A farmacologia, ciência que estuda a ação de substâncias endógenas e exógenas no organismo, teve sua segunda grande expansão nessa época. Como ciência, está sujeita a valores próprios do conhecimento científico, assim como aos valores pessoais e sociais dos pesquisadores e do momento histórico. Desde os primórdios, uma das influências que recebeu foi da indústria farmacêutica, pois parte do seu desenvolvimento ocorreu dentro dela. Além de oferecer um produto para o tratamento de problemas de saúde, a indústria farmacêutica visa ao lucro, e esse aspecto não pode ser dissociado do desenvolvimento dos medicamentos.
Essa indústria se expandiu, ganhou espaço na prática biomédica e trouxe riscos para ela, como afirmam Goodman e Gilman na segunda edição do livro-texto (1955). Eles referem, também, que a farmacologia é área do conhecimento que interage com outras, influenciando e recebendo contribuições de diversas ciências básicas e da prática clínica. Embora hipóteses teóricas e pesquisas com drogas influenciem o desenvolvimento de novos fármacos, quem determina quais situações são de sofrimento e merecem ser tratadas ou não com medicamentos ainda é a prática clínica. Conforme nos lembra Canguilhem (2006, p.170-171), “a distinção entre a fisiologia e a patologia só tem, e só pode ter, um valor clínico”, ou seja, são os critérios clínicos que impulsionam o desenvolvimento da farmacologia.
Os aspectos históricos foram tema valorizado por Goodman e Gilman quando escreveram as primeiras edições. No decorrer dos anos, essa abordagem foi perdendo espaço até desaparecer quase completamente em sua última edição. Este estudo reafirma a importância desses aspectos na divulgação científica da farmacologia, que, no caso do livro-texto analisado, é parte da formação dos profissionais médicos e da área da saúde. A ‘não presença’ nas últimas edições dos aspectos históricos referentes à descoberta dos medicamentos, assim como a exclusão de aspectos sociais e econômicos que envolvem o desenvolvimento da farmacologia e dos medicamentos, pode estar refletindo a interferência de fatores externos à própria farmacologia, como, por exemplo, a crescente influência da indústria farmacêutica, ainda que essa relação não apareça explicitamente na análise do livro-texto.
A abordagem do contexto histórico e social, assim como a valorização da relação da farmacologia com as ciências básicas e clínicas, relativizando o papel dessa ciência frente a outras áreas do conhecimento, como acontecia nas publicações iniciais do livro de Goodman e Gilman, certamente pode contribuir para uma terapêutica médica mais humanizada e mais completa. Este estudo chama a atenção para o desaparecimento desses aspectos nas últimas edições do livro-texto, tornando a apresentação da farmacologia isolada de um contexto social mais amplo, algo que na vida prática dificilmente ocorre.
Farmacologia no século XX: a ciência dos medicamentos a partir da análise do livro de Goodman e Gilman
BITTENCOURT, Silvia Cardoso; CAPONI,
Sandra; MALUF, Sônia. Farmacologia no
século XX: a ciência dos medicamentos
a partir da análise do livro de Goodman
e Gilman. História, Ciências, Saúde –
Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.2,
abr.-jun. 2013, p.499-519.
Resumo
Analisa a apresentação da farmacologia
como ciência a partir do livro-texto
de Louis Goodman e Alfred Gilman
reeditado e reimpresso inúmeras vezes
entre 1941 e 2006. Nas primeiras edições,
a farmacologia é caracterizada como
a ciência das drogas, relacionando-se
com outras áreas do conhecimento; a
história do desenvolvimento das drogas,
a inserção dessa ciência no contexto
social e suas relações com a indústria
são destacadas. Nas outras edições,
esses aspectos são menos pontuados,
quase desaparecendo na 11 a (2006).
A abordagem dos aspectos históricos
pode contribuir para a compreensão do
desenvolvimento da farmacologia, assim
como a abordagem das relações com a
indústria e a sociedade é importante para
refletir sobre os critérios de utilização dos
medicamentos.
Palavras-chave: história dos
medicamentos; história da farmacologia;
ensino de farmacologia; análise de
discurso; indústria de medicamentos.
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