Ler mais:
Erro metodológico nas pesquisas de desequilíbrio químico
Neurotransmissores e diagnósticos: correlações
Psiquiatria sob influência – Robert Whitaker e Lisa Cosgrove
Capítulo 4
[...]
A procura por desequilíbrios químicos
Na literatura científica, apesar disso, uma estória muito diferente
sobre os desequilíbrios químicos tinha sido escrita. Como notado
acima, a teoria nasceu nos anos 60, depois que os pesquisadores
descobriram como os antipsicóticos, os inibidores de monoamina
oxidase, e os tricíclicos agiam no cérebro. Para testar a hipótese
de que essas drogas estavam corrigindo um desequilíbrio químico,
pesquisadores precisavam investigar se os pacientes deprimidos tinham
realmente níveis baixos de monoaminas (ex: serotonina ou
norapinefrina) no cérebro, os se os pacientes esquizofrênicos
sofriam de sistemas dopaminérgicos sobreativos.
Apesar dos pesquisadores não
terem como medir diretamente os níveis dos neurotransmissores em
pacientes vivos, eles procuraram um método novo para fazê-lo
indiretamente. Na década de 60, pesquisadores descobriram que haviam
duas maneiras que um neurotransmissor era removido da fenda
sináptica: ou era tomado de volta pelo neurônio pré-sináptico, ou
uma enzima metabolizaria e o metabólito iria ser removido como
desperdício. Cientistas descobriram que eles poderiam isolar o
metabólito no fluido cerebroespinhal, e eles raciocinaram que medir
os níveis de metabolitos poderia prover uma medida indireta de
atividade neurotransmissora no cérebro. A dopamina é metabolizada
em ácido homovanílico (HVA) e dessa maneira se uma pessoa tivesse
muita atividade dopaminérgica, então a quantidade de HVA no seu
fluido cerebroespinhal deveria ser mais alta que o normal. A
serotonina é metabolizada como acido acético 5-”hidroxindole”
(5-HIAA); dessa maneira, se uma pessoa sofresse de pouca serotonina,
então a quantidade de 5-HIAA no seu fluido cerebroespinhal deveria
ser mais baixa que o normal. 44
Os
pesquisadores primeiro mediram os níveis de 5-HIAA em pacientes
deprimidos nos últimos anos da década de 60 e nos primeiros anos da
década de 70, e desde esse primeiro momento, a teoria monoamina da
depressão começou a ruir. Em 1971, investigadores na Universidade
McGill reportaram que eles tinha falhado em encontrar uma diferença
“estatisticamente significante” nos níveis de 5-HIAA de
pacientes deprimidos e controles normais. 45
Três
anos mais tarde, Malcolm Bowers na Universidade de Yale reportou o
mesmo achado. Os níveis serotonérgicos no cérebro pareciam
normais, ao mesmo por essa medida. 46 Pesquisadores também tentaram
investigar a teoria dando a pacientes não deprimidos drogas que
retiram monoaminas, racionando que se níveis baixos de monoaminas
causaram depressão, isso iria induzir depressão. Mas quando esse
dois investigadores na Universidade da Pensilvânia, Joseph Mendels e
Alan Frazer, revisaram a literatura científica, eles encontraram que
esse não era o caso. Os sujeito nos experimentos não se tornaram
confiavelmente deprimidos. “A literatura revisada aqui fortemente
sugere que a deficiência cerebral de norapinefrina, dopamina ou
serotonina em si mesma não é suficiente para dar conta do
desenvolvimento clínico da síndrome depressiva” Eles escreveram
em 1974. 47
Em
1984, o Instituto Nacional de Saúde Mental estudou outra
possibilidade: os níveis de 5-HIAA de pacientes deprimidos abaixavam
ao longo da curva de sino (como era o caso para “normais”, e
então talvez esses no final baixo da curva constituiria-se um
subgrupo biológico, o qual poderia ser dito sofrer de baixa
