam o peso de grandes expectativas e muitas ansiedades. Especialmente em uma cultura que pode ser chamada “de classe média urbana”, o corpo está cercado de regras e constrangimentos no que se refere à sua estética, formato, virilidade, desempenho físico, saúde adequada e performance social. As possibilidades técnicas de intervenção do indivíduo sobre o seu próprio corpo multiplicam-se em diversas frentes. Das salas de cirurgia às salas de musculação, passando pelas farmácias, busca-se aprimorar a performance do corpo em campos tão diferentes quanto a estética corporal, a sexualidade e a saúde psíquica.
Essa coluna propõe uma breve reflexão a respeito de um aspecto específico dessa cultura que reserva grande atenção ao corpo e à saúde: o consumo de medicamentos. Parto da percepção de que vivemos hoje uma “cultura medicamentosa” entre as classes médias urbanas, que justifica e incentiva o consumo de medicamentos. Vou me concentrar no discurso dos laboratórios farmacêuticos a respeito de certos medicamentos que foram reunidos sob um mesmo rótulo pelos meios de comunicação de massa: os “medicamentos do estilo de vida” ou “life-style drugs”. Apesar de terem funções muito diferentes, o discurso dos laboratórios farmacêuticos a respeito de medicamentos de grande sucesso comercial – destaco aqui pílulas como Viagra, Xenical e Prozac, que tratam, nessa ordem, da disfunção erétil, da obesidade e da depressão – possui pontos em comum que me chamaram atenção.
Mais do que as marcas específicas, interessa-me a cultura que cerca o consumo destes medicamentos, o sentido atribuído ao seu consumo e o cruzamento desta prática terapêutica com outros hábitos que circulam no espaço urbano ocidental contemporâneo. Trabalho com a hipótese de que os usuários das pílulas Viagra, Xenical e Prozac dividem um campo semântico comum, um idioma que faz uso freqüente e peculiar das idéias de saúde e qualidade de vida. Nas fronteiras de uma cultura de classe média, percebe-se uma noção de saúde que já não mais ocupa o posto de contrário à idéia de doença; e uma noção de qualidade de vida que se tornou uma espécie de chave-mágica da sociedade contemporânea, uma palavra-chave que pode justificar mudanças no cotidiano, consumo, novos hábitos e mudanças marcantes no estilo de vida. Se uma ação qualquer vai trazer ao seu agente mais qualidade de vida, então esta ação é socialmente justificável; apesar da categoria apresentar um significado nebuloso, seu reconhecimento é imediato na cultura de classe média urbana e o seu uso é bastante freqüente.
Trago abaixo trechos de peças de marketing (anúncios, sites) dos laboratórios farmacêuticos a respeito das doenças citadas que ilustram essa percepção:
Conversar com um médico sobre desempenho sexual é mais fácil do que conviver com o problema. Quem já teve dificuldades de ereção sabe como isso pode prejudicar a qualidade de vida. (Trecho do texto de um anúncio da Pfizer, laboratório fabricante da pílula Viagra, veiculado na revista Veja)
Doença dispendiosa, de alto risco, crônica e reincidente, a obesidade afeta milhões de pessoas em todo o mundo, inclusive crianças. Embora não seja nova, ela assume agora proporções epidêmicas e está aumentando. Esta tendência é, sem dúvida, alarmante em virtude das doenças associadas à obesidade. (...) A obesidade é sinônimo de perda da qualidade de vida. (Trecho retirado do site www.obesidade.com.br, mantido pelo laboratório Roche, fabricante da pílula Xenical)
Diagnosticar com precisão e tratar adequadamente um estado depressivo são procedimentos fundamentais para evitar riscos decorrentes da doença, e devolver ao paciente uma boa qualidade de vida (...) À volta de um paciente deve haver a compreensão de que a depressão não é preguiça, nem falta de caráter ou de vontade. Não adianta pedir ao paciente que reaja, pois ele precisa de medicamentos. (Trechos retirados de informes publicitários que se propunham a prestar esclarecimentos sobre a depressão, parte de uma campanha do laboratório Wyeth, veiculados no Caderno Folha Equilíbrio da Folha de São Paulo)
O campo biomédico nos oferece, através de uma racionalidade própria, uma forma de encarar os sintomas considerados patológicos e o tratamento adequado para tais patologias. É verdade que muitas vezes o consumo de medicamentos responde a necessidades incontestáveis, se abordarmos a questão do ponto de vista biomédico. Mas a idéia que fica no ar aqui é a de que talvez possamos falar sobre um outro uso possível dos medicamentos, como o que pode ser percebido no caso das “drogas do estilo de vida”. A medicalização da vida tornou o consumo de remédios ato bastante corriqueiro. No que se refere às “pílulas do estilo de vida”, o marketing dos laboratórios farmacêuticos parece agregar ao discurso a respeito de “doenças” um novo argumento que não somente o da “saúde”. Não se trata mais simplesmente de combater “doenças”, mas de manter ou conquistar mais “qualidade de vida”, expressão bastante utilizada, mas cujo significado permanece pouco claro no caso do uso feito pelos laboratórios farmacêuticos. O público leigo de classe média, demandante de bens de saúde, não ignora, por certo, esta forma de falar a respeito de certas doenças e da justificativa para o tratamento. Não estaríamos, então, frente a uma espécie de “química da qualidade de vida”?
(*) Rogério Lopes Azize é doutorando em Antropologia Social (Museu Nacional-UFRJ), mestre em XX Congresso Antropologia Ibero-AmericanaSocial (UFSC). 

