Pacientes produtores ativos de saúde (prosumo)

Essa avalanche de informações e conhecimento relacionada à saúde e despejada todos os dias sobre os indivíduos sem a menor cerimônia varia muito em termos de objetividade e credibilidade. Porém, é preciso admitir que ela consegue atrair cada vez mais a atenção pública para assuntos de saúde - e muda o relacionamento tradicional entre médicos e pacientes, encorajando os últimos a exercer uma atitude mais participativa na relação. Ironicamente, enquanto os pacientes conquistam mais acesso às informações sobre saúde, os médicos têm cada vez menos tempo para estudar as últimas descobertas científicas ou para ler publicações da área - on-line ou não -, e mesmo para se comunicar adequadamente com especialistas de áreas relevantes e/ou com os próprios pacientes. Além disso, enquanto os médicos precisam dominar conhecimentos sobre as diferentes condições de saúde de um grande número de pacientes cujos rostos eles mal conseguem lembrar, um paciente instruído, com acesso à internet, pode, na verdade, ter lido uma pesquisa mais recente do que o médico sobre sua doença específica. Os pacientes chegam ao consultório com paginas impressas contendo o material que pesquisaram na internet, fotocópias de artigos da Physician's Desk Reference, ou recorte de outras revistas e anuários médicos. Eles fazem perguntas e não ficam mais reverenciando a figura do médico, com seu imaculado avental branco. Aqui as mudanças no relacionamento com os fundamentos profundos do tempo e conhecimento alteraram completamente a realidade médica. Livro: Riqueza Revolucionária - O significado da riqueza no futuro

Aviso!

Aviso! A maioria das drogas psiquiátricas pode causar reações de abstinência, incluindo reações emocionais e físicas com risco de vida. Portanto, não é apenas perigoso iniciar drogas psiquiátricas, também pode ser perigoso pará-las. Retirada de drogas psiquiátricas deve ser feita cuidadosamente sob supervisão clínica experiente. [Se possível] Os métodos para retirar-se com segurança das drogas psiquiátricas são discutidos no livro do Dr. Breggin: A abstinência de drogas psiquiátricas: um guia para prescritores, terapeutas, pacientes e suas famílias. Observação: Esse site pode aumentar bastante as chances do seu psiquiatra biológico piorar o seu prognóstico, sua família recorrer a internação psiquiátrica e serem prescritas injeções de depósito (duração maior). É mais indicado descontinuar drogas psicoativas com apoio da família e psiquiatra biológico ou pelo menos consentir a ingestão de cápsulas para não aumentar o custo do tratamento desnecessariamente. Observação 2: Esse blogue pode alimentar esperanças de que os familiares ou psiquiatras biológicos podem mudar e começar a ouvir os pacientes e se relacionarem de igual para igual e racionalmente. A mudança de familiares e psiquiatras biológicos é uma tarefa ingrata e provavelmente impossível. https://breggin.com/the-reform-work-of-peter-gotzsche-md/

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Prescrição de norma reificada

[...] isso num meio em que a [...] é uma norma prescritiva e está reificada e inscrita nas formas absolutas e "naturais" do comportamento.

Carnavais malandros e heróis. Roberto DaMatta.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Todo mundo é behaviorista inadvertido

Mesmo que tomem o behaviorismo radical e a análise do comportamento como apenas construções teóricas de um grupo ou utilizem outro tipo de linguagem, todas as pessoas estão lidando com o comportamento e manejando seus fenômenos o tempo todo. Todos tem suas percepções (discriminações e  generalizações) ou estratégias de como manejar comportamentos. Quando a percepção é muito primitiva, prejuízos significativos ocorrem.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Medicalização e compto. explicativo

A grande difusão da medicalização das dificuldades em saúde mental é resultado da falta de acesso aos eventos longitudinais da história de vida, das diferentes áreas da vida no presente e da falta de preparo conceitual para relacionar esses eventos com as manifestações do comportamento e da falta de preparo para usar essas relações para modificação das manifestações do comportamento. Da perspectiva ingênua ou não preparada conceitualmente, o acesso e compreensão diz respeito às manifestações observáveis da fala, das emoções e dos "comportamentos" e sua relação com a concretude do cérebro. Essa perspectiva é a mais simples (que precisa de menos preparo) e por isso é muito difundida. Mesmo profissionais ou as pessoas que conhecem a própria vida podem não serem capazes de fazer essas relações. É uma tarefa mais complexa e sofisticada relacionar esses eventos e fazer o manejo dos eventos para promover as aprendizagens que regulam a fisiologia (também apenas imediatamente observável e por isso medicalizada) e que alteram o repertório da pessoa conforme a necessidade (desmedicalização).

Logo, além da força econômica da indústria da medicalização ser um fator de reprodução dessa manifestação social, essa força econômica também é algo a ser explicado por essa falta de preparo para substituir as explicações internalistas (modelo médico em saúde mental).

Tornar-se gênio (Bertrand Russel)

Bertrand Russel

COMO SE TORNAR UM HOMEM DE GÊNIO



Se houver entre meus leitores algum rapaz ou moça que aspire a se tornar líderes de pensamento em sua geração, espero que evitem certos erros nos quais caí na juventude por falta de bons conselhos. Quando desejava formar uma opinião sobre um assunto, costumava estudá-lo, pesar os argumentos de diferentes lados e tentar chegar a uma conclusão equilibrada. Desde então, descobri que essa não é a maneira de fazer as coisas. Um homem de gênio sabe tudo sem a necessidade de estudo; suas opiniões são pontifícias e dependem, para serem persuasivas, do estilo literário, e não do argumento. É preciso ser unilateral, pois isso facilita a veemência que é considerada uma prova de força. É essencial apelar para preconceitos e paixões de que os homens começaram a se envergonhar e fazer isso em nome de alguma nova ética inefável. É bom criticar as mentes lentas e mesquinhas que exigem evidências para chegar a conclusões. Acima de tudo, o que há de mais antigo deve ser apresentado como o que há de mais moderno.

