B. Hutchinson. 1966. The Patron-Dependent Relationship in Brazil, In sociologia ruralis, vol. 6, nº1
Temos prestado menos atenção ao principal obstáculo social à mudança em regiões subdesenvolvidas: a desvantagem de um ethos social hostil a ele. O progresso econômico é menos provável em uma sociedade cuja princípios religiosos negam todo valor ao ganho material e às coisas deste mundo.
Max Weber argumentou há muito tempo que a mera disponibilidade de capital, mão de obra e capacidade técnica por si só não explica nem induz o progresso econômico. e o próprio estudo de Banfield mostra como o bem-estar econômico de uma comunidade podem ser prejudicados por crenças amplamente difundidas e valores inconsistentes com maior prosperidade. No presente trabalho, portanto, desejamos a atenção para uma série de fenômenos observáveis na vida brasileira, que juntos chamamos de relação patrono-dependente, que, de maneira um tanto semelhante, atuaram como um freio no desenvolvimento da economia.
Em particular, talvez na crença errônea de que sua discussão causa dor e constrangimento para aqueles sobre os quais a mística protestante do trabalho não interferiu, poucas tentativas sérias foram feitas para avaliar o significado e a função dessa falta de entusiasmo pelo “trabalho” que tanto caracteriza a vida em muitos países subdesenvolvidos. Sintomáticos de sua abordagem basicamente puritana, esses comentaristas que comentaram sobre isso ofereceram apenas razões de dieta, medicamentos e climáticas para baixa produtividade. Parece que não ocorreu para eles que uma explicação menos determinista também é possível: menos ainda que uma aversão ao trabalho, ou preferência pelo lazer, pode ter uma respeitável origem sociológica. Essa diferença de atitude em relação a trabalhar é particularmente relevante para a relação patrono-dependente estamos prestes a descrever. Portanto, vale ressaltar que o Brasileiro, como o russo do século XIX (Cf. Goncharov, 1932; Maynard, 1942), tem pouco amor ao “trabalho pelo trabalho”.
“Eles se entregam em grande parte ao jogo de cartas, e às vezes via pessoas que dia e noite não faziam mais nada… essa a inatividade estende-se relativamente aos escravos...” (Pohl, 191I, p. 14). Três quartos de século depois, um francês, Max Leclerc, pensou o traço mais marcante do caráter brasileiro ser “sem dúvida indolência; indolência ou fatalismo” (Leclerc, 1942, p. 50).
Medina (1964, p. 74-71) chama a atenção para um conflito de valores sofrido pelo migrante rural para as grandes cidades do Brasil, onde no local da vida tradicional do biscateiro trabalhando apenas para satisfazer seu desejo e necessidade pessoal, surgiu a nova rigidez de uma empresa industrial e comercial comprando parte do tempo do homem medido pelo relógio. Pelos de origem rural – e não raramente por aqueles que não são - isso é sentido como uma sensação desagradável perder um paraíso de liberdade, de amizade entre trabalhador e patrão que, impregnando o Brasil de um passado não distante, ainda marca o padrão de grande parte da vida contemporânea no interior do país, complementada por uma falta de ambição e iniciativa econômica que imediatamente surpreende o visitante de outra sociedade. Mesmo nas maiores cidades há artesãos e comerciantes que não procuram encomendas, negligenciando possibilidades de expansão, em geral ignorando oportunidades que se apresentam. Nas áreas rurais essas tendências são acentuadas. Os caboclos (camponeses) de Santa Catarina “trabalham apenas o mínimo necessário para viver o dia a dia. Economia ou poupança são desconhecidos. A terra fornece facilmente tudo o que eles precisam e eles não sabem nada sobre trabalho árduo para obter as necessidades. Suas casas e aldeias estão em contraste desolado com as prósperas habitações próximas das colônias alemãs. Cabanas miseráveis, um mínimo de plantio, sem estradas, sem pontes sobre os rios, toda a população afundada na inatividade” (Queiroz, 1957, p. 81). Elaborando essa aversão geral por mais do que um mínimo irredutível de trabalho, há outras distinções separando atividades “apropriadas” de “inapropriadas”. O baixo prestígio do trabalho manual de qualquer natureza, embora não peculiar ao Brasil nem a qualquer parte particular dele, é por muitos levado mais longe. Para aqueles a quem o trabalho de escritório ou outro é aberto, distinções entre ocupações que são, ou não, “adequadas para um homem”, excluem especialmente (pelo menos entre os cabochões de Santa Catarina) todo “trabalho”; e por “trabalho” entende-se agricultura, artesanato e indústria doméstica. O sertanejo, portanto, busca (Queiroz, 1957, pág. 81) minimizar a quantidade de tempo que ele dedica ao “trabalho” a fim de seguir atividades mais estimadas.