Rogerio Lopes Azize

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4769591T6

Rogerio Lopes Azize

A química da qualidade de vida: um olhar antropológico sobre o uso de medicamentos e saúde em classes médias urbanas brasileiras

A química da qualidade de vida: um olhar antropológico sobre o uso de medicamentos e saúde em classes médias urbanas brasileiras
Autor:Azize, Rogerio Lopes
Resumo:Nesta dissertação, parte-se da idéia de que os conceitos de saúde e doença, além dos limites entre estados considerados normais ou patológicos, têm grande interface com a cultura na qual estão sendo veiculados. Tomo como objeto etnográfico tanto o discurso dos agentes da biomedicina ocidental como o discurso leigo referente aos chamados "remédios do estilo de vida"; a partir deste rótulo veiculado pelos meios de comunicação de massa, selecionei os medicamentos de maior visibilidade, a saber, as pílulas Viagra, Prozac e Xenical, mas sem desprezar pílulas fabricadas por laboratórios concorrentes, com o mesmo objetivo. Procuro demonstrar que, dentro do sistema biomédico, diferentes significados podem ser atribuídos às idéias de doença/saúde, cura e medicamento; esta diferença fica dependente de quem emite o discurso, do lugar social a partir do qual está falando, com quem e com quais fins. Tento colocar em prática a idéia de que os discursos de todos os agentes que circulam dentro do sistema biomédico são passíveis de análise simbólica e discursiva. Isto vale para os usuários das pílulas, como para os médicos e indústrias farmacêuticas. Enquanto o discurso dos agentes da biomedicina concentra-se em uma definição e divulgação das doenças obesidade, depressão e disfunção erétil, os usuários que entrevistei tendem a apresentar um discurso não-patologizado, que prioriza uma história de si. Apesar desta diferença, os diferentes discursos não devem ser analisados de uma forma maniqueísta, visto que estão em constante tensão e se influenciam mutuamente. Trabalho com a hipótese de que expressões nativas como qualidade de vida e estilo de vida, constantemente utilizadas pelos usuários dos medicamentos e pelos agentes da biomedicina ocidental, remetem a um mesmo campo semântico. Tal campo semântico seria delimitador de uma fronteira cultural nas sociedades urbanas ocidentais contemporâneas.
Descrição:Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social.

