Capacitismo é a discriminação ou violências praticadas contra as
pessoas com deficiência. É a atitude preconceituosa que hierarquiza as
pessoas em função da adequação de seus corpos a um ideal de beleza e
capacidade funcional. Com base no capacitismo, discriminam-se pessoas
com deficiência. Trata-se de uma categoria que define a forma como
pessoas com deficiência são tratadas como incapazes (incapazes de
trabalhar, de frequentar uma escola de ensino regular, de cursar uma
universidade, de amar, de sentir desejo, de ter relações sexuais etc.),
aproximando as demandas dos movimentos de pessoas com deficiência a
outras discriminações sociais como o sexismo, o racismo e a homofobia.
O que se chama de concepção capacitista está intimamente ligada à
corponormatividade que considera determinados corpos como inferiores,
incompletos ou passíveis de reparação/reabilitação quando situados em
relação aos padrões corporais/funcionais hegemônicos. Atitudes
capacitistas contra pessoas com deficiência refletem a falta de
conscientização sobre a importância da inclusão e da acessibilidade para
as pessoas com deficiência.
A lógica capacitista se configura como uma mentalidade que lê a pessoa com deficiência como não igual, incapaz e inapta tanto para o trabalho quanto para, até mesmo, cuidar da própria vida e tomar as próprias decisões enquanto sujeito autônomo e independente. Tudo isso porque, culturalmente, construiu-se um ideal de corpo funcional tido como normal para a raça humana, do qual, portanto, quem foge é tido, consciente ou inconscientemente, como menos humano.
No entanto, a mentalidade de que qualquer pessoa com deficiência está em situação de necessidade e, portanto, não precisa ser questionada sobre suas próprias vontades, essa falta de interesse sobre a vida interior da pessoa com deficiência está enraizada no comportamento social devido a processos históricos que encararam a presença do corpo fora do padrão de normalidade de diversas formas.
https://medium.com/@sidneyandrade23/capacitismo-o-que-%C3%A9-onde-vive-como-se-reproduz-5f68c5fdf73e
Esta concepção, bastante antiga neste campo,
é aquela oriunda do campo da biomedicina, que
via até recentemente a deficiência como uma pa-
tologia cujo resultado seria a ‘incapacitação’ social
e muitas vezes também intelectual e de autonomia
pessoal dos sujeitos com deficiência. (Trecho da
carta-resposta enviada ao CEP/UFSC).
Em sua crítica ao enfoque utilitarista,
a filósofa feminista Martha Nussbaum 36 chega a
argumentar que
“[...] también queremos saber que es lo que son
realmente capaces de ser y de hacer. Las personas
ajustan sus preferencias a lo que piensan que pue-
den conseguir, y también a lo que su sociedad les
dije que es una meta adecuada para alguien como
ellos. Las mujeres y otras personas desfavorecidas
muestran a menudo esta clase de ‘preferencias
adaptativas’, formadas en el contexto de unas con-
diciones injustas” 36 .
Desse modo, “esquece-se” que as pessoas com
deficiência podem desenvolver outras habilida-
des não agregadas à sua incapacidade biológica
(não ouvir, não enxergar, não andar, não exercer
de forma plena todas as faculdades mentais ou
intelectuais etc.) e serem socialmente capazes de
realizar a maioria das capacidades que se exige
de um “normal”, tão ou até mais que este.
Esse
argumento corrobora com o exemplo dado por
Patricia Rosa 37 sobre a aprendizagem de crianças
“normais” e “anormais” na educação, quando faz
sua crítica à concepção clássica de categorização
que parte do uso de conceitos universais:
O problema que pode ser ressaltado é que es-
ses pontos só poderiam ser verdadeiros se todos os
‘normais’ tivessem habilidades iguais e todos os ‘a-
normais’ tivessem um outro grupo de habilidades
iguais, mas o que seria destacado é a falta de habi-
lidade para aquilo que os ‘normais’ são hábeis. En-
tretanto, algumas crianças ‘normais’ têm grandes
dificuldades para o aprendizado de disciplinas que
exigem a habilidade da abstração, por exemplo.
Contudo, a pressuposição dessa habilidade num
grau mínimo exigido dentro da classificação em
que estão colocados, ‘normais’, faz com que essas
crianças não tenham os estímulos que seriam ne-
cessários para que desenvolvessem aquele grau mí-
nimo exigido [de capacidades]. Por outro lado, al-
gumas crianças que são classificadas como ‘a-nor-
mais’, com o estímulo adequado, podem alcançar as
habilidades pressupostas para os ‘normais’ de uma
maneira que muitos ali classificados jamais seriam
capazes, simplesmente porque suas habilidades e
seus interesses são outros 37 .
Estas [as pessoas com deficiência], indepen-
dentemente de suas potencialidades individuais,
encontram-se amordaçadas por uma ideia globali-
zante de incapacidade e invalidez, que compromete
tremendamente seu aproveitamento como força
de trabalho, da mesma forma que diminui suas
possibilidades de realização afetiva, educacional e
política 38 .
A medicalização e a corporeidade da deficiên-
cia sugerem que a vida da pessoa com deficiência
deve ser entendida em termos de incapacidade e
confinamento 39 .
Apesar dessas ressalvas, as vozes de Paula e
Rodrigo de fato fazem ecoar as palavras de Shakes-
peare. Em suas narrativas, a noção de ‘deficiência’
emerge como algo inevitavelmente atrelado à ‘limi-
tação’ e à ‘incapacidade’: uma categoria, portanto,
a ser recusada na construção de narrativas sobre
si 41 .
Todos esses trechos escancaram as narrativas
hegemônicas sobre as pessoas com deficiência,
por assim dizer, “narrativas capacitistas”. Uma
pessoa com deficiência, de acordo com o tipo e
grau ou severidade da deficiência, pode não re-
alizar, sozinha, determinadas atividades, depen-
dendo de assistentes pessoais e/ou de cuidadoras.
Mas o poder de tomar decisões, isto é, a capaci-
dade de agência 42 para decidir sobre essas ativi-
dades deve ser creditada a elas, respeitando suas
opiniões e desejos:
Uma pessoa com tetraplegia severa pode não
ser, por exemplo, capaz de se vestir sozinha (por
restrição de autonomia), mas ela tem independên-
cia para decidir e escolher que tipo de roupa quer
vestir. A autonomia (controle sobre o próprio cor-
po e sobre o ambiente mais próximo) e a indepen-
dência (faculdade de decidir por si mesma) são os
dois lados da mesma moeda, fundamentalmente
importantes na vida das pessoas com deficiência 43 .
√ “Deficiência, incapacidade e vulnerabilidade: do capacitismo ou a preeminência capacitista e biomédica do Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC”, de Anahi Guedes de Mello, publicado no Ciênc. saúde coletiva [online]. 2016, vol.21, n.10, pp.3265-3276. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n10/1413-8123-csc-21-10-3265.pdf>
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