Dessas atividades, o lazer é talvez o mais favorecido. Mas o comércio, especialmente o comércio independente do lojista, é outra, embora sonho cuja realização está ao alcance de poucos. Muitos migrantes rurais para as cidades, de fato, aceitam o papel pesado do operário fabril apenas porque pode fornecer os meios financeiros para se estabelecer em sua própria localidade, a loja no interior em que há muito pensam (Lopes, 1960). Mas, embora ansiosamente procurado, é digno de nota que a atitude em relação a esta fonte de subsistência difere da Europa e os Estados Unidos. “Nenhum dos lojistas acha que a expansão é o requisito do sucesso. A ideia de crescer e colocar meia dúzia de concorrentes fora do mercado dificilmente é dada a pensamento. Cada homem quer um lugar para sua loja em sua casa, quer seus clientes regulares e seu lazer; ser dono de uma loja é concebido como o fim de uma luta e não como o seu começo” (Harris, 1916, p. 73-74).
Antônio Candido (1964, p. 63-64) chama a atenção para a importância da “margem do lazer” na organização da economia e vida social caipira. Ele também nos lembra que o trabalho árduo e regular em uma país onde a abolição ainda está na memória de alguns ainda vivos, está inevitavelmente associado à escravidão; e se com escravidão, então com degradação.
Em grandes regiões do país a produção de subsistência dominou, e ainda domina, a economia rural; e as necessidades da população, portanto, eram limitadas ao seu próprio consumo. A terra virgem dos colonos era fértil, e mais estava disponível quando finalmente se exauriu. Dado seu padrão de vida, esforço persistente, longas jornadas de trabalho, a busca por novos métodos, por novas ferramentas, eram desnecessárias. Então não apenas o trabalho era social e psicologicamente indesejável; em condições normais vezes não servia a nenhum propósito útil na ausência de qualquer comércio de produtos agrícolas. Essa combinação de fatores foi reforçada em muitas regiões e em muitos períodos pela insegurança de estabilidade no trabalho. Mas do lado positivo, argumenta Cândido, a margem de lazer na vida rural facilitavam uma série de atividades, algumas delas, como como caça ou pesca, combinando utilidade com entretenimento; outras, como festas religiosas, servindo para mobilizar as relações sociais nos bairros cujos habitantes viviam em isolamento parcial. “A falta de ambição deve ser interpretada como uma forma de indicar que o trabalho não é necessário no universo relativamente homogêneo e fechado de uma cultura rústica em um vasto território” (Cândido, 1964, p. 66).
Outros ambientes ofereciam outros motivos para atribuir baixa estima ao trabalho e ao esforço pessoal. Uma grande população escrava e seus descendentes sentiram por ele a mesma aversão que caracterizou o escravo ao longo da história. Seus proprietários, a aristocracia rural e os fazendeiros, opôs-se ao trabalho, não só pela sua associação em suas mentes com degradação, mas porque eles sentiram que seu o status dependia em parte da ociosidade manifesta. A tradição peninsular de nobreza e do fidalgo, transferida para o Brasil e murchando lentamente, sobreviveu até hoje. Uma classe média em crescimento apenas recentemente começou a substituir seu próprio modo de vida de uma imitação da aristocracia que haviam seguido por tanto tempo, na qual a ociosidade desempenhou um grande papel. A preferência portuguesa pelo comércio em vez da indústria e a manufatura, persistindo no Brasil, conduziram à mesma desconfiança do esforço físico excessivo - que, de qualquer forma, ao longo de grandes partes do país, parecia inapropriado para um clima quente e húmido.