A nova ordem cerebral: a concepção de 'pessoa' na difusão neurocientífica

A nova ordem cerebral: a concepção de 'pessoa' na difusão neurocientífica

Autor:

Rogerio Lopes Azize

Categoria:

Teses e Dissertações

Resumo

A neurociência contemporânea tem uma pretensão bilíngue: a de investigar a fisiologia cerebral, ao mesmo tempo em que se debruça sobre o que considera ser epifenômenos deste órgão, o que inclui as emoções, os sentimentos, as escolhas e as mais simples ações da vida cotidiana. Em formatos e através de veículos os mais diversos, esta idéia, que constrói uma equivalência entre cérebro e indivíduo, tem sido alvo de intensa divulgação por parte de pesquisadores da área entre o público leigo. Emana daí, para além de saberes sobre o cérebro, uma noção de 'pessoa', tema que esta tese se propõe a investigar. Com este objetivo, articula-se aqui um material etnográfico amplo, que passa pela popularização de neurociência propriamente dita (em livros, teatro, televisão), a publicidade de psicofármacos por parte de laboratórios farmacêuticos (onde se divulgam as 'doenças do cérebro') e representações que atravessam a cosmologia espontânea da cultura ocidental moderna, o que pode ser observado através da presença marcante de um vocabulário cerebralista na mídia em geral, na publicidade e no cinema. O trabalho filia-se à tradição dos estudos de construção social da pessoa, focando em um tema de reflexão que ganhou nuances peculiares nas últimas décadas: uma noção dualista, no formato cérebro/mente, ou corpo/mente, passa a conviver com um dualismo fisicalista, no formato cérebro/corpo.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Antipsiquiatria

Antipsiquiatria

Nascida junto à grande corrente de contestação cultural e política dos anos 60, esse movimento tinha como ponto estratégico críticas ao objeto, às teorias e aos métodos da Psiquiatria e Psicopatologia, proporcionando uma profunda revolução nesse campo. Seus principais autores, Ronald Laing, David Cooper e Aaron Esterson insistiram na idéia de que as concepções "científicas" da loucura e seus recursos de tratamento eram invariavelmente violentas e seriam apenas eufemismos da alienação política, econômica e cultural da sociedade moderna. No período de 1962 a 1966 inicia-se um trabalho independente em uma ala denominada de "Pavilhão 21", com clientela que não havia sido tratada em nenhuma ocasião anterior, seguindo uma nova forma de comunidade terapêutica. Organizavam reuniões que buscavam subverter a hierarquia e disciplina hospitalar, buscando quebrar possíveis resistências às mudanças. Segundo Amarante:


"A Antipsiquiatria busca um diálogo entre a razão e loucura, enxergando a loucura entre homens e não dentro do homem. Critica a nosografia que estipula o ser neurótico, denuncia a cronificação da instituição asilar e considera até a procura voluntária do tratamento psiquiátrico uma imposição do mercado ao indivíduo que se sente isolado da sociedade." (1995, p. 47)

"A psiquiatria tem que ser abolida, assim como a escravidão

http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/509220-qapsiquiatriatemqueabolidaassimcomoaescravidaoqentrevistaespecialcomthomasszasz

"A psiquiatria tem que ser abolida, assim como a escravidão". Entrevista especial com Thomas Szasz

Psiquiatria e Estado precisam ser separados. Além disso, o sujeito deve decidir, ou não, se deve tomar medicamentos psiquiátricos, afirma o professor emérito Universidade do Estado de Nova Iorque.