serotonina, e dessa maneira deveria ser esse grupo que responderia
melhor a um antidepressivo, amitriptilina, que seletivamente boqueava
a recaptação de serotonina (e dessa maneira os níveis de
serotonina na fenda sináptica). Apesar disso, os pesquisadores
encontraram que esse com níveis altos de 5-HIAA eram tão
responsivos a amiltriptilina quanto aqueles com níveis baixos. O
Instituto Nacional de Saúde Mental concluiu o óbvio: “Elevações
ou diminuições no funcionamento do sistema serotonérgico por si
não são associados com depressão.” 48
Mesmo
depois desse relatório de 1984, investigadores continuaram a
investigar se pacientes deprimidos sofriam de baixa serotonina, com
essa pesquisa se tornando mais rápida depois que o Prozac chegou no
mercado de 1988. Apesar disso, os estudos, repetidamente, falharam em
encontrar tal evidência. A terceira edição do Livro-texto de
psiquiatria da APA, o qual foi publicado em 1999, rastreou esse
histórico das pesquisas, e apontou a lógica falha que levou a
teoria do desequilíbrio químico da depressão em primeiro lugar:
A
hipótese da monoamina, a qual foi proposta em 1965, afirma que as
monoaminas como a norapinefrina e 5-HT (serotonina) são deficientes
na depressão e que a ação de antidepressivos dependem de aumentar
a disponibilidade dessas monoaminas. A hipótese da monoamina foi
fundamentada em observações de que os antidepressivos bloqueiam a
inibição de recaptação de norapinefrina, 5-HT, e/ou dopamina.
Apesar disso, inferir patofisiologia de neurotransmissor de uma ação
observada de uma classe de medicações na disponibilidade de
neurotransmissores é similar a concluir que porque a serotonina
causa sangramento gastrointestinal, as dores de cabeça são causadas
por muito sangue e a ação terapêutica da aspirina nas dores de
cabeça envolvem perda de sangue. Experiência adicional não
confirmou a hipótese de deficiência de monoamina. 49
Em
resumo, a hipótese de que depressão era causada por baixa
serotonina ou por uma deficiência em outras monoaminas tinha sido
investigada e deixou a desejar. A passagem no livro-texto de 1999 era
o reconhecimento desse fato pela APA (Associação Americana de
Psiquiatria), e nos anos seguintes, um número de especialistas no
campo afirmaram o mesmo. No seu livro-texto de 200 Psicofarmacologia
essencial, o psiquiatra Stephen Stahl escreveu que “não há
evidência clara e convincente que a deficiência em monoamina
explica a depressão; isto é, não há déficit 'real' de monoamina.
50 Finalmente, Eric Nestler, um cientista famoso por suas
investigações na biologia dos transtornos mentais, detalhou em um
artigo de 2010 como os muitos tipos de investigação dessa teoria
tinham todas chegado a mesma conclusão:
Depois
de mais uma década de estudos PET (posicionados habilmente para
medir a quantidade de receptores e números de transportadores e
ocupação), estudos de deficiência em monoaminas (os quais
momentaneamente e experimentalmente reduzem os níveis de monoamina
no cérebro), assim como as análise de associação genética
examinando polimorfismos em genes monoaminérgicos, há pouca
evidência para implicar verdadeiros déficits em neurotransmissão
serotonérgica, noradrenérgica ou dopaminérgica na patofisiologia
da depressão. Isso não é surpreendente, pois não há razão a
priori de que o
mecanismo de ação de um tratamento seja o oposto da patofisiologia
da doença. 51
Por
mais de 40 anos, a ciência estava contando uma estória consistente,
e ainda assim em contradição com o que a APA – e a psiquiatria
como especialidade médica – tinha levado o publico a acreditar.