Não precisamos, embora isso apresente poucas dificuldades, multiplicar as evidências da existência no Brasil de uma atitude em relação ao “trabalho” que geralmente não associamos a grande progresso material. O lazer é apreciado; trabalho não é. O difícil e persistente trabalhador, em consequência, não goza de amplo reconhecimento ou prestígio - ambos procurados por outros meios - mas provavelmente ser considerado equivocado, antipático e cego para o verdadeiro propósito de viver (no vernáculo, um chato) - testemunhe os sentimentos equívocos evocados pelo habitante do Rio de Janeiro em relação ao trabalho duro do paulista de São Paulo. Mas o observador que descarta esse complexo de crenças como “preguiça”, que se permite, mesmo inconscientemente, pensar nisso como, de alguma forma, uma falha em cumprir seu próprio padrão ético, nega a si mesmo uma chave importante para a análise da sociedade brasileira e a compreensão dos obstáculos cruciais que impedem o desenvolvimento econômico do país. Para a atitude para com o trabalho, temos brevemente exemplificado suas ramificações em toda a organização social brasileira. Se o esforço pessoal e a salvação econômica individual não forem os meios aceitos de controlar um ambiente hostil, outra coisa igualmente capaz de tornar a insegurança da vida mais receptiva deve ter sido substituído por eles. Entre tantos substitutos racionais possíveis, o Brasil selecionou o relacionamento patrono-dependente, para cuja descrição e discussão nos voltamos agora.
A mínima importância que o brasileiro dá ao trabalho e esforço pessoal está aberto para ele porque ele sabe, ou acredita, que no último extremo do infortúnio, e talvez antes, ele pode buscar os cuidados de outros, de protetores que costumam ser seus superiores em poder, influência e recursos econômicos. Uma compreensão da hierarquia de poder no Brasil é, portanto, de mais do que significância ordinária ao observador, quanto ao próprio brasileiro.
Logo que se no Brasil como na Europa Medieval podemos dizer com Pirenne que a democracia não é mais do que “a democracia dos privilegiados”, a aptidão da frase surge da crença do brasileiro de que os privilégios de poucos constituem um recurso no qual todos, em momentos de dificuldade, podem esperar compartilhar - uma crença que vai longe para explicar a relativa ausência de inveja entre classes e ressentimento no país.
Contrastando fortemente com o ensino protestante enfatizando a autossuficiência e a orientação da consciência individual, o catolicismo popular pressupõe assim o desamparo da humanidade em face aos problemas que constantemente a afligem. Procurar um protetor é uma resposta lógica a tal suposição; quanto mais perto os poderes do patrono se aproximam da onipotência, melhor para o suplicante. Ainda a relação com o Divino, essa fonte de punição e também como benefício, não é direta. Procuram-se patronos intermediários que irão interceder com Ele em nome de alguém, discutir o caso de alguém, até mesmo trazer pressão para exercer sobre o Todo-Poderoso. Integridade moral ou devoção religiosa pessoal por parte do suplicante tem pouca influência sobre o sucesso ou fracasso de seu pedido de assistência divina: este depende da habilidade e interesse do intermediário santo ou divino. Existe um provérbio brasileiro, é verdade, que é verbalmente equivalente com o inglês “Deus ajuda aqueles que se ajudam”, mas, sendo a intenção da frase diferente, seu verdadeiro interesse reside na expectativa de assistência divina em vez de (como é a intenção inglesa) uma identificação do esforço pessoal com o serviço aos fins de Deus. A visão do brasileiro sem instrução que faz o sucesso em qualquer empreendimento, por mais rudimentar que seja, depende da aprovação de um patrono divino ou secular, é melhor expressa pela frase onipresente, "...se Deus quiser", ou, "...se Deus for servido".
A família patriarcal, composta por seu chefe, vários casais casados subordinados, mais aparentados, e seus filhos, em tais circunstâncias oferece uma força e uma frente unida ao mundo que a pequena família, ou o indivíduo, não pode apresentar. No engenho rural das regiões açucareiras, as fazendas e currais das regiões agrícolas e pastoril, mesmo nas próprias cidades, o chefe de família presidiu, portanto, um grande número de parentes próximos e distantes. Em troca de uma segurança física e econômica de outra forma difícil se não impossíveis de alcançar, eles submeteram suas vidas à sua orientação e controle final.