A “loucura” não é silenciada pela “razão”, rebate Thomas Szasz. “Ela é silenciada por pessoas chamadas de ‘psiquiatras’”. Para o professor emérito da Universidade do Estado de Nova Iorque em Siracusa, “a psiquiatria, intrinsecamente ligada à lei e à execução da lei, não pode ser reformada. Como a escravidão, ela precisa ser abolida”. As declarações foram dadas por Szasz à IHU On-Line na entrevista que concedeu por e-mail. Crítico ferrenho da psiquiatria desde os anos 1950, ele discorda peremptoriamente da legitimidade intelectual-médica dessa área da medicina, assim como da Associação Psiquiátrica Americana e do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês). “Qual é a validade do DSM? É zero, digo eu”. Em seu ponto de vista, a psiquiatria cumpre a função excludente antes ocupada pela religião, e o “controle-confinamento forçado-involuntário de pessoas identificadas como mentalmente doentes é análogo ao controle-confinamento forçado-involuntário de pessoas identificadas como escravas”. Ele tece duras críticas à luta antimanicomial: “Em vez de enfocar a abolição da ‘escravidão psiquiátrica’, os indivíduos identificados com a ‘luta antimanicomial’ enfocaram – equivocadamente, penso eu – a natureza da doença justificando ostensivamente o uso de força psiquiátrica”.
Defensor da separação entre psiquiatria e Estado, Szasz é conhecido mundialmente por ser adversário da psiquiatria coercitiva. Escreveu livros como O mito da doença mental (Rio De Janeiro: Zahar, 1979), originalmente publicado em 1960, e A fabricação da loucura: um estudo comparativo da Inquisição e do Movimento de Saúde Mental (Rio de Janeiro: Zahar, 1976), cuja primeira edição veio a público em 1970. Nasceu em Budapeste em 1920 e continua em franca atividade intelectual. Para conhecer seus textos e ideias, acesse www.szasz.com.
Confira a entrevista.

IHU On-Line – Desde que escreveu O mito da doença mental, há 51 anos, houve alguma mudança na forma como a psiquiatria trata o “doente mental”? O que permanece o mesmo?
Thomas Szasz – Houve muitas mudanças. A principal mudança é que agora os psiquiatras sustentam, e a maioria das pessoas acredita, que as chamadas doenças mentais são causadas por “desequilíbrios químicos” no cérebro, ou são manifestações deles e que esses desequilíbrios fictícios são tratados com medicamentos.

IHU On-Line – Em que medida o estigma da doença mental continua sendo um rótulo importante para compreendermos a sociedade segregatória e excludente em que vivemos?
Thomas Szasz – Todas as sociedades (grupos) são, por definição, “excludentes” pelo fato de incluírem algumas pessoas e excluírem outras. Anteriormente, as religiões cumpriam essa função social. Hoje em dia, a medicina-psiquiatria a cumpre.

IHU On-Line – Quais são os principais avanços que percebe a partir da luta antimanicomial pelo mundo?
Thomas Szasz – Em minha opinião, a questão principal – ou talvez até a única – referente à luta antimanicomial é o poder de exercer coerção, isto é, a legitimação do uso de força contra pessoas chamadas “loucas”, isto é, “diagnosticadas” como “mentalmente doentes”. Considero o controle-confinamento forçado-involuntário de pessoas identificadas como mentalmente doentes análogo ao controle-confinamento forçado-involuntário de pessoas identificadas como escravas. Em vez de enfocar a abolição da “escravidão psiquiátrica”, os indivíduos identificados com a “luta antimanicomial” enfocaram – equivocadamente, penso eu – a natureza da doença justificando ostensivamente o uso de força psiquiátrica. Creio que o controle psiquiátrico à força de indivíduos inocentes é sempre moralmente errado.

IHU On-Line – No Brasil, há uma grande influência de Franco Basaglia na reforma psiquiátrica. Hoje, a desinstitucionalização da loucura tem no agente comunitário e nos Centros de Atenção Psicossocial – CAPs elementos importantes de uma nova prática da saúde mental. Qual é a situação nos EUA no que diz respeito à luta antimanicomial?
Thomas Szasz – A situação é semelhante. Basaglia adorava a associação entre a política (o Estado) e a psiquiatria (coerção médica). Ele queria ser – e a certa altura foi – uma espécie de comissário psiquiátrico – do tipo benevolente, bondoso, é claro. Discordo radicalmente das concepções e políticas dele. Creio que a psiquiatria, intrinsecamente ligada à lei e à execução da lei, não pode ser reformada. Como a escravidão, ela precisa ser abolida, e não reformada.

