É fundamental perceber que sociedade, em termos humanos, implica sempre a existência de uma linguagem de signos e símbolos mais elaborada. Esta linguagem não é “fechada” mas “aberta”, daí a própria possibilidade de evolução cultural da espécie. Posso aceitar a sugestão de Clifford Geertz de que a “cultura” programe os seus membros6, se for entendido como programar algumas indicações básicas de comportamento e não um determinismo do tipo que a biologia impõe à vida das abelhas ou das formigas, por exemplo. Assim, em qualquer sociedade ou cultura, existe uma permanente margem de manobra ou áreas de significado “aberto”, onde possam surgir comportamentos divergentes e contraditórios. Isto não é necessariamente “funcional”, pelo contrário, é a permanente possibilidade de destruição de um “estilo de vida”, de uma “ordem social”, ou de um “equilíbrio cultural”. Esta margem pode estreitar-se, ampliar-se muito rapidamente ou permanecer estável por gerações. As “áreas de significado aberto” podem ter sido umas na década de 1920 e serem outras contemporaneamente. O fato é que essas tensões, divergências ou contradições são próprias da natureza da cultura e do caráter altamente individualizado da espécie. A famosa limitada especialização biológica dos homens está indissoluvelmente associada ao fenômeno cultural e este, por definição, é sujeito a leituras ambíguas e divergentes. Não só camponeses comportam-se de forma diferente de burgueses mas “há aristocratas e aristocratas”. Ou seja, não só é preciso atentar para as diferentes visões de mundo dos grandes grupos sociais como também é preciso tomar cuidado com a tendência de homogeneizar, arbitrariamente, comportamentos dentro desses grupos. Uma das grandes contribuições que a Antropologia Social pode dar é a perspectiva de procura de generalizações sem entrar em esquemas deterministas ou reducionistas. O Admirável Mundo Novo parece um tratado de Sociologia justamente porque a maioria dos cientistas sociais lida com grupos, estratos ou classes como se eles fossem tão uniformes como os alfas, betas etc., de Huxley, quimicamente programados. Alguns dos piores pesadelos de ficção científica são aqueles que descrevem mundos dominados por androides, robôs etc. Certos livros de Ciências Sociais parecem antecipar esses terrores ao falarem esquematicamente, por exemplo, de “classe média”, sem problematizar sua composição e as particularidades de subgrupos. Pode parecer que estou pregando contra qualquer tentativa de generalização em Ciências Sociais, mas não é este o caso. Procuro chamar a atenção para um grande hiato existente entre estudos “individuais”, “psicologizantes” e grandes teorias sobre a natureza da sociedade, ou seja, o abismo entre a Psicologia, Psiquiatria etc. e as Ciências Sociais como um todo. Quero frisar que não assumo com Merton a defesa, pura e simples, de uma teoria de porte médio, mas preocupo-me com uma abordagem que não encare “psicológico” e “social” ou “cultural” como entidades intraduzíveis e antagônicas.
O estudo do comportamento desviante: a contribuição da antropologia social
GILBERTO VELHO
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