Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Testes projetivos: evidências muitos fracas

Acabo de saber que morreu Scott Lilienfeld. Scott era um dos melhores críticos que conheço das bobagens que passam por psicoterapia.
Na minha época de estudante de psicologia na PUC-RS, haviam várias cadeiras sobre os chamados testes projetivos. Sabe aquele clássico Rorschach? Pois é, mas esse é só um dos tantos que existem. Outros exemplos são o TAT e o desenho da figura humana. O nome “projetivo” vem da premissa de que a personalidade se expressa—projeta—nesses desenhos. Não preciso dizer que essa é uma suposição bastante forte que precisa de evidências igualmente fortes para se sustentar. Nessa meta-análise (tipo de estudo com grau mais alto de confiabilidade científica) de 2000 [https://journals.sagepub.com/doi/10.1111/1529-1006.002] Scott mostra que a evidência disso é muito fraca, pelo menos nesses três testes que citei acima. De fato, me surpreende que ele ainda conseguiu encontrar alguma. Apesar disso, esses testes são usados rotineiramente pra decidir quem pode ou não portar armas, que crianças precisam ou não de terapia, que criminoso precisa ou não ser internado em hospital psiquiátrico, etc.
E esse monte de psicoterapia que existe por aí? Psicanálise, terapia cognitivo-comportamental, humanista, psicodrama, EMDR, etc. A maioria delas, senão todas, são mais prováveis de convencer o terapeuta e paciente de que funcionam do que de funcionar de verdade. Nesse paper de 2014 [https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1745691614535216] Scott mostra as tantas razões espúrias que levam psicoterapeutas a enganar-se e acreditar na eficácia de suas técnicas.
A página da wikipedia sobre ele é uma boa introdução ao seu trabalho, que vai muito além desses dois papers que citei.
-André

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Comportamento politicamente indesejável

O conceito da análise comportamental do direito de que o comportamento indesejável é decidido politicamente me parece ser a base de toda a problemática da loucura. Um indivíduo é considerado louco para ser fragilizado politicamente, não poder mais defender os próprios interesses ou perspectivas de forma legitimada. A partir disso, se entende como e porque se usa a loucura como argumento: favorecer a perspectiva ou interesse particular e situacional de uma pessoa em detrimento da perspectiva ou interesse da outra pessoa fragilizada. É possível concluir que a reforma psiquiátrica é a problematização dessa política de fragilização de pessoas. Também torna possível entender porque a família, os psiquiatras e sociedade tende a não jogar contra a própria perspectiva para defender direitos, perspectivas e interesses dos chamados "loucos". Inclusive permite perceber como a palavra loucura e os rótulos de diagnósticos psiquiátricos são um instrumento social de fragilização que deveria ser evitado porque deixa de problematizar de forma legítima os embates sociais e os fecha/finaliza em uma relação de poder assimétrica. Também permite entender as razões políticas do sucesso dos "normais" ou a alta preferência por imitar os comuns e majoritários. Ou o fracasso social dos chamados "loucos", inclusive por meio de sabotagem e competição com os "normais". Quando alguém é diagnosticado ou chamado de louco isso é uma tentativa de ganhar ou finalizar um embate social e ensurdecer-se contra os argumentos do outro lado. A autocrítica que falta aos "normais" e psiquiatras/profissionais psi se origina da defesa das próprias perspectivas e interesses. A sociedade majoritária se une com as profissões psi para fragilizar aquilo que considera indesejável e isso é decidido politicamente. Se é decidido politicamente há um embate aberto e legítimo a ser feito.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Capacidades humanas, medicalização e estimulação

 O que a psiquiatria chama de sintomas são exacerbações de características humanas ou capacidades humanas. O que a medicalização tenta fazer é reduzir a capacidade para sentir ansiedade por exemplo. Também é possível atuar na estimulação que ativa essa capacidade. Quando a medicina não se mostra eficaz para reduzir uma capacidade biológica se tenta vender uma tecnologia mais avançada como a farmacogenética. A insistência numa solução médica é grande da parte de médicos, pacientes e familiares. Já trabalhar a estimulação que ativa a capacidade mesmo que seja aumentada geneticamente e que mantém a ativação corporal é desconsiderada ou menos conhecida. É preciso uma boa dose de trabalho conceitual para levar em conta essa outra alternativa. O problema do entendimento estritamente médico é desconsiderar a estimulação e considerar a capacidade um mero lixo biológico. Se fosse apenas um lixo biológico para ser trabalhado as intervenções biomédicas solucionariam tais "sintomas". Mas a dificuldade continua e continua a fé nas soluções biomédicas transpondo a fé para o futuro que nunca chega.