IHU On-Line – Os doentes mentais continuam sendo os grandes bodes expiatórios da sociedade? Que outros párias estão ao seu lado em nossos dias?
Thomas Szasz – Sim e não. Eles geralmente são vistos como “doentes” e necessitados de “cuidados médicos”, quer gostem, quer não.

IHU On-Line – “Se você fala com Deus, você está rezando. Se Deus falar com você, você é esquizofrênico”. Em que medida essa ideia continua atual num mundo que insiste em diagnosticar e medicalizar o sujeito em suas mínimas “dissidências”?
Thomas Szasz – A confusão dos sentidos literal e metafórico das palavras – especialmente de termos como “doença”, “tratamento”, “cura”, etc. (e deus, diabo, inferno...) – é essencialmente a mesma que havia nas décadas de 1950 e 1960.

IHU On-Line – Em que sentido a doença mental continua sendo uma metáfora?
Thomas Szasz – Oficialmente – do ponto de vista jurídico, médico – ela é literal. Eu sustento que é metafórica. Os chamados antipsiquiatras – LaingFoucaultBasaglia – a tratam como literal e “tratavam” o “paciente” com drogas, por exemplo, com LSD. Isso é ilustrado pelo apoio que deram à hospitalização involuntária em instituições de saúde mental bem como pela defesa do réu mediante alegação de insanidade, práticas às quais me oponho.

IHU On-Line – O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais aumenta com frequência a catalogação de doenças apontadas como mentais. Qual é a sua validade?
Thomas Szasz – Qual é a validade do DSM? É zero, digo eu. Qual é a legitimidade intelectual-médica da psiquiatria – daAssociação Psiquiátrica Americana e de outras? É zero, digo eu.

IHU On-Line -“Em que sentido a psiquiatria é um braço coercitivo do aparato de Estado?”
Thomas Szasz – Num sentido literal, obviamente. Milhões de pessoas são, e foram, presas em prédios dos quais não podem sair. “Por que os tratamentos médicos dessa especialidade são, em última instância, controle político?” Eles não o são sempre. Milhões de pessoas acreditam que têm doenças mentais e ingerem medicamentos psiquiátricos voluntariamente. Elas são, e deveriam ser, livres para fazer isso. Vejo esse fenômeno como semelhante à crença de milhões de pessoas de que houve um judeu que viveu na Palestina da época bíblica e que foi crucificado e se tornou deus. As pessoas são, e deveriam ser, livres para “ingerir” os sacramentos. Chamamos isso de “liberdade religiosa”. Eu defendo a “liberdade psiquiátrica”. Só me oponho à tirania psiquiátrica, assim como só me oponho à tirania religiosa. É por isso que tenho defendido a separação entre a psiquiatria e o Estado.

IHU On-Line – Nietzsche e Foucault compreendiam a loucura como experiência originária, silenciada pela razão e seu “monólogo”. Qual é o seu ponto de vista?
Thomas Szasz – Eu rejeito esse tipo de retórica. A “loucura” não é silenciada pela “razão”. Ela é silenciada por pessoas chamadas de “psiquiatras”.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum outro aspecto não questionado?
Thomas Szasz – Sinto-me contente e satisfeito por ter tido a oportunidade de expressar profissional e politicamente opiniões não convencionais e ter atraído certo grau de interesse e concordância com elas. Atribuo isso em grande parte à relativa abertura e tolerância da sociedade americana apoiada por uma tradição jurídica anglo-americana que valoriza a liberdade pessoal e a responsabilidade individual.
Por Márcia Junges