Independência real, exceto para a aristocracia rural e a rica classe mercantil das cidades, não era para a massa da população um objetivo prático. A generalidade da população rural era completamente dependente economicamente, politicamente, socialmente (e mesmo medicamente) sobre os grandes proprietários de terras. Defesa contra a tirania de chefes políticos locais era completamente impossível (Queiroz, 1917, pág. 228, 232), e um homem que não tinha patrocínio, que falhou em recrutar-se para algum latifundiário, foi então, e em muitas partes permanecem, em uma posição nada invejável. Consequentemente, à dependência forçada da escravidão foi adicionado no Brasil a voluntária mas prudente dependência do homem livre.
Dentro do sistema geral, as famílias de classe baixa dependentes do proprietário de terras, o político e o homem rico, eles próprios seguiram a forma patriarcal doméstica, em que o semidespotismo paterno (Freyre, 1961, vol. Eu, pág. 70 e ss.) mesmo entre os pobres, e apesar de uma tendência a instabilidade conjugal, uniu-se ao cuidado de parentes dependentes.
Dentro do lar mais pobre, a posição do pai era, e continua sendo, dominante. Em um mundo hostil ele é o representante da família e protetor, exigindo subserviência daqueles sob seus cuidados. O casa do pobre é em escala reduzida uma réplica do sobrado do proprietário de terras. Abrigo é estendido a parentes de fora dos limites da família nuclear, avós e tias solteiras encontrando um lugar que, na maioria das sociedades ocidentais, agora lhes é negado. Gilberto Freyre mostrou que, na educação dos filhos, a família brasileira nunca deu grande ênfase ao treinamento para a independência, por isso dificilmente poderia se sustentar enquanto o patriarcalismo persistisse. Um estudo psicológico recente (Rosen, 1962) sugere que o antigo padrão do domínio paterno não está de forma alguma no fim, mesmo nas cidades, onde em vez de um incentivo à autoconfiança surgiu “uma dependência excessiva” dos pais e uma evitação de ambição e competição que podem ser interpretadas em casa como ameaça à posição do pai. Se Rosen estiver certo, parece claro que uma dependência que surgiu inicialmente como resultado de fatores externos sociais e forças econômicas podem ter sua sobrevivência assegurada pela aprovação dos pais de comportamento dependente em seus filhos.
Sugerir que a instituição do compadrio surgiu de tal fatores psicológicos é provavelmente um exagero. Há pouco a duvidar, por outro lado, que o compadrio como forma de precaução contra o infortúnio futuro recebe um mais do que uma simpática recepção comum em uma sociedade que dá pouco valor à autoconfiança; Nem podemos duvidarmos que o seu funcionamento tenha o efeito de reforçar uma atitude de dependência que outras forças já introduziram. Na ausência de serviços de bem-estar do estado, havia uma necessidade objetiva de alguma forma de seguro de grupo contra o infortúnio: mesmo hoje a instituição não está sem seus usos. Compadrio (claro que não é um instituição peculiarmente brasileira) tem sua origem no desejo entre os pobres e desprivilegiados por uma forma de segurança, e sua fonte no desenvolvimento mediterrâneo da relação padrinho-afilhado.
No Brasil, como na Espanha (Pitt-Rivers, 19j4, p. 107ss.), essa relação foi ao mesmo tempo de um significado muito considerável. Foi, e em partes permanece, uma relação que talvez porque assumida voluntariamente pelo padrinho, persiste quando outros relacionamentos, mesmo os de sangue, podem ter começado a enfraquecer. A notável firmeza de compadrio, o grau em que o padrinho pode ser dependente em caso de emergência, se não também nos problemas rotineiros da vida, constitui sua principal virtude para aqueles para quem a segurança não é fácil de encontrar. Para que o padrinho tem o dever de assumir o papel de pai do afilhado quando necessário; e embora isso permaneça desnecessário, há problemas em assuntos do dia-a-dia em que ele dá sua assistência em troca da ajuda de apoio do seu afilhado, lealdade e assistência material (por exemplo na terra do padrinho) quando chamado. Não se deve supor que compadrio era útil apenas naqueles momentos de emergência quando a ajuda é mais do que normalmente necessário, nem que um padrinho fosse procurado apenas quando tais emergências pareciam particularmente prováveis de ocorrer. É uma forma de seguro contra infortúnios futuros desconhecidos que muitos pais ainda sintam a obrigação de sustentar seus filhos. Em comunidades menores, portanto, a rede de patronos e dependentes e as conexões decorrentes do compadrio tornam-se extremamente complexas.