Não há novidade nesta receita de genialidade; foi praticado por Carlyle no tempo de nossos avós, e por Nietzsche no tempo de nossos pais, e foi praticado em nosso próprio tempo por DH Lawrence. Lawrence é considerado por seus discípulos como tendo enunciado todo tipo de nova sabedoria sobre as relações entre homens e mulheres; na verdade, ele voltou a defender a dominação do homem que se associa aos habitantes das cavernas. A mulher existe, em sua filosofia, apenas como algo macio e gordo para descansar o herói quando ele retorna de seus trabalhos. As sociedades civilizadas aprenderam a ver algo mais do que isso nas mulheres; Lawrence não terá nada de civilização. Ele vasculha o mundo em busca do que é antigo e sombrio e ama os vestígios da crueldade asteca no México. Rapazes, que estavam aprendendo a se comportar, naturalmente o lêem com prazer e saem praticando coisas de homem das cavernas tanto quanto os costumes da sociedade educada permitem.

Um dos elementos mais importantes para o sucesso em se tornar um homem de gênio é aprender a arte da denúncia. Você deve sempre denunciar de forma que seu leitor pense que é o outro sujeito que está sendo denunciado e não ele mesmo; nesse caso, ele ficará impressionado com seu nobre desprezo, ao passo que, se pensar que é ele mesmo que você está denunciando, considerará que você é culpado de mau humor. Carlyle observou: "A população da Inglaterra é de vinte milhões, a maioria tolos." Todos que leram isso se consideraram uma das exceções e, portanto, gostaram da observação. Você não deve denunciar classes bem definidas, como pessoas com mais de uma certa renda, habitantes de uma determinada área ou crentes em algum credo definido; pois se você fizer isso, alguns leitores saberão que sua invectiva é dirigida contra eles. Você deve denunciar pessoas cujas emoções estão atrofiadas, pessoas a quem apenas um estudo árduo pode revelar a verdade, pois todos sabemos que são outras pessoas e, portanto, veremos com simpatia seu poderoso diagnóstico dos males da época.

Ignore o fato e a razão, viva inteiramente no mundo de suas próprias paixões fantásticas e produtoras de mitos; faça isso de todo o coração e com convicção, e você se tornará um dos profetas de sua época.

28 de dezembro de 1932

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Loucura (Faulkner) Literatura

 Às vezes não tenho tanta certeza de quem tem

o direito de dizer quando uma pessoa está louca e quando não. Às vezes penso que nenhum de nós é totalmente louco e que nenhum de nós é totalmente são até que nosso equilíbrio diga ele é desse jeito.

É como se não importasse o que o sujeito faz, mas a forma como a maioria das pessoas o vê quando ele faz.

WILLIAM FAULKNER, Enquanto eu agonizo

(São Paulo, Mandarim, 2001, tradução de Wladir Dupont).

Biologia/ciência e ideologia

A biologia enquanto biologia não é necessariamente ideológica ou política. Mas diferentes formas de ciência biológica ou outras formas de ciência podem ter usos sociais mais conservadores ou de esquerda. A motivação e o uso para uma forma de ciência faz parte do sistema social inteiro dessa forma de ciência (acoplamento com atores da sociedade). Inclusive há valores envolvidos que não são apenas os cognitivos (ver discussão ciência e valores). Esses sistemas sociais incluem valores econômicos, de gênero, sociais, políticos, etc.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Funcionalidade: manicomial e antimanicomial

Uma estratégia retórica da psiquiatria biológica é o uso de pacientes modelo com sucesso profissional. O tratamento seria incrível pois uma pessoa gravemente doente consegue fazer sucesso profissional.

Minha impressão é que a personalidade (conservadora em relação à psiquiatria biológica e o capitalismo) de quem segue o tratamento conforme prescrito (seguir as regras esperadas por exemplo) é um fator em comum que leva ao sucesso profissional eventual. Além disso, uma pessoa que segue o tratamento prescrito é mais acreditada como capaz e relativamente saudável e sofre menos estigma. Além disso, o usuário do tratamento privado costuma ser de classe média. Há uma necessidade menor de Estado.

Já o pessoal da reforma psiquiátrica costuma querer apoio estatal e vive um estilo de vida correspondente. Há mais abertura para críticas aos efeitos debilitantes dos tratamentos mas menos interesse em produção econômica também por críticas ao capitalismo e percepção de opressão social difícil de superar. O usuário do sistema público costuma ser de classe socioeconômica baixa. Há uma necessidade maior de Estado.

