Paulo Amarante - O tratamento convencional ainda se 
baseia no conceito de alienação, criado por Philippe Pinel, o pioneiro 
da psiquiatria, o que significa estar fora de si, incapaz de perceber a 
realidade. No período do revolucionário francês Pinel essa condição era 
muito importante. Era a época do Iluminismo. Esse conceito foi criado 
para proteger, mas, na prática, ele discriminava porque dizia: “esse 
sujeito não é um sujeito da razão”, já que distúrbio na razão o impedia 
de ser cidadão. E essa idéia ainda é a base da psiquiatria. Depois, veio
 o conceito de doença mental, que significa desordem de algum órgão, mas 
qual é esse órgão? “Doença mental” é o oposto de Saúde Mental? É 
complicado. Há 20 anos esse conceito também foi abandonado porque ele 
faz referência a uma idéia de doença que se compara à medicina física e 
não tem similar, embora a psiquiatria ainda busque um distúrbio no nível
 neurotransmissores, mas não encontra. E às vezes, encontra esse mesmo 
distúrbio em pessoas ditas normais, o que complica mais ainda. Agora o 
termo oficialmente adotado é transtorno mental.
Mas o que é transtorno? É estar fora de si. Voltamos ao termo que 
lembra a exclusão. Para tratá-lo, é necessário usar um modelo 
correcional com tratamentos punitivos, coercitivos, próprios das 
instituições carcerárias. Os hospitais psiquiátricos e as instituições 
carcerárias são praticamente iguais. Uma visa à restauração moral, a 
penitência. São reformas de comportamentos, de penitência, restauração 
moral. Dessa forma, discurso se baseia na segregação do indivíduo, cuja 
recuperação estaria numa instituição que por si só é terapêutica. Então,
 o argumento é que a ordem moral, a penitência, a disciplina, o respeito
 à hierarquia, todo esse ritual de submissão (você sabe com quem está 
falando?) ajuda o indivíduo.
Paulo Amarante - Hoje ainda permanecem o eletrochoque, a intervenção medicamentosa,
 etc. A resisência à mudança desse comportamento é a resistência 
conservadora. É a que defende a segregação, a discriminação do outro 
pela cor, pela sexualidade, pela religião. E o ideal psicológico, 
social, biológico de divisão da sociedade. Eu aproximaria essa visão da 
eugenia, das visões racista e fascista onde você tem um mundo em que o 
diferente ou algo que ameace uma certa norma social é segregado. E há os
 interesses que se organizaram em torno desse mercado: é a indústria da 
loucura, como chamava o Carlos Gentile de Mello, num país que teve a 
medicina privatizada depois do golpe militar de 1964. A questão da 
indústria farmacêutica é muito complexa. Por um lado, interessa esse 
novo modelo. Por quê? Existem os medicamentos que nós chamamos de DEPOT 
que evitam a internação. Existem também os que eles chamam na propaganda
 de medicamentos de ressocializantes, que incentivam a automedicação 
(estresse, transtorno de pânico, etc). Por outro lado, eles precisam da 
categoria médica, seus prescritores. As alianças que em boa parte estão 
vinculadas aos centros acadêmicos conservadores ligados à linha 
tradicional e que fazem seus congressos, seus livros e até suas 
pesquisas acadêmicas financiados pela indústria farmacêutica. E a 
aliança cria essa contradição.
Paulo Amarante - Há também algumas universidades 
que apresentam uma visão conservadora. Não é a maioria, porque estamos 
conseguindo entrar nesses espaços. Existe um saber dentro desses espaços
 que está por trás do pensamento conservador. Diz que o transtorno 
mental é, em última instância, um transtorno orgânico - discussão 
presente no embate ideológico entre a luta antimanicomial e a psiquiatria 
organicista.). 
Nenhum comentário:
Postar um comentário