Resumindo, ele era um espécie de divindade leiga de quem o mais humilde poderia esperar, em troca de uma lealdade política sobre a qual repousava em grande parte o poder do coronel, benefícios que não puderam ou não quiseram obter por meio de seus próprios esforços. Onde existia um coronel, o homem comum desejava e por prudência sentiu a necessidade de colocar-se sob sua proteção. Muito do conforto do cotidiano do trabalhador rural poder depender disso; sua segurança em extrema emergência inteiramente. Portanto, é fácil ver como uma tendência à dependência já estabelecida como resultado da operação de outras forças seria redobrada em tais circunstâncias até se tornar uma atitude normal entre a massa do povo.
Ao chamar a atenção para o anseio pela dependência do patrono protetor evidente na vida brasileira, não devemos ignorar ou minimizar demais os efeitos de uma insegurança real e generalizada trazendo isso à tona. Suas formas são muitas e difundidas: o medo da agressão física violência, da pobreza, da doença, da falta de moradia, de terra, de emprego. A estes e outros do mesmo gênero deve ser acrescentado um multiplicidade de perigos sobrenaturais cuja gravidade parece ser aumentada em vez de diminuída pela adesão à Igreja ou a tais cultos como Umbanda ou Candomblé. Agricultura dependente, o papel do grande latifundiário, compadrio, movimentos messiânicos, ligas camponesas e semelhantes, devem ser entendidas como sendo em grande parte adaptações a uma ambiente inseguro pelos dependentes; enquanto por parte do patrono, eles constituem a base sobre a qual ele constrói sua política e poder econômico. Mas se esconder perpetuamente na sombra dos poderosos, buscar proteção fatalisticamente, falhar na autoconfiança (assumindo que o ambiente torna a alternativa uma possibilidade) condiciona naturalmente o clima mental em que o todo da vida é buscado. Confiando mais nas circunstâncias do que em si mesmos, esta clientela rusticorum impôs ao Brasil um padrão restritivo de pensamento do qual o país só agora, talvez, começa a libertar-se.
A partir dessa generalização nós devemos, talvez, fazer uma exceção da prestação de assistência em ocasiões de urgência especial; ainda falta ao Brasil uma tradição tanto de cooperação e de preocupação com o bem-estar público, distinto do privado. Ao movimento cooperativo não faltaram discípulos entre a intelectualidade e em alguns setores do governo. Tentativas de organizar cooperativas rurais têm sido bastante numerosas; mas as principais exceções à falha unânime foram aquelas estabelecidas entre ou dominados por imigrantes estrangeiros, notadamente os japoneses. “Estas formas de solidariedade voluntária, de solidariedade espontânea e livre cooperação”, comenta Vianna (1938, p. 217), “só aparecem entre nós sob a ação de grande entusiasmo coletivo - eles nunca emergem friamente como fazem entre os anglo-saxões... Se organizados, eles logo se dissolvem, seja por desarmonia interior, seja por esquecimento dos fins para os quais foram fundados. Em outras ocasiões nunca vão além de propostas que, uma vez lançadas, silenciosamente se dispersam e são esquecidas - o que sugere a ausência de um base psicológica adequada para isso entre as pessoas. Normalmente o círculo de nossa simpatia não vai além da solidariedade do clã. É a única forma de solidariedade social que realmente sentimos, que realmente praticamos”.