Por outro lado, se trabalhar for acessível isso se torna mais atrativo. Também há os pacientes da psiquiatria tradicional buscando aposentadoria e os usuários modelos antimanicomais que são economicamente produtivos e mais comuns no exterior.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Desvio e divergência (sociologia americana)

 https://gvcult.blogosfera.uol.com.br/2020/01/21/desviodivergencia-ihoward-becker-classico-da-sociologia-norte-americana/

Becker afirma, primeiramente, que o desvio surge devido à própria necessidade de organização e de funcionamento de uma sociedade, de um grupo social ou de uma instituição em questão. Qualquer grupo social organizado precisa impor determinados padrões usuais de comportamento às pessoas que o constituem, a fim de que o grupo possa alcançar seus objetivos. À medida que emergem desta organização indivíduos ou subgrupos que não agem de forma adequada às normas consideradas corretas, estabelece-se o que denominamos desvio. No entanto, essa definição propicia alguns questionamentos. Será que a incapacidade de uma pessoa obedecer às regras propostas pelo grupo é um fracasso inerentemente pessoal? É, como alguns chamam, uma doença de cariz patológica? Ou o desvio evidencia a inexistência de consenso a respeito dos objetivos propostos e em relação ao que se considera certo ou errado pelo grupo/meio? A sociedade pode ser concebida como um conjunto estável e harmônico de relações sociais? Ou ela se caracteriza como um conjunto de diferentes grupos com distintos – às vezes incompatíveis – interesses, que entram em conflito na proporção em que buscam impor as suas regras grupais sobre as demais?

Estigma e desvio (antropologia)

https://gvcult.blogosfera.uol.com.br/2020/02/04/desviodivergenciaii-gilberto-velho-classico-da-antropologia-brasileira/ 

O segundo texto [Estigma e comportamento desviante em Copacabana] analisa empiricamente um caso de estigmatização de comportamento desviante e procura demonstrar que este é consequência muito mais da forma como outros indivíduos rotulam a ação do que uma característica inerente ao comportamento.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Cosmologia e escolha de terapias

Gostaria de elaborar uma lista com os posicionamentos cosmológicos ou de ontologia (natureza da realidade) implícitos em cada tipo de terapia. Escolhi como denominador comum termos sobre fisicalidade ou imaterialidade que teriam desdobramento nas concepções específicas.

Identificação com um tipo de concepção pode levar a preferência por um tipo de terapia.

Não me sinto seguro de estar fazendo uma descrição boa e completa; É uma primeira tentativa.

 

Neurociência cognitiva e psicologia cognitiva: matéria/cérebro e mente/espírito/cognição

Terapia corporal: vitalismo e mente/espírito

Psicanálise: mente/espírito, pulsões naturais e ciências humanas em abstrações

Neuropsicanálise: matéria/cérebro e mente/espírito

Terapia comportamental: matéria/monismo e cérebro/comportamento físico/social físico

Terapia sócio-histórica: social e histórico e ciências humanas em abstrações (emergente?)

Gestalt: mente/espírito/descrição da intencionalidade

Terapias alternativas: mente/espírito/misticismo

Sistêmica: família (emergente?)

Psicossomática: corpo,mente/espírito/simbolismo

Psiquiatria e Medicamentos: Matéria/fisicalismo/cérebro/reducionismo ontológico

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Desempenho e hierarquia/igualdade (Brasil)

Mas, se tudo está classificado numa ordem hierárquica, o desfile é um momento em que os grupos (os indivíduos) estão em franca competição. Desejo observar que a ideia de competição (isto é, concurso entre iguais) é algo banido do universo hierarquizado. Nele, ninguém deve subir por meio de provas, o que colocaria o desempenho adiante de outros critérios muito mais importantes, como o nascimento, a residência, a cor da pele etc. (os critérios substantivos). Mas no carnaval tudo e feito por meio de concursos, de modo que o idioma da sociedade se transforma. De uma linguagem hierarquizada, passamos a uma linguagem competitiva e igualitária, já que se procura promover uma oportunidade para todos.

Carnavais, malandros e heróis. Roberto DaMatta (p. 148)

Respeito: pais e filhos / rua e casa

rua: descontrole e massificação
casa: controle e autoritarismo.

 E, realmente, a oposição entre rua e casa é básica, podendo servir como instrumento poderoso na análise do mundo social brasileiro, sobretudo quando se deseja estudar sua ritualização.

 De fato, a categoria rua indica basicamente o mundo, com seus imprevistos, acidentes e paixões, ao passo que casa remete a um universo controlado, onde as coisas estão nos seus devidos lugares. Por outro lado, a rua implica movimento, novidade, ação, ao passo que a casa subentende harmonia e calma: local de calor (como revela a palavra de origem latina lar, utilizada em português para casa) e afeto. E mais, na rua se trabalha, em casa se descansa. Assim, os grupos sociais que ocupam a casa são radicalmente diversos daqueles da rua. Na casa, temos associações regidas e formadas pelo parentesco e relações de sangue; na rua, as relações têm um caráter indelével de escolha, ou implicam essa possibilidade. Assim, em casa as relações são regidas naturalmente pelas hierarquias do sexo e das idades, com os homens e mais velhos tendo a precedência; ao passo que na rua é preciso muitas vezes algum esforço para se localizar e descobrir essas hierarquias, fundadas que estão em outros eixos. Desse modo, embora ambos os domínios devam ser governados pela hierarquia fundada no respeito, conceito relacional básico do universo social brasileiro (cf. Viveiros de Castro, 1974), o local básico do respeito se situa nas relações entre pais e filhos, sobretudo no eixo que, em muitos contextos, parece reproduzir nitidamente a relação patrão-empregado.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Boa gente no Brasil

