Caridade. A inerente coercitividade da competição está sufi-
cientemente clara. Um resultado de competitividade desenfreada é o
nosso mundo partido em possuidores e despossuídos, uma estrutu-
ra que agora se prova instável. A caridade institucionalizada e priva-
da e as "redes de segurança" governamentais tentam prover níveis
mínimos de apoio para os mais severamente privados, mas eles nem
impediram o alargamento da lacuna econômica nem reduziram a
ameaça de instabilidade social.
Uma solução muito defendida para o problema de uma socie-
dade dividida em dois é impor a igualdade por meio da redistribui-
ção de toda a riqueza e recursos. Esta proposta toma uma de duas
formas, ambas coercitivas: uma é simplesmente tomar todas as pos-
ses das duas metades e dividi-las entre os despossuídos; a outra é a
pesada taxação pelo governo, o suficiente para prover estabilidade
para todos. Aqueles que exigem uma destas soluções não as pensa-
ram até seus resultados finais.
Redirecionar o desequilíbrio atual confiscando e redistribuin-
do, embora possa apelar para o sentido de justiça de alguns, não
produzirá estabilidade. Dada a continuidade da competitividade,
apenas veríamos ciclos repetitivos de concentração e subseqüente
redistribuição forçada de riqueza. Quais são as contingências aqui?
Vencer, embora seja recompensado de início, é finalmente punido;
perder, embora punido de início, é finalmente recompensado. Uma
conseqüência destas contingências serão ondas crescentes de opressão severa
crescente por parte daqueles que ganharam tudo e desejam mantê-lo e
contramedidas crescentemente violentas por parte daqueles que nada têm a
perder.
Tais ciclos de ganho e perda, perda e ganho simplesmente manteriam
eternamente os grupos em disputa, primeiro um dominando e, então, o outro.
Quão freqüentemente vimos este processo se repetindo no terreno da
propriedade? O governo se apropria de toda a terra e a devolve para "o
povo" — os pequenos agricultores. Não demora muito e alguns agricultores
ganharam tudo para si e mais uma vez o governo e os ricos experienciam
ataques violentos de proponentes revolucionários da reforma agrária.
Podemos ver um processo semelhante se iniciando em nossas cidades, onde
a falta de moradia popular está levando governos locais a impor pressões
confiscatórias contra proprietários de terra. A ferramenta coercitiva produzirá
apenas uma nova geração de monopolistas, aqueles que pegaram as menores
parcelas e a juntam novamente para seu próprio beneficio.
A política governamental de bem-estar, que pretende eliminar pelo
menos os extremos de riqueza e pobreza, acabará em uma sociedade dividida
em dois de um outro tipo, não mais satisfatória e produtiva e provavelmente
não mais estável que a atual. Já podemos ver os primeiros resultados da
segurança econômica, habitacional e de saúde que é provida
independentemente de qualquer coisa que o indivíduo faça ou deixe de fazer
— o que quer dizer, sem relação contingente entre conduta e conseqüência.
O que se supõe vir a ser uma sociedade sem classes está a meio caminho de
tornar-se uma nova estrutura de dois níveis, hospedeiro e parasita,
freqüentemente visto na natureza, mas raro, em grande escala, entre humanos.
Isto não é um julgamento de valor, nem um ataque ao liberalismo (nome do esquerdismo nos EUA).
É uma conclusão que a análise do comportamento torna inevitável. Um estado
de bem-estar viola a primeira lei da conduta: o que as pessoas fazem é ditado
pêlo que acontece. Naturalmente, outros fatores modulam esta primeira lei;
conseqüências não agem isoladamente. Mas, é freqüentemente revelador
examinar projeções que não reconhecem como fontes de interferência os
processos básicos de reforçamento. Tais análises podem ser úteis por nos
mostrar para onde nos dirigimos se não modificarmos as contingências.
N o futuro , sem intervenção , quais são os dois níveis a serem
esperados do compartilhar não-contingente de todos os recursos da
comunidade e como surairão estes dois níveis? Um lado da socieda
de do bem-estar conterá produtores, ou outro, parasitas. Pessoas da
classe trabalhadora irão se engajar interativamente em seu ambien-
te, mudando-o, deixando nele sua marca, construindo repertórios de
conduta variados em resposta às contingências naturais e sociais;
os trabalhadores levarão vidas produtivas e potencialmente satisfa-
tórias. Aqueles da classe de parasitas receberão tudo em troca de
nada, recostados com suas bocas abertas à espera de alimento, não
interagindo com e, até mesmo, alienados de seus ambientes; os
parasitas permanecerão infantis e não-produtivos. Este bem conhe-
cido problema familiar, a criança mimada, há de se generalizar para
toda uma sociedade.
Parasitas, com suas necessidades básicas satisfeitas, têm
pouco incentivo para mudar. Por que ser um produtor quando ou-
tros estão dispostos a fazê-lo por você? Por quanto tempo os produ-
tores vão se manter produtivos nestas circunstâncias? Por quanto
tempo vão se manter dispostos a dividir, quando virem os frutos de
seu trabalho desviado para aqueles que os obtêm simplesmente pa-
rando e esperando? A relação é inerentemente instável.
Problemas que se originam de acesso desigual aos recursos
do mundo não serão resolvidos aplicando-se medidas cada vez mais
severas para manter os despossuídos em seu lugar ou, simplesmen-
te, entregando-lhes uma parte. Ambas as soluções abordam o pro-
blema ao contrário, tentando impedir contra-reações, seja eliminan-
do os despossuídos, seja reforçando a passividade. Vimos que tenta-
tivas para eliminar comportamento são finalmente autoderrotadas.
Caridade não-contingente pode ser igualmente devastadora, tornan-
do doadores em hipócritas e recebedores em seres vegetativos.
A satisfação de nossas necessidades independentemente do
que quer que seja que façamos ou deixemos de fazer tornar-nos-á
essencialmente sem comportamento. Contingências ambientais ge-
ram novo comportamento; quando nossos atos produzem conse-
qüências, nós aprendemos. Quando essas conseqüências vêm inde-
pendentemente do que quer que seja que façamos ou deixemos de
fazer, nós ou não conseguimos aprender ou aprendemos, na realida-
de, a fazer nada.
Embora seja sensato e, freqüentemente, satisfatório compar-
tilhar os frutos do sucesso com os menos afortunados, está longe de
ser càritativo tornar este compartilhar não-contingente. Doar cega-
mente, em nome do humanitarismo, garante que aqueles que preci-
sam de caridade porque não têm capacidades produtivas manter-se-
ão incapazes. Não importa quão desagradável consideremos a noção
de controlar os outros por meio de doação contingente, nós os con-
trolamos de qualquer modo—inadvertidamente, mas da mesma forma efetivamente
—por meio de caridade que não está relacionada a qualquer coisa que eles aprendam
ou consigam fazer. A caridade não-contingente produz e perpetua a pobreza.
Portanto, a caridade em si mesma não prove solução para os problemas
que a coerção competitiva coloca. Manter as pessoas sem comportamento não é
um favor para elas, as destrói. Uma classe social definida por incompetência e
ignorância, com a conseqüente inabilidade de seus membros para deixar essa classe
ou mesmo para se sustentarem a si mesmos dentro dela, finalmente tornará o
restante da sociedade ressentido. Tendo sido forçados, em nome da humanidade, a
se manterem no mesmo estado que os torna objetos de caridade, eles finalmente se
tornam alvo de hostilidade e repressão.
Coerção e suas implicações - Sidman
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