A inconsistência entre os dois modos de comportamento e perspectiva que temos descrito é apenas superficial. Por um lado, notamos algumas das raízes de uma dependência que não é que não lembra o feudalismo, e o desejo generalizado no Brasil de adotá-lo. No entanto, a adoção de uma postura dependente tem sido acompanhada (como vimos) nem por uma tendência ao esforço cooperativo, nem pela submersão do indivíduo. Os objetivos gêmeos de dependência e independência não são consideradas no Brasil como incompatíveis; pelo contrário, o primeiro é, em certo sentido, apenas um meio de promover o segundo. Considera-se que a violação da independência é mais provável ser experimentado por um homem exposto a um ambiente sem patrono, do que por um homem que pode contar com os outros em emergências. Em outras palavras, uma dependência limitada em certos aspectos da vida é bem-vinda em parte porque permite a expressão da independência em outros aspectos, como um homem pode ser dependente, em outra sociedade, de seu gerente de banco para um cheque especial que ele, no entanto, utiliza para promover seus interesses pessoais. O patrono, seja profano ou sobrenatural, por uma certa consideração mantém o lobo longe da porta enquanto os internos continuam com seus próprios negócios. Portanto, estar em dívida com a intervenção de um patrono para o emprego de alguém não é considerado inconsistente com a afirmação de independência por chegar tarde ao trabalho, ou faltar, se o humor no dia ditar. Reivindicações comparativamente raras de um patrono sobre a lealdade de seus clientes (como, por exemplo, ao exercer o voto em seu favor) constituem um pequeno preço a pagar pelas vantagens do sistema. Assim, as várias formas de dependência que mencionamos - sobre o sagrado, o divino e o sobrenatural; sobre o proprietário da terra e o chefe político; sobre parentes de sangue e padrinhos - são projetados para fins específicos, mesmo oportunistas. Medina (1964, pág. 92, 94) ao falar das pessoas das favelas urbanas e “suas tendência a manter-se em posição de subordinação para aguardo da palavra do rei, do senhor”, explicada em termos de falta de responsabilidade cívica que tem sido social e economicamente condicionada. Nos termos em que Medina o oferece, esta é uma explicação aplicável apenas aos pobres e desprivilegiados. “Eles olham para o governo como o Salvador”, ele continua, “Eles dão suporte aos líderes que têm conexões e o apoio do Executivo [...] desejando uma saída imediata para seus problemas eles se entregam passivamente aos detentores do poder”. Mas queremos sugerir aqui que atitudes semelhantes florescem em todas as classes, e de fato constituem uma mola mestra fornecendo o motivo poder por trás de grande parte do desenvolvimento social e econômico brasileiro, não para mencionar a vida política.
Harris (1956, p. 183) observa que as pessoas da cidade de Minas Velha atribuíam aos governos estadual e federal o mesmo poder de outorgar riqueza e prosperidade à maneira de um filantropo imprevisível. Mas é claro que a natureza dos benefícios esperados difere de um classe social para outra. Se o Estado é considerado por muitos como o superpatrono, os pobres buscarão dele, por meio de intermediários influentes, a provisão direta de uma cama em um hospital, uma vaga em uma escola primária ou uma fonte de água. Outros procuram emprego no governo, e isso é particularmente o campo em que as classes médias esperam receber benefícios através da intervenção de seus patronos. No Brasil o serviço público é tradicionalmente um meio de pagar dívidas pessoais e garantir dependentes; e se isso às vezes parece inconsistente com eficiência de administração, esta última é considerada secundária, embora seja uma função importante, subordinada à primeira.
Esses e inúmeros outros hábitos da vida brasileira podem ser descritos como “corrupção” apenas por negligenciar seu significado social contextual. Não existe uma forma saudável da qual essas sejam versões doentes nem nos casos em que consideramos que o suborno monetário desempenha um papel significativo, por mais importante que seja em outras circunstâncias. Eles devem ser interpretados antes como em conjunto formando uma característica independente da organização social, algumas cujas origens descrevemos e cujo propósito é a manutenção de uma relação patrono-cliente que é essencial para o bom funcionamento da sociedade tradicional brasileira. Em conseqüência, vemos em nossos tempos uma extensão do princípio da dependência ao campo da política urbana, o candidato à eleição ganhando popularidade apoio em troca de favores pessoais e de grupo em seu eleitorado (nas áreas rurais, a direção da votação é regida por considerações de regras ligeiramente diferentes, mas especialmente a dependência do proprietário local). De uma forma um tanto modificada, o carreirista urbano pode utilizar uma conexão informal ou igrejinha, composta por apoiadores e conselheiros, muitos deles dependentes do carreirista para a promoção de suas ambições pessoais. É aqui que a forma tradicional da família rural e organização de parentesco reaparece como uma auxílio ao sucesso urbano. Pois além de apelar para a ajuda do amigo influente (Pistolão), aqueles que buscam promoção, seja político e social (no caso dos abastados) ou basicamente econômica (no caso das classes menos abastadas em busca de emprego), todas fazem uso sempre que possível de seus parentes. Entre os migrantes rurais para as cidades isso é estendido para incluir compatriotas da mesmo terra ou região que eles mesmos. Leeds (1964) ao discutir a questão da construção da carreira brasileira, ao passo que subestima o importância dos parentes distantes na rede de ajuda mútua e obrigação, faz bem em enfatizar o significado prático para o brasileiro de um conhecimento abrangente dos nomes e paradeiro de seu parentes e amigos. Uma vez que a maioria das sociedades utiliza os mesmos recursos para o avanço, há pouca coisa que pareça estranha ao leitor em tudo isso. O que é notável, no entanto, são os extensão em que que tais métodos são tomados, juntamente com a suposição implícita de que esforço pessoal ou “valor” intrínseco não são para o homem ambicioso nem suficiente nem relevante. Dada a atitude em relação ao trabalho, que tocamos anteriormente neste artigo, a mesma suposição recebe suporte de outras fontes. Mas é interessante que a partir desta reformulação urbana de um hábito de espírito essencialmente rural pode muito bem surgir um conflito cuja resolução (em São Paulo isso já pode estar ocorrendo) em última análise, criar uma nova orientação para a ambição econômica e social. O sistema de cliente e patrono que floresceu tão prontamente em um ambiente de agricultura, política e governo dependente, pode não achar fácil sobreviver diante das demandas um tanto diferentes de desenvolvimento da indústria e reforma agrária; e é provável que o sistema tem sido um dos mais importantes obstáculos ao desenvolvimento industrial e mudança agrária no Brasil.