O mesmo ocorre nas passeatas (esses desfiles de protesto), pois o proposito da marcha é uma demonstração contra alguma atitude tomada como injusta pelos desfilantes, agora chamados de "manifestantes", palavra com conotações negativas no Brasil. esse reino do conformismo. Como nas procissões e nas paradas, o alvo do desfile é claro: comemora-se, protesta-se. Sabe-se, numa palavra, o sentido da festividade, da marcha, da reunião. É precisamente isso que provoca a congregação, a aglutinação e, finalmente, a incorporação. Pois, é preciso haver um alvo comum para que os individuos possam transformar-se num conjunto, numa associação. Ora, quando o rito tem um sujeito, ou um dono, é isso que forma o ponto focal da festa e da marcha. É o ponto-chave, o simbolo focal da reunião, o que lhe dá, ao mesmo tempo, um motivo, um sentido e uma unidade. Mas, no carnaval, quem é o dono da festa? Respondendo a essa questão, falamos que "cada qual brinca como pode", pois "o carnaval é de todos". 
Realmente, essa talvez seja a única festa nacional sem um dono. Destaco que na inocência das expressões acima existe um alto conteúdo distributivo e, naturalmente, compensatório. Isso numa sociedade tão centrada na imposição de formas e fórmulas fixas, na sua maioria com um formato jurídico definitivo, nos modos de fazer, reproduzir, comemorar, ritualizar. Seja na "rua" ou em "casa", o brasileiro está normalmente sujeito a regras fixas sque demandam um relacionamento constante entre ele e o seu grupo. De fato, essas regras (e modos de fazer) atrelam o individuo ao grupo (ou a grupos), impedindo sua ação atomizada (como indivíduo) que sempre fica situada fora das normas e tende, como conseqüência, a ser vista e interpretada como ilegítima. Desse modo, o projeto da sociedade brasileira, com suas regras e ritos, é fazer dissolver e desaparecer o individuo. Entre sua vontade individual e um curso de ação ditado pelas normas e ritos, o brasileiro oscila, concilia e interpreta. Nunca é dono de si mesmo, mas, ao contrário, é possuido pelas leis, normas e portarias. Assim, em casa, o individuo está sujeito ao rigido código de amor e respeito à sua família, grupo visto como inevitavel e inescapável, do qual ele é um perpétuo dependente e no qual dissolve sua individualidade em muitas ocasiões. A esse grupo, conforme quer nossa ética social, "tudo se deve" pois e nele que se aprende a ser "alguém", a tornar-se uma pessoa. O mundo da "rua" porém, é o oposto. Nele, vemos o individuo desgarrado de seu grupo moral e, por isso mesmo, sujeito aos códigos impessoais do trânsito, da oferta e da procura, do municipio e do Estado . Não é, pois, por acaso que é precisanente nesse meio hostil e quase sempre carente de hierarquias e complementaridade que o brasileiro utiliza os ritos de afastamento e de reforço, como aquele implicado na expressão "sabe com quem está falando?", todas as vezes em que se sente esmagado pelas normas impessoais e deseja mostrar que, afinal, "é alguém", como veremos mais adiante, no Capitulo IV. No Brasil, então, a passagem da casa para a rua é sempre ritualizada. Preparar-se para sair de casa é não só uma expressao corrente, mas um modo de tomar consciência (ou seja, ritualizar ou dramatizar) essa passagem de um lugar seguro onde reina a complementaridade e a hierarquia, para outro muito mais individualizado, onde se é anônimo. Nessa passagem é preciso "arrumar o corpo", tornando-o publicamente apresentável. A roupa e a aparência (que inclui o modo de andar, falar e gesticular) ajudam a manter uma posição de membro de uma "casa", mesmo quando se está em plena "rua" ajudam a revelar que o interlocutor é "gente que se lava", "gente de berço", que obviamente tem "onde cair morto" pois isso é sinal indicativo de ter uma casa como propriedade permanente e estar sempre num mesmo local, onde pode ser encontrado e todos se conhecem. Inconcebível essa mobilidade extrema dos americanos, que nunca estão preocupados em ter uma casa e vivem, às vezes, em casas móveis! A roupa e a preocupação com a aparência, sobretudo no ato de ir (ou estar) na rua, demonstram que se deseja vestir um etiqueta social no corpo, como um sinal contra o anonimato. Tudo isso serve como instrumento para permitir - no universo individualizado da rua - o estabelecimento de hierarquias e
criar os espaços onde cada um possa perceber e saber "com quem está falando". Diríamos então que no Brasil todas as situações sociais têm algum "dono". Se este não é uma pessoa concreta, é um santo. Se não é um herói, é algum domínio. Sempre, e este é o ponto-chave, existe uma necessidade de impor um código qualquer, de modo que a situação possa ser hierarquizada. Mas no carnaval as leis são mínimas. É como se tivesse sido criado um espaço especial, fora da casa e acima da rua, onde todos pudessem estar sem essas preocupações de relacionamento ou filiação a seus grupos de nascimento, casamento e ocupação. Estando, de fato, acima e fora da rua e da casa, o carnaval cria uma festa do mundo social cotidiano, sem sujeição às duras regras de pertencer a alguém ou de ser alguém. Por causa disso, todos podem mudar de grupos e todos podem se entrecortar e criar novas relações de insuspeitada solidariedade. No carnaval, se o leitor me permite um paradoxo, a lei é não ter lei.

Significado de desclassificado no Brasil

Observe que a palavra "desclassificação" tem conotações sociais terríveis no Brasil. Dizer que alguém é "desclassificado" significa apontar que ele é um "individuo, um desgarrado, alguém sem "classe", sem grupo, sem princípios, em suma, um marginal. Ver o Capitulo IV

Nota de rodapé. Carnavais, malandros e heróis. Roberto DaMatta

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Liberdade, tutela/coerção e riscos

Um silogismo básico de uma concepção de liberdade:

P 1) Liberdade é desregulação

P 2) Desregulação é algo perigoso

C) Logo, a liberdade é perigosa

É uma questão conceitual sobre a liberdade que tem implicações para a reforma psiquiátrica e para atitudes frente à tutela e coerção dos pacientes mentais.