Num programa de 2012 da Rádio Pública Nacional (NPR), o convidado
Alex Spiegel observou que a ideia de que “a depressão era causada
por um desequilíbrio químico no cérebro” continuou “popular”,
e era na época, nesse canal da mídia de massa, de que o público
ouviu a verdade. “Desequilíbrio química é um tipo de pensamento
do século passado”, explicou Joseph Coyle, editor chefe de
Arquivos de Psiquiatria Geral”. “É muito mais complicado do que
isso… É realmente um jeito ultrapassado de pensar.” Alan Frazer,
cadeira do departamento de farmacologia no Centro de Ciências da
Saúde na Universidade de Texas disse aos ouvintes da NPR o que
parecia ser um fato supreendente: “Eu não acho que haja nenhum
corpo de dados convincente que qualquer um já tenha encontrado de
que a depressão está associada, em extensão significante, com a
perda de serotonina.” 52
Nenhuma
evidência convincente jamais encontrada, e ainda assim isso é
precisamente o que o público estadunidense sabia ser verdadeiro.
Enquanto
as investigações sobre a hipótese da dopamina da esquizofrenia
produziu uma estória com mais nuances, a hipótese de que os
antipsicóticos corrigiam um conhecido desequilíbrio químicos, e
poderia dessa maneira ser comparado a insulina para diabetes, estava
amplamente vista como uma desacreditada, ou ao mesmo demasiadamente
simplista, teoria pelos primeiros anos de 1990. Primeiro, na década
de 70, Malcolm Bowers e outros mediram os níveis dos metabolitos de
dopamina no fluido cerebralespinhal de pacientes esquizofrenicos, e
encontraram que, antes da exposição aos antipsicóticos, seus
níveis de metabólitos “não eram significativamente diferente dos
controles.” 53 Nesse ponto, investigadores voltaram a sua atenção
para uma segunda possibilidade.
Talvez
pessoas diagnosticadas com esquizofrenia tinham muitos receptores
dopaminérgicos, e isso que fazia seus cérebros “hipersensitivos a
dopamina.” Em 1978, Philip Seeman na Universidade de Toronto
reportaram na revista Nature que eles tinham descoberto isso ser
verdade. Na autópsia, os cérebros de 20 esquizofrênicos tinham 70
por cento mais receptores D2 que o normal (o receptor D2 é um dos
variados subtipos de receptores de dopamina, e esse é o subtipo mais
fortemente bloqueado por antipsicóticos). Apesar disso, todos os
pacientes tinham tomado antipsicóticos e Seeman confessou que essa
anormalidade poderia “ter resultado da administração a longo
prazo de neurolépticos” 54
Investigações
posteriores descobriram ser esse o caso, com investigadores na
França, Suécia, e Finlândia todos relatando que não havia
“diferenças significativas” nas densidades dos receptores D2 em
pacientes vivos que nunca tinham sido expostos a neurolépticos e
“controles normais”. 55
Havia
uma ironia óbvia nessa descoberta. Pesquisadores hipotetizaram que a
esquizofrenia era causada por muitos receptores de dopamina no
cérebro e ainda assim eles descobriram que enquanto pacientes não
sofriam regularmente dessa anormalidade antes da exposição a
neurolépticos, eles frequentemente tinham depois de ser tratados com
as medicações. As drogas induziram a mesma anormalidade
hipotetizada causar a psicose. Nos primeiros anos da década de 80,
os pesquisadores juntaram um entendimentos do porque isso ocorreu:
antipsicóticos bloqueiam receptores D2, e num esforço de compensar
esse bloqueio, o cérebro aumenta a densidade desses receptores. O
cérebro está tentando manter o funcionamento normal dos caminhos
dopaminérgicos.