sábado, 19 de setembro de 2020

A babaquice normopata: você representa um louco

A maneira mais fácil de identificar um normopata: ele comenta do nada que você é louco porque ele ouviu falar que você recebeu um diagnóstico e você não fez nada inapropriado. Tudo o que ele enxerga é que você representa um louco. Ele não consegue ver você como uma pessoa e nem como uma pessoa que merece respeito ou que tem alguma humanidade. Para ele você merece ser depreciado toda vez que ele entra em contato com você. Ele faz questão de se dirigir a você apenas para chamar você de louco. A única resposta apropriada a isso é ignorar a pessoa. Já que você não tem moral nenhuma para rebater pois vai faltar respaldo social.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

setembro amarelo

Algumas reflexões sobre o setembro amarelo (nos limites do facebook)...
Há um grande desejo, manifesto em parte da sociedade, de que as pessoas não tirem suas vidas. Uma expressão disso é o crescimento, ano após ano, do interesse em estudar, discutir, divulgar e principalmente prevenir o suicídio, que no mês de setembro torna-se ainda mais evidente, por conta de uma campanha internacional que ficou conhecida como setembro amarelo.
Ano após ano o setembro amarelo vem ganhando força e expressividade, mais e mais pessoas vêm aderindo às propostas desenvolvidas por entidades diversas, como o CVV (Centro de Valorização è Vida), grupos de caráter mais acadêmico e/ou vinculados à universidade, organizações não governamentais e, principalmente, a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), que se arroga a responsabilidade de ter trazido a campanha para o Brasil (o que parece dizer-nos algo sobre o caráter dessa campanha).
É certo que dar visibilidade ao fenômeno é necessário, todavia, de que maneira e qual visibilidade se pretende dar?
Sempre que se fala em suicídio (termo que para a grande parte das pessoas já traz, em si, uma conotação negativa, pejorativa), isso é feito a partir de uma determinada perspectiva, de uma certa concepção, que muitas vezes – principalmente quando estamos falando da popularização de um tema – não fica explícita, o que tem implicações para a própria compreensão desse tema.
Há várias formas de se compreender o suicídio, todas elas marcadas por momentos históricos e características sociais distintas, ou seja, todas elas produtos de uma cultura, numa dada sociedade, em um certo momento histórico, defendendo determinados interesses, queiram ou não, saibam ou não, explicitem ou não; aqueles que manifestam essas compreensões.
O que é mais visível nessas manifestações referentes ao setembro amarelo é que há, em grande parte das pessoas, principalmente aquelas que são leigas (ou quase) sobre o assunto, uma profunda boa vontade e intenção de ajudar, de forma voluntária e espontânea, partindo de suas crenças e concepções de mundo, de humano, de vida e de morte; sem pararem para pensar, muitas vezes, o que significa aquilo que estão defendendo e outras tantas vezes, fazendo coro com ideias que sequer sabem de onde vieram e a quais interesses compõem.
Vivemos em uma sociedade em que a morte em geral (e não só o suicídio) é um fenômeno do qual uma parte considerável das pessoas quer manter distância. Apesar de sua inevitabilidade, as pessoas querem que ela seja o mais tarde possível, para si e para seus próximos. Nessa sociedade, em que se quer ter distância da morte, busca-se, ao mesmo tempo, a manutenção da saúde e da vida a qualquer custo. Em uma sociedade em que a grande maioria quer viver o máximo possível e ser saudável, o que significa alguém tirar a própria vida? A interdição do suicídio aparece como algo premente, a valorização da vida deve ser a qualquer custo, agora, de qual vida!?
Deseja-se que as pessoas permaneçam vivas, não que elas possam ter uma vida que não lhes faça desejar a morte, a preocupação está muito mais em que elas não se matem do que nelas terem uma vida que seja digna de ser vivida.
O suicídio é historicamente um tabu porque ele faz emergir um conjunto de informações sobre a sociedade que não se deseja que venha à tona, já que explicita os melindres daquela sociedade. Assim, para se falar abertamente sobre o suicídio, sem expor esse conjunto de informações, é necessário atribuir-lhe determinadas características, que costumam reforçar um conjunto de concepções ideológicas acerca desse fenômeno, em geral aquelas que costumam encontrar nos próprios indivíduos as causas e os determinantes para que busquem suas próprias mortes, seja por conta de transtornos psíquicos (em geral explicados a partir de determinantes biológicos) ou de características psicológicas, reforçando assim o caráter individual desse fenômeno e velando o que nas relações que esses sujeitos estabelecem lhes produz o desejo de tirar suas próprias vidas.
Ao aparecer, ideologicamente, como uma questão de ordem individual (como uma parte considerável dos fenômenos sociais costumam aparecer), frequentemente patologizada, a forma de se lidar com o fato também toma esse mesmo caráter, assim, a questão deve ser resolvida no próprio indivíduo, por ele ou por quem possa impedi-lo, entretanto, as condições que lhe fazem desejar e buscar a própria morte permanecem intactas e ocultas.
Utilizam-se a terapia, os remédios e até mesmo as internações, produzem-se cartilhas para a prevenção, busca-se das mais diversas formas impedir que os sujeitos atentem contra si mesmos, mas a vida, as relações, as condições de existência, de saúde, de educação, afetivas,... Todas elas permanecem não apenas intocadas, como ocultas, causando naquele mesmo indivíduo e em um conjunto de outros indivíduos os mesmos desejos de não quererem vivê-las.
Nesse ano de 2016 a discussão tem tomado grandes proporções (significativamente maiores que nos anos anteriores), muitas matérias de jornal, muitas atividades nos mais diversos locais, muita gente envolvida, participando dessas atividades e compartilhando nas redes sociais o conjunto dessas iniciativas, muito apelo, tudo isso, na maior parte das vezes, motivado por um voluntarismo espontaneísta de fazer com que as pessoas permaneçam vivas, mas sem refletir criticamente sobre isso e sem se colocarem as questões acima expostas. São reproduzidas as visões hegemônicas sem qualquer questionamento, algumas vezes um tanto de informações que sequer são convergentes, mas o importante é dar visibilidade, é falar sobre, é fazer algo, não importa exatamente o quê, chegando ao ponto de um enorme conjunto de pessoas começar a disponibilizar seus celulares, whatsapp’s, chats privados e afins para escutarem e acolherem aqueles que estão sofrendo de alguma maneira, como se isso fosse, de fato, resolver alguma coisa. Essas concepções e compreensões acríticas, voluntaristas e espontaneístas, no final das contas, apenas contribuem para que a sociedade se mantenha como é, para que tudo permaneça como está, para que os problemas sigam sendo localizados nos indivíduos.
Na medida em que a mídia assumisse um papel crítico e parasse de reproduzir as concepções hegemônicas, em que os profissionais da saúde avançassem aos determinismos (principalmente biológico e psicológico) e explicitassem as contradições dessa sociedade, que as pessoas começassem a refletir sobre essas mortes para além dos indivíduos, que houvesse uma disposição em mudar radicalmente as condições de saúde e de vida das pessoas, então começaríamos a dar alguma visibilidade de fato a essa questão tão delicada e importante, não mais no sentido de ideologizar a realidade, mas no sentido de explicitá-la, para explicitar a necessidade de superação dessa sociedade em que a imensa maioria das pessoas vive em condições miseráveis para que uma ínfima quantidade tenha uma vida desejável. Entretanto, esperar que isso ocorra me parece um tanto ingênuo, a mídia está cumprindo seu papel, as ciências particulares estão cumprindo seus papéis, a ideologia está cumprindo seu papel... O setembro amarelo é isso, uma estratégia de visibilidade para ocultar onde de fato os problemas se encontram, com ampla participação das pessoas, para que todas se sintam colaborando... e estão... só não sabem exatamente para quê!
Não deve nos bastar manter as pessoas vivas, vivendo uma vida indesejável, que para se tornar suportável exige que, muitas vezes, lancem mão de vitaminas, fármacos e outras drogas, lícitas ou ilícitas. Ou nós extinguimos o capitalismo, ou ele seguirá nos matando, das mais diversas formas, entre as quais o suicídio.