Será lembrado que começamos com a sugestão de que o relacionamento de dependência pode ser interpretado como um ajuste a situações que algumas outras sociedades dão conta por iniciativa pessoal e individual. Se o "trabalho" tivesse uma acolhida mais positiva entre a população brasileira do que antes, pareceria provável que a dependência não floresceria no grau que descrevemos. Mas a atitude brasileira em relação ao trabalho regular e persistente diferiu basicamente daquela encorajada pelo ensinamento protestante de outras sociedades.
No entanto, se o trabalho árduo e o esforço pessoal fossem por várias razões colocadas fora do tribunal, ou quase, o ambiente natural e até certo ponto o ambiente social permaneceu hostil no Brasil como em outros lugares. A insegurança era generalizada e inevitável. Enquanto em outras sociedades a resposta a tal desafio poderia ter sido esforço pessoal aumentado, poupança e formas rudimentares de bem-estar social, no Brasil a tendência tem sido olhar para a relação patrono-cliente como o salvador em emergências. Porque a massa da população, pela operação de mera aritmética, eram clientes em vez de patronos, o tom da vida brasileira tornou-se, e permaneceu, de dependência, olhando para os outros em busca de orientação, ajuda e proteção. Outros fatores já presentes no Brasil estimulavam a dependência, ou eram facilmente compatível com a mesma, e fez parecer natural, principalmente entre, talvez, a crença religiosa, a fé católica, ela própria organizada internamente com base na relação patrono-cliente, estimulada entre seu rebanho. Cultos afro-brasileiros, com suas magias e ritos semimágicos, fizeram o mesmo. Havia também tradições de dependência que fluiu para o Brasil de Portugal e mais na história, notadamente de Roma e seu sistema de patrocinium, ambos particularmente característico das áreas rurais. Não é surpreendente, portanto, que o surgimento de um sistema semelhante no Brasil encontrou o solo psicológico e tradicional já preparado para sua recepção.
Outro fator contribui para uma sensação geral de insegurança. A sociedade brasileira é em um sentido importante individualista, se não anárquica. Cada homem olha para seus próprios interesses, não para os dos outros, exceto na medida em que estes fazem parte de sua família, ou são pessoas para quem o relacionamento patrono-dependente opera. Uma “consciência” social, na sua forma moderna em grande parte um subproduto da Reforma [Protestante?], está no Brasil emergindo apenas hesitantemente. Problemas como desnutrição, pobreza, problemas de saúde, desemprego, só agora começam a ser interpretados como problemas éticos pelos quais a sociedade como um todo tem a responsabilidade de encontrar soluções. Em grande parte, eles permanecem, e até muito recentemente eram considerados, quase unanimemente, como problemas privados daqueles que sofriam com eles, o espectador sentindo pouca ou nenhuma obrigação, ética ou social, de ajudar um infeliz anônimo. De fato, o fracasso de cooperativas agrícolas e outras, a que nos referimos anteriormente, pode ser atribuída em parte a uma falta de interesse na sorte de um desconhecido não relacionado. Mas se o infeliz não pode buscar na sociedade assistência, ele deve tomar outras providências para se assegurar. Nós descrevemos aqui algumas das maneiras pelas quais isso foi alcançado através a extensão da fidelidade familiar e a busca de um patrono.