Nessa concepção, outros valores como saúde, segurança estão acima da liberdade. O paternalismo defende esses valores em detrimento da liberdade. Mas o paternalismo toma alguns modelos ou valores como os melhores de forma etnocêntrica e a pessoa que perde a liberdade preza por outros modelos ou valores. Logo, a tutela e a coerção pode ser uma forma de incapacidade de relativizar alguns modelos que são tomados como absolutos ou sagrados.

Mas talvez nem seja necessário relativizar valores pois a implicação de desregulação e perigo pode ser falsa e apenas uma dedução em forma de aniquilação simbólica que interpreta como perigo o desvio de alguns modelos tomados como absolutos ou sagrados. O perigo seria escapar de um modelo que se quer concepção exclusiva do mundo e que quer ter o poder da força para se legitimar. E escapar ao modelo exclusivo do mundo seria minar o poder de pessoas que promovem esses modelos.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Carnaval e loucura

"Em condições normais, esse espaço - por ser vigorosamente contrário ao mundo cotidiano, e sendo dele uma imagem invertida - apenas reforça esse mundo, confirmando-o. Mas as condições normais são muito relativas e, como procurei revelar no capítulo anterior a forma carnavalesca parece muito importante como um modo alternativo para o comportamento coletivo, e sobretudo porque é no carnaval que são experimentadas novas avenidas de relacionamento social que, cotidianamente, jazem adormecidas ou são concebidas como utopias. Por isso, o mundo do carnaval é, para nós, o mundo da loucura!" 

Carnavais, malandros e heróis. Roberto DaMatta (p. 88)

Autoritarismo (antropologia)

"Rituais que reforçam as regras e os papeis sociais existentes como o Dia da Pátria, por exemplo, são multiplicados em sistemas em que o autoritarismo é dominante. E autoritarismo significa a diminuição de visões múltiplas sobre a mesma estrutura social. Daí o nome totalitário para tais sistemas que expressam visões contaminadas (ou totais) da ordem social, ou seja, representam perspectivas exclusivas dessa ordem."

Carnavais, malandros e heróis - Roberto DaMatta (p. 76)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Significados associados ao determinismo

Determinismo é uma perspectiva filosófica sobre a determinação de fenômenos ou eventos por outros eventos ou condições.

O determinismo está associado psicologicamente a alguns símbolos como coerção, falta de escolha, destino e falta de controle sobre a própria vida. A defesa do livre arbítrio seria a defesa desses aspectos associados.

O determinismo também tem o significado negativo de que alguns fenômenos estão totalmente explicados e determinados por alguns fatores escolhidos como os mais fundamentais.

Mas a concepção de que fenômenos são determinados pela relação entre eventos é fundamental na perspectiva científica. Portanto, para a inteligibilidade dos fenômenos da natureza e sociedade.

sábado, 4 de fevereiro de 2023

"Silêncio da mente/cérebro" e o comportamento ativo

Uma das concepções de saúde na medicina é o silêncio dos órgãos. Nas questões de saúde mental seria transposto para silêncio da mente/cérebro.

Mas nem sempre tudo é tão interno como faz parecer esse modelo científico. Parte do que esse modelo afirma ser disfunção interna pode ser resultado de exigências ambientais ou contingências de reforçamento não satisfeitas. Para ter "silêncio da mente/cérebro" é necessário apresentar classes de comportamentos operantes que minimizem os eventos aversivos e maximizem os reforçadores positivos. Dessa maneira ativa e não através da passividade de uma estrutura orgânica é que a "mente/cérebro" ficam silenciosos.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Invega Sustenna e variabilidade da frequência cardíaca (VFC)

Variabilidade da frequência cardíaca (VFC) e Invega Sustenna

[Atualizado em 9 de fevereiro de 2023]

Eduardo Popinhak Franco

Objetivo: avaliar alegação de estabilidade de dose

Revisão conceitual

A variabilidade da frequência cardíaca (VFC) ou heart rate variability (HRV) é um indicador da atividade do sistema nervoso autônomo utilizado na medicina e na psicofisiologia da neurociência ou psicologia cognitiva. A variabilidade da frequência cardíaca consiste em quanto os batimentos cardíacos variam. As sessões devem ter no mínimo 2 minutos. Foi utilizado o aplicativo Nami criado pelo ex-professor de neurociência cognitiva da UFSC Emílio Takase. O sensor utilizado foi o microfone embutido de um celular Samsung sem capinha. Ajustes foram feitos do sinal conforme indicado em documento publicado na internet durante a pandemia de Covid-19.

A variável RMSSD indica ativação do freio parassimpático e valores maiores indicam maior resiliência psicológica do organismo e reações aumentadas de relaxamento, conforto e prazer. O nervo vago liga a parte superior do coração ao cérebro e está relacionado com o sistema nervoso parassimpático (RMSSD). O resto do coração é ligado ao resto do corpo através de outros nervos, têm efeito sobre o padrão de batidas do coração e está relacioado ao sistema nervoso simpático que aumenta as reações de estresse. A coerência cardíada indica o grau em que os recursos fisiológicos do organismo estão sincronizados, aumentando a eficiência fisiológica nas atividades diárias.

Método e análise de dados

O tratamento dos dados foi realizado ao obter-se a média diária de RMSSD ao longo do mês a partir de cinco ou seis mensurações na maior parte dos dias; comparar o valor de RMSSD nos três períodos do dia obtendo a média de todos os valores de cada período do dia nas duas primeiras semanas. A coerência diária e o RMSSD diário serão obtidos posteriormente por meio da importação dos arquivos de extensão CSV de cada dia para obter o cálculo automático de estatísticas feito pelo aplicativo Nami.