Setembro amarelo: lembre-se que a vida muda

https://danjosua.blogosfera.uol.com.br/2018/09/06/setembro-amarelo-e-o-mes-da-prevencao-ao-suicidio-espere-a-vida-mudar/

Setembro amarelo: lembre-se que a vida muda... - Veja mais em https://danjosua.blogosfera.uol.com.br/2018/09/06/setembro-amarelo-e-o-mes-da-prevencao-ao-suicidio-espere-a-vida-mudar/?cmpid=copiaecola
Setembro amarelo: lembre-se que a vida muda... - Veja mais em https://danjosua.blogosfera.uol.com.br/2018/09/06/setembro-amarelo-e-o-mes-da-prevencao-ao-suicidio-espere-a-vida-mudar/?cmpid=copiaecola

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Restrição química como crueldade

Este raciocínio eqüivale a justificar o uso de drogas no lugar

das camisas de força, cordas ou correntes para imobilizar um pa-

ciente rebelde. A crueldade encontra-se menos no método do que no

resultado. O isolamento, a restrição física e a restrição química (com 

neurolépticos)  tiram as vítimas do contato com todos os reforçadores 

que tornam a vida significativa e preciosa; as drogas os transformam 

em zumbis e as celas acolchoadas os transformam em maníacos selvagens. 

Os dois tipos de punição colocam um fim a toda a aprendizagem, exceto

por várias formas de fuga e esquiva que servem como mecanismos

de contracontrole. Quando o poder das autoridades é grande demais

para represália ou fraude, a depressão assume o lugar.


Coerção e suas implicações - Sidman

terça-feira, 15 de setembro de 2020

A estética da degeneração mental

Juntando-se a avaliação estética de atitudes sociais com o modelo médico é comum socialmente se julgar uma pessoa mentalmente degenerada (doente mental) por não adotar atitudes esteticamente bonitas. Tamanho o grau de medicalização que ninguém mais pode desagradar, ser desaprovado, ir contra a corrente, adotar atitudes socialmente feias sem isso ser considerado o sintoma de algum defeito no cérebro. Uma atitude feia socialmente é apenas uma atitude feia socialmente. Não é necessário uma avaliação nazista da estética da degeneração mental no pacote. O grau de normalização exigido é altíssimo. Isso é resultado da cultura psi e de engenharia social.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Scientific Breakthrough, or Broad-Based Delusion?

http://www.pnmedycznych.pl/wp-content/uploads/2014/08/pnm_2013_010-021.pdf

Scientific Breakthrough, or Broad-Based Delusion?

Medicalization of Depression, Anxiety, Schizophrenia, ADHD, Childhood Bipolar Disorder and Tantrums: Scientific Breakthrough, or Broad-Based Delusion?


