Desistindo da sociedade
Fugitivos de um outro tipo desistem
completamente do fluxo principal da sociedade. Alguns apenas flu-
tuam nas águas estagnadas, alguns lutam em águas turbulentas,
alguns tentam mudar a direção da corrente e alguns tentam explodir
os diques e afundar todos nós. Eles vão das crianças "da paz e do
amor" dos anos 60 e seus sucessores guiados por gurus — autocen-
trados, mas pacíficos, perturbadores em sua disposição de ser explo-
rados — ao extremo oposto do continuam de desistentes, os terroris-
tas de hoje — autocentrados e violentos, amedrontadores por causa
de seu total desprezo pela vida humana e pelos seus produtos.
Também encontramos muitos em estágios intermediários. Alguns se
retiraram apenas dos aspectos abertamente competitivos da vida130
Murray Sidrnan
mas mantêm-se artística ou intelectualmente criativos. Outros devo-
tam suas energias não tanto para a produtividade, como para a
preservação. Ainda outros tentam mudar o sistema por meio de
mecanismos socialmente aceitos como legislação, campanhas publi-
citárias, apoio a candidatos políticos, filiação em partidos ou de-
monstrações não-violentas.
A sociedade, rotulando como caronas aqueles que adotam
estilos de vida não-produtivos, dirige abuso social e político a eles. A
comunidade vê desistentes que encontram segurança nos rituais e
despotismo benevolente de um auto-intitulado profeta como amea-
ças a modos estabelecidos de conduta. Ela interpreta sua fuga como
um tapa na cara dos pais e outros responsáveis por integrar os
jovens na comunidade. Freqüentemente, pessoas que são rejeitadas
pelos desistentes voltam-se contra eles, tentando tirar sua liberdade,
classificando-os como mentalmente doentes ou incompetentes. A so-
ciedade se opõe até mesmo àqueles que podem ser chamados de
desistentes construtivos — aqueles que usam recursos-padrão e mo-
ralidade convencional na tentativa de mudar a estrutura da socieda-
de — invocando os mesmos mecanismos e moralidade socialmente
aprovados para preservar o status quo. Dissidentes, tratados como
desistentes, descobrem-se alvos de abuso verbal, físico e econômico.
"Se as conseqüências de desistir são tão opressivas e mesmo
perigosas", pode-se perguntar, "por que tantos tomam este cami-
nho?" Quando indivíduos insistem em abrir mão dos reforçadores
positivos que uma sociedade torna disponíveis, até mesmo trazendo,
em vez disso, punição severa sobre si mesmos, uma análise compor-
tamental dos indivíduos e sua sociedade torna-se necessária. Histó-
rias individuais revelarão que muitos que são classificados como
desistentes jamais foram realmente admitidos nos grupos dos quais
eles supostamente se retiraram. Eles podem, na verdade, ser fugiti-
vos da coerção, mas podemos chamá-los de desistentes se a socieda-
de nunca os assumiu como membros, para começar? Eles não esco-
lheram uma vida de opressão; eles não tiveram alternativa. Embora
tratados como desistentes, eles realmente são banidos.
É provável que descubramos, então, que muitos que parecem
tér desistido jamais tiveram acesso a reforçadores positivos suposta-
mente disponíveis. Crianças de minorias sociais freqüentemente
crescem sem escolarização efetiva, especialmente se repressão so-
cial, política e econômica impediu sua comunidade de desenvolver
uma tradição de mobilidade social ascendente. Longe de desistir,
elas foram excluídas do grupo.Coerção e suas implicações
131
Em famílias economicamente bem-sucedidas, o único apoio
paterno que alguns adolescentes conhecem é o monetário e mesmo
esse apoio não é contingente a qualquer coisa que eles façam ou
deixem de fazer. Estes jovens emocionalmente privados, a quem
jamais se ensinou responsabilidade social ou financeira, jogarão fora
seus recursos facilmente obtidos em busca de quaisquer reforçado-
res positivos que passem ao seu alcance. E assim encontramos
muitas crianças privilegiadas, cortadas dos laços familiares normais,
movendo-se para fora de seu vazio social e emocional em direção à
cultura da droga.
Por outro lado, também encontramos muitos para quem pu-
nição e reforçamento negativo anularam quaisquer reforçadores po-
sitivos disponíveis. Eles vão dos que sofreram abusos físicos e se-
xuais a aqueles que simplesmente descobriram como repulsivas as
inconsistências e hipocrisias da civilização. Para eles, sair do fogo
para cair na frigideira pode ser um ato de desespero. Controle coer-
citivo que faz isso desperdiça vidas. O crescimento do indivíduo
cessa e a sociedade perde as contribuições potenciais de seu mem-
bro desistente.
Embora esses desistentes possam apenas trocar uma situa-
ção ruim por outra, eles ainda podem obter acesso a reforçadores
dos quais anteriormente estavam excluídos, ou podem encontrar
novos tipos de reforçadores para substituí-los; estes podem recom-
pensar as novas dificuldades. Ao tentar entender por que os desis-
tentes parecem tão desejosos de trazer para si a ira da sociedade,
temos que considerar todas as alternativas e opções que desistir
torna disponíveis. Amizade e afeição, abertamente dadas e recebi-
das, mesmo em um refúgio onde a fome e o desconforto físico preva-
lecem, podem facilmente contrabalançar um ambiente anterior que
provia todas as necessidades físicas, mas punia calor emocional.
Desistentes de setores privilegiados da sociedade, algumas vezes se
descobre, sacrificaram segurança econômica por segurança emocio-
nal.
<
Considera-se que certas drogas "aumentam a consciência",
embora na realidade reduzam a acuidade sensorial, distorçam a
percepção e prejudiquem o julgamento. Entretanto, junto com estas
desvantagens, as drogas também podem produzir esquecimento das
restrições, repressões e agressões da vida. Portanto, drogas podem
ajudar a mitigar ambos, os desconfortos de um estilo de vida alter-
nativo e o abuso adicional que um ambiente coercitivo aplica ao
tentar reclamar de volta seus desistentes.132
A longo prazo, sair da sociedade não funciona, seja generica-
mente ou para o indivíduo. A sociedade sobrevive a seus membros e
sua paciente coerção esmaga rebeliões não-construtivas. Embora
aqui e acolá indivíduos realmente encontrem um nicho não-tradicio-
nal para si mesmos, ocasionalmente até tendo sucesso na alteração
de práticas de comunidades, o destino usual de um desistente é a
inefetividade — verdadeiro esquecimento. O desperdício é enorme.
Murray Sidman - Coerção e suas implicações
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