Notícias de jornal apresentam notícias sobre crimes praticados por pacientes psiquiátricos estruturados como fatos indiscutíveis e ateóricos sobre as características manicomiais dos pacientes psiquiátricos e a psiquiatria preventiva de Caplan. Fatos estruturados como se não houvesse discursos, conceitos ou teorias determinando essa estruturação de apresentação dos fatos.
A partir de conceitos manicomiais que na verdade são teorias antigas que se tornaram senso comum ou conceitos da psiquiatria atual conclui-se que a psiquiatria preventiva de Caplan é uma explicação necessária. Esse discurso é ingênuo pois uma explicação não deve ser necessária mas deve ser correta e eficaz. Dizer que essa explicação é necessária é presumir sem discussão que ela é correta anteriormente. Uma explicação boa é capaz de manipular com sucesso as variáveis. Esse discurso sobre a necessidade da psiquiatria preventiva de Caplan supõe com possível má-fé que se não houvesse nenhum crítico dessa perspectiva e nem da psiquiatria biológica/farmacológica tudo correria bem. O que é uma forma de aniquilação simbólica ou hipótese ad hoc, isto é, um bode expiatório para as limitações dessa perspectiva.
A psiquiatria preventiva de Caplan afirma que o que nomeia como doença mental é um fenômeno puramente interno ao organismo que ocorre independentemente de espaço e tempo (não situado no mundo) e que evolui linearmente e progressivamente a cada situação que chama de crise. Nessa perspectiva o paciente psiquiátrico é um suspeito de potencialmente causar mal social e portanto as mínimas manifestações do que chama de desvio social devem ser tratadas farmacologicamente à força ou involuntariamente por toda a vida.
A partir dessa descrição da psiquiatria preventiva de Caplan é fácil perceber sua base manicomial. O paciente psiquiátrico possui dentro dele a característica da periculosidade. E o que acontece situado no mundo que depende de tempo espaço é desconsiderado como irrelevante para a evolução de comportamentos que nomeia como doença mental.
Pressuposições implícitas na psiquiatria preventiva de Caplan só podem ser desconstruídas com pesquisas articuladas entre si e não serão escopo dessa análise do discurso.
O objetivo desse texto portanto é realizar uma análise do discurso com escopo de dados de notícias de jornais sobre crimes de pacientes psiquiátricos e sua relação com a psiquiatria preventiva de Caplan, isto é, discursos ocultos estruturados e apresentados como fatos neutros.
Resultados esperados:
- Indicar a relevância do espaço e tempo (história ambiental ou ambiente atual) numa explicação bem sucedida.
- Sugestão do paciente psiquiátrico como puro mal ou mal do mundo.
- Sugestão de que o crime surgiu do nada.
- Sugestão de que o tratamento psiquiátrico não foi realizado e que por isso a doença mental progrediu linearmente.
- Sugestão de que o que nomeiam como doença mental é condição necessária e suficiente para a prática de crimes graves.
Corpo de dados:
[Os trechos não serão apresentados com análise em conjunto pois são repetitivos e apenas esboçam uma estratégia discursiva em comum descrita na conclusão geral]
Conclusão geral:
Os textos cometem erro elementar de lógica ao usar ilustrações (exemplos) como se fossem argumentos. Os efeitos discursivos dessa estratégia são provavelmente confirmar um modelo científico naturalizado no senso comum que não precisa nem ser enunciado. O discurso implícito é presumido e apresentando como fatos estruturados. A psiquiatria preventiva de Caplan é bastante presente nos textos mas de forma implícita. Poucos textos descrevem as situações dos crimes e muitos enfatizam que a crise é sinônimo de periculosidade e que esquizofrenia é condição necessária e suficiente para a periculosidade. Enquanto alguns textos enfatizam a interrupção do tratamento outros não mencionam isso e apenas mencionam o histórico psiquiátrico. Essa ausência provavelmente é sinal de que o tratamento estava em dia pois caso contrário isso seria mencionado e que o histórico psiquiátrico seria considerado condição suficiente para a periculosidade. Um dos textos tem discurso de um psiquiatra como especialista que é apenas uma versão mais elaborada do discurso do resto dos textos. Alguns dos perfis retratados tem características redentoras como ter tido família própria e filhos (divórcio), estar seguindo o tratamento, não estar em crise há muito tempo, ser considerado normal em outros contextos, ser considerado uma pessoal afável, ser estudante de medicina / estudante universitário e estar em tratamento com médicos qualificados. O que de certa forma são contraexemplos que não se alinham com a estratégia discursiva de caracterizar um desviante. Uma implicação desse modelo científico é que as injeções de longa duração solucionariam o problema da interrupção de tratamento e portanto da progressão linear da doença mental e da periculosidade. Estamos esperando para ver isso acontecer. Houve sugestão de que os atos aconteceram do nada. A ênfase em contextos inteligíveis foi fraca ou pouco frequente nos textos (relevância do espaço e tempo ou das contingências de reforço). Quando os fatos não estão claros se sentem seguros em inferir um possível surto.
O discurso médico é presumido como única verdade impositiva e infalível. Seria possível com um senso comum mais favorável fazer a mesma coisa com as contingências de reforçamento, isto é, se as pessoas soubessem o que é isso esses problemas não ocorreriam. Significando isso que contextos aversivos e coercitivos ou outras formas de contingências de reforçamento como reforço livre ou estilos parentais pouco favoráveis a comportamentos desejáveis podem gerar comportamentos criminosos. Senso comum naturalizado permite adotar discursos prepotentes de infalibilidade do modelo psiquiátrico já que esse não poderia ser colocado em cheque. Usar ilustrações ou exemplos como casos paradigmáticos é pular a discussão científica anterior e partir direto para implicações que só podem ser previstas a partir de hipóteses solidamente comprovadas.
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