Department of Psychology, Marshall University, USA Head of Department: Steven P. Mewaldt, PhDSummary

Clearly, a number of psychological and behavioral disorders arise within our biology. These include autism, Down’s syn-drome, those due to toxin exposure, metabolic and endocrine difficulties, and several others. In contrast, there is minimal re-search evidence to support biological origins of the vast number of common disorders such as depression, anxiety disorders, schizophrenia or child problems such as conduct disorders, attention deficit hyperactivity disorder (ADHD), childhood bipolar disorder, oppositional behaviors or tantrums. These disorders have been medicalized when, in the absence of supportive research evidence, they are said to be caused by genetic defects, chemical imbalances or other biological phenomena.The roots of contemporary medicalization in the U.S. are traced to two primary factors – psychiatry’s efforts to re-gain lost sta-tus, and profit motive in the pharmaceutical industry. Given that both psychiatry and the drug industry are global enterprises, medicalization threatens to escape the boundaries of the U.S. and spread to other nations. There are a number of unfortunate by-products of medicalization including patients’ feelings that there is less hope for improvement and increased community prejudice, when disorders are thought to be rooted in biology. Another by-product is that validated behavioral treatments may be overlooked, as drugs with unfortunate side effects become the treatment of choice. Research in support of biological causa-tion is discussed and found to be relatively weak. Efforts at pushback against medicalization are discussed.

Key words: medicalization, psychiatry, pharmaceutical industry, drug industry

Psychopathology According to Behaviorism: A Radical Restatement

 Psychopathology According to Behaviorism: A Radical Restatement

 https://revistas.ucm.es/index.php/SJOP/article/download/SJOP0404220171A/29234

Abstract

This article is a radical restatement of the predominant psychopathology, which is characterized by nosological systems and by its approach towards a neurobiological conception of the so-called mental disorders. The “radical” sense of this restatement is that of radical behaviorism itself. As readers will recall, “radical” applied to behaviorism means total (not ignoring anything that interests psychology), pragmatic (referring to the practical sense of knowledge), and it also derives from the Latin word for “root” (and thus implies change beginning at a system's roots or getting to the root of things, in this case, of psychological disorders). Based on this, I introduce the Aristotelian distinction of material and form, which, besides being behaviorist avant la lettre, is used here as a critical instrument to unmask the hoax of psychopathology as it is presented. The implications of this restatement are discussed, some of them already prepared for clinical practice.

[Artigo incrível]

domingo, 13 de setembro de 2020

The Marketing of the New Bipolar Disorder

The concept of bipolar disorder has undergone a transformation over the last two decades. Once considered a rare and serious mental disorder, bipolar disorder is being diagnosed with increasing frequency in Europe and North America, and is suggested to replace many other diagnoses. The current article shows how the modern concept of bipolar disorder has been created in the course of efforts to market new antipsychotics and other drugs for bipolar disorder, to enable these drugs to migrate out of the arena of serious mental disorder and into the more profitable realm of everyday emotional problems. A new and flexible notion of the condition has been created that bears little resemblance to the classical condition, and that can easily be applied to ordinary variations in temperament. The assertion that bipolar disorder is a brain disease arising from a biochemical imbalance helps justify this expansion by portraying drug treatment as targeted and specific, and by diverting attention from the adverse effects and mind-altering properties of the drugs themselves. Childhood behavioural problems have also been metamorphosed into “paediatric bipolar disorder,” under the leadership of academic psychiatry, with the assistance of drug company financing. The expansion of bipolar disorder, like depression before it, medicalises personal and social difficulties, and profoundly affects the way people in Western nations conceive of what it means to be human.

https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1363461514530024?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori%3Arid%3Acrossref.org&rfr_dat=cr_pub++0pubmed&

 

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A reforma psiquiátrica e seus críticos: doença mental

A reforma psiquiátrica e seus críticos:considerações sobre a noção de doença mental e seus efeitos assistenciais
[Artigo incrível resumido]

Além de desqualificar serviços sem prova empírica, essa afirmação se baseia na ideia de que os profissionais dos serviços de base comunitária pensam que o padecimento do paciente é apenas uma situação social. Os CAPS, de fato, levam muito em conta os aspectos sociais implicados no adoecimento psíquico, como os laços sociais e familiares, a relação com a vizinhança, os vínculos de trabalho e cooperação, as trocas amistosas e amorosas. A razão disso, ao lado da defesa da cidadania devida a todos, é que os laços sociais podem ser foco de tensão e desestabilização, mas também podem se tornar fatores protetores, evitando o agravamento, ajudando na recuperação e no cuidado. Entretanto, esse entendimento não desconsidera os aspectos individuais, sejam eles biológicos ou psicológicos do adoecimento.

Acreditamos que o debate sobre política de cuidados psiquiátricos no Brasil possui pressupostos sobre a noção de patologia mental que não estão explicitados. 

Uma das questões centrais da crítica à reforma no Brasil baseia-se na ideia de que os hospitais psiquiátricos são imprescindíveis na composição da rede de saúde mental. Como o processo de reforma contesta essa ideia e vem gradativamente reduzindo o tamanho e o número de hospitais (BRASIL, 2011, p. 16), logo estaria havendo desassistência e “despsiquiatrização” (ABP, 2006, p. 21-23). Esse argumento é, por assim dizer, defensivo. Pretende defender uma estrutura de tratamento, visto como local privilegiado da terapêutica e do ensino. Essa defesa, em geral, se segue uma estratégia de ataque. O alvo desse ataque são os serviços que estão ocupando o posto estratégico na organização da rede assistencial e atendimento a casos graves, que antes da reforma seguiam para hospitais psiquiátricos, os centros de atenção psicossocial (CAPS). 