A
partir desses achados, um número de pesquisadores concluíram que a
hipóteses da dopamina, ao menos em sua forma mais simples, não
tinha vingado. Não há “boa evidencia para a perturbação da
função da dopamina na esquizofrenia”, observou John Kane, um
psiquiatra bem conhecido no Centro Médico Judeu de Long Island, em
1994. 56 Sete anos mais tarde. Eric Nestler e o antes diretos do
Instituto Nacional de Saúde Mental, no seu livro, Neurofarmacologia
Molecular reiteraram esse ponto: “Não há evidência convincente
de que uma lesão no sistema da dopamina é uma causa primária da
esquizofrenia.” 57
Apesar
disso, um número de pesquisadores tinham continuado a investigar a
função da dopamina em pacientes esquizofrênicos, raciocinando que
talvez eles sofressem de anormalidades em regiões particulares do
cérebro. Um pensamento é que as pessoas com esquizofrenia tem muita
dopamina no tronco cerebral e muito pouco nos lobos frontais. Apesar
disso, essas investigações não sustentaram a noção de que a
esquizofrenia é causada por um sistema dopaminérgico hiperativo em
todas as áreas cerebrais, a qual é então balanceada pelos
antipsicóticos. Em 2012, dois pesquisadores suecos, Aurelija Jucaite
e Svante Nyberg, resumiram o último pensamento na área:
A
procura vigorosa de anormalidade no sistema da dopamina na
esquizofrenia até agora levou a resultados inconclusivos. O
entendimento crescente da complexidade comportamental da
esquizofrenia sugere que é improvável que um único sistema de
neurotransmissão possa explicar tal diversidade de sintomas, por
exemplo, inatenção e alucinações. Dessa maneira, qualquer
simples, e e exclusiva patologia do sistema da dopamina era e é
duvidosa. 58
A
teoria da baixa serotonina da depressão e a teoria da hiperatividade
da dopamina na esquizofrenia provia um fundamento para uma teoria
mais universal do “desequilíbrio químico” dos transtornos
mentais, e quando esses dois casos específicos de doenças não
sustentaram essa teoria, a maioria do pesquisadores começou a pensar
que era improvável ser verdade para outros transtornos. As
investigações limitadas que foram feitas a esse respeito, tais como
estudos do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade,
também falharam em encontrar evidência para sustentar essa teoria.
Em 2005, Kenneth Kendler, coeditor chefe da Medicina Psicológica,
proveu um epitáfio sucinto para essa longa procura: “Nós
procuramos por grandes simples explicações neuroquímicas para os
transtornos psiquiátricos e não as encontramos”.
Desde
então, muitos psiquiatras eminentes tem feito confissões similares.
“Noções antigas de transtornos mentais como desequilíbrios
químicos” escreveu o diretor do Instituto Nacional de Saúde
Mental Thomas Insel num blogue de 2011, “estão começando a ficar
antiquadas” 60 Insel disse que agora parecia que os transtornos
mentais era “transtornos do circuitos cerebrais” e sob sua
liderança a psiquiatria agora está se movendo para novas teorias
sobre as causas biológicas dos transtornos psiquiátricos. Mas
enquanto isso ocorreu, produziu um momento constrangedor: Por que o
público tinha sido levado a pensar, por tanto tempo, que a drogas
psiquiátricas corrigiam desequilíbrios químicos no cérebro,
quando a ciência não mostrou isso ser verdade? Em 2011, Ronald
Pies, editor do Psychiatric Times, procurou a resposta a essa
questão:
Eu
não sou alguém que facilmente perde seu temperamento, mas eu
confesso experimentar atividade límbica marcadamente aumentada
sempre quando eu ouço alguém afirmar, “Psiquiatras pensam que
todos transtornos psiquiátricos são causados por desequilíbrio
químico”. Nos últimos 30 anos, eu não acredito que eu tenha
visto um psiquiatra bem treinado e conhecedor fazer tal afirmação
estapafúrdia, exceto para ser sarcástico. Por outro lado, a
alegoria tem sido lançada adiante por oponentes da psiquiatria, os
quais mentirosamente atribuem atribuem a frase aos psiquiatras. E,
sim, a imagem de desequilíbrio químico” tem sido vigorosamente
promovida por algumas companhias farmacêuticas, frequentemente em
detrimento do entendimento de nossos pacientes. Na verdade, a noção
de “desequilíbrio químico” foi sempre uma forma de lenda urbana
– nunca uma teoria seriamente proposta por psiquiatras bem
informados. 61
A
culpa da psiquiatria, Pies adicionou mais tarde ao blogue foi de que
“certamente, aqueles de nós na academia deveriam ter feito mais
para corrigir essas crenças falsas.” 62
Nenhum comentário:
Postar um comentário