A opção por obter médias diárias de RMSSD foi feita pela semelhança de metabolização dentro de um mesmo dia que se distribui pelas diferentes mensurações num mesmo dia. A média permite balancear os valores de metabolização distribuiídos nas diferentes mensurações num dia e as interferências do ambiente (atividades diárias). Essa proposta de análise de dados se confirmaria se os valores médios diários obtidos forem graduais (paramétricos). Posteriormente poderia ser feita a mensuração logo ao despertar pela manhã ao longo dos dias do mês para evitar interferência das atividades diárias, o que facilitaria a replicação do resultado dessa coleta de dados. 

A pergunta que motivou a coleta de dados foi a verificação da alegação de estabilidade de dose promovida por Invega Sustenna e seu efeito terapêutico.  

Foi administrado 100mg (miligramas) da injeção Invega Sustenna no glúteo. Invega Sustenna é um metabólito da risperidona que é o equivalente a risperidona pré-processado para o músculo.

Tentou-se controlar a diferença do ritmo circadiano fazendo 2 mensurações da variabilidade da frequência cardíaca ou mais em cada período do dia ao longo do mês. A média da variabilidade da frequência cardíada com base nas média em cada período do dia nas duas primeiras semanas indicou uma diferença pequena entre os três períodos do dia. Tentou-se manter estável (controlar variável) a postura sentada na mesma cadeira, a saciação da fome, a hidratação, o tempo de repouso ereto antes da mensuração, a sensação de calor e os hábitos de exercício físico. Essas variáveis foram mantidas de maneira semelhante aos hábitos diários do participante.

Resultados

O valor médio de RMSSD no dia anterior  à administração de Invega Sustenna foi 28, valor não diferente do primeiro dia da administração. O valor de RMSSD foi semelhante (acima) do primeiro dia até aproximadamente o sexto dia. Do sétimo dia até o vigésimo dia o valor médio de RMSSD foi menor. Do dia vigésimo primeiro até o dia 30 o valor médio de RMSSD foi instável, com valores altos e baixos semelhantes aos da primeira semana até o dia seis e das segunda e terceira semanas. Nos dia 17, 20,21 e 29 a quantidade de mensurações foi menor do que seis, respectivamente cinco, quatro, quatro e três*. A mensuração não foi feita nos dias cinco, do décimo até décimo segundo e nos dias vigésimo sexto até vigésimo oitavo. No dia cinco houve um dia mais movimentado. Nos dias décimo até décimo segundo mudança de ambiente e de rotina. Nos dias vigésimo sexto até vigésimo nono houve mudança de ambiente, de rotina e evento altamente estressante no dia vigésimo sexto.





Os valores das mensurações de cada dia tiveram uma variação de no máximo [inserir valor]. Em alguns momentos o valor de RMSSD se estabilizou na maior parte da sessão entre cinco e dez. Mas os valores finais dessas sessões foram maiores, oito ou dez e aproxidamente treze a dezesete, devido às variações dentro da sessão e interferência de movimento e em alguns momentos contração do estômago. O aplicativo Nami corrige automaticamente as batidas do coração fora da curva (outliers), então é possível que as interferências sejam corrigidas.

Na quarta semana (dia vigésimo primeiro até dia trigésimo) os valores instáveis podem ter ocorrido devido a algum processo relacionado com a abstinência de redução de dose (já que o valor de RMSSD é inversamente proporcional à dose de neuroléptico metabolizado como foi avaliado com o comprimido Socian em 2014). Outra possibilidade é que tenha havido interferência do evento altamente estressante e da rotina. A quantidade de mensurações pode não ter afetado significativamente o valor médio de RMSSD por que valores instáveis semelhantes foram obtidos com quatro e seis mensurações por dia, respectivamente, nos dia vigésimo, vigésimo primeiro (quatro mensurações) e nos dias vigésimo segundo e vigésimo terceiro (seis mensurações). No dia vigésimo novo foram realizadas apenas três mensurações (verificar) mas o valor médio não foi diferente de outro dia em que foram realizadas seis mensurações. Adicionar uma mensuração (de cinco para seis) teve efeito pequeno no valor médio de RMSSD nos dias ao longo do mês.

Valores médios de RMSSD dos períodos dos dias das primeiras semanas obtidos para avaliar ritmo circadiano (relógio biológico).