A diferença fundamental com relação ao modelo centrado no hospital psiquiátrico é que a gravidade sintomática não é considerada um fator impeditivo para o uso de um serviço comunitário aberto, visando à reinserção social possível ao lado do tratamento farmacológico e psicológico disponível. 

Estruturas hospitalares com grande número de leitos tendem a gerar exclusão, estigma, exposição à violência, longo tempo de internação e baixo potencial terapêutico (CFP; OAB, 2004). O foco da assistência concentra-se quase que exclusivamente na medicação, muitas vezes de forma excessiva, além do uso errático de estratégicas psicossociais e ausência de projetos terapêuticos individualizados e consistentes.2 

Entretanto, a defesa do hospital psiquiátrico como local de atendimento, ensino e pesquisa é desprovida de justificativas científicas. Embora não haja estudos profundos sobre o tema, nada impede que os serviços de base comunitária possam suprir a demanda por formação, pesquisa e treinamento, e com maior capilaridade no território nacional. Mais importante que o hospital especializado é a equipe de trabalho coesa, a complexidade do ambiente terapêutico, a disponibilidade de medicamentos, a prontidão do acolhimento e o respeito integral aos direitos de cidadania que definirão a qualidade da assistência e do ensino. 

Hoje, um dos principais problemas da psiquiatria concerne à validade de determinadas categorias diagnósticas, sendo um tópico discutido intensamente pelos profissionais sem obtenção de consenso. A acalorada discussão sobre o DSM-V demonstra a dificuldade. Associado a isso, estudos indicam a probabilidade muito grande de diagnósticos falso-positivos em testes de screening (rastreamento de diagnósticos), principalmente em crianças (HORWITZ; WAKEFIELD, 2009). O risco apontado é que muitos diagnósticos seriam equivocados, gerando estigma e medicalização sem nenhuma garantia de benefícios cientificamente reconhecidos. Esse risco seria ainda maior com questionários simplificados e padronizados na atenção primária. Em resumo, as propostas de mudanças do modelo assistencial preconizadas pela ABP mostram-se redundantes ou inconsistentes. Defende-se a manutenção de um local de tratamento que mostrou seu esgotamento, enquanto se aponta para a criação de serviços alternativos já existentes. Criticam-se equipes e serviços sem conhecer seu funcionamento efetivo. E afirmam-se pontos de vista sem justificá-los científica ou filosoficamente.

Os avanços nas pesquisas em neurociências são importantes para o conhecimento de aspectos fundamentais dos transtornos mentais e tem avançado rapidamente. Entretanto, a afirmação acima, defendida como um princípio contém problemas que necessitam ser explicitados, pois, caso contrário, corremos o risco de começarmos a fazer afirmações ideológicas, chamando-as inapropriadamente de científicas.

[Neurociências] É um campo de pesquisa novo, multiforme e ainda não coeso (MALABOU, 2004). Mesmo assim, os autores se referem às neurociências como um campo homogêneo, passando ao largo das dificuldades próprias dos pesquisadores da área.

Um dos princípios contido em “Diretrizes” afirma que a prática psiquiátrica deriva de “conhecimentos científicos que foram se construindo na base de estudos científicos rigorosos”, sendo que esses estudos “contrastam e se opõem às interpretações discursivas e impressionistas dos fenômenos psíquicos e dos problemas do funcionamento mental” (ABP, 2006, p. 7). Embora se afirme também que “é tarefa da Psiquiatria Científica e da sua pesquisa, bem como de outras especialidades médicas e de outras ciências da saúde e do homem, investigar suas causas, diagnósticos e tratamentos mais efetivos e seguros” (ABP, 2006, p. 7), as ciências do homem, contraditoriamente, estão excluídas do processo, pois seus estudos científicos são baseados em narrativas e interpretações discursivas. Não poderia ser de outro modo.

Da mesma forma, o que seria uma psiquiatria científica? Ela se oporia a uma psiquiatria discursiva? As pesquisas de causas de doenças mentais e seus tratamentos estariam restritas a uma única descrição dos fatos mentais? Os autores das “Diretrizes” não explicitam até que ponto a investigação da rede causal dos problemas psíquicos está sendo levada em conta. Se a causalidade considerada válida se concentra apenas no nível biológico ou se a rede causal deve ser ampliada a uma gama mais ampla de causalidades possíveis. Em resumo, os autores não deixam claro quais são suas próprias redes de crenças sobre o mental.

Existem duas questões embutidas na afirmação acima. A primeira diz respeito aos fatores determinantes dos transtornos mentais. A segunda questão é sobre a relação entre cérebro e psiquismo. Observemos melhor cada um desses pontos. Com respeito à primeira questão, quando falamos em doença, quando a descrevemos, catalogamos, explicamos suas origens e propomos tratamentos, estamos falando de uma experiência antropológica. Dentro dessa perspectiva, a doença é sempre uma produção humana, ela só existe sob descrição, como narrativa que visa a determinados fins em uma dada comunidade e em determinado contexto histórico.