A sociedade brasileira, então, não é apenas aquela em que o esforço individual é indesejável em si, mas é organizado, dentro dos limites de um padrão de vida aceito por seus membros, de forma a torná-lo desnecessário. Ou seja, na medida em que o brasileiro prefere uma forma de vida sem ambição, calma e sem perturbações indevidas, a relação patrono-cliente, pelo menos na sua forma ideal, ajuda a fornecê-lo. Mas não é um sistema com o qual o rápido desenvolvimento econômico no padrão europeu ou norte-americano é facilmente compatível. Portanto, descobrimos que muitos dos avanços em técnica e produtividade na agricultura (e em grande medida também na indústria) que tomaram lugar nas últimas décadas, foram feitas por ou por instigação do imigrante estrangeiro e seus descendentes. Pois são pessoas que carecem da tradição do sistema de patrono-dependente ou, embora tendo tal tradição, têm pouca oportunidade de utilizá-la em um sociedade à qual são estranhos. Jogados, portanto, por conta própria, eles alcançam um sucesso econômico negado ou mesmo não desejado pelo nativo brasileiro.
Se, então, a relação patrono-dependente é tão onipresente e significativa como estamos sugerindo, o problema do desenvolvimento da economia brasileira deve necessariamente ser visto sob uma nova luz. Fica claro que uma instituição tão fundamental, apoiada como é por características básicas da interpretação brasileira da vida, não pode ser ignorada nem imediatamente destruída pelo reformador. Por outro lado, o patrocínio não pode sobreviver por muito tempo lado a lado com o crescimento da racionalização industrial. A indústria brasileira, especialmente entre as empresas de origem e direção estrangeiras, já prefere, por considerações de eficiência, recrutar o seu pessoal de uma forma mais impessoal, embora ao nível inferior do trabalhador não qualificado e semiqualificado, amizade, contatos e o pistolão, todos permanecem significativos. A extensão gradual desta atitude nas grandes cidades pode muito bem soar como o sino de finados do sistema de dependência na vida econômica urbana; mas é provável que permaneça moribundo ainda por um período considerável. Um crescimento simultâneo de serviços previdenciários estatais, com consequente redução de insegurança, teria o efeito de retirar do antigo sistema muito de sua razão de ser original - a menos que a intervenção de um patrono torne-se então necessário para superar os atrasos burocráticos na concessão benefícios (isso já está acontecendo). Pode ser possível, portanto, deixar a modificação urbana do sistema de dependência tradicional para pressões graduais, mas inevitáveis, da indústria racionalizada, e a emergência igualmente inevitável de um estado de bem-estar. A primeira, porém, não tem relevância na vida rural, e a segunda incidirá menos rapidamente e com menos força sobre o camponês. A relação patrono-dependente, em combinação com a falta de ambição econômica, parece mais firmemente arraigada entre a população do que em outros lugares. Se estivermos certos em supor que essas forças terem estado entre os principais entraves ao desenvolvimento econômico e rural, o reformador pode sentir que sua primeira tarefa é a diminuição imediata, se não a destruição final, do poder deles. Isso não parece sábio, nem terá probabilidade de sucesso. Consequentemente, ficamos com o velho dilema do pretenso inovador: qual a melhor forma de superar as forças da inércia sem ao mesmo tempo destruir as bases da sociedade. A natureza deste dilema, o resultado inesperado e indesejado de falhar em sua resolução, têm sido por muito tempo um lugar-comum de discussão antropológica (Cf. Smith, EW, 1927; Brown, G. & A. Hutt, 1935). No presente caso a solução para o reformador rural é provavelmente o mesmo: recrutar as forças sociais existentes para apoiar a mudança. Especificamente, ele deve usar o relacionamento patrono-dependente como forma de introduzir novidades agrárias. Ou, quer dizer, inovações devem chegar ao povo com total apoio e exortação do patrono tradicional; ou o próprio reformador deve organizar assuntos em que ele aparece como, e desempenha o papel de, um novo e patrono poderoso a quem os camponeses podem recorrer com confiança para ajuda, aconselhamento e assistência em caso de emergência.
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