m 17,375

t 18,9375

n 18,1875

Legenda: m=manhã, t=tarde e n=noite

Discussão

A variável RMSSD indica que o aumento da dose da injeção mensal Invega Sustenna aumenta a partir da segunda semana. Na terceira semana o efeito é maior na redução de RMSSD. Nas quarta e primeira semanas RMSSD indica que as doses são menores. É interessante que o usuário da injeção seja capaz de discriminar que nas segunda e terceira semanas se sentirá desanimado pelo efeito do aumento de dose para que a não discriminação disso não leve a pensamentos, sentimentos e comportamentos negativos sobre influência da redução da ativação da fisiologia do sistema nervoso parassimpático. A variação de dose que ocorre diariamente com comprimidos neurolépticos também ocorre ao longo do mês com a injeção mensal Invega Sustenna. O participante da coleta de dados se hidratava da forma habitual de sua rotina e isso pode ter aumentado os valores absolutos de RMSSD. Observando-se o padrão de RMSSD ao longo da sessão de 3, 4 ou 5 minutos notou-se uma variação irregular. Seria interessante comparar o grau de irregularidade do padrão de RMSSD dentro das sessões entre comprimidos neurolépticos e a injeção mensal Invega Sustenna. A diferença principal entre a primeira e quarta semanas foi que os valores maiores foram mais frequentes enquanto que na segunda e terceira semanas os valores menores foram mais frequentes. Valores menores de RMSSD indicam inibição e valores maiores espontaneidade. Portanto, a inibição (suposto efeito terapêutico) segundo esses resultados é maior nas segunda e terceira semanas e nas primeira e quarta semanas a espontaneidade é maior. A alegação de estabilidade de dose e seus efeitos terapêuticos deve ser relativizada pois somente a velocidade de metabolização menor foi capaz de manter a dose relativamente estável nos dois conjuntos de duas semanas diferentes. Substituindo-se a noção de estabilidade de dose por suficiência de dose terapêutica poderia-se inferir que o efeito terapêutico de inibição maior nas segunda e terceira semanas levaria a menos comportamentos problemas nessas semanas e mais comportamentos problemas nas primeira e quarta semanas, de forma análoga à dose menor no fim do período de metabolização de 24 horas de comprimidos neurolépticos (Socian e VFC, 2014). Na quarta semana a instabilidade de valores médios de RMSSD poderia indicar efeito de um processo relacionado com abstinência de redução de dose. É precipitado concluir que a instabilidade na quarta semana se deve à irregularidade de metabolização durante a transição do nível de dose já que seriam necessários mais dados para replicar o padrão de instabilidade e conhecimento do processo bioquímico e fisiológico. No entanto, não é implausível instabilidade da taxa de batimentos cardíacos já que em artigo sobre abstinência de álcool encontrou-se instabilidade acentuada. Segundo Martusevich, A., Zhukova, N., Dilenyan, L., Bocharin, I., & Mamonova, S. (2020): "Os nossos doentes com síndrome de abstinência alcoólica no período de reabilitação apresentaram uma acentuada instabilidade do ritmo cardíaco, manifestando-se no papel crescente dos seus mecanismos de regulação intracardíaca e no efeito estimulante da simpatiotonia." O efeito de abstinência com redução de dose é um processo já descrito na literatura científica. No entanto, é possível que haja lacuna na literatura científica sobre o efeito da abstinência de neurolépticos na variabilidade da frequência cardíaca, somando-se lacunas de artigos com método de sujeito único e sem o uso de estatística. [Com aplicativo Nami na Google Playstore e um celular qualquer pessoa em uso contínuo ou com possibilidade de descontinuar neurolépticos facilmente poderia coletar os dados. A coleta mais simples seria feita nos últimos 10 dias do mês e na primeira semana após a adminstração da Injeção Invega Sustenna. Outra possibilidade seria a coleta dados de abstinência de comprimidos neurolépticos ou outras drogas psiquiátricas.]

Pode-se afirmar que esse padrão de metabolização foi observado devido à administração da injeção no glúteo. A administração no músculo deltóide provavelmente só tornaria o início do padrão de metabolização acontecer antes mas a variação no grau de metabolização provavelmente também ocorreria.

Como os valores médios de RMSSD em dias adjacentes foi semelhante e porque os valores da quarta semana se assemelharam aos da primeira semana, optou-se por não mensurar RMSSD na quinta semana com o objetivo de replicação.

Também seria interessante avaliar o grau de regularidade ou irregularidade nos valores de RMSSD e valores máximo e mínimos para Invega Sustenna e comprimidos neurolépticos dentro de cada sessão e ao longo das sessões do mês para Invega Sustenna.

Observação: Quem tiver interesse em reanalisar os dados com a correção automática do Kubios pago. outros aplicativos e refazer os cálculos. Envie e-mail para crisedapsiquiatria.qma56@simplelogin.com

Referências:

TAKASE,Emílio - MOBILIZAÇÃO PARA SABER SE FREQUÊNCIA CARDÍACA COMO BIOMARCADOR ( INDICADOR ) PARA COVID-19 Gripe

Efeito da Medicação Neuroléptica Socian (100mg) na Variabilidade da Frequência Cardíaca
https://crisedapsiquiatria.blogspot.com/2014/07/efeito-da-medicacao-neuroleptica-socian.html


APRENDENDO A RESPIRAR: uma breve introdução ao biofeedback cardiorrespiratório Autores: Mariana Lopez Teixeira - Fernanda Vargas Amaral - Emilio Takase - Ruy Marra
Aplicativo Nami - Google Play store
Martusevich, A., Zhukova, N., Dilenyan, L., Bocharin, I., & Mamonova, S. (2020). Heart Rate Variability in Patients With Alcohol Withdrawal Syndrome. Iranian Heart Journal21(4), 100-106. Link: http://journal.iha.org.ir/article_115208.html

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

"Fisiologia não é comportamento" (Behaviorismo)

"Fisiologia não é comportamento"

Escrever sobre essa afirmação e relacionar com a dificuldade de compreender e se interessar em intervenções comportamentais.

Algumas dificuldades:

- observação imediata da fisiologia no próprio corpo (topografia: apenas uma parte do comportamento)

- definição de comportamento como expressão pública do interior ou de estrutura orgânica interior

- percepção insuficiente de como a aprendizagem altera a fisiologia (pelo histórico de alteração do corpo e pelo ambiente atual)

- necessidade de aprendizagens relativamente sofisticadas para compreender e se interessar nas intervenções

- possibilidade de alteração da fisiologia sem alterar os eventos do cotidiano por meio de biofeedback (estimulação ambiental), drogas e outras intervenções cerebrais.