A doença mental, nessa concepção (de Canguillhem), seria uma variação biológica e comportamental na experiência com o mundo e consigo mesmo que, sendo pouco normativa, impede o sujeito de variar suas respostas, empobrecendo seu repertório de ações e constrangendo a subjetividade na sua capacidade de ação. A experiência do adoecimento mental é, por assim dizer, o fiel da balança. É essa experiência que aponta para o pathos, em que a narrativa do paciente sobre seu adoecimento possibilita que a clínica se construa. Toda explicação científica repousa sobre essa experiência e sobre a relação clínica. É em função dessa experiência que as descrições psiquiátricas e as teorias causais se fundamentam. A enfermidade psíquica só é identificada como doença após a percepção da dificuldade normativa ter se estabelecido na consciência de quem sofre e devido à incapacidade de variar suas respostas comportamentais em decorrência da infidelidade do meio. Ela não é, portanto, nem uma entidade prévia à experiência de constrangimento vital de um indivíduo, nem um dado bruto da realidade independente da descrição realizada, descrição essa informada por valores e crenças.
 
O problema central, entretanto, repousa na concepção subjacente de que os únicos estudos válidos para a prática psiquiátrica são os que advêm da biologia molecular, da neuroimagem e da genética. Está implícita nessa ideia a crença de que podemos dispensar abordagens discursivas do sofrimento mental sem perdas significativas. Esse é um princípio propriamente fisicalista e reducionista, que defende que a única teoria psiquiátrica válida é aquela que descreve as patologias mentais como alterações cerebrais. Há nessa vertente um enfoque exclusivo no cérebro, não apenas como órgão privilegiado de estudos e intervenção, mas como entidade que explicaria todo e qualquer evento mental normal ou patológico. Está implicada nessa posição a crença de que podemos abrir mão da aproximação do sofrimento mental através da linguagem psicológica, fenomenológica, psicanalítica ou sociológica da causalidade baseada em narrativas, em prol de descrições puramente fisicalistas. Essa maneira de abordar o adoecimento mental caracteriza-se pela busca de explicações causais dos problemas mentais exclusivamente através da descrição de alterações neuronais e genéticas. Seu pressuposto é o de um materialismo ontológico e reducionista (Cf. SERPA JR, 1998; BRENDEL, 2006; GHAEMI, 2003; RAMBERG, 2008). Vejamos melhor por que diversos autores criticam essa abordagem.

O materialismo ontológico-reducionista na psiquiatria pressupõe que possamos reduzir a mente ao cérebro, isto é, preconiza que tudo o que podemos dizer sobre a subjetividade através do vocabulário psicológico-narrativo pode ser formulado através do vocabulário neuronal-científico, o único que realmente tem a chave explicativa para os fenômenos mentais. As abordagens baseadas em narrativas são consideradas descrições subalternas porque o que está em jogo, de fato, é o constituinte físico do comportamento. Nesse tipo de descrição fisicalista, se buscaria uma identidade tipo a tipo (identidade type-type) entre a descrição neuronal e a mental, isto é, eventos mentais se relacionariam a eventos cerebrais de maneira específica, circunscrita e unicausal. A mente, nas suas diferentes expressões, seria um efeito do cérebro. Portanto, as teorias sobre fenômenos psíquicos descritas no vocabulário subjetivo errariam o alvo, porque buscariam nessas expressões imprecisas e superficiais as causas patológicas que, na verdade, estariam no nível mais profundo, o nível neuronal, genético ou molecular.

Entretanto, para pensamentos, sentimentos, sensações e afetos tais como o prazer, dor, angústia, delírio ou depressão faltam eventos cerebrais delimitados correspondentes (BRENDEL, 2006, p. 87). Mesmo que observemos áreas cerebrais ativadas com determinada emoção ou cognição, não podemos afirmar que a causalidade é sempre cerebral, mas apenas que ela é concomitante ao evento. Existem evidências de eventos cerebrais alterando a subjetividade, assim como eventos interpessoais alterando padrões neuronais (FUCHS, 2012). Mas, em geral, o surgimento de emoções, sentimentos e pensamentos é contextual e relacional, ocorre com um indivíduo na relação com um meio que é específico, marcado por sua biografia (KIRMAYER; GOLD, 2012). Com isso podemos dizer que o cérebro é necessário e concomitante ao evento, mas não que ele explica ou causa o evento.

Como mostra Ramberg (2008), os vocabulários utilizados nas descrições da subjetividade e do cérebro são muito diferentes. Vocabulários são construídos diferentemente porque possuem propósitos diversos, suas proposições lidam com problemas que são descritos com mais eficácia naqueles termos e não em outros. Embora seja logicamente aceitável, e até provável, que eventos mentais sejam concomitantes a eventos cerebrais e vice-versa, descrever exclusivamente os problemas mentais como alterações cerebrais pode ser uma maneira de enfatizar o lado errado da equação. Pode ser apenas uma maneira de interromper o diálogo clínico, sendo que esse diálogo só poderá ser adequadamente construído sobre um contexto que se baseia em narrativas, interpretações e abordagens “impressionistas”.

É toda essa estrutura contextual e relacional que se perde ao reduzir a descrição mental à descrição neuronal. E essa perda implica uma psiquiatria amputada de suas características humanistas e uma equiparação indevida do indivíduo ao seu cérebro. Além disso, a abordagem fisicalista-reducionista dispensa a possibilidade de níveis hierárquicos de organização do mental, pelos quais diferentes estratos de organização possuiriam regras de causalidade próprias. Como mostram Kirmayer e Gold (2012) e Fuchs (2012), a base neuronal serve de apoio e precede cronológica e logicamente organizações mentais fenomenológicas, simbólicas e linguísticas, que por sua vez organizam formas de sociabilidade complexas. Os autores defendem, portanto, que a melhor maneira de compreender os fenômenos mentais deve englobar sistemas hierárquicos que envolvem o cérebro, a linguagem e a sociedade. Cada sistema emergindo com a complexificação do sistema anterior, com funcionamentos específicos e influenciando-os reciprocamente (KIRMAYER; GOLD, 2012; SERPA JR, 2011).

Essa maneira de estudar o fenômeno mental e a doença psiquiátrica leva em conta os vários níveis de complexidade e a forma como eles interagem. As dimensões genéticas e neuronais produzem a abertura para o simbólico e o social. Cada sistema opera num nível ontológico próprio, que descrevemos com mais ou menos acurácia pragmática. E cada sistema afeta o outro em algum nível de profundidade. Os processos epigenéticos, pelos quais o ambiente modula e altera a expressão dos genes, e os fatores sociais, culturais, familiares e simbólicos que expõem vulnerabilidades herdadas disparando processos psicopatológicos, são exemplos dessa inter-relação. Embora, evidentemente, existam processos que são descritos e manejados dentro de determinado nível com grau importante de clareza e perícia, de maneira suficiente e independente (KIRMAYER; GOLD, 2012). As patologias mentais envolveriam processos neurobiológicos (genes, moléculas e neurônios), corporais (fenomenológico-intencionais) e simbólicos (interpessoais e sociais) numa interação complexa e circular.

Nosso ponto de vista é que estudos neurobiológicos não se opõem às interpretações discursivas. É aceitável um materialismo metodológico, isto é, a redução, para estudo empírico e circunstancial, do sujeito humano a uma descrição fisicalista com vistas à produção de um discurso que vise estudar e manejar comportamentos com alto grau de sofrimento. A abordagem biológica, na perspectiva do materialismo metodológico, é uma possibilidade descritiva como qualquer outra. É um procedimento útil e interessante, mas que não elimina outras abordagens do fenômeno psíquico.

O materialismo não-reducionista pressupõe que sem a narratividade, sem a descrição do sofrimento em termos psicológicos, ocorreria uma indesejável restrição descritiva. Termos como “desejos”, “crenças” e “fantasias” são constitutivos da rede linguística que nos estrutura, mas são fundamentais não apenas porque sua eliminação levaria ao empobrecimento subjetivo, mas porque impossibilitaria fazer uma boa clínica.

No início deste trabalho, ressaltamos a frase crítica das “Diretrizes” dirigida à atual política de saúde mental, em que a palavra “realmente” era colocada no contexto de que alguns profissionais tratam mais do que outros, isto é, aqueles que “realmente” tratam. Esse, digamos, é um implícito não pensado, e pernicioso. Se tivermos seriedade na discussão sobre a rede causal dos problemas mentais, portanto, de influências complexas e circulares na produção dos transtornos mentais, deixa de fazer sentido a prioridade de um ramo de conhecimento e de investigação sobre outro. Quem trata? Todos que se inserem nas relações de um paciente com seu mundo subjetivo e objetivo produzindo alterações na ampla rede causal: neuronal, fenomenal, simbólica e social.

Finalmente, é fundamental considerar que, historicamente, a psiquiatria se constituiu como uma tentativa de nunca pronunciar a incurabilidade de um paciente (GAUCHET; SWAIN, 1999), de nunca renunciar ao potencial saudável da mente de cada indivíduo. A psiquiatria nasceu como um produto das melhores esperanças utópicas. Portanto, os serviços postos em marcha pela reforma, dentro dessa perspectiva, devem ser considerados os legítimos herdeiros da melhor tradição pineliana.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

O que seleciona a psiquiatria biológica?

Algumas reflexões tentando relacionar as práticas da psiquiatria biológica com o conceito de metacontingências:

Conceito de metacontingência: (contingências entrelaçadas recorrentes + produto agregado) -> Seleção

Contingências entrelaçadas recorrentes: práticas da indústria farmacêutica, dos hospitais psiquiátricos e da indústria de equipamentos médicos.

Produto agregado: serviços médicos, medicalização, ingestão de drogas psiquiátricas, internações psiquiátricas e sessões de eletroconvulsoterapia.

[Seria preciso uma análise muito mais minuciosa das relações contingentes entre eventos]

Acredito que as intervenções relacionadas à psiquiatria biológica ou modelo biomédico na saúde mental são práticas sociais selecionadas (consumida por pessoas) porque os problemas de sofrimento psicológico ou de comportamento não são resolvidos de outras maneiras e no desespero as pessoas fazem qualquer coisa para tentar resolver seus problemas. A assimetria de informação (conceito da economia) sobre os possíveis riscos de medicalizar o sofrimento psicológico ou comportamentos e da ineficácia das drogas psiquiátricas também é um fator importante no consumo de serviços médicos psiquiátricos.

Mesmo quando os problemas são resolvidos o discurso psiquiátrico ainda ameaça de ruína quem não seguir cegamente os conselhos dos médicos psiquiatras (ameaça de cronificação, morte e marginalização). Essa prática social é organizada devido à renda previsível e estável fornecida pelo cliente a longo prazo e é selecionada porque há assimetria de informação (conceito da economia) sobre a necessidade de uso contínuo do serviço médico.