- aversividade da percepção de que a pessoa está produzindo as dificuldades ou não tem habilidades para resolver as dificuldades

- definição reducionista ontológica (bioquímica ou de outra natureza) dos fenômenos fisiológicos

- necessidade de aprendizagem de que comportamento é processo físico e biológico num nível emergente mas que tem correlatos fisiológicos comprovados em nível inferior (os mesmos do reducionismo e da neurociência)

 - necessidade de aprendizagem que intervenções cerebrais também são manipulações ambientais

- amplo acesso a descrições estruturalistas dos fenômenos (características físicas, estruturais como reducionismo ontológico) e acesso limitado a descrições funcionais dos fenômenos

Neurolépticos, iniciativa e desmame

A cirurgia de lobotomia (destruição da parte frontal do cérebro) retirava a iniciativa dos pacientes. Com o surgimento dos neurolépticos/antipsicóticos/tranquilizantes maiores, a lobotomia foi substituída por essa classe de drogas. No início, o discurso de marketing considerava os efeitos de forma sincera como semelhantes aos efeitos da lobotomia (retirada de iniciativa, passividade, apatia). Com a frequência geral de comportamentos operantes reduzida, busca-se obter que o paciente incomode menos seu círculo social. Não sem o custo para o paciente de muita aversividade, o que pode aumentar a motivação para continuar reclamando ou incomodando. 

Com o desmame dos neurolépticos/antipsicóticos/tranquilizantes maiores, o usuário da droga têm sua iniciativa aumentada novamente. Mas como resultado de adaptação compensatória que leva ao aumento da quantidade de receptores de dopamina com o tempo de uso. A recomendação é que o desmame seja feito lentamente, tanto mais lentamente quanto mais tempo de uso [essa informação é incompleta e é arriscado se basear somente nisso para fazer desmame]. A redução progressivamente mais lenta pode levar a uma readaptação dos receptores de dopamina de forma que o processo de transição da fisiologia e dos comportamentos operantes não ocorra abrupta ou rapidamente além do que o usuário da droga é capaz de suportar e o ambiente é capaz de tolerar. Com o processo de transição, novidades tenderão a ocorrer tanto da parte da pessoa fazendo desmame quanto do ambiente social. Essas novidades levam a necessidade de novos ajustes comportamentais dinâmicos. Se a redução da dose for lenta, se torna mais simples e gradual o processo de ajuste comportamental às novidades. Novidades que podem ser interpretadas como crise ou retorno do processo subjacente da "doença mental", mas tal interpretação é resultado da insuficiência dos novos ajustes. Num ambiente de baixa tolerância e acolhimento das iniciativas do paciente e mal preparado para fazer novos ajustes, a dificuldade para fazer desmame de neurolépticos/antipsicóticos/tranquilizantes maiores aumenta. A essa dificuldade se soma que pela definição comportamental, o problema de interesse são os comportamentos inapropriados, e segundo o senso comum e o discurso psiquiátrico tradicional, fazer desmame é considerado um absurdo. Por isso, apenas tomar a decisão de fazer desmame dessa classe de drogas por conta própria, seja de forma abrupta ou de forma gradual, se torna difícil. Difícil ao ponto de a sociedade não conseguir assimilar essa possibilidade por falta de exemplos difundidos de desmame bem sucedidos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Remédio para perda cognitiva na esquizofrenia

Danos neurológicos causados pelos neurolépticos não podem ser considerados pelas restrições que as parcerias com a indústria farmacêutica impõem.

Se o remédio for aprovado, a percepção social de melhora cognitiva fará a pessoa diagnosticada ser tratada de forma diferente pela sociedade (com mais fé nas capacidades da pessoa), ou ela terá mais expectativas e obrigações de cumprir tarefas e responsabilidades. Portanto, o efeito não seria apenas cerebral.


Observação adicional: Apesar do dano neurológico (resultante seja dos neurolépticos ou da esquizofrenia) consistir em eventos adversos para os resultados ocupacionais, não é estritamente necessário para o sucesso ocupacional ter funções cognitivas intactas. É possível utilizar a função dos comportamentos operantes para modificar e estabelecer repertório pré-requisito para sucesso ocupacional, uma vez estabelecidos os comportamentos operantes isso é o mais determinante para o sucesso ocupacional, já que os comportamentos terão efeito direto no contexto de exigência ambiental. Alterar o cérebro para estabelecer comportamentos ocupacionais é uma forma indireta e por isso menos eficiente de reabilitação. 

[Adicionado posteriormente em 7 de fevereiro: Duas concepções de inteligência diferentes subjazem as duas perspectivas. Uma considera a inteligência resultado automático de estruturas cerebrais intactas ou saudáveis. Outra considera que inteligência é um adjetivo para comportamentos operantes sofisticados e de qualidade. O ponto é que é possível ter estruturas cerebrais intactas e não ter desenvolvidos comportamentos operantes sofisticados e de qualidade. Também é possível não ter estruturas cerebrais intactas e ter desenvolvido comportamentos operantes sofisticados e de qualidade. Nesse caso, o dano na função cerebral/cognitiva terá menos relevância na inteligência e na capacidade ocupacional pois os comportamentos operantes aprendidos já estão estabelecidos e se há pré-requisitos para desenvolvê-los mais ainda a estrutura cerebral danificada terá pouca relevância salvo em casos de dano extremado. Além disso, é possível que seja mais importante a capacidade de apresentar comportamentos novos (uma das definições de inteligência) resultante de processos comportamentais do que ter estruturas cerebrais intactas e não ser capaz de apresentar comportamentos novos resultante do lado inverso dos processos comportamentais relacionados a adjetivação de inteligência.].