Aquilo que leva a ganhar dinheiro tem forte impacto selecionador de práticas sociais. Logo, práticas sociais são organizadas visando o lucro em primeiro lugar em detrimento de práticas mais sóbrias e éticas. 

A organização de práticas sociais sociais visando o lucro por parte dos psiquiatras biológicos é demonstrada no livro Psiquiatria sob influência do autor Robert Whitaker. 

A prática de medicar ao invés de fazer psicoterapia é selecionada pois é possível fazer consultas mais curtas e em maior quantidade e também cobrar mais pelas consultas. Também porque com a prática privativa de prescrever medicamentos, internações psiquiátricas e eletroconvulsoterapia sendo uma atribuição somente do médico é possível fortalecer e manter a assimetria de informação (conceito da economia).

A prática de banalizar internações psiquiátricas é selecionada devido ao alto custo do procedimento. Também a prática da eletroconvulsoterapia é selecionada devido ao alto custo do procedimento e do equipamento.

A corrupção envolvida na organização dessas práticas e o resultado ineficaz/prejudicial está sendo atualmente bastante denunciado por profissionais e pessoas prejudicadas. Esses resultados ineficazes e prejudiciais constituem uma ferida social não resolvida. Profissionais ou pessoas afetadas buscam justiça e trabalham para que essas práticas sejam menos consumidas ou para que a organização das práticas sejam mais éticas. A tendência histórica é fazer o mesmo que foi feito com a indústria do tabaco (fumo).

Observação:

As práticas psi (psiquiátricas e psicológicas) de controle social são selecionadas (consumidas) porque é do interesse de pessoas envolvidas (os pacientes, os familiares ou outra subcategoria da classe pessoas) ajam de maneira socialmente esperada segundo os critérios dessas pessoas ou critérios gerais da sociedade.

As práticas psi (psiquiátricas e psicológicas) também são selecionadas (consumidas) visando eficiência e competência no manejo de situações e emoções.

domingo, 6 de setembro de 2020

Possíveis usos do blogue

- Formação de profissionais e diálogo entre profissionais de diferentes áreas

- Superar assimetria de informação entre profissionais e clientes; melhor escolha de profissionais

- Faça você mesmo: entender os assuntos por si mesmo para resolver problemas sozinho; lidar com familiares e profissionais

- Aumento de influência política e social desse tipo de conhecimento; formação de usuários e ex-usuários

terça-feira, 1 de setembro de 2020

O reforçamento positivo em instituições

Aqueles que representam ameaças para si mesmos ou para a

sociedade em geral, freqüentemente, são entregues às instituições.

Ali, permitimos a eles apenas relações sociais limitadas, privamos os

mesmos de liberdade de movimento e de oportunidades de tomar

decisões; proibimos, ainda, a maioria das comodidades que eles

desfrutariam no mundo exterior. Freqüentemente justificamos estas

instituições como instrumentos para mudanças benéficas: "escolas"

para deficientes supostamente ensinam a seus alunos novas habili-

dades para ajudá-los a superar suas limitações, "hospitais" para

doentes mentais supostamente curam-nos, "instituições" correcio-

nais supostamente reabilitam infratores.

Entretanto, a localização destas instalações em áreas relati-

vamente despovoadas e de difícil acesso (pelo menos inicialmente,

antes que as cidades ou subúrbios tenham crescido à sua volta)

indicam o que realmente pretendemos com elas. Espera-se que elas

mantenham o retardado, o louco e o criminoso fora de circulação.

Entregamos estas instalações "humanas" a membros de profissões

assistenciais — médicos, enfermeiros, psicólogos, analistas do com-

portamento, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, professores, assistentes

sociais e funcionários penitenciários — e lavamos nossas mãos dos

problemas.

Seu isolamento geográfico, seus muros, grades, portões e

torres de segurança e a tendência pública de ignorar o simples fato

de sua existência deixam essas instituições quase que completamen-

te sem controle externo. Sejam quais forem os impulsos humanitá-

rios que possam de início ter gerado seu estabelecimento, sua isen-

ção da obrigatoriedade de prestar contas ao público transforma a256

Murray Sidrrvan

maioria delas em um pouco mais dos que depósitos para os social-

mente desajustados. As prioridades imediatas das equipes de fun-

cionários, a conveniência administrativa, a docilidade do interno e a

obediência às normas e regulamentos substituem os objetivos edu-

cacionais, terapêuticos ou correcionais de longo prazo. A coerção

torna-se a técnica preferida para fazer os internos "se comportarem".

Uma instituição que funciona principalmente para o benefí-

cio do corpo de funcionários dá pouca importância aos nocivos efei-

tos colaterais da coerção. Desta forma, encontramos a predominân-

cia da coerção no tratamento de pessoas retardadas, dos doentes

mentais e de criminosos de todos os tipos. Quando a pressão públi-

ca ou judicial por reforma surge efetivamente, ela é efêmera e geral-

mente ineficaz, já que concentra a atenção nas instalações físicas e

nos procedimentos administrativos. Raramente uma investigação

avalia de fato a racionalidade e a aplicação das técnicas de controle

do comportamento. Por causa da incompreensão e da incompetên-

cia, alguns dirigentes institucionais e membros das profissões assis-

tenciais deturpam e alteram o conceito de reforçamento, tornando-o

irreconhecível, tentando transformar até mesmo o reforçamento po-

sitivo em um instrumento de coerção.


Coerção e suas